Por François Silvestre
Essa expressão foi usada por nossos ancestrais com um sotaque de sentido meio tristonho, comparativo e depreciador dos tempos presentes. Isto é, dos tempos presentes do nosso passado.
E nós ficávamos meio que invejosos “daquele tempo” lembrado, como se tivéssemos vergonha do nosso tempo. “Naquele tempo, esse menino, num era assim não”.
“Naquele tempo num se roubava a caixa das almas”. “Não se matava impunemente, nem se agradecia ao bandido ser apenas assaltado, perder os pertences, e ter a vida poupada”.
“Naquele tempo”…
Um tio meu, fazendeiro e político, que foi vereador de Martins, prefeito de Viçosa, prefeito interino e candidato a prefeito de Portalegre, conservador e anticomunista, passou a sentir simpatias pelos comunistas por conta da ditadura militar.
Ele dizia assim, ao comparar a Ditadura pós 64 com a Ditadura Vargas, dos anos Trinta. “Naquele tempo, a Ditadura era brutal, mas não era covarde. Expunha-se como ditadura, e só tinha um Ditador. Agora, a ditadura é muito mais brutal e covarde. Nega-se como ditadura revezando ditadores, como se a mudança de generais mudasse a essência da brutalidade”.
Esse meu tio, que fora seminarista, era um matuto leitor de Camões, de Eça de Queiroz, de José de Alencar, de Antônio Tomás, de Machado de Assis, de Ariano Suassuna, seu primo, de Alexandre Herculano, além das leituras do tomismo, por influência do seu irmão, o Pe. Alexandrino Suassuna de Alencar.
Pois é. Até na comparação das ditaduras a expressão “naquele tempo” carregava uma vantagem na carruagem do passado.
E o tempo que fazemos hoje? O que dirão os jovens de agora quando o Outono chegar? Ao conversar com seus filhos e netos e deles ouvir a pergunta sobre o tempo de hoje.
Dirão, talvez: “Naquele tempo, tínhamos vergonha do presente”.
Fazendo a ressalva do poder exercido pela legitimidade das urnas. Da liberdade de expressão e democracia política. Sem censura à imprensa. E isso não é bom? É ótimo, mas a nobreza daquele tempo fica por aí. Dirão eles.
No meio da liberdade política, o poder do dinheiro e a ganância de poder sujaram a encarnada franja da bandeira democrática. Ao ponto dos fascistas saírem da penumbra para pedirem a volta dos coturnos.
Eleições “livres” na lei. Fraudadas na compra deslavada de votos. Parlamento maculado de dúvidas e suspeitas. Castas de privilegiados. Vitórias eleitorais sustentadas na esmola. Discurso revisto após cada eleição.
Promiscuidade na decantada competência privada ao custo da grana pública; donde se misturam vícios de licitações, numa legislação permissiva, num jogo de cartas cantadas, propinas, negociatas.
Até o futebol virou, pela gestão brasileira, o terceiro tempo da corrupção. Feio no campo, horroroso fora dele. Naquele tempo… dirão eles!
Té mais.
François Silvestre é escritor
François Silvestre. Artigo ótimo pois lembra o “Naquele tempo”. Agora, bom mesmo é o seu tio. Que matuto letrado! Hoje, quem brilha é ele, com todo o respeito.
Pense numa verdade verdadeira prezado primo. Quando pronunciamos esse ditado tradicionalmente emblematizado na memória popular, nos faz remontar a realidade de que já estamos ficando velhos ou no limiar da melhoridade. Traz à tona a certeza de que “Naquele tempo” existia homens de vergonha na cara, em que a palavra firmada tinha o mesmo valor de uma nota promissória assinada e com firma da assinatura reconhecida em cartório. “Naquele tempo” os pais sabiam estabelecer limites aos filhos, mesmo sendo detentor de fortuna. “Naquele tempo” se pagava promessa a santos – hoje sequer firmam tal compromisso cristão. “Naquele tempo” a fé era tão veemente e arraigada que em todos os atos a serem praticados botavam logo DEUS na frente, frisando a frase: “SE DEUS QUISER VOU comprar isso,; Se DEUS QUISER vou fazer a viagem sem atropelos, e assim por diante. Naquele tempo os filhos respeitavam os pais, jamais se atrevendo em pegar o veículo do mesmo sem a devida autorização, o que não se vê hoje, em que os filhos simplesmente pegam a chave do carango e na maior folga simplesmente dizem que vão a um determinado lugar, e pronto. Agora, tal cenário só se dar exatamente porque os pais nunca estabeleceram limites aos pimpolhos, sendo certo que na maioria das vezes termina por buscá-los nas Delegacias de polícia ou mesmo no necrotério de um hospital ou ITEPs da vida. Parece até que estamos vivendo mesmo o final dos tempos, ou seja, o fim do mundo. INTÉ mais, vistoso aruá da serra do Martins, terra natal do meu avô materno Sêo Joaquim dos Santos Rosa.