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domingo - 09/03/2008 - 05:51h

François Silvestre

Noite. Martins. 2003. Em frente à Casa de Cultura, sobre um palanque de madeira, um homem fala segurando o microfone com a mão esquerda enquanto a direita, estendida em um ângulo inclinado em relação ao seu corpo, desenha arabescos contra o negro do céu estrelado, regendo seu próprio discurso e magnetizando a multidão.

É François Silvestre.

A multidão cala, aplaude, gargalha, e se emociona na medida em que as palavras vão brotando encadeadas, harmoniosas, construindo imagens claras e belas sem que o fio, o prumo, o eixo da mensagem seja perdido um instante sequer, até o final, quando a Governadora, então, visivelmente constrangida por ter que suceder, discursando, um dos melhores oradores do Rio Grande do Norte, encerra rapidamente a cerimônia. Dispersam-se todos.

Encaminhamo-nos – os integrantes do Governo – ao Cajuais da Serra, onde François nos recepciona com um jantar ao molde do Sertão: farto e bom. Alguém, ao meu lado, de alto coturno da “troupe” da Governadora comenta: “como fala esse cidadão, heim”? “É”, respondo.

E penso que se o interlocutor valesse a pena eu poderia até lhe contar algumas histórias do anfitrião, através das quais pudesse ser percebido em sua real dimensão, às vezes tão esmaecida, quando se trata de homens públicos norteriograndenses, graças ao atraso intelectual dos que lhe foram e são contemporâneos. Pois, sem dúvida, François Silvestre é um grande homem, naquele sentido antigo, arcaico, primitivo, que se perdeu, hoje, na justa medida em que seus intérpretes passaram a se nivelar por baixo.

Nessa dimensão perdida para os de hoje um grande homem é alguém nobre de espírito, altivo em sua dignidade, cioso de sua honra.

Nessa dimensão perdida, um grande homem é sempre alguém com sólida formação humanística, em sintonia com o avanço do processo civilizatório, ilimitadamente corajoso em defesa de suas crenças e ideais. Nessa dimensão perdida, como diria Talleyrand, “ao Rei tudo, menos a honra”.

De que adiantaria falar, àquele trânsfuga moral que me ladeava, acerca das lutas que François lutara, das bandeiras que hasteara, das idéias que ele pregara, sempre do lado quixotesco das guerras, a zombar, causticamente, na medida generosa de sua inteligência, dos Sanchos Panças cujas espinhas, de borracha vulgar, dobravam-se até o chão ao menor indício da proximidade daqueles que os pagava? Como fazê-lo entender um tempo heróico e seus protagonistas, ao lhe contar acerca da ditadura, do que lhe antecedeu, do que veio depois, se não havia no meu interlocutor, nem na imensa maioria dos que nos acompanhavam, a menor possibilidade de dar relevância a questões, preocupações e angústias cuja grandeza não pode ser alcançada por quem tem um alcance tão mesquinho?

Soubesse eu naquele instante o que sei agora teria lhe dito como era a forja da qual sai homens como François – esse Sertão árido, inclemente e seco, mas tão sensível ao menor carinho que a água lhe faz; – eu teria lhe contado as guerras que ensangüentaram, desde os pioneiros até hoje, o áspero solo sertanejo; eu teria lhe falado de místicos, cangaceiros, repentistas e coronéis; talvez assim ele pudesse entender algo, hoje, tão óbvio que dispensa pouca ou muita conversa: um homem como o que ele escutara, embevecido, aquele personagem de muitas histórias – vividas desde a infância, como relata em “Alças de Agave” ao tratar da morte de seu pai – o seu anfitrião que desfilava, naquele momento, de chinelas japonesas, calção e camisa aberta no peito, em seu sítio, sua terra, seu feudo, enquanto os áulicos borboleteavam, serelepes, arrumados e perfumados, no entorno da fonte do Poder, aquele homem seria incapaz de um gesto menor.

Poderíamos vir a perdoar-lhe excessos cometidos por um ideal e em nome de todos, nunca condená-lo por algo do qual tirasse, mesquinho, proveito próprio: esse tipo de atitude ele jamais teria.

Honório de Medeiros é advogado e ex-secretário de Recursos Humanos de Natal e do Estado

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Categoria(s): Nair Mesquita

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