Por Zildenice Guedes
Qual a importância de espaços públicos para as cidades? O que podemos entender como espaços públicos? Os espaços públicos podem se configurar como representativos do tipo de vida que há na cidade? São essas e muitas outras perguntas que norteiam e embasam a discussão que proponho através desse artigo.
A leitura que trago da cidade é o lugar do encontro, como já falei nos artigos anteriores. A expressão de vida nas cidades é identificada através das suas ruas e dos seus bairros. Esses são a maior expressão do tecido social que compõem o espaço urbano. Este artigo tem como referência a obra Morte e vida nas grandes cidades, da autora Jane Jacobs (2011).
A compreensão que temos dos espaços públicos são as ruas, as praças, os parques, as igrejas, as bibliotecas, mercados, feiras, museus, e muitos outros. Os espaços públicos urbanos numa visão de interesse público constituem elementos de desenho urbano decisivos para a produção da cidade na medida em que é nestes espaços que se manifesta a vida e animação urbana e onde se processa grande parte da socialização dos seus utilizadores.
Uma vez que reconhecemos o potencial dos espaços públicos para a dinamização da vida urbana, é importante ressaltar que falamos de espaços verdes, bibliotecas, museus, teatros, espaços desportivos, áreas para lazer e estímulo a atividades recreativas como pintura e diversas expressões de arte.
E por que precisamos de uma cidade com espaços públicos vivos e eficientes para a população? Quando a cidade dispõe de equipamentos urbanos as crianças são favorecidas com locais para brincar, aprender e interagir. Os idosos que são fundamentais para a formação dos jovens e crianças se sentem também acolhidos e importantes para esses espaços e esses momentos. E esses locais precisam ser perto das suas casas, não faz sentido disponibilizar opções de lazer e sociabilidade para as pessoas em regiões ou bairros distantes de seus locais de moradia e pertencimento. Em todo momento, o que a autora quer nos dizer é que há uma vida pulsante na cidade que é composta pelas pessoas, são os laços humanos que vitalizam as estruturas físicas.
E esses espaços públicos precisam ser propostos em uma lógica inversa. Não são eles que conferem vida e representação aos bairros e a cidade, é o contrário, são as pessoas que dotam essas áreas de vida pulsante. Trata-se assim de pensar na cidade em sua combinação de usos e não usos separados, como afirma Jacobs:
A principal responsabilidade do urbanismo e do planejamento urbano é desenvolver – na medida em que a política e a ação pública o permitam – cidades que sejam um lugar conveniente para que essa grande variedade de planos, ideias e oportunidades extra-oficiais floresça, juntamente com o florescimento dos empreendimentos públicos. (JACOBS, 2011, p.166).
O planejamento e acesso a espaços públicos pode ainda ser considerado um indicador dos valores democráticos que há nessa sociedade. Ou seja, quanto mais diversificados, vivos, expressivos forem os esses locais, mais representativos da sua população eles serão. Ou seja, as pessoas estarão nas ruas quando essas forem mais seguras, e essas serão mais seguras com as pessoas presentes, é uma via de mão dupla.
MUITOS DOS PROBLEMAS que são identificados nas cidades, e que percebemos que é uma tendência em outros países do mundo, inclusive no Brasil, está relacionado a um processo de urbanização e planejamento que desconsidera as diversidades na cidade, tais como: vocações e identidades dos bairros, processos de zoneamento (parcelamento do solo urbano) que desapropriam moradores para áreas mais remotas que dentre muitos problemas, ocasiona aumento no processo de periferização e marginalização do espaço urbano, e um elemento importantíssimo, que é quando as ruas passam a ser desocupadas, muitas vezes indicando o quadro de insegurança pública.
E os projetos de moradia em conjuntos habitacionais? Na maioria dos casos o seu insucesso também está relacionado a uma lógica do planejamento urbano que apenas transfere as pessoas para outras áreas que na maioria das vezes não dispõem minimamente de equipamentos públicos essenciais, tais como, creches, escolas, hospitais, transporte público e etc. Ora, estamos falando de pessoas reais e normais que são desalojadas dos seus locais de moradia e pertencimento, e alocadas em áreas muito distantes de seus laços afetivos e a que se sentem pertencer. E os trabalhos e ocupações? Ficam a quilômetros de distância dos seus locais de moradia. Sob esse aspecto, a autora apresenta a fala de uma moradora sobre como se sente em seu novo local de moradia:
Quem foi que pediu o gramado? ” Por fim, certo dia uma moradora mais bem articulada que os outros disse o seguinte: “Ninguém se interessou em saber o que queríamos quando construíram este lugar. Eles demoliram nossas casas e nos puseram aqui e puseram nossos amigos em outro lugar. Perto daqui não há um único lugar para tomar um café, ou comprar um jornal, ou pedir emprestado alguns trocados. Ninguém se importou com o que precisávamos. Mas os poderosos vêm aqui, olham para esse gramado e dizem: ‘Que maravilha! Agora os pobres têm de tudo!'” (JACOBS, 2011, p. 21).
E em nossa cidade? Como estão nossos espaços públicos? O que eles estão dizendo a respeito da nossa vida urbana? No próximo artigo traremos algumas análises, pois entendemos que é a sociabilidade, o prazer de estar com o outro, que estabelece em definitivo a diferença urbana (Jacques Le Goff).
Zildenice Guedes é professora-doutora em Ciências Sociais pela UFRN
[1] JACOBS, J. Morte e vida nas grandes cidades. São Paulo, 2011, p.164.