sábado - 01/12/2007 - 23:44h

O resgate da Folha do Alto Oeste

O professor Honório de Medeiros presenteia-me com uma cópia digitalizada do jornal Folha do Alto Oeste, que ele fundou e eu editei, por algum tempo, em Pau dos Ferros, cidade pólo de uma região que engloba 33 municípios, em pleno semi-árido norte-rio-grandense. Trabalho primoroso, feito com o intuito de preservar a memória de uma época, levou-me de volta a uma tumultuosa fase de minha vida, em Natal, onde me dividia durante a semana entre o meu trabalho no jornal Tribuna do Norte e no Solar Bela Vista, o Centro de Cultura e Lazer do SESI.

O final de semana era dedicado à Folha, que circulava a cada quinze dias, para gáudio do leitor e desconforto do governo.

Conta-se que certa vez o governador Geraldo Melo, ao receber lideranças da região, ergueu um exemplar do jornal, dizendo – “Este é o maior adversário do governo no Oeste…” 

Toda sexta-feira, depois do meu expediente, pegava um ônibus na Rodoviária, na Cidade da Esperança, e seguia para Pau dos Ferros, num trajeto de seis horas que eu aproveitava para afagar o sono, apesar do desconforto que representa dormir numa poltrona, tendo ás vezes como vizinho uma pessoa que roncava. Chegava ao meu destino às cinco e meia e logo entrava em campo, após o café da manhã, percorrendo cidades, coletando em primeira mão as informações que se transformariam em matéria de leitura para uma fiel e apaixonada audiência que se orgulhava de ter o seu jornal – um jornal que dava voz àqueles que, por amar a própria terra, lutavam por seu desenvolvimento social e humano, prestigiando o nosso trabalho.

É curioso notar que, quando a discussão em torno do meio ambiente ainda era tímida ou inexistente, nos jornais da capital, a Folha do Alto Oeste já se preocupava com o assunto, que, penso, foi tratado pioneiramente no jornalismo potiguar em uma publicação de Macau, cujo titulo agora não me recordo e não tenho como consultar uma fonte capaz de prestar esse esclarecimento.

Sei apenas que, apesar de não referir textualmente ao termo ecologia, já a defendia, aí por volta de 1910, deixando implícito o seu conceito na defesa dos mangues da região. No caso da Folha, tal defesa se fez através de artigos e entrevistas do ex-governador José Cortez Pereira, a quem convidei para articulista e ele, no momento, recusou, alegando que era incapaz de escrever um artigo.

Deixei-o falar, intervindo aqui e ali, quando achava necessário, para colaborar com a ampliação e o aprofundamento de certas questões de interesse dos leitores, enquanto, disfarçadamente, anotava tudo o que ele ia dizendo, suas idéias e projetos para a redenção do Rio Grande do Norte, um nome que nos parecia maior do que é, quando saía de sua boca.

Ao voltar, dias depois, levava comigo uma série de artigos que extraíra dessa primeira conversa com Cortez Pereira. Dez, ao todo, que li para ele e teve o seu aval, pois ali estava a integralidade do seu pensamento. À sua colaboração, ajuntei a de Jarbas Martins e a de Chisquito, Francisco Amorim, então o decano dos nossos jornalistas, que começou escrevendo nos jornais do Assu aos nove anos de idade.

Por sua vez, Honório conquistou a colaboração de Rafael Negreiros, cuja coluna que passou a assinar acabou antecipando, em nove meses, o surgimento, na imprensa brasileira, da figura do “ombudsman”. 

Foi assim. Um dia, Honório chegou para mim e disse-me, morto de constrangimento, que Rafael, em seu artigo quinzenal que se publicava pela segunda ou terceira vez, metera uma diatribe contra mim, seu editor. “Que faremos? Rafael faz-lhe uma dura critica…” Vamos publicar o que ele escreveu, disse-lhe. Sem cortes.

Mas, ao fazê-lo, ocorreu-me que a ação de um crítico, voltada para a análise regular do jornalismo que praticávamos, ajudaria muitíssimo o editor, que dessa forma economizaria tempo e esforço, podendo fazer melhor o seu trabalho. Nascia, assim, o primeiro ombudsman da imprensa brasileira, o mossoroense Rafael Negreiros, um opinador compulsivo que por mais de trinta anos teve lugar cativo no jornalismo de sua terra.

A propósito, ele se aborrecera com o titulo que eu dera a uma entrevista que fiz com Fagner, na qual o cantor falava através de um de seus melhores amigos, o Dr. Clóvis, que eu conhecera em São Miguel. Rafael não concordava que eu chamasse Fagner de “beduíno”, pois não via ponto de ligação entre o deserto, propriamente dito, e as veredas do nosso grande sertão de espinho e flor…

Franklin Jorge é jornalista e escritor – (franklinjorge@yahoo.com.br)

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Eriberto Suassuna diz:

    Prezado Carlos Santos. Ao ler a crônica de Franklin Jorge sobre a Folha do Alto Oeste senti uma grande emoção e saudade daquele tempo, pois o vivi intensamente como colaborador do jornal e candidato pelo PTB a vereador em l988. O objetivo da candidatura foi obra do compadre duas vezes, Honório de Medeiros e serviu para melar a candidastura de Aliatá, e, eleger Nilton Figueiredo pela primeira vez prefeito de Pau dos Ferros.

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