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sábado - 27/06/2009 - 11:13h

Guimarães Rosa: um retrato

Em Dias Lidos e Vividos [Rio, 1977], Cândido Motta Filho dedica uma página admirável às suas conversações com João Guimarães Rosa, seu vizinho, por uma temporada, na Rua Bartira, em São Paulo, uma cidade que, para o escritor mineiro era mais que uma cidade tentacular: era uma experiência lingüística, como uma grande Babel de línguas que incluía, além dos idiomas estrangeiros os sotaques regionais, de que o estado de Minas Gerais seria o seu laboratório de pesquisas.

Observador arguto e leitor exemplar, membro da Academia Brasileira de Letras, Ministro do Trabalho e da Educação e Cultura, no governo dos presidentes Gaspar Dutra e Café Filho, Motta Filho destacou-se no jornalismo, como articulista e critico literário, pensando com coragem e precisão, ajudado por uma sólida e variada cultura humanística que o habilitava a compreender e ampliar a obra alheia, conforme fica demonstrado em suas observações sobre o autor de Grande Sertão: Veredas, que viu em sua meticulosidade paciente, na feira de Santo Amaro, anotando as expressões, os modismos, os aspectos prosódicos, os adjetivos qualificativos etc, em sua apaixonada elaboração de um novo idioma literário.

Enxergava assim, em Guimarães Rosa, não apenas o escritor, mas o mundo que ele criara com sofreguidão inovadora, ao transcriar a realidade através da apreensão da essência mesma da cultura sertaneja que o nutriu, desde a infância, em Codisburgo.

Fino critico literário, Cândido Motta Filho viu em Guimarães Rosa o homem telúrico e assim pode dizer que, ao contrário de Joyce, ele não tinha preocupação erudita, mas curiosidade amorosa pela fala do povo radicularmente mineiro e capiau. Por isso, pode aproximá-lo, não do irlandês, como muitos o têm feito, mas de Apuleio, que, como Guimarães Rosa, escrevia com palavras estranhas e novas a magnificência de sua prosa composta num estilo rico e espontâneo, inesperado e obscuro.

Mas, logo, como que se corrigindo, acrescenta Motta Filho que Apuleio é que lembraria Guimarães Rosa, apesar de separá-los uma enfieira de séculos.

Nascido em Madaura, por volta do ano 125 da nossa era, o escritor africano emprega em sua obra termos insólitos, palavras sonoras e, como Guimarães Rosa, gosta de surpreender o leitor, sendo, de todos os autores latinos, considerado aquele que mais se aproxima do conceito de modernidade. Porém, afirma, João Guimarães Rosa é único em sua multiplicidade; é só ele e mais ninguém…

Voltaram a encontrar-se ainda algumas poucas vezes, no Rio, Guimarães Rosa o visitando em seu apartamento para presentear-lhe com um exemplar de Tutaméia, livro que teria sido o resultado de um esforço de libertação pela “estória”, porque a história acabava por ser uma forma de opressão, segundo lhe confessara. Nessa ocasião, o escritor pareceu-lhe distante, procurando as palavras e referindo-se à Academia Brasileira de Letras como a sede dos mais altos compromissos literários.

Talvez pensasse, naquele momento, na imortalidade acadêmica que obteria alguns anos depois, porém Cândido Motta Filho nada nos diz a este respeito.

Franklin Jorge é jornalista, crítico literário e escritor (AQUI).

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Categoria(s): Nair Mesquita

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