domingo - 19/10/2025 - 07:50h

O Efeito Casulo – Dia 21

Por  Marcos Ferreira

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Despertei com fortes dores no abdome e uma sensação de vômito que não pude segurar por muito tempo. Sim, vomitei. Esse desconforto me tirou da cama pouco depois das seis horas. Todo aquele esforço físico para abrir a cova no fundo do quintal, além de arrastar e enterrar os corpos de Leopoldo Nunes e de Roberto, amigo dele, decerto foi a razão do mal-estar. Tomei os remédios que o doutor Epitácio Coelho me receitou e neste momento me encontro de certo modo bem.

Este é mais um capítulo (o segundo) que não devo publicar no blogue do jornalista Carlos Santos no próximo domingo. Preciso escrever um outro falando de algo que não revele o duplo homicídio que pratiquei no começo da noite de ontem. Como eu destaquei anteriormente, nenhuma residência nas imediações de minha casa possui câmeras de segurança. Isto, obviamente, é um ponto a meu favor. Esqueci de mencionar que os canalhas vieram parar aqui em carro de aplicativo. Será muito azar se a polícia chegar até mim em pouco tempo. Torço que não. De tal maneira a continuidade deste relato se tornaria inviável. A narrativa seria interrompida em definitivo.

Os leitores do blogue ficariam a ver navios, sem saber por que motivo empacou (se não estou enganado) mais ou menos no capítulo 14. O simples fato de eu haver mencionado o nome de Leopoldo anteriormente pode significar uma ponta solta, um pequeno acesso (se ocorrer uma investigação aprofundada) para que a polícia venha me fazer perguntas. Assim é possível que me classifiquem como suspeito pelo sumiço de ambos.

Se baterem à minha porta, segundo mencionei, será por um tremendo azar, considerando que os celulares tiveram os chips removidos e destruídos. Os aparelhos, volto a dizer, foram sepultados com os defuntos. Considero improvável que a dupla de cretinos tenha comentado com alguém que viria à minha casa. Acho, então, que as autoridades, acaso relacionem os desaparecidos a mim, só chegarão a essa linha de raciocínio depois que eu também já estiver morto e enterrado.

Quanto à minha herança, meu espólio, voltei à estaca zero. Mais uma vez dei com os burros n’água ao considerar a possibilidade de firmar um relacionamento homoafetivo com um sujeito digno de ser meu herdeiro. A frágil chance que vislumbrei junto a Leopoldo foi uma mancada. Como diz o provérbio, caí do cavalo. E, além da queda, recebi o coice. Tomei uma surra e tanto.

Depois, no maior descaramento, Leopoldo quis justificar o comportamento abominável dele e do amigo Roberto com o fato de terem cheirado cocaína antes de virem para cá. Por uma questão de justiça, devo admitir que o maconheiro Ricardo Gurgel nunca levantou um dedo sequer contra mim. Era um malandro, um michê sem pudores, no entanto era pacato e sabia me foder direitinho. Apesar dos pesares, agora lamento que Ricardo não esteja mais em minha companhia. Esse não me maltratava nem me abandonaria ao saber do meu câncer.

Embora com todos os seus defeitos (o estilo sanguessuga, a malandragem incurável, o desinteresse de arrumar trabalho e possuir uma renda própria, uma grana não oriunda unicamente dos meus recursos), foi o único indivíduo que tinha tudo para hoje ser meu herdeiro. Entretanto se encontra debaixo de sete palmos de chão. Às vezes imagino que fui duro, rigoroso demais. Nosso vínculo, cheio de altos e baixos, ingratidões e um tanto tóxico, representava uma exploração classicamente financeira, quase nada além disso. Porém a gente findava se entendendo. Até o dia em que me trocou por outro. Se era ruim com Ricardo Gurgel, pior sem ele.

Marcos Ferreira é escritor

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 1

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 2

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 3

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 4

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 5

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 6

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 7

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 8

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 9

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 10

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 11

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 12

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 13

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 14

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 15

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 16

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 17

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 18

Leia tambémO Efeito Casulo – Dia 19

Leia também: O Efeito Casulo – Dia 20

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance

Comentários

  1. Bernadete Lino diz:

    E agora, Fernando? O que fazer com esse vazio da sua vida? Estacionou! O deserto se instalou nos seus dias. Um passado nostálgico que não preenchia mas que hoje faz falta. As ilusões. O amor próprio enterrado buscando algo em que se pegar. Ausência de projetos e muita tristeza. Não consigo emitir um palpite! Agora é com você! Torço que encontre saída para essa quase vida!

    • Marcos Ferreira diz:

      Querida amiga Bernadete,
      Desde que comecei esta narrativa, você tem se debruçado (domingo após domingo) sobre a história em curso e demonstra admirável ciência acerca de tudo que acontece na trama. Acho que posso dizer que você conhece melhor minha personagem Fernando Barros do que eu próprio. Muito obrigado por sua atenção e depoimentos.
      Forte abraço.

  2. Julio Rosado diz:

    Caro Marcos Ferreira,
    Sou leitor do BCS aos domingos. Acompanho com interesse seus textos e as crônicas de Odemirton Filho, aproveitando para absorver o vasto conhecimento de Bruno Ernesto, e sempre, eventualmente ou não, sou presenteado com Marcos Araujo, Honório Medeiros e Marcelo Alves, às vezes até me deparo com Cid Augusto e François Silvestre, entre tantos que colaboram com este espaço.
    Devo informar que a novela ‘O efeito casulo’ tem me despertado a atenção pelas personagens e pelo enredo intrigante. A cada semana temos um fato novo que mantem a atenção à espera do que virá na próxima edição. Parabenizo-o pela excelente condução da narrativa.

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Julio Rosado,
      Que bom contar com sua atenção e comentários acerca destes meus relatos romanescos. Sua leitura e opinião no tocante a estes capítulos são um grande estímulo. Muito obrigado.
      Forte abraço.

  3. Francisco Nolasco diz:

    Boa tarde, Ferreira…
    A narrativa agora ganha nova celeridade.
    E até diria , um sobrevida. Consequência da eliminação dos dois canalhas perspectivas futuras para as novas cenas…

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro amigo e poeta Francisco Nolasco,
      Fico feliz com a sua atenção e presença aqui no espaço reservado à opinião dos leitores. Seus comentários, a exemplo dos demais, são uma fonte verdadeira de inspiração. Grato por acompanhar e opinar acerca desta narrativa. O capítulo do próximo domingo já foi escrito. Uma semana abençoada para você, muita saúde e paz.
      Abraço.

  4. Marcos Araujo diz:

    Querido Marcos Ferreira, meus parabéns!
    Seu enredo novelesco está a cada dia mais empolgante! Muito melhor do que a reprise conhecida de “Odete Roitman”.
    ALiás, as novelas hoje são vitrines de clichês. Mudam os rostos, os figurinos e os cenários, mas as tramas paresem sempre as mesmas: o triângulo amoroso previsível, o vilão de conveniênciae o desfecho moralista.
    A criatividade – outrora marca do gênero – foi substitutida pela fórmula segura do “mais do mesmo”. As histórias não ousam mais provocar, refletir ou reinventar a realidade; apenas a imitam de forma caricata, higienizada e vendável. Tudo agora é “remake”.
    Por isso, sou seu fã de carteirinha!
    Abraços…

    • Marcos Ferreira diz:

      Querido xará Marcos Araújo,
      Escrevi há pouco um longo e emotivo agradecimento por seu comentário, porém o texto foi perdido em razão de alguma trapaça deste espaço reservado à opinião dos leitores. Repito, então, que ganhei a semana com o seu gratificante e consagrador depoimento. Opiniões como a sua tornam menos pesado o fardo deste relato romanesco. Sim. A trama, cujo protagonista é o atormentado e raivoso Fernando Barros, fica cheia de motivação na mente deste narrador por vezes obscuro e caótico. Muitíssimo obrigado. Desejo uma semana abençoada para você e sua família.
      Abraço fraterno.

Deixe uma resposta para Marcos Araujo Cancelar resposta

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.