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domingo - 12/07/2020 - 08:16h
Especial II

Serra de João do Vale tem marcas de disputas coloniais

Na segunda reportagem de série assinada por Tárcio Araújo, veja luta entre índios e invasores

Por Tárcio Araújo (para o Blog Carlos Santos)

Nesta segunda reportagem na série especial sobre a Serra de João do Vale (veja a primeira AQUI), que fica entre os municípios de Jucurutu, Triunfo Potiguar e Campo Grande no RN e Belém do Brejo do Cruz na Paraíba, vamos abordar o processo histórico desde seus primeiros moradores da etnia Pegas até a ocupação portuguesa.

Em princípio, era Pepetama a morada dos Pegas, seus primeiros habitantes.  Os silvícolas dominavam a região e viviam da caça, pesca e cultivo de mandioca. Mais para as ribeiras do rio Piranhas os indígenas Janduís a chamavam de Poockciabo; ‘montanha sagrada’.

"Tanques" dos holandeses são um vestígio da presença de novos ocupantes da terra indígena (Fotos: Duca Silva/Janúncio Tavares)

A primeira sesmaria (terreno abandonado ou inculto que os reis de Portugal cediam aos novos povoadores para ocupação e produção agrícola e pecuária) da antiga Pepetama data de 17 de junho de 1691. Seriam quatro léguas de terras doadas ao Capitão Manuel Vieira do Vale, como registra o professor e arqueólogo Valdeci dos Santos Junior em seu livro “Os índios Tapuias no Rio Grande do Norte”.

Mas antes disso, desde o início do século XVII os portugueses já empreendiam missões pelo sertão do Rio Grande e se fixavam em pontos estratégicos como as ribeiras do rio Piranhas. Pouco a pouco os lusos foram expandindo sua ocupação nos sertões feita a ferro e fogo sob o mugir dos bois e o relinchar dos cavalos.

Ao longo dos anos do século XVII se deram as primeiras criações de gado na região e consequentemente, a perseguição declarada aos índios nativos o que resultou em inúmeros conflitos e mortes.

Nova Holanda

Em 1631, após o avanço dos holandeses com a conquista de Olinda e Recife, a Companhia das Índias Ocidentais fundava a Nova Holanda no Nordeste Brasileiro. Esse feito fez com que as etnias tapuias buscassem apoio dos flamengos contra a opressão dos portugueses no interior das capitanias.

Marciliano, ou Marcilliaen, como chamavam os holandeses, era o indígena líder da etnia dos Pegas da serra de Pepetama que em 02 de Outubro de 1631 compareceu ao Conselho de Guerra Holandês, no Recife, enviado pelo líder da nação Tapuia, Janduí, e o grande guerreiro Oquenaçu, para propor aliança frente aos lusos no interior da Capitania. O que se consolidou nos anos seguintes durante o domínio batavo no Nordeste.

Alcino Simão, 78, de família antiga da serra, tem pele clara avermelhada e olhos azuis, que o caracterizam de raiz holandesa (Foto: Francinildo Silva)

Neste período se deu o avanço holandês no Nordeste em consonância com os indígenas. Diferentemente do litoral onde a principal produção era açucareira, nos sertões eles buscavam minerais preciosos.

Na Serra de João do Vale há vestígios Arquitetônicos deste período, como dois tanques de pedras em forma circular que denotam a presença holandesa. Como revela o professor e arqueólogo Valdeci dos Santos Junior:

– “As rochas graníticas no entorno das paredes desses tanques são herança dos holandeses quando ocuparam a região.  Eles chegaram a explorar a então serra de Pepetama em busca de minérios. Nesse tempo ainda não existia as cercas de arame farpado ou cercas de madeira, pois os cercamentos das terras só começaram em 1750.  Os holandeses tinham essa prática de cercar tanques naturais em lajedos que acumulavam água durante as chuvas, como forma de evitar que alguns animais viessem a morrer dentro desses tanques e contaminar a água usada para matar a sede deles e dos animais que eles criavam”.

Os documentos mais antigos também corroboram para a presença holandesa na serra de João do Vale, quando mencionam a existência de estruturas em pedra: “Vestígios de um antiquíssimo alicerce, feito de pedras, a uma distância de 1500 metros da pedra grande, que assinalava o poço da Água Fria, talvez ainda remanescente da chamada situação do flamengo”. Encontramos tanques que séculos depois ainda servem como reservatório, com cerca de 12 metros de diâmetro e dois de profundidade.

A partir de 1654, com o fim do domínio holandês no Nordeste, os portugueses retomaram seu avanço aos sertões expandindo as fazendas de gado, e impondo um verdadeiro massacre aos indígenas Tapuias e Janduís, o que culminou com a deflagração da chamada ‘Guerra dos Bárbaros’ no Nordeste brasileiro, até meados do século VXIII.

Leilão

Remanescentes Pegas que sobreviveram ao massacre foram transferidos para o litoral. A então serra Cepilhada rebatizada pelos luso-brasileiros, passou a regime devoluto. Finalmente em 19 de Novembro de 1761 é arrematada em Leilão pelo Capitão Mor João Bezerra do Vale por 420$000 (quatrocentos e vinte contos de réis). Desde então herdou o topônimo do seu donatário.

"Serra dos Pegas" foi área de disputas no Brasil Colônia, com índios, portugueses e holandeses (Foto: Francinildo Silva)

Processo de ocupação se intensificou no século seguinte com colonos oriundos dos brejos paraibanos, Cariri e Borborema. Os Ramalhos, foi a primeira família a ocupar os altiplanos da serra de João do Vale, por volta de 1840, oriunda da região de Conceição do Piancó na Paraíba.

Manuel Ramalho do Nascimento Junior e Isabel Marta da Conceição tiveram 17 filhos. Sobre esse fato o escritor João Ramalho, descendente desse ramo familiar, aponta: “Viviam eles do amanho da terra e da criação de gado grosso e miúdo”.

Câmara Cascudo em ‘Nomes da Terra’ volta seu olhar para a Serra de João do Vale ao descrever o cenário do lugar nas primeiras décadas do século XX:

“A Serra do Doutor, antes dos espigões paralelos e do “Alto da Lancinha”, se distende um contraforte…A serra se ergue adiante, massiva e alta, com o nome de João do Vale. A serra tem habitantes e plantios. Lavourinhas e distende-se vagarosamente pelo dorso compassivo do monstro. Casitas, Cachicholos, baiucas, lugarejos sem nome, arruados desconhecidos, crescem assustadoramente numa expansão de força viva da terra fecunda. Raro é, todavia, a casa de tijolo”.

No final do século XIX, um dos filhos do casal Manuel Ramalho e Isabel Conceição, Joaquim Ramalho, de inclinação religiosa desde a infância, protagonizou um movimento messiânico que reuniu milhares de peregrinos na Serra de João do vale. Este momento da história vamos abordar na próxima reportagem especial Serra de João do Vale.

Uma morte a ser lamentada

Após conclusão de etapa de coleta de material de campo, como entrevistas, recebemos a notícia na sexta-feira (11), que o escritor João Ramalho, 89 anos, tinha falecido acometido pela Covid-19, em Natal, onde residia e onde o entrevistamos em julho do ano passado.

Escritor João Ramalho faria 90 anos em agosto, mas foi vítima da Covid-19 em Natal (Foto: Adriano Pinheiro)

O escritor João Pegado de Oliveira Ramalho, funcionário público federal, era aposentado pelos Correios. Suas obras destacam a cultura e a memória regional. Nascido em 1930 no sítio Cruzeiro, Campo Grande- RN, João Ramalho gostava de prestigiar suas raízes.

Escreveu obras como “Campo Grande – Monografia Histórica Geográfica”, “Histórias Alegres do Povo de Campo Grande” e “O Beato da Serra de João do Vale”, além de vários outros trabalhos. Completaria 90 anos dia 25 de agosto próximo.

Que descanse em paz! E muito obrigado.

* No próximo domingo (19) teremos a terceira reportagem dessa série. Aguarde.

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Categoria(s): Reportagem Especial

Comentários

  1. Honório de Medeiros diz:

    Excelente. Nas Revistas do IHGRN existem matérias acerca dessa região misteriosa. Parabéns. Parabéns a Carlos Santos, também, pela qualidade que imprime ao seu site\blog, com tantas matérias interessantes.

  2. Inácio Rodrigues diz:

    Que prazer ler os capítulos dessa reportagem especial! No exercício da minha atividade profissional já estive algumas vezes na Serra do João do Vale. Um lugar único! Que venha a terceira parte da matéria com a história da Canudos Potiguar!

  3. Q1naide maria rosado de souza diz:

    O vestígio holandês sempre me encanta. Persiste através dos anos mostrando uma sabedoria que supera a época. Especulo qual seria nosso destino se permanecessem.

  4. Alcimar de Almeida Silva diz:

    Inexplicável é a omissão da União, Estado e Municípios – especialmente o de Jucurutu – quanto à ocupação da Serra de João do Vale para lhe assegurar não apenas qualidade de vida aos seus atuais ocupantes mas, principal ente, para torná-la acessível e propicia ao desenvolvimento econômico de suas condições naturais.

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