domingo - 16/12/2012 - 03:45h

Inveja ínclita

Por François Silvestre

A inveja já foi definida como sentimento mórbido de admiração enrustida. O invejoso admira com ódio o objeto da sua inveja. Mas não é dessa inveja que vou falar. Sou invejoso de forma agradável, que me faz bem sem ambicionar o lugar do invejado.

Invejo com todas as minhas emoções o poeta Manoel de Barros. O filho da mãe consegue desconstruir a sabedoria duvidosa e arrancar do miolo da ignorância a forma bruta de espantar o leitor. Ele não é do litoral nem do sertão. É do charco. O litoral é gracioso e azul; o sertão é profundo e cinza. Só é azul de longe, porque o azul é menos cor e mais distância.

O pantanal é sertão e mar, sem precisar de Antônio Conselheiro. Manoel de Barros é pássaro ímpar daquele mundo vasto que se agasalha no seu ninho.

Invejo Mário Quintana, por conseguir ficar cada vez mais criança quanto mais envelhece o verso. Invejo Gonçalves Dias, que me pôs no quengo versos que não consigo esquecer. Invejo Castro Alves, que feito relâmpago passou pela vida e nunca conheceu a morte. Ninguém foi mais generoso com os oprimidos. E a poesia não é outra coisa senão a língua em forma de liberdade. Mesmo aprisionada em versos. A dialética não desgruda nem da poesia.

Invejo os passarinhos do meu sítio. Principalmente o pardal. Isso mesmo; o mais inútil, feio e desprezível dos passarinhos. Nenhum visitante quer fotografar o pardal. Fotografam rolinhas, paparroz, corró, sabiá, sanhaçu, cucurutas, galos-de-campina, canários da terra. Se na hora da fotografia houver um pardal no meio, o fotógrafo espera o bicho voar.

E o pardal tá cagando pra nós. Enquanto alguns passarinhos só comem frutas e outros só comem sementes, o pardal come de tudo. Se o puser num chiqueiro de bode, come casca de estaca. Mas sobrevive contra tudo e contra todos. Tá nem aí pra agradar.

Por isso eu o invejo. Gostaria de ser assim, mas não sou. Gosto de elogio, mesmo os imerecidos; ou principalmente estes. Invejo quem diz preferir uma crítica séria a um elogio fácil. Invejo; mas tirando por mim, acho que é mentira.

Gente, igual a menino e cachorro, gosta de afago. Essa história de receber crítica com serenidade; aqui, ó. Eu recebo é com coice. Quando agradeço crítica exercito minha cota de hipocrisia.

Não sou intelectual nem literato. Escrevo de atrevido, nesses tempos ágrafos, de poliglotas fluentes nas línguas de longe e gagos na prima pobre das flores do Lácio. Na qual eu espantei, com reza, os medos de menino nas noites de novilúnio.

Por isso invejo o pardal. E também o sanhaçu, golfinho de asas, da metáfora de Aurélia. O paparroz, mais brilhoso do que a graúna, mesmo com menos pluma.

Invejo até o jumento. Duas coisas suas: a paciência e o tamanho. Té mais.

François Silvestre é escritor arranchado em Martins-RN

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. François Silvestre diz:

    Eu já tava com inveja de Honório, que vive se arranchando no seu blog. Hoje eu lavei a égua! Suba a Serra, seu político prometedor!

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Por esses dias esbarro por aí, para tomarmos uma carraspana daquelas. Bote a bichinha no pé do pote, para ficar no ponto. Inté

  2. Paiva Lopes diz:

    Meu caro amigão François que há tempos não o encontro, mesmo indo a nossa Martins com freqüência .Gostaria de escrever como você.Portanto te invejo.Gde abraço

    • François Silvestre diz:

      Meu irmão Bombachal, que bom conversar com vc mesmo pela net. Você sempre escreveu bem, só que não pratica. Beijão pra todos os Lopes daí.

  3. Monaliza Trigueiro diz:

    Gostei…

  4. Antonio Alvino da Silva Filho diz:

    Invejo François Silvestre. Que escreve de forma magnífica e ainda se diz não literato. Invejo-o também por ter subido a Serra para morar. Em definitivo. Porque ainda não consegui me desgarrar das amarras da sociedade sobre o asfalto para, também em definitivo, morar na chã da Serra de Santana, onde construí choupana no mirante do Casarão de Tenente Laurentino Cruz. Sua inveja ínclita é uma preciosidade, François.
    Abraço de quem não lhe conhece mas que o acompanha de longe.

  5. Ismael Mendes diz:

    Se inveja matasse, haveria muita gente morta… ou não? Aliás, esse “p” de político poderia abrir outras “portas”: puto, pôrra… ou não?
    P.S. Admirador dos dois, aliás dos três: François, Honório e Carlos.
    Que trio… que pilastras!

  6. Assis Nascimento diz:

    Lavamos a egua, nos leitores. Obrigado Francois, pela belissima cronica.

  7. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Uma excelente crônica.
    Meus parabéns.
    Incrível, eu um devorador de livros, nunca antes ter lido nada deste brilhante cronista.
    A François Silvestre podemos chamar de cronista.

  8. Elves Alves diz:

    Impressiona a zoofilia incontida de François. Com tamanha sofreguidão, Silvestre deve ser apelido; ele é mesmo é Selvagem…

  9. Gladstone Praxedes diz:

    Excelente!

  10. François Silvestre diz:

    Sem palavras de agradecimentos. Recebo-os como lição e estímulo. Ter leitores dessa estirpe é o melhor salário da escrita!

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