Antes, ao ir contar o cabelo, eu achava ruim quando, aqui e acolá, caía um fiozinho branco sobre o pano. Hoje, trinta anos depois, fico contente se, vez por outra, um fio preto despenca sobre o tecido. A barba negra e macia de outrora virou uma moita branca, espinhenta, hirsuta. Ah, como é perverso o tempo! Contra tudo atenta. Até contra o mármore dos campos-santos, o aço e o ferro. Imaginem contra nós, seres provisórios, passageiros, presas fáceis dos calendários e relógios. Ainda há quem diga que faz certas coisas apenas para passar o tempo. Tolice. Nós é que passamos, enquanto ele segue íntegro, irredutível, indomável, sem que lhe possamos pôr um freio.
Quando jovens, afoitos, cheios de pressa e desperdício, tínhamos a mais completa certeza de que todo o mundo e os relógios giravam a nosso favor. Torcíamos pela chegada disso e daquilo, contávamos as horas, dias, meses e anos, por exemplo, para atingirmos a maioridade e adquirirmos uma cédula eleitoral, uma carteira de habilitação. Ora! Quanta ingenuidade! Não fazíamos ideia do terreno movediço em que estávamos pisando, da areia fininha a se filtrar na cintura da ampulheta.
Alguns de nós já nos metamorfoseamos. De belas, rútilas e doces uvas nos transformamos em ameixas secas, engelhadas, azedas. Perdemos (não todos) a doçura e, em determinados casos, até a ternura. Como é perverso o tempo, senhoras e senhores! A juventude, permitam-me a metáfora, é uma distraída gazela cruzando águas fervilhando de crocodilos. Nunca a coitadinha alcançará a outra margem.
Assim também somos nós, gazelas bípedes, vulneráveis, sujeitas à abocanhada fatal e ao giro da morte a qualquer instante. Poucos realizam essa travessia ilesos, sem nenhuma cicatriz na carne ou na alma. Felizes os que conseguem envelhecer dignamente.
Toda sorte de limitações é destinada aos sobreviventes. Algumas, em grau menor; outras, em grau maior. A longevidade é um luxo e uma bênção. Ainda assim há cobranças inegociáveis: quando não caem, os cabelos embranquecem; as pernas ficam bambas; os joelhos emperram; a vista se torna curta; a audição diminui. Até a voz, num e noutro indivíduo, fica rouquenha, nasalada. Ninguém pode contar vantagem diante do tempo. Mais cedo ou mais tarde ele nos pega. Não perdoa.
Cadê o pulmão de atleta, a musculatura rígida, a libido infalível? Nenhuma sombra ou vestígio. Porque tudo é passageiro, fugaz, transitório. Refugiamo-nos nas recordações, no acervo afetivo. Ao menos aqueles que dispõem de boas memórias para reprisar. Então praticamos mil e uma ações para nos sentirmos produtivos.
Engendramos filhos, criamos netos, deitamo-nos tarde, levantamos cedo. Porque de repente descobrimos que já passamos pela cinturinha da ampulheta e que a areia que nos resta é bem pouca. Buscamos atrasar o relógio, ludibriar o calendário. Mas o tempo não tem nada de bobo. Nós é que somos tolos ao achar que damos as cartas.
Isso, no entanto, não é uma descoberta. É fato revelho e notório. Temos mais passado que futuro. Aí começa a corrida em busca da imortalidade de nossa biografia. Fulano decide escrever um livro, sicrano pinta uns quadros, beltrano compõe uma música. É um deus nos acuda. Porque estamos morrendo. Mais cedo ou mais tarde.
Todavia a perpetuidade da alma é um alento. No fim das contas compreendemos que só o amor nos torna imortais, nos eterniza. Amar é viver além da morte.
Marcos Ferreira é escritor
É isto mesmo meu estimado amigo Marcos, o tempo passa e nos mostra os julgos da vida. Vez por outra me descubro com o raciocínio de 35/40 anos carregado por uma construção corporal com mais de 70, outra virtude/defeito, não sei ainda julgar qual delas é a correta, são as lembranças que fluem em minha memória, pois minhas lembranças e recordações estão armazenadas e vivas desde os meus 4/5 anos da fase pueril, lembro de minhas andanças, brincadeiras, labor enfim todos os acontecimentos por mim vividos nas plagas de Portalegre (meu torrão berço), e até os últimos que realizo no hoje na minha vida pelas ruas e avenidas da minha estimada Mossoró, minha pátria por opção, aonde vim habitar para poder sobreviver, aqui chegando no início da década de 60.
Meus cabelos brancos os conduzo como troféu, na brancura dos seus fios reluzentes se encontram não só uma história de vida, mais sim experiências e lições pretéritas aonde se armazenam as boas e más histórias cotidianas de um ser humano que se julga irrequieto e quiçá irreverente. A vida é um mar de rosas na concepção de alguns sonhadores, pois estes que assim a denominam não lembra que o mandacaru (planta do serrado nordestino), poderia ser um exemplo de vida para todos nós, pois sua beleza se apresenta com poucas rosas e abundância de espinhos, e a vida é isto sim, tanto é, que poucos sabem fazer o balé da vida, aquele aonde devemos nos contorcer para evitar os espinhos e alcançar as trilhas aonde a rosa se encontra, pois no mandacaru também tem uma trilha/fenda que possibilita o animal que por ela caminha, evitar os inúmeros espinhos e alcançar as suas pouquíssimas rosas. Veja como a natureza é perfeita, pois aqui ela nosmostra através de uma planta singular do nordeste, que a vida requer muitos sacrifícios, lutas, renuncias, compreensão, fé, obstinação e o escambau cheio de espinhos para podermos alcanças o troféu lá no topo de sua coroa aonde estar figurado o alcance para ser realizado por cada ser humano, com ou sem cabelos pretos, loiros ou brancos, oxalá com calvície acentuada ou mesmo sem nenhum pelo, mais firme na luta pela vida que é bela.
Marcão, vamos cultuar nossos fios capilares brancos, pois os mesmos são nossos troféus daquilo que já vivemos e realizamos, tudo consentido por Deus, dono de nossas vidas.
Inté o próximo domingo.
Meu caro Rocha Neto,
Você, como sempre, iluminando estes espaço com seus depoimentos certeiros e sua rica experiência de vida. Grato, mais uma vez, por seus comentários e carinho. O Cafezal aguarda você e nossos amigos para mais uma rodada.
Abraços.
Essa crônica é uma injeção na veia! Lembrei do meu avô materno que morreu aos 94 anos. Certa vez ele me contou que, até completar os 50 anos, adoecia com frequência e tinha muitos medos. Depois dos 50 ele passou a ter uma vida sem medos. Procuro lembrar dessa conversa quando me deparo com a fragilidade da existência. O medo não é envelhecer, é como será a qualidade de vida. Quando deixarmos de decidir; quando os outros decidirem por nós. A morte decerto que assusta; é um mistério. O receio é o como morrer. As questões físicas vão nos limitando. O pior é como a cabeça vai encarar as mudanças. No momento eu tento não brigar com o tempo; procuro segurar minha auto estima erguida! Cuido do corpo para continuar ativa e disposta e abasteço minha mente com coisas boas. Hoje tenho um egoísmo bom; olho mais pra dentro de mim do que pra fora. Valorizo mais as boas amizades; prefiro qualidade do que quantidade. Meu filtro me faz ver o que não me serve e vou tocando em frente, conforme a música de Renato Teixeira, cantada por Almir Sater( salvo engano). Outra coisa chata é a memória que começa a falhar. A gente faz uma citação e no meu instante se pergunta: é isso mesmo? Não há pra onde correr! A morte virá para todos! As pessoas que amei continuam vivas no meu coração. Bom mesmo é deixar boas lembranças. Então, se existe conselho, o meu é: viva e não se preocupe com o amanhã. Ele virá de todo jeito! Tentemos degustar cada momento; ainda sentiremos saudades do dia de hoje! Aproveitemos o momento presente! Um abraço em cada um de vocês!
Querida amiga Bernadete,
Que honra ter você neste meu rol de amigos e leitores.
A cada domingo, com seus preciosos depoimentos neste espaço, você tem mais a ensinar do que aprender.
Ótima semana para você.
Abraços.
Que espetáculo…
Querida Cristiane,
Que bom sua leitura e presença neste espaço.
Uma ótima semana para você.
Abraço e até breve.
O tempo é perverso?
Sim!
Pra quem não sabia como eu.
O tempo é uma benção
Sim!
Pra um aprendiz; como eu
Um abraçaço
Prezado amigo Amorim,
Saudades de você. Mande um sinal de fumaça para nos encontrarmos.
Abraços.
Tempo, tempo, tempo…
Texto muito bem escrito.
Mas gosto de saber que este passa veloz, entretanto busco ter qualidade de vida. E que esta seja longa.
Amiga escritora e professora Fátima Feitosa,
Você resumiu bem o que devemos almejar do tempo: qualidade de vida. O resto é vivermos o hoje e o agora da melhor maneira possível e torcermos que o amanhã se multiplique por muitos anos.
Abraços.
Amei o texto de hoje e concordo plenamente.
O tempo é corrosivo em nossas peles e órgãos internos,passando pelos neurônios.
Quando pensamos que já sabemos de tudo, aí é que se ver que faltam muito mais para aprender.
Sentimos apenas um grão de areia ⌛ no deserto da vida.
Prezado Deisimar,
Grato por sua leitura e opinião. Fico feliz que tenha gostado do texto. É isso, meu amigo. Lidar com o tempo não é tarefa fácil. Mais cedo ou mais tarde ele nos derruba. Até lá, porém, vivamos da melhor forma possível.
Grande abraço e até breve.
Tempus fugit…
Nem me fale, mas mesmo assim caro poeta, sou grato por todo o tempo que vivi até aqui!
Amigo poeta e professor Tales Augusto,
Você está certo. Sabemos que o tempo chega para todo mundo. Então só nos resta aproveitar a vida da melhor forma possível. Muita saúde e paz para você.
Abraços.
O tempo não espera por ninguém. É como o sol que nasce para todos porém não faz sombra pra ninguém.
A nossa vida é esse sopro, a gente revestido de ânsia e insatisfação em tudo que almejamos.
Grande abraço, poeta.
Que a nossa vida seja plena e cumpra a sentença do poetinha:
Que seja infinita enquanto dure, como o amor tantas vezes cantado….
Meu caro amigo Nolasco,
Você está mais do que certo.
O tempo é o que mais nos falta
Quanto mais chegamos perto.
É este universo que a ti persegue e o faz assim: bravo domador de palavras. Lâmina que corta. Fere e sucumbe com todos os devaneios mesmo que tenhamos essa enorme tarefa de envelhecer com decência. Dignidade. O que tá posto é bem mais profundo que exercitar, simplesmente, a alma de um pensador na sua candura de escritor e poeta. É filosófico. Feliz, por demais, meu caríssimo parceiro. Gradativamente, roubamos um pouquinho dos instantes que ainda nos restam à eternidade. Tarefa não muito fácil mas, sei que não é impossível. Aquele abraço poético – musical. Paz pra ti.
Querido Costinha, poeta cantador.
O tempo e as contingências da vida nos têm separado fisicamente, porém sempre estamos juntos em pensamento e espírito. Nossa parceria artística está gravada na eternidade.
Saúde e paz para você e os seus.
Abraços.
Texto bom e reflexivo, ladeado, pois, de verdades, diria, absolutas. Parabéns.
“Amar é viver além da morte”, o amor ao próximo, o que fazemos pelos outros é o que nos eterniza e é o que levamos conosco quando o nosso tempo cessar. A nossa passagem é rápida e fugaz, esvai-se sobre os nossos dedos como a areia do mar.
E quando procuramos as pessoas ao nosso redor já não existem mais, se foram sem passagem de volta, só resta a saudade e a lembrança dos bons momentos compartilhados.
Linda crônica! O escritor sempre consegue se superar! Parabéns!
Abraços!