Por François Silvestre
Ouvi numa canção de Rock, em inglês, uma frase poética que dizia mais ou menos assim: Não quero uma segunda chance. Mesmo que me seja dada uma segunda vida, quero novamente a mesma primeira chance.
Pois é. Não tive o talento para compor esses versos, mas foi sempre assim que repensei minha vida. Gostaria de uma segunda vida, não de uma segunda chance. Até porque gostaria de ter os mesmos amigos para amar e os mesmos inimigos para desprezar. O mesmo lugar de nascimento, a mesma origem e a mesma família bocó da primeira vez.
Os mesmos mofumbos para me esconder e o mesmo jardim da casa da avó. Os mesmos medos para vencer e os mesmos sonhos inalcançáveis. As mesmas molecas que pari e os mesmos paridos delas.
Nem o cinzento da seca eu quero diferente, pois só assim a chuva se faz desejo.
As mesmas dores, para exercitar a tática de vencê-las. Os mesmos atropelos, para afiar o gume de superá-los. E mesmo sem vencer umas ou superar outros, não peço suavidade neles, mas a chance de ter de novo a mesma primeira chance.
Arrependimentos, não. Que é coisa de cristão. E só fui cristão na infância, por indução irresistível. Autocrítica, nem tanto, que é coisa de marxista; e eu o fui, na mocidade, por influência da ingenuidade.
Mesmo assim quero Cristo de novo e novamente Marx, na nova primeira chance. Duas grandes figuras que nasceram na humanidade errada, ou na pré-humanidade.
Alguns livros deixaria fechados, desletrados que foram da primeira leitura. Outros a serem abertos, muito poucos; pois a vida merece mais vida e menos leitura. Não escrever antes dos quarenta, para renegar a escrita só aos sessenta. E rasgar meia página de cada página escrita. E da meia página salva, deixar exposto apenas o último parágrafo.
Apoiar todas as campanhas contra a bebida alcoólica, acompanhado de uma cerveja gelada; para dar testemunho da irresistível hipocrisia. E tomar todas as cervejas possíveis para diminuir o estoque e agradar aos abstêmios.
Aprender todas as rezas de afugentar visagens, durante a noite, e esquecê-las ao amanhecer. Pileque à tarde para conquistar a noite e ressacar a madrugada.
Olhar de chã e igualdade para os humildes, ombro a ombro. Olhar de serra pra grota, de cima pra baixo, os poderosos falsos e fáceis arrogantes. Não perder a oportunidade de uma flatulência na presença deles.
Manter distância higiênica do poder. Cuja força falece ante a vulnerabilidade. Até dos que estão na festa sem o convite da Constituição. Penetras do foguetório.
Manter a reclusão na democracia e a revolta na ditadura. Mesmo que a democracia seja apenas uma ditadura alegre. Lutar por eleições e depois votar nulo.
Peço ao infinito surdo uma segunda vida quase do jeito da primeira vez. Numa nova primeira chance. Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no periódico Novo Jornal (Natal).
Faça um Comentário