Por Marcos Ferreira
Hoje que te encontro a rir-se em desespero, carecendo de amparo e de equilíbrio, tenho a perder contigo estas velhas e repetidas palavras. Porque eu, assim como todo mundo, também sofri o meu bocado e magoei outros mais neste sempre desconcertante samba do crioulo doido: o amor. E quero dizer-te, por conhecimento de causa, que sei perfeitamente o que estou falando. Sim. A gente sofre, mas aprende.
Talvez o que eu te explique até possa consolar-te por alguns instantes, mas logo que reparares em volta e deres com a ausência de quem amas, tudo isto que te revelo perder-se-á pelo ralo escuro da incompreensão e do esquecimento. É assim o coração de quem ama, um terreiro de feitiços, magias, sortilégios, um rútilo salão de festas, um palco de inúmeros dramas e comédias, lágrimas e risos, dores e prazeres, sonhos e desenganos. Cada qual com a sua lombra e seu lundum, sua fala e o seu silêncio, seu fracasso e sua glória.
Diante dele, sobre ele ou debaixo dele — o amor —, não há quem não dance, quem não se dobre ou quem não vacile, quem não goze e quem não gema… O amor é cheio de caprichos, de vontades próprias. Não há quem não traga no rosto a cicatriz invisível de um beijo, a cruz do sonho morto fincada nas areias movediças do coração amante. Sei exatamente o que sofres neste minuto.
Porque eu, modéstia à parte, possuo doutorado sobre tal assunto. Sou Ph.D. em roedeiras e dores de cotovelo. Reconheço em teus olhos a mesma tempestade, o mesmíssimo ciclone que revolveu minhas entranhas e devastou esta minha alma condoreira.
Conheço muito bem o mau humor que ora te envenena a língua e amarga tuas palavras. Eu já tomei o chá amargo de todas as ervas e raízes do amor não correspondido, do amor sozinho, do sexo solitário. Eu também já catei papel na ventania, matei cachorro a grito e beijei de olhos abertos.
Sei o que é ser trocado por outro (ou outra, nalguns casos) e se sentir o cocô do cavalo do bandido, um zero à esquerda, um risco n’água, um fósforo molhado, uma lâmpada queimada, um cão sem dono. Eu também já quebrei a cara, já cuspi para cima e vi a menina dos meus olhos ir-se embora com o tal palminho de rosto das colunas sociais.
AÍ EU CUSPI NA CRUZ, joguei praga em santo, bati a porta e chorei mudamente embaixo dos lençóis. E só não briguei com Deus porque ele, apesar dos pesares, sempre aliviou a barra e nunca se enfezou comigo. Mas veja que o baque é forte, e a lombra do amor rejeitado já deixou muita gente de quatro.
Não mais me espanta que tenhas agredido o meu nome, condenado os meus dias e amaldiçoado as minhas noites. É que às vezes queremos lançar a culpa sobre alguém quando perdemos a compostura, o respeito, o amor-próprio, a autoestima, a dignidade, os brios, a razão e até nos descabelamos.
Assim nos vemos quando o cisne branco da felicidade (a nossa alma gêmea, nossa cara-metade, entres outras definições românticas) migra para bem longe dos nossos braços. De repente, não mais do que de repente, tudo é desventura e malogro… Faz-se da vida um filme em preto e branco e nada mais nos parece ter a menor graça ou importância.
Entretanto, não te esqueças de que tudo isso passa. Espera o mercurocromo do tempo atuar sobre as feridas da alma. Porque o coração, assim como o fígado, possui o poder de autorregenerar-se. O processo é doloroso e lento, mas é preciso não morrer da cura, como reza o soneto que te fiz.
Então, antes que o pandeiro se cale e as cinzas desabem sobre a quarta-feira, tira a tua dor da avenida que eu quero passar com o meu sorriso. Porque agora eu também já sei namorar, já sei “ficar” e tudo o mais que o diabo gosta.
Além disso, como diz o poeta Drummond, amar se aprende amando.
Marcos Ferreira é escritor
*Crônica publicada originalmente no dia 02 de maio de 2021.
Faça um Comentário