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domingo - 24/04/2022 - 12:12h

A história se repete

Por Inácio Augusto de Almeida 

Chorou muito ao saber que seria deixado na escola. Olhou para a cartilha, o caderno e o lápis. Dos pais ouviu que teria muitos coleguinhas com quem brincar e ganharia uma nova tia.

Ficou virando as páginas da fina e pequena cartilha e via apenas riscos que na sua imaginação viravam animais e aves. Gostava muito do ratinho e, mais ainda, do passarinho que voava num céu muito lindo. Ficou pensativo e apontando para a figura que parecia a escada usada pela mãe para pegar frutas no quintal.Família, nova família,Quando apontou com o dedinho a figura, o pai com muita paciência disse ser a letra A.

De lancheira de plástico a tiracolo, onde a mãe colocou uma banana e um pão, seguiu para seu primeiro dia de escola. A cartilha, caderno e lápis o pai entregou à diretora.

Chorou, mas logo começou a sorrir com as peraltices dos coleguinhas e as brincadeiras organizadas pela tia.

Feliz ficou quando viu a letra A no quadro negro e lembrou do que o pai tinha lhe ensinado. E riu quando outros coleguinhas não sabiam que aquela figura era a primeira letra do alfabeto.

Manifestava-se, pela primeira vez, a alegria do sentir-se superior.

O tempo passou e chegou a época da primeira série.

Já conhecia todas as letras e conseguia formar palavras como pai, mãe e casa.

Na escola seguiu aprendendo e percebeu que agora levava para casa dever que fazia sempre com a ajuda da mãe ou do pai.

E assim, sempre ouvindo que era preciso estudar muito para na vida ser feliz, a criança viu no espelho o rosto se transformando com a chegada da penugem…

Na juventude o papo girava em torno do vestibular. Era vestibular e a Carteira de Motorista o que mais a turma visava para ser feliz.

O ingresso na Universidade era visto como a porta da felicidade. Estar realizando um curso superior e ter uma CNH era o tudo para todos que tinham como diversão os filmes das sessões dos sábados no PAX.

Quando conseguiu a CNH e o diploma percebeu que felicidade mesmo só casando e tendo filhos.

E casou e teve filhos.

Mas felicidade sem ter os filhos bem encaminhados? Como?

Daí se dedicou de corpo e alma a trabalhar na emancipação dos filhos. Filhos que hoje crescidos e bem posicionados na vida estavam.

Lembra-se das alegrias das festas de formatura, aprovação em concursos disputadíssimos e dos casamentos.

Agora estava certo de que a felicidade conheceria tão logo surgissem os netos para brincar de montar quebra-cabeças, jogar damas e fazer palavras cruzadas.

E os netos surgiram, mas sempre muito ocupados com jogos eletrônicos.

Perguntou a si mesmo pela tal felicidade.

E lembrou-se que fazia meses que não via o brilho de alegria explodindo nos olhos dos seus pais.

Descobria pela dor o quanto a felicidade sempre tão perto não tinha percebido.

Reuniu os filhos, noras, genros, netos e, todos juntos, foram à casa dos já quase esquecidos pais.

E sentiu-se pela primeira vez plenamente feliz.

Feliz por ver o brilho de olhos cansados inundados por lágrimas de felicidade.

E percebeu, finalmente, que a história sempre se repete.

História que relega a um plano menor o que realmente nos faz conhecer a felicidade.

Felicidade que só existe no amor mais puro e verdadeiro.

Enquanto os netos brincavam e os filhos conversavam, ficou a observar os corações dos seus pais que viajavam olhando as travessuras dos bisnetos.

Muito feliz ficou por ter descoberto e voltado a tempo.

Voltado ao que existia.

No seu coração, a alegria pela descoberta da verdadeira felicidade.

Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Amorim diz:

    Caro Inácio, retratou perfeitamente a felicidade!
    E então remeteu-me a uma pergunta que fizeram ao saudoso Max Nunes,
    Qual o livro mais importante que havia lido; respondeu ele: foi a a CARTILHA!
    Um abraçaço

    • Amorim diz:

      Em tempo, do seu sempre medíocre amigo!

      • Inácio Augusto de Almeida diz:

        Quem nunca disse coisas banais?
        Palavras o vento leva…
        Quem é dotado de tsensibilidade
        Pode ser medíocre?
        Inácio Augusto de Almeida
        ///
        Caro Amorim
        Não cobre de mim a infalibilidade papal…
        /////
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