"As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira" (Leon Tolstói em "Anna Karenina")
A frase em epígrafe abre um dos clássicos da literatura mundial, do russo Leon Tolstói. É também necessária na crônica de nosso tempo, nessa atmosfera inebriante do Natal.
Minha caixa de e-mails está abarrotada de mensagens. Que bom ser lembrado, apesar de quase não ser visto pela maioria ou sequer conhecido pessoalmente.
Ganho afagos. Retribuo-os na medida das aspirações de cada remetente.
Somos, todos, ou quase todos, amigos cibernéticos e distantes. Entretanto nem por isso queremos ser tachados de forma vil, como abomináveis monstros das neves, quase glaciais.
Mudamos ou mudou o mundo? Mudamos todos e mudamos o mundo? Mudou o mundo e estamos todos mudados? Um necessário questionar que talvez jamais produza resposta concreta e irremovível.
O sacolejo imperceptível da terra – rotação e translação – nos mantém do jeito que somos há milhões de anos: criaturas em permanente mutação. Para melhor ou pior? Eis outra questão crucial a ser respondida. Ou não.
Louvamos o nascimento do Menino Jesus, mas Ele é quem ocupa menor espaço à mesa farta, sob o espocar de champanhes e em meio à gargalhada trovejante. Talvez aí, inconscientementes, sejamos fiéis aos demais 364 dias do ano.
Tem sobrado muito pouco à renúncia, à generosidade, à solidariedade e à compaixão.
Há-nos a predominância de uma razão predatória, instintiva e seletiva. O ter em vez do ser. Pior: tudo é gerado sob a mesma justificativa – em nome da felicidade -, o nirvana que cada um persegue, sem que saiba se valerá a pena ao final. É o "eldorado" particular.
Comemoramos o que somos ou a expectativa do que pretendemos ser? Ou será que toda essa atmosfera é um pouco de penitência pelo o que somos no íntimo?
Meu encantamento com o Natal passou há tempos. Ou o deixei congelado na infância mais tenra, onde fi-lo diferente porque eu era diferente. Feliz por ser ingênuo ou com a ingenuidade fundamental para poder ser feliz. Sei lá.
Época em que meus olhos passeavam pela imensidão do presépio de dona Maria de Uriel, em Mossoró. Sua casa – modesta, sem luxo – era próxima à então "Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT)" e para lá puxava uma romaria de curiosos.
Enchia-me de alegria ver todo aquele mundo a meus pés. Belém em miniatura, viva e encantadora, apesar de Herodes.
Provável que tudo tenha começado a ruir, perder sua magia, quando descobri que meu presente (um time de botão do Fluminense, claro) não era oferta do Papai Noel. Ansioso, respiração presa, vi quando chegou – de madrugada – por outras mãos mais conhecidas e confiáveis. E daí?
Mesmo assim, nunca deixei que soubessem da minha "incrível" descoberta. Melhor preservar esse segredo, raciocinei.
Sobrou em mim um pouco daquele menino feliz. Ainda bem. Permita-se-me que deixe aqui essas minhas lembranças.
"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória", me alerta Saramago.
Feliz Natal!