Por Bruno Ernesto
Você já reparou que há pessoas cujo nome de batismo só conhecemos quando um Oficial de Justiça bate à sua porta ou quando o nome sai no obituário?
Desde que me entendo por gente, na rua da minha avó, no bairro do Alecrim, em Natal, conhecia Dona Vil e Seu Brechó.
Dona Vil era uma senhora muito delica. Pouquinha, como dizemos. Rosto afilado, cabelos nos ombros, brancos e naturalmente escorridos, tal qual os cabelos do poeta Ferreira Gullar.
Não me recordo de ter ouvido sua voz – extremamente baixa – a mais de um metro de distância, especialmente nos últimos anos de vida, pois sempre acamada.
Soube que era Elvira, enquanto minha tia Luzia conversava com uma senhora ao meu lado durante o seu velório na Rua 8, no Alecrim.
O mesmo se deu com Seu Brechó, Pracinha que combateu em Monte Castello entre os anos 1944 e 1945, cujos olhos jamais vi a cor, pois sempre usava óculos Ray-Ban tipo aviador e uma boina de feltro impecavelmente branca. Morava três casas antes da de Dona Vil.
Soube que era Belchior quando cheguei para as suas exéquias.
Por acaso você já reparou que no Brasil há um costume de não se apresentar nominalmente nem perguntar o nome das pessoas? Por vezes, você passa anos conversando com uma pessoa e sequer sabe o nome dela.
Aquela pessoa que você encontra todos dias por poucos instantes, quer seja tomando um café, trabalhando no mesmo prédio ou fazendo as compras no mesmo supermercado, se resumem àquele conhecido do lugar comum.
Quando eu era criança, achava muito intrigante os nomes dos amigos e conhecidos do meu pai quando andava com ele lá pelas cidades e Almino Afonso e Patu nos em meado dos anos oitenta.
Dentre muitos, Zé Chapa, Berto, Moça e Zé Melosa. Papai, era Chichico; meu tio, Chiquito. Todavia, o que mais me intrigava – tanto pelo nome, quanto pela aparência – era Quincas.
A última vez que o vi foi por volta dos anos dois mil, a caminho do sítio, quando nos deparamos com ele bem na estrada da parede do açude no centro de Almino Afonso.
Estava como sempre o vi: calça social preta, camisa manga longa de botão e chinelos.
O que me surpreendeu foi que, apesar de muitos anos do falecimento de sua esposa, em sinal de luto, ele ainda usava o pequeno pedaço de tecido preto, do tamanho de uma caixa de fósforo e preso ao bolso de sua camisa com um pequeno alfinete-de-dama.
Não por onde, ainda ficava intrigado com a sua aparência, que destoava totalmente do fenótipo da nossa região. Ele parecia um Árabe com os cabelos pretos retintos, tal qual sua monocelha extremamente volumosa.
Embora há muitos anos tenha se aposentado da vida simples de agricultor de subsistência, jamais perdeu o costume de usar o seu chapéu de feltro preto, com uma fita branca laçada. Não era um Fedora, porém ele nos saudava tirando-o da cabeça.
Depois daquele dia, nunca mais o vi. Soube, muitos anos depois, que havia falecido.
Em contraste com a simplicidade de Quincas, amigo de infância do meu pai, recentemente fui conhecer, na cidade de Caraúbas, o túmulo de outro Quincas: Saldanha.
Embora não tenha conhecido esse personagem histórico pessoalmente, o que já li e ouvi sobre ele, já me permite ter muito interesse por sua história.
Era, como se diz, um Coronel abastado, influente politicamente e muito respeitado. E, claro, cercado de lendas.
A caminho de lá, antes, passei em frente ao seu antigo casarão, que beira a estrada que leva à cidade de Patu, e lá encontrei um grupo de homens que tangiam gado da antiga propriedade de Quincas Saldanha.
Perguntei se era difícil localizar o seu túmulo e me disseram que embora tenham misteriosamente retirado a lendária corrente que circundava o seu túmulo, a qual tinha por objetivo impedi-lo de vagar à noite, outro detalhe curioso identifica facilmente:
– Ele é a cara de Hitler.
De fato, não foi difícil achá-lo, mas confesso que fiquei intrigado com a sua aparência, muito mais que sua história.
Como meu pai dizia rindo: todo Joaquim é Quincas.
Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor