Da infância ainda trago o medo de altura. Do mar, também. Situações traumáticas com um e outro, assim imagino, devem ter-me aprisionado a eles. Porém sinceramente, não lembro. Ou seletivamente não quero recordar.
Em relação ao primeiro, não passo de pequenos desafios. O olhar semi-paralisado, espiando o mundo da janela do apartamento em Natal, denuncia meu pavor. Vem-me leve vertigem e uma imagem em queda livre passa à cabeça.
É sempre assim.
Do mar, a admiração respeitosa, como se lá o senhor absoluto fosse Netuno. Nem encontrar Atlântida me encoraja além dessa reverência. Fica o prazer contemplativo. Platônico.
O rugir das águas, naquela coreografia de fluxo e refluxo, impõe-me o respeito. Não ouso desafiá-lo.
Se é possível remédio longe das terapêuticas científicas, creio ter encontrado para a acrofobia, esse medo de lugares elevados. Do mar, não. Ainda sou seu refém em terra firme. Muito firme, que se diga.
Vem de Martins um sopro de vida. A cura. Ela e suas curvas desafiadoras; os mirantes que nos fazem seres celestiais; a Matriz imponente; a noite que chega mansa, só alterada pelo coaxar dos sapos, ziziar das cigarras e o tititi da gente às calçadas num sossego sem fim.
Mas tudo quase inaudível. Talvez só minha curiosidade seja capaz de captar tantos sons. Ou imaginá-los.
Lá em cima, o burburinho deixa o ritmo mais lento. Medo de quê? Seguimos um relógio diferente nessas paragens. "O tempo parece que não passa por aqui", diz Larissa, morena jambo que abre sorriso contagiante, como se fora um personagem travesso de Jorge Amado. Tem razão. Está ótimo assim mesmo.
De um mirante para outro. No Canto, expulsos por uma fina neblina. No Jacu, nem isso nos repeliu. Como recuar diante de um céu negro quase ao alcance da mão?
Milhares de luzes lá embaixo, em cidades que tentamos identificar pelo aglomerado luminoso, refletem como se fossem estrelas coladas ao chão; sob nossos pés. Nem percebo que a balaustrada é o limite entre minha "doença" e o abismo, ou a divisória entre o ser e o não-ser feliz.
Faltava encontrar François Silvestre. Condescendente com o silêncio cúmplice do lugar, tomou distância da metrópole e do agitado tombadilho da vida, para ser de novo só François, sem o "doutor", nesse chão. Ele fez a viagem de volta para ficar.
François é douto ao natural, sem o título solene que muitos exigem como tratamento pomposo. Para azar nosso, meu e de Honório de Medeiros, parceiro dessa viagem, não o encontramos. Não o acordaríamos de uma merecida sesta.
Raimunda e sua família, contagiada com a aprovação do filho Juninho (curso de Direito), oferta-nos o último sabor de Martins. Huum!!! A vítima é um robusto pato, o "Donald" – a meu critério batizado cinicamente assim, já indefeso à mesa.
Às favas a etiqueta. Passa o pato pra cá. Medo agora, só de uma indigestão, pelo pecado santo da gula.
Foto – Autor: Fábio Pinheiro