• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 19/06/2022 - 03:40h

A cidade que nunca leu um livro – Romance – Capítulo 5

Por Marcos Ferreira

Continuemos com o nosso recuo no tempo.

Naquela época, mês de setembro de 2001, quando explodira como estrela absoluta nos noticiários o devastador ataque terrorista contra os Estados Unidos, ocorrido precisamente em uma monótona manhã do dia 11, quase ninguém estava ligado ou interessado em blogues, sites ou portais eletrônicos. Não. Naquele momento, como era de se esperar, as emissoras de televisão deram um show à parte, com transmissões ao vivo especialmente de locais o mais próximo possível dos escombros das Torres Gêmeas do World Trade Center, na ilha de Manhattan, em Nova Iorque. Quase não se televisionava outra matéria ou programa. O terrorismo roubou a cena.redação de um jornal - foto antiga

No dia seguinte, enfim, a carcaça midiática do maior ataque terrorista de todos os tempos foi compartilhada e difundida pelos jornalões e demais órgãos da miuçalha, os veículos impressos, feito sobras, restos mortais de uma presa sobejada por leões ao dispor das hienas. Mesmo assim, salvo uns gatos-pingados, ninguém buscou por essas informações na blogosfera. Não ao menos em Mondrongo.

O público leitor não tinha afinidade, entrosamento ou interesse pelo pouco que se realizava de jornalismo virtual naquele comecinho de década. Talvez apenas no Sudeste um blogue aqui e outro acolá já tivessem adquirido qualquer audiência e repercussão junto aos leitores.

Porque tais coisas praticamente inexistiam em nossa maniqueísta sociedade. Configuravam-se como projetos raros em todo o estado de Santa Luzia, mesmo em Cafundolândia, nossa bela capital. O próprio advento da Internet, a exemplo da telefonia móvel, era um recurso nada acessível para a maior parte da população, disponível, sobretudo, para a classe média alta, a elite financeira.

Na realidade, porém, a mídia impressa de Mondrongo já se achava ferida de morte. Os departamentos de publicidade desses veículos sofriam para conseguir anunciantes, ou segurar os que possuíam. Mês a mês, para o desespero de Alberto Cardoso, diretor administrativo da Tribuna, um anunciante ou outro arrepiava carreira do jornal. Situação agravada pelo elevado número de inadimplentes.

Mondrongo, então com cerca de duzentos e sessenta mil habitantes, hoje ultrapassa um pouquinho os trezentos mil, possuía cinco jornais impressos circulando diariamente, disputando leitores e o terreno das publicidades palmo a palmo. Era de se esperar, portanto, que o minguado pão dos anúncios não chegasse para todos eles, não ao menos a ponto de suprir as suas necessidades prioritárias. Eram eles, por ordem cronológica: a centenária Tribuna Mondronguense, o popular Diário do Oeste, o Clarim Exato, a Folha da Tarde e o caçula Correio Expresso. Sem contarmos as publicações hebdomadárias. Não muito depois os dois últimos fechariam as portas.

A duras penas, tentando conter a debandada de anunciantes, os outros três veículos fizeram mais demissões e continuaram no ramo de forma heroica. Mas era só uma questão de tempo até que ruíssem absolutamente. A situação se tornava insustentável a cada mês. Salários em atraso, divergências rescisórias e ações na Justiça do Trabalho eram uma constante no cotidiano dessas empresas de notícias.

Ainda assim, decerto por brio e vaidade, ser jornalista, membro da imprensa em Mondrongo era qualquer coisa fascinante, honrosa, uma espécie de profissional popstar entre as demais atividades de baixo coturno. Até mesmo os fotógrafos (alguns não passavam de meros apertadores de botões, hoje em dia promovidos a repórteres fotográficos) andavam por aí muito anchos portando as suas máquinas com filmes em preto e branco penduradas no pescoço. Ser jornalista nesta cidade, então, era um must. Certos indivíduos, segundo as más línguas, necessitavam dormir de beliche, pois embaixo só cabia o sujeito, enquanto o ego do cara ficava na parte de cima.

Essa história de beliche — vamos logo dar nomes aos bois — foi uma boutade que se tornou famosa oriunda da verve do poeta e jornalista Moacir Alexandrino Neto, em referência à soberba e empáfia de um seu colega de redação no Diário do Oeste. O nome do “homenageado”, que por sinal já foi estudar a geologia dos campos-santos, conforme consta no Dom Casmurro, é Mauro Mosca.

O triste fim de Mauro Mosca se deu da seguinte forma: uma noite, ao ser abordado por dois sujeitos que lhe queriam tomar o relógio e a carteira no sifilítico Beco das Frutas, onde ele frequentava uma casa de tolerância, Mosca se negou a entregar os pertences e um dos marginais lhe abriu a barriga com uma faca peixeira. O agressor largou a arma no local do crime e fugiu com o comparsa levando o relógio e a carteira. Mauro Mosca era tão vaidoso quanto o amigo Reginaldo Marinho, primo da enfermeira Laura Gondim, esposa de Jaime Peçanha, ela que faz um trisal com o marido e o primo. Isto nos lembra Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado.

Após conseguir vender a sua pequena biblioteca a um sebo do Centro, localizado na Praça do Relógio, o jornalista e escritor Jaime Peçanha decidiu bater à porta dos demais órgãos da imprensa escrita em busca de trabalho. Até mesmo a função de revisor de textos, que representaria um retorno às suas origens, era bem-vinda. Todavia ele não conseguiu nada. Não estavam contratando ninguém.

Alguns anos depois, exatamente nesta ordem, o Diário do Oeste e a Tribuna Mondronguense jogaram a toalha, faliram de vez. Hoje em dia, quiçá por milagre, mantém-se em circulação, com cinquenta ou cem exemplares impressos, apenas o Clarim Exato, que sempre viveu pendurado nas tetas do erário municipal ou do estado.

Por sua vez, contudo, pois é preciso também que se registre, a Tribuna Mondronguense não sucumbiu completamente, segue perseverando no universo virtual por meio de uma plataforma eletrônica. Isto é, o pulso jornalístico da centenária folha ainda pulsa através da Internet, com módica audiência e uma equipe de três funcionários.

A Tribuna, que por um século e meio pertenceu a vários donos, funcionando ininterruptamente, hoje em dia (o que significa dizer quarenta anos) está sob o comando de um ramo político da tradicional e poderosa família Albuquerque Azevedo, oligarquia esta que dominou Mondrongo e o estado de Santa Luzia por décadas a fio, alternando-se no poder com admirável e imbatível competência.

Nas últimas eleições do município, porém, exibindo claros sinais de cansaço, a senhora Rosana Albuquerque Azevedo, forte candidata da família oligárquica à Prefeitura, foi constrangedoramente derrotada nas urnas pelo jovem e palavroso prefeito Wallace Batista, que se vendeu ao longo da campanha como opção de renovação e revitalização administrativa para o município de Mondrongo.

Durante a disputa, verdade seja dita, Rosana Albuquerque Azevedo, que já havia sido governadora e eleita para comandar esta cidade em três mandatos, subestimou o adversário Wallace Batista. No fim das contas, após longas décadas de domínio, a oligarquia caiu.

O Diário do Oeste, leia-se o imóvel, acabou sendo vendido. A maior parte do dinheiro, segundo comentários dos seus antigos empregados, foi destinada ao pagamento de dívidas trabalhistas. O novo proprietário demoliu o histórico prédio e no local foi erguido um gigantesco galpão metálico para acolher materiais e maquinários de uma grande loja do segmento elétrico e da construção civil.

O ex-dono do Diário do Oeste, jornalista que escandalizou a sociedade mondronguense com a sua metralhadora giratória, era o neurastênico senhor Orlando Quaresma. Esse homem, tanto para o bem quanto para o mal, por meio do seu tratamento de choque datilografado em sua barulhenta máquina de escrever, chacoalhou o jornalismo republicano e bem-comportado de Mondrongo. Uma coisa ninguém podia lhe negar: o sujeito tinha colhões, tinha coragem para descer o malho, baixar o cacete em gregos e troianos, poderosos e mequetrefes da política e da sociedade mondronguenses. Nem a “santa” Igreja Católica escapou à sua fúria iconoclasta.

Dificilmente um empresário ou comerciante se negava a divulgar seu negócio nas páginas do Diário. Pois Orlando Quaresma não era apenas respeitado. Era, sobretudo, temido. Ninguém, ou quase ninguém, ousava contrariá-lo. Em 2020, quando ele morreu acometido pela peste pandêmica, estava com setenta e oito anos de idade. Toda sorte de encômios e louvações pipocou nas redes sociais.

Orlando Quaresma foi sepultado no Cemitério São Sebastião. Sobre o esquife estava a bandeira da Academia Mondronguense de Letras. Quaresma não só conquistou desafetos como também admiradores. Era a maior estrela do jornalismo local, senão do estado.

Poucas vezes neste país, ainda que no microcosmo de Mondrongo, um homem de imprensa atingiu um patamar de credibilidade e renome tão elevado. Vereadores governistas e da oposição ocuparam a tribuna para render homenagens ao ilustre falecido. Songamonga, o midiático prefeito Wallace Batista, diga-se que numa atitude justa e oportuna, decretou três dias de luto oficial no município.

É oportuno também frisar que Orlando Quaresma não possuía uma escrita bonita, elegante. Não. Seu texto não continha um pingo de poesia. Sua força, talvez a sua graça, estava justamente na secura e dureza com que escrevia. Era, mal comparando, um João Cabral de Melo Neto do jornalismo. Sua coluna no Diário do Oeste parecia “uma faca só lâmina”, como no poema do bardo pernambucano.

Eis, enfim, uma pequena história da imprensa local. Os jornais antigos estão aqui representados pela Tribuna Mondronguense, reduzida à sua versão eletrônica, e pelo Clarim Exato, este ainda na modalidade impressa com os seus cinquenta ou cem exemplares. O resto são portais, sites, blogues e redes sociais.

Até hoje, portanto, o pulso ainda pulsa.

Leia tambémA cidade que nunca leu um livro – Prólogo;

Leia tambémA cidade que nunca leu um livro – Capítulo 2;

Leia tambémA cidade que nunca leu um livro – Romance – Capítulo  3;

Leia tambémA cidade que nunca leu um livro – Romance – Capítulo 4.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Conto/Romance

Comentários

  1. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Bom dia, Marcos!

    Não vivemos em MONDRONGO por acaso, alguma coisa nela, nos completa!

    Abraços e um bom início de semana!

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga Vanda Jacinto,
      Minha relação com com Mondrongo é “entre tapas e beijos”, como naquela musiquinha bonitinha, mas ordinária. Tenho minhas razões. Pode acreditar. Talvez na mesma proporção de Dostoiévski com a sua São Petersburgo, cidade pela qual o russo nutria um sentimento de amor e ódio. Um ótimo domingo para você.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  2. Airton Cilon diz:

    Lembro bem aquele 11 de setembro, tinha ido à tarde no jornal deixar um texto para eventual publicação. Vi de perto o fechamento de cada jornal dessa distinta província… Abraço caro amigo escritor, Marcos Ferreira!

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro poeta Airton Cilon,
      Você é testemunha e partícipe da história de Mondrongo. Conhece os meandros e as entrelinhas.
      Forte abraço e até o Capítulo 6.
      Marcos Ferreira.

  3. Liceu Luis diz:

    Bravo! E assim continua o romance do escritor Marcos Ferreira. Já fico aguardando o próximo capítulo. É uma viagem associando realidade e ficção. Nesse capítulo 5 parece que a primeira (a realidade) superou a segunda. Daí foi menos envolvente para mim, que não conheço muito bem a história do jornalismo da cidade cenário, mas a criatividade do autor nos permite entender. Entre as duas situações, prefiro a ficção.
    Até domingo!
    Liceu Luis de Carvalho
    Natal-RN
    e-mail: liceuluis@gmail.com

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Liceu Luís de Carvalho,
      É muito interessante a distinção que você consegue fazer entre realidade e ficção, mesmo que intuitivamente. De fato, meu caro, fica bem mais fácil para quem é daqui de Mondrongo e conhece o cotidiano da província. Mesmo com nomes fictícios, isto no tocante às personagens, a realidade salta aos olhos. O Capítulo 6 já está pronto.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  4. João Bezerra de de Castro diz:

    As características do jornalista Orlando Quaresma foram expostas de maneira magistral.
    Quem acompanhou a rotina do jornalismo mondronguense, ou melhor, mossoroense, durante o período retratado no capítulo 5, visualizou o perfil da medonha figura que inspirou a criação do personagem “neurastênico Orlando Quaresma”.
    João Bezerra de Castro
    Parnamirim-RN
    jbcastro16@hotmail.com

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado João Bezerra de Castro,
      Você, como poucos, sabe ler nas entrelinhas e enxergar por trás dos nomes fictícios dados a certas personagens de Mondrongo. Portanto, amigo, qualquer semelhança com elementos e histórias verdadeiros terá sido mera realidade.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  5. Francisco Nolasco diz:

    Parabéns, amigo Ferreira.
    Mais uma descrição imponente acerca da realidade social e política da nossa Mondrogó, desculpe a intromissão desse novo nome a nossa querida terrinha.
    Seu texto sempre enxuto e surpreendente nos faz crer que nesse pequeno país das letras ainda um dia poderá cumprir seu ideal…
    E sobre o triângulo amoroso, faça como Gonzagão: Deixe a tanga voar…

    • Marcos Ferreira diz:

      Querido poeta Francisco Nolasco,
      Obrigado, mais uma vez, por sua leitura e presença neste espaço reservado à opinião dos leitores. Você, para variar, sempre com comentários pertinentes e instigantes. A narrativa sobre Mondrongo e suas personagens está tomando corpo e começando a me proporcionar um gostinho de satisfação pessoal. Forte abraço e uma ótima semana para você.
      Marcos Ferreira.

  6. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    A brilhante associação entre realidade e ficção, DEVERAS nos brinda com um universo Jornalístico/literato do País de MOSSORO, que ao longo da história, infelizmente, nos legou menos iconoclasta e mais doenças em forma de DESINFORMAÇÃO!

    Que as viroses e muita s outras doenças narradas na Titânica o PULSO, porventura, não mais faça parte da trilha ” sonora” representada pelo nosso histórico de imprensa PATRONAL.

    Quiçá a democratização representada pelo UNIVERSO digital interneteano, represente num FUTURO não tão distante, o fato, de que até hoje, o Pulso ainda pulsa.

    Um abração Caro Marcos e, obrigado por, mais uma vez, nos brindar com sua verve , capaz e inspirada escrita…!!!

    FRANSUELDO V. DE ARAUJO
    OAB/RN. 7318

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro Fransueldo Vieira de Araújo,
      Grato por sua análise e estímulo. Espero, ao longo desta narrativa de Mondrongo e suas personagens, continuar correspondendo os leitores com uma trama verossímil e atraente. Forte abraço e até o Capítulo 6.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  7. Amorim diz:

    Boa tarde Marcos Ferreira!
    Um abraçaço!
    PS. Tô meio “choco” , me recuperando do covid.

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Amorim,
      Torço que o amigo se recupere logo e possamos tomar aquele nosso cafezinho escoteiro regado a um bom papo. Portanto, desejo-lhe melhoras e aguarde o Capítulo 6, pois já está pronto.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  8. Evandro Agnoletto diz:

    Pela leitura dos capítulos já publicados, parece-me que o escritor Marcos Ferreira escreve no estilo de crônicas, ao retratar a sua concepção de uma cidade, aparentemente, fictícia, mas só na aparência, uma vez que o texto reproduz, ou busca reproduzir, uma sociedade real e presente. Será um desafio enorme a interligação dos capítulos, porém, sei que o Marcos o fará, diante do seu talento literário.
    Ele aborda a falência da imprensa escrita, substituída que foi pelas mídias eletrônicas. Este processo é só uma das fases que buscam a substituição do real, concreto, para o reino do virtual. Com a moeda ocorreu o mesmo fato: o dinheiro real foi, e é, cada vez mais substituído pela moeda virtual, e há uma lógica nisso, uma vez que a ação de pegar em vinte notas de cem reais é diferente de apenas passar um cartão e digitar uma senha, o que torna a aquisição menos real e mais fácil. Perde-se a materialidade do que se gasta e, por conseguinte, eliminam-se o custo e o esforço do trabalho para se obter o valor que será dispendido. A virtualidade passou a ser a realidade do quotidiano e a tudo submete como fonte de um prazer e uma felicidade plenamente alcançáveis no imaginário, contudo, vedada na concretize das coisas do mundo. O marketing afirma:”tu ainda não tens o cartão X (leia-se: ainda não é cliente do banco X)?” E o questionamento possui dois juízos de valor implícitos: o primeiro tem a intenção de mostrar que tu és um estúpido por não possuir o “mavioso e mágico” cartão X. O segundo estabelece que tu és medievo e vives fora do tempo atual, atávico, primata destituído de qualquer valor ou legitimidade para emitir qualquer opinião sobre um tempo que tu nem sequer participas. Portanto, compreendes menos ainda. Os livros impressos são como companheiros de nossa existência e o são porque nos auxiliam na formação de nossa identidade como cidadãos e nas concepções que desenvolveremos ao longo de nossos dias. Eles são reais, ocupam espaços, podem ser manuseados, grifados, rabiscados com anotações constituídas de observações ou críticas. Juntam poeira, requerem cuidado com as traças, enfim, por serem concretos, necessitam de cuidados, manutenção e zelo. A virtualidade dispensa tudo isso, e basta apertar um botão on e outro off para ligar/desligar, claro, para aqueles que têm condições de acessar tais botões. Chama a atenção o nome dado ao Estado: Santa Luzia, algo como uma luz, uma radiação, uma iluminação fulgurante e, ainda por cima, revestida de santidade; é o suprassumo da ironia fina. É impossível não ser remetido para a antiguidade grega clássica, em que Apolo, Deus da luz, da clareza, representava o reino da verdade, do esclarecimento do pensar infenso à mera opinião (doxa) dos não instruídos. O conceito é a meta a ser buscada acima de qualquer coisa e a qualquer custo; a sensibilidade e a opinião são enganosas, nada precisas, subjetivas e devem ser desprezadas como critério de um conhecimento válido ou legítimo. Disso tudo resultou a crítica Nietzschiniana em relação à filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles, reduzindo os seres humanos à razão, desprezando o relevante papel de Dionisos (Baco), deus da pulsão e da desmedida. Pois hoje fizemos melhor ainda: não há razão nem paixões, desmedidas ou pulsões genuínas, verdadeiras, sinceras, e sobrou a nós o simulacro disso tudo, um modo de ser permanente, pobre e enfadonho da mesmice do que está aí, sem qualquer possibilidade de devir, uma eterna “mudança” diária para que tudo continue sempre a mesma coisa; ou tu te adaptas ou, então, tu és um ser atávico, por conseguinte, absolutamente ilegítimo para qualquer coisa, mesmo a mais inocente e pura opinião ou crítica. Parece-me ser este o mote do Marcos, um sujeito que sente-se desconfortável e totalmente estranho, inadaptado à sociedade em que vive, premido entre sucumbir a ser uma aparência do que realmente é, para deixar de ser atávico e esquisito, e usufruir das “benesses” de ser normal, e a teimosia, a recalcitrância de continuar a ser o que ele é, em essência, por saber que quando não somos o que realmente somos, o caminho só levará ao desespero, máscaras em demasiado número e rotatividade que culminarão, necessariamente, na perda da identidade. Quando não sabemos o que somos, somos incapazes de saber qualquer outra coisa, por mais simples que ela seja. Há de se buscar um equilíbrio, e ser o que somos com aqueles que também o são o que são, e isto não implica em concordância absoluta, pelo contrário, ser o que se é pressupõe, necessariamente, autonomia, vontade livre, livre pensar, enfim, vida. Há muitos “desajustados” por aí, e nenhum deles está ou estará só.
    Quando eu tiver o prazer de retornar ao RN, quero conhecer Marcos, oportunidade que teremos de debater esse e outros temas.
    Fico aguardando o capítulo 6.
    Evandro Agnoletto
    Porto Alegre-RS
    e-mail: evandro.agnoletto@gmail.com

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caríssimo Evandro Agnoletto,
      Você simplesmente me deixou sem palavras. Pois é. Como costumo dizer, às vezes um escritor também fica sem palavras. Isto, no presente caso, devido à grandeza, à dimensão do seu depoimento e inteligência. Nesta sua quase pequena crônica ou ensaio acerca do Capítulo 5 de “A CIDADE QUE NUNCA LEU UM LIVRO”, romance folhetim que espero continuar tornando interessante aos amigos leitores, você deu um baile, amigo, um banho de agudeza e perpicácia. Li e reli tudo que você escreveu com uma satisfação enorme. Fico muito feliz, repito, em tê-lo entre meus dez ou doze leitores. Pois você, pelo nível de sua inteligência, só faz aumentar a minha responsabilidade enquanto autor deste folhetim ambientado na “fictícia” cidade cenário de Mondrongo. Palavra esta que é também o nome de uma editora independente, conforme você referiu noutro comentário, talvez já no primeiro capítulo. Espero, portanto, continuar contando com sua atenção e presença neste espaço reservado à opinião dos leitores. O Capítulo 6 já está pronto.
      Forte abraço e até o próximo domingo.
      Marcos Ferreira.

  9. Rizeuda da silva diz:

    Boa tarde, poeta!

    Esse retorno ao passado trouxe fatos interessantes desconhecidos por mim. Grata em poder acompanhar o seu relato dominical. Um abraço das terras do Norte. Sucesso, meu amigo!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Poetisa Rizeuda da Silva,
      Boa noite.
      Que bom que esse folhetim de “A CIDADE QUE NUNCA LEU UM LIVRO”, especificamente em seu Capítulo 5, lhe proporcionou algo mais que o simples prazer da leitura, adicionando a isto também um pouco de informação. Mesmo que se trate de uma história fictícia ambientada na “fictícia” província de Mondrongo.
      Forte abraço para você aqui das bandas do Nordeste.
      Marcos Ferreira.

  10. Marcos Antonio Campos diz:

    Romance, crônica, jornalismo, a sociedade como ela é, podres poderes aos numerais em Mondrongo. Uma linguagem nem tão simples assim e temas polêmicos. Amigo! Seu coquetel literário é muito bom e vibrante.
    Continuo vendo você como reencarnação de Nelson Rodrigues, porém hoje, acho que identifiquei alguma coisa de Ionesco, afinal a sua publicação é hebdomadária e lembra paquidermes e o teatro do absurdo.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezado xará Marcos Campos,
      Saudações. Fico imensamente feliz em saber que este folhetim vem sendo acompanhado por você e que, para a minha honra, vem lhe agrandando de algum modo. Muitíssimo obrigado (meu ego me obriga a confessar) pelas citações do Nelson Rodrigues e do grande Eugène Ionesco. Quem sabe este absurdo folhetinesmo de “A CIDADE QUE NUNCA LEU UM LIVRO” se sustente e dê bons frutos. Afinal de contas, meu amigo, como muitos por aqui costumam jactar-se, Mondrongo é um país. Forte abraço e até o próximo domingo.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  11. Raí Lopes diz:

    Como tempo é rápido! Mondrongo já passou por muita coisa… E, acredito, vai passar por mais…

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caro escritor Raí Lopes,
      Sim, Mondrongo ainda tem muito o que mostrar, muita água para rolar sob as nossas famosas pontes. Pois “A CIDADE QUE NUNCA LEU UM LIVRO”, como eu disse há pouco, não é apenas um município, é também um país: o País de Mondrongo.
      Forte abraço e até o próximo domingo.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  12. Bernadete Lino / Caruaru - PE diz:

    Você sempre surpreendendo. Voltei àquela data fatídica do ataque às Torres Gêmeas: estava no trabalho e o Gerente que anunciou o ocorrido parecia estar contando uma piada pois, comentava como num deboche, meio que gostando; até nem acreditei! Depois não se falava em outra coisa por dias seguidos. Fico um pouco incomodada com o sensacionalismo das notícias ruins; tem quem goste! Tem quem se divirta em ver o desinteresse pela leitura de bons editoriais e até trabalha contra esses sobreviventes. A semelhança com a realidade atual é muito forte: violência generalizada; política de interesses particulares; é um salve-se quem puder! Não conheço a Mondrongo mas ela parece com cidades que conheço! Parabéns Marcos Ferreira!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezada Bernadete Lino,
      Bom dia.
      Desde sempre, infelimente, o espetáculo da desgraça, sobretudo se for em grandes proporções, é o que parece mais agradar a muita gente. Isso vem de longe e segue nos dias atuais. No presente instante, por exemplo, muitos vibram e apaludem a política necrológica de um genocida que chegou ao poder deste País pregando a violência, a truculência e a barbária contra as minorias já tão massacradas. Em Mondrongo, guardadadas as devidas proporções, a coisa não tem sido muito diferente ao longo da história. Você, como pessoa sensível e inteligente, deve estar a par e compreender toda essa conjuntura e disparate político, repletos de neofascistas, milicianos, de pistolagem contra índios, indigenistas, jornnalistas, etc. Apesar dele, porém, amanhã há de ser outro dia.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

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