Em luta sem quartel contra esse inimigo oriundo do coração da China, e que se vale de seu tamanho microscópico para fugir do combate direto, olho no olho, resolvi, levando em consideração certas medidas ditadas não pela covardia, mas pela astúcia, e tendo em vista minha condição de sexagenário, levantar a ponte levadiça do meu castelo e ataca-lo com táticas de guerrilha, ou seja, fugir do contato pessoal, como os russos fizeram contra Napoleão, enquanto ele esmorece e fica fragilizado, alvo fácil para um contra-ataque.
Lembrei-me, então, de Xavier de Maistre, e levando em consideração que o mesmo sentou praça no exército russo e chegou a general, o que vem ao encontro do meu ânimo belicoso contra o inimigo chinês, mas muito melhor que isso, escreveu uma obra notável que o lançou definitivamente na imortalidade, denominada “Viagem em Volta do Meu Quarto”, escrita em 1794, na qual relata o que aconteceu com ele nos quarenta e dois dias que passou confinado no seu quarto, resolvi seguir seu exemplo, apenas ampliando um pouco mais o espaço no qual pretendo circular.
Assim como Xavier (já o considero íntimo), pretendo escrever um diário acerca do meu confinamento. Isso, desde já, me coloca como sério candidato a escritor mundialmente desconhecido, para utilizar o bordão predileto de um amigo idoso ao qual não nomino em respeito a sua luta desesperada para não se dar por vencido ante os achaques da idade.
Passarei, portanto, quarenta e dois dias confinados em meu apartamento.
A introdução do meu livro de Xavier de Maistre – eu o li em fevereiro de 2011, é assinada por Sandra M. Stopparo, que também o organizou e traduziu.
Publicação da editora Hedra, São Paulo, 2009. Gostei, de cara, de uma afirmação que ela fez no seu texto, louvando a literatura do século XVIII. Não sei se está certa ou errada. Sei que como pretendo me valer desse auto-confinamento belicoso para imitar Xavier de Maistre, seu pensamento me valeu como uma luva.
Diz Stopparo:
“Toda a força argumentativa do século XVIII se coloca aqui a serviço da literatura. Laurence Sterne é o principal parâmetro literário, assim como todos os escritores moralistas do período: fazer de qualquer tema, motivo, dúvida ou certeza uma razão para longas elucubrações é o método preferido da época, que vai do salão ao texto filosófico e às melhores páginas literárias.”
Ou seja, pelo que eu entendi, tanto faz um vírus como uma revolução, qualquer tema é bem vindo, e o importante é argumentar. Talvez possamos compreender esse dito de Stopparo (é de 2009) como uma verdadeira antecipação do facebook, por exemplo, hoje um espaço virtual repleto de doutores em física quântica, economia marginalista; matemática tensorial, ciência política; filosofia pré e pós moderna e outros assuntos ditos menores.
Quase nada acerca de quase tudo.
Explanado tudo isso, e louvado no incentivo de Stopparo, e amparado por Xavier de Maistre, aqui vou eu.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN
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