domingo - 12/05/2013 - 11:37h

A estúpida banalização da maldade

Por Gaudêncio Torquato

Qual a relação entre expansão da criminalidade e insatisfação social? Tudo a ver, seja na visão da corrente sociológica, seja na perspectiva da vertente econômica. A primeira argumenta que a queda da desigualdade entre classes diminui a insatisfação social, fazendo refluir a violência; a segunda levanta a hipótese de que o ganho com ações ilegais diminui ante o aumento da renda das famílias.

Vejamos os dados de fundo: entre 2001 e 2011 a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6% e a dos mais pobres, 91,2%. A numerologia abriga, ainda, 19 milhões de empregos com carteira assinada e a estatística de 35 milhões de brasileiros que nos últimos dez anos ascenderam à classe média, hoje somando 52%, ou mais de 100 milhões de pessoas.

Diante da evidência de que o País ganhou um dos maiores (e mais retumbantes) programas de distribuição de renda da contemporaneidade, restaria fechar o parágrafo com aplausos ao corolário: a violência diminui no Brasil graças ao aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade.

Verdade? Não. Sofisma.

A comunidade vive em clima de medo e insegurança. Por todo lado se multiplica a marca da violência. A viseira que embute satisfação não consegue esconder a coleção de crimes cometidos nos últimos tempos, que, pela inexcedível crueldade, puxam o Brasil para os primeiros lugares do ranking mundial da barbaridade.

Basta ilustrar com casos que borram o maior cartão-postal do País, o Rio de Janeiro: o estupro de uma americana dentro de uma van e a agressão a seu namorado francês, o assalto a três turistas argentinas nos Arcos da Lapa e, mais recente, o estupro de uma mulher dentro de um ônibus por um jovem de 16 anos, flagrado por uma câmera de vídeo.

Em São Paulo, expandem-se episódios de extrema violência, como o que vitimou há dias um empresário que meses antes tentara fazer um boletim de ocorrência sobre tentativa de assalto e foi tratado com descaso pelo delegado. Em Goiânia morreu a menina de 11 anos baleada ao tentar defender o pai durante briga numa pizzaria.

A série criminosa é tão povoada de absurdos que o Brasil começa a fazer parceria com a Índia, onde, recentemente, uma criança de 5 anos morreu após ser estuprada por dois homens.

O fato é que o roteiro de monstruosidades não combina com o retrato de bem-estar com o qual se procura apresentar o País. O que explica o clima de insegurança que permeia os mais diferentes espaços, das margens ao centro, quando as trombetas da administração fazem ecoar hinos ao conforto social resultante de um programa-símbolo de distribuição de renda? Ou será que, no caso da criminalidade, não se pode usar o termômetro da igualdade/desigualdade social para explicar o fenômeno? A questão causa polêmica e boa dose de contradição.

A PUC-Rio fez um estudo para o Banco Mundial em que mostra que a redução da desigualdade via Bolsa-Família foi a principal causa da diminuição da violência em São Paulo entre 2006 e 2009. A expansão do programa, segundo o pesquisador João Manoel Pinho de Mello, teria sido responsável por 21% do total da queda de criminalidade. Em 2012, porém, o número de homicídios em São Paulo cresceu 34% em relação ao ano anterior – 1.368 mortes versus 1.019.

No quadro geral da criminalidade em todo o Estado, o incremento foi de 15%. Já no primeiro trimestre do ano, a capital registrou um aumento de 18% no número de homicídios dolosos, numa expansão que vem ocorrendo há mais de oito meses.

Diante da aparente contradição entre mais igualdade social e maior taxa de criminalidade, faz-se necessário colocar no caldeirão da violência outros ingredientes, a começar pela obsolescência do Código Penal, que escancara o descompasso entre a brutalidade de crimes e as penas brandas atribuídas. O mesmo se pode dizer do Estatuto da Criança e do Adolescente, que carece de atualização para acompanhar os avanços tecnológicos e o instrumental formativo/informativo que eleva as condições dos jovens.

A par de problemas endógenos da estrutura policial – carência de casas de custódia e de presídios, mandados de prisão descumpridos, grau elevado de letalidade nas intervenções policiais, corrupção, etc. -, espraia-se pelo território o consumo de drogas e álcool, na esteira da massificação dos produtos identificados com diversão e ócio.

Também a morosidade da Justiça leva à sensação de impunidade. E as brechas do sistema normativo contribuem para a banalização de atos ilícitos, que encontram terreno fértil para prosperar nas camadas mais pobres, particularmente entre os jovens. A extrema pobreza atinge, hoje, 12,2% dos 34 milhões de jovens brasileiros, cujas famílias auferem renda per capita de até um quarto do salário mínimo.

A conclusão é inescapável. O Brasil prepara-se com muito temor para sediar os dois mais importantes eventos esportivos da era moderna, Copa do Mundo e Olimpíada.

A esta altura deveria empenhar-se para exibir a estética de seus estádios e cidades (como já faz a Rússia para 2018) e estender os braços do Cristo no Corcovado aos milhares de turistas que para cá se deslocarão, eis que feias nódoas mancham suas belas paisagens, gerando incertezas sobre a segurança dos visitantes.

Sejamos realistas. Daqui a um ano é pouco provável que tenhamos um ambiente social mais harmônico e menos turbulento. Continuaremos a ser o país que concentra 3% da população e 9% dos homicídios no mundo. E que nos últimos 30 anos registra mais de 1,1 milhão de vítimas de homicídio. Não é de espantar que a onda de crimes cada vez mais hediondos esteja banalizada.

Mataram mais uma criança? Ah! Estupraram mais uma moça? Oh! O pai assassinado deixou quatro filhos? Ih! Amanhã teremos mais.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor da USP, consultor político e de Comunicação

* Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. RAIMUNDO NONATO SOBRINHO diz:

    Estamos colhendo o que plantamos. Violência sempre existiu e continuará existindo em qualquer parte do planeta mais aqui no Brasil tudo é diferente. A cada dia a corrupção aumenta; políticos, pastores, padres, servidores públicos, e juizes do direito. E porque as crianças e os adolecentes são os culpados? Os jovens brasileiros estão respondendo na mesma moeda os abusos sofridos desde o nascimento. Elaboraram projetos, sancionaram leis sem consultarem os jovens. Lhe atribuiram direitos que nunca Pediram, mais que também nunca chegaram a eles. Os jovens continuam sem ter direitos a nada, e cobram da maneira mais cruel possível; maltratando ou eliminando seus concorrentes, é assim que eles entendem, e sendo conhecedor dos direitos que tem agem de acordo com as regras da impunidades lhe assegurados em lei. A questão não é ser a favor ou contra o que chamamos de impunidade; e sim encontrar uma saída para se combater as injustiças. Poderíamos condenar aqueles que aprovaram o ECA sem avaliar as consequencias. Poderíamos condenar aqueles que desviam o dinheiro público que não chegam as políticas públicas. Poderíamos assegurar aos jovens o que está descrito no art. 4 do ECA. Não podemos nada, e assim os jovens continuam sendo violados nos seus direitos. Mas podemos corrigir as falhas que estão no ECA, e se é justo que um jovem que pode votar para escolher seus representantes também pode responder criminalmente pelos seus atos na mesma idade, nada de anormal. Agora é preciso ter dicernimento que reduzindo a maioridade para 16 anos não vamos estancar a violência; é preciso também assegurar os dreitos conquistado em leis pelos jovens. Outra discursão inserida neste contexto é o acesso fácil que os jovens tem as armas e as drogas, e todos nós sabemos que jovens no Brasil não fabrica pistola ponto quarenta nem produz drogas; isto é coisa de adulto; então é melhor punir neste caso o criador, o adulto. Antes de mudar o ECA, vamos mudar o código penal brasileiro; vamos implantar a prisão Perpétua no país e confiscar tudo dos criminisos; aí será hora de corrigir o ECA, e dar a pena merecida aos jovens quando estes vierem a cometer crimes.
    A maior violência contra os jovens é o ataque dos políticos aos cofres públicos.
    Quem mata mais as drogas ou a corrupção.

  2. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Como o tópico é A ESTÚPIDA BANALIZAÇÃO DA MALDADE, eis mais uma estupidez:
    Na UPA do Alto São Manoel funciona um plantão odontológico 24 horas por dia. Pelo menos foi esta a informação que me passou uma dentista que trabalha na UPA Chico Porto.
    Ora, se eu que leio jornais, ouço rádios, acesso os blogs não estava sabendo, imagine o mossoroense mais humilde do que eu.
    O que faz esta tal secretaria de comunicação da PMM além de expedir releases políticos?
    Dar a conhecer a todos os mossoroenses que existe este plantão odontológico é OBRIGAÇÃO da secretaria de comunicação. Mas para o auxiliar da prefeita, que está encarregado deste setor, só importa divulgar as reuniões da Cláudia Regina em Aracati com prefeitos cearenses e em outros municípios com outros prefeitos para tratar de assuntos que não dizem respeito a administração de Mossoró.
    E assim fica o povo sem saber que tem à sua disposição este importante serviço de tão grande alcance social.
    DIVULGUEM NAS RÁDIOS, NOS JORNAIS, NA TELEVISÃO, A EXISTÊNCIA DESTE PLANTÃO ODONTOLÓGICO.
    Depois a prefeita Cláudia Regina fica sem gostar quando a gente diz que ela colocou muito jabuti em copa de mangueira.
    ////
    Seu filho ainda não recebeu o fardamento escolar?
    Ligue 0800 61 61 61. Ou mande um e-mail para o FALE COM A PRESIDENTA.
    Dia 27 de maio saberemos quanto ganha a prefeita de Mossoró.

  3. souza junior diz:

    A dura realidade e que sempre os governos de plantao enfretam o tema violencia com os frios e insensiveis numeros da macro economia. Agora, os petistas sao possss doctores em economia, e os demos acham estatisticas nunca vistas no rn. Gaudencio, ora reproduzido, deveria ser refletido ppr todos nos, vitimas e vitimados pelo descaso.

  4. chagas diz:

    E os políticos do estado ?? vc conhece alguma ação para dimuir a violencia ou a corrupção dentro do RN, feita ou idealizada por um Alves ou um maia????????????????????????????????????? coitados eles não tem tempo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ficam o tempo todo resolvendo os problemas particulares e não sobra nada para o povão bobo que acredita em papai noel. Os Alves teem uns 12 elementos nos altos cargos do estado e nação, veja:: Gari pai e filho são senadores, os dois netos serão agora deputados estadual e federal (vereador e estadual) o irmão de gari filho é presidente do TCE, o outro irmão é deputado est. o sobrinho é deputado federal, o outro é prefeito de Natal e por aí vai, enganando, mentindo, fica em cima do muro, tem uma língua aqui e outra em Brasília, agrada a cacique lá e desagada aqui, mente aqui, trai ali, confundem os analfabetos politicos, e fica sem tempo para o povão, só intessa o seu grupo e sua família com seus proprios interesses. NOs orgãos como DER, DNOCS,FUNASA, RECURSOS HIDRICOS, etc são orgãos que recebe altos volumes de dinheiro para obras públicas, pergunto, quem comanda esses órgãos????????? resposta os Alves, porque esse interesse, adivinhe??????????????????????? pobre povão enganado, acorda para Jesus.

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