domingo - 11/11/2007 - 12:15h

Da solidão

Frequentemente ouço pessoas reclamando da solidão. Dizem-na insuportável fardo, um tormento capaz de desonerar a paz interna. Daí porque preferem trocá-la pelo tédio, compactuando assim com o aborrecimento, fácil de levar, se comparado ao trágico da angústia que decorre do sentimento de solidão, sobretudo para aqueles que acham insuportável a própria companhia e buscam, no atordoamento das relações, um estupefaciente capaz de amortecer a dor da existência. 

Tema inspirador para muitos artistas, creio que a solidão – entendida como uma viagem interior, portanto um exercício espiritual – é, segundo Balzac, algo que só pode ser suportado por um homem de gênio que a preenche com suas idéias ou para o contemplador das obras divinas, que a considera iluminada pela claridade do céu. Baudelaire considerava a solidão um atributo dos heróis, ou seja, daqueles homens que se podem mirar no recôndito da alma, sem temor nem tremor.

Sempre a soube companheira efetiva do homem – seja ou não artista — que se empenha em criar uma obra. Por isso, observou Thomas Mann, ao descrever Lisavieta, pintora e personagem de “Tonio Kroger” que vivia sem cão nem gato, toda entregue a um ofício exigente — o artista precisa morrer para o mundo das aparências se quer se tornar, realmente, um perfeito criador.

Já a patuléia, com a crueza haurida da experiência, costuma dizer, não sem certo espírito, que não se pode assoviar e chupar cana ao mesmo tempo… Afinal, vivemos de escolhas.

Somos poucos e raros os que escolhemos, voluntariamente, a solidão, que, para o antípoda do homem sem qualidade de Musil, é sempre povoada por seus pensamentos. Este o diferencial entre o homem de gênio ou espiritualizado, e o homem vulgar, que constitui a maioria.

Esforçando-se para viver fora da sociedade dos homens ocos, o gênio balzaquiano troca a volúpia pela reflexão. E, ao fazê-lo, torna-se, para Baudelaire, o único herói que não é ridículo, o herói que arrosta a solidão, ao mostrar-se capaz de fundir a esperança ao desespero.

Recordo-me aqui de Jorge Antonio, como um Satã adolescente, recusando, diante da insistência dos amigos, os convites para ir às festas.

Dizia que, quem foi a uma festa, foi a todas, talvez pensando com o seu mestre Baudelaire que o artista se distingue dos demais por se divertir sozinho. Mesmo pressionado, preferia a companhia dos livros e dos seus pensamentos, a não ser quando algum demônio misterioso o impelia a sair de sua solidão para exorbitar-se de experiências, sem as quais, reconhecia, não há criação.

Uma vez, no natal de 1972, indiferente ao surdo barulho proveniente das ruas de Copacabana, esqueceu de que estava sendo esperado para uma comemoração na casa de Isolda Hermes da Fonseca, porque, minutos antes de sair, retirou da estante um volume contendo poesias de Drummond e se pôs a ler, a princípio distraidamente, de pé, e, depois, sentado no espaldar da poltrona; logo em seguida deitado sobre o tapete, onde Paulo foi encontrá-lo, no dia seguinte, vestido para a festa, completamente absorvido na leitura…

Franklin Jorge é escritor e jornalista (franklinjorge@yahoo.com.br)

Compartilhe:
Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Ceiça Praxedes diz:

    Magnífico texto. Bendito aquele que tem o dom das palavras. Obrigada Carlos por nos premiar com estas pérolas. Abraço. Ceiça Praxedes

Deixe uma resposta para Ceiça Praxedes Cancelar resposta

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.