quarta-feira - 20/01/2010 - 12:13h

A morada em que o flagelo fez pouso

Conheço-o há mais de 20 anos. Nunca existiu fosso entre nós, mesmo que ele cumprisse papel de modesto ASG e eu, teoricamente, estivesse num degrau social acima.

Somos amigos, posso dizer.

Agora fico paralisado ao ouvi-lo com voz que teima em despistar meus ouvidos. Fala sobre sua família.

Tem um filho de 26 anos tomado pelo crack. O jovem perdeu emprego; mulher e filho o abandonaram. Hoje é um zumbi, a serviço do vício incontrolável.

Deve R$ 400,00 a traficantes e a qualquer momento pode ser executado, por não saldar o compromisso.

É uma história como tantas outras que já vi e soube. Mas é diferente quando bate à porta de alguém próximo, de boa índole. É trabalhador que está nas entranhas da imprensa há décadas.

Sinto-me consorciado na dor, mas é pouco. Digo-lhe que estou à disposição para ajudá-lo, não é o suficiente.

Enfim… O que fazer?

Corpo esquelético, amarrarotado pelo tempo, olhar opaco, estou diante de um pai entre milhares e milhões, com a mesma chaga. Não parece ter mais a alegria de antes, a verve e a espontaneidade picaresca que o caracterizavam.

Sua família está doente. O crack tem esse poder de socializar a miséria. Nivela todos por baixo e para mais baixo, até a sepultura. Enquanto não mata, maltrata de forma hedionda.

Antes, era uma droga a mais que agia nas bordas do tecido social. Quase ninguém lhe deu atenção. Bombou. Já é consumida pela classe média e alguns bacanas. Em todos, o efeito é devastador. Avança em espiral e escala geométrica.

Transforma gente em trapo, desfigura corpo e alma. Destrói famílias, amputa sonhos.

Hoje está na casa do meu amigo. Fez morada e não quer sair. Amanhã, quem sabe, fará pouso na minha ou na sua casa. Espero que não.

Ninguém está imune a esse flagelo.

Direta ou indiretamente, estamos todos no mesmo barco que começa a adernar. E não é sensato apelarmos pro lema dos egoístas, o "salve-se quem puder".

A indiferença é a chave para a expansão dessa mazela. Seu triunfo é nosso fracasso como ser humano e a sentença de morte como civilização.

Compartilhe:
Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. denilson duarte diz:

    Todos os dias ao meio dia meu pai recebe a visita d um deste zumbis escravo desta maldita droga, que bate o portão la de casa, Nas mãos sacolas de mangas pra vender, podendo assim compra uma pedrita. É triste a luta pela dependência, esse relato é 1 entre varios que sucumbem em um mundo fantasmas. As armas as vezes para conseguir o dinheiro são relatos tristes, de doença familia, quando pedem falam que é pra o remedio de seus filhinhos,ou comprar comida. A criatividade e as fanatasias que inventam são muitas. Mesmo sabendo tenho dó,não consigo dar um RÉ pois o sol castigante do vicio me deixa imovel a essa cena.

  2. denilson duarte diz:

    Se ninguem fizer algo urgentemente logo logo teremos uma epidemia mais avassaladora do que a AIDS,GRIPE SUINA,CANCER, e a FOME. Precisamos dar as mãos contra esse mal. Outro dia vie uma frase numa parade pixada que dizia; “DEUS SALVA, o craque mata”.Parabens amigocarlos santos por tocar neste assunto tão importante que vemos todos os dias e as vezes ingnoramos. Nesta luta coloco meu trabalho a disposição como veiculo para combater essa mazela juntos com todos os HOMENS d boa vontade. E Que DEUS tenha piedades de nós.

  3. denilson duarte diz:

    ”O crack É O CASCO DO TACHO DO CÃO”. ouvie isso de um viciado.

  4. Valtércio Anunciato Da Silveira diz:

    Carlos, como você e o amigo citado, também sou pai, até hoje, tenho a felicidade de não ter um dos meus 04 filhos envolvidos nesta sentença de morte. É por isso que, em que pese ser sabedor de muitas dezenas de casos semelhantes, o meu coração chore, se coloque no lugar dos pais e sinta o sofrer destes pais. Que DEUS Ilumine o caminho deste jovem e o faça tomar o caminho certo da vida.

  5. pedro rodrigues diz:

    A força com que a droga invade os lares deste país esta tornando a sociedade refem da marginalidade, onde podemos perceber pais de família humilhados pela desgraça de seus filhos, ficando apenas com os olhares lançados ao desastre que os atinge. É hora de reunirmos a força do “COPÃO” em busca de soluções imediatas para salvar todos os lares, DIGO ISTO, pois vejo o mesmo como um mecanismo capaz de salvar milhares de famílias do mal. Governantes de todas as esferas, juntem-se e não deixem seus lares serem atacados para procurarem uma saída. A Polícia deve fazer blitz nas ruas de acesso aos bairros considerados mais perigosos, parando desde os carros mais possantes as bicicletas. Enfim, SALVEM o nosso país, em especial a nossa cidade de males bem maiores do que nos vemos enfrentando. Abraços.

  6. Edmiro diz:

    Absurdamente indigesto e preocupantemente aterrador, porém real.

  7. Honório de Medeiros diz:

    Um primor, Carlos. De uma precisão de estilete de cirurgião. E finamente bordada. Parabéns.

    Honório de Medeiros

  8. Paulo Roberto diz:

    Meu Caro Carlos,

    Comungo com seu pensamento e digo a vc que sempre que leio ou escuto sobre esse assunto fico sempre perplexo e a imaginar o que o Governo do Sr. Presidente Lula da Silva tem feito para, pelo menos diminuir esse problema. Parece que é um assunto que não mexe com ninguém, que não afeta milhares de brasileiros e suas famílias. É como se fosse no quintal do vizinho. Como não se fez e nem se faz nada, bate agora as portas de nossos amigos e pessoas próximas a contaminar o tecido social, deixando marcas profundas que só o tempo dirá o trágico resultado.

  9. Antonia Líria Feitosa NOgueira Alvino diz:

    Carlos,
    Tocou-me sua sensibilidade para esta situação muito mais do que o tema. Como enfermeira, sei o quanto muitos pais como esse estão acometidos com essa moléstia familiar.
    Quisera mais pessoas fossem tocadas assim. Sua escrita foi perfeita!
    Antonia Líria.

Deixe uma resposta para denilson duarte Cancelar resposta

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.