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domingo - 25/02/2024 - 06:48h

O universo fantástico de Ayala Gurgel

Por Marcos Ferreira

Livro de Ayala Gurgel (Reprodução)

Livro de Ayala Gurgel (Reprodução)

Não sou estudioso da produção livresca potiguar. De modo algum. Nem mesmo do âmbito mossoroense. Ignoro, destarte, que tenhamos entre nós um literato mais sombrio e fiel às surpresas do estilo sobrenatural, com os recursos criativos, as características e peculiaridades de Ayala Gurgel. Sim. Trata-se de um ficcionista engenhoso, fecundo, versátil, autor, principalmente, de títulos nas modalidades conto, novela e romance.

Conquistou posições de destaque em relevantes prêmios literários, além de integrar antologias organizadas e lançadas ao longe de nossa província.

Embora pouco conhecido nos meios intelectuais do RN e de Mossoró, Ayala já escreveu e publicou quase uma dezena de livros através de edições particulares. Unindo criatividade e elementos verídicos, o seu estro adota como pano de fundo a temática e vastidão da caatinga. Transita, invariavelmente, pelo gênero sobre-humano, sempre arraigado na ficção teológica. Nessa esfera, que conhece a fundo, apresenta as suas garras de escritor ácido. É aí que estabelece e desenvolve uma escrita iconoclástica, pródiga em sistemáticas críticas à instituição da Igreja Católica.

Nascido em 1971 no município norte-rio-grandense de Alexandria, Ayala Gurgel reúne vasta formação acadêmica. Tem passagem por importantes universidades brasileiras, informações estas que não gosta de divulgar. Entre outras habilitações, é doutor em Políticas Públicas e Filosofia. Desde 2014 é professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA).

Possui experiência no campo da Filosofia, sobretudo em Ética, Bioética, Tanatologia e Saúde Mental. Atualmente desenvolve pesquisas na área de filosofia da linguagem ordinária e teoria da argumentação. 

Em Brumas & Brenhas, cujo prefácio leva a minha assinatura, mas que poderia lhes expor a avaliação de alguém mais familiarizado com o simbolismo do místico, ouso dizer que o autor de O Segredo da Ordem do Santo Sacrifício se revela em sua melhor forma enquanto criador de mundos e personagens. Inventivo, de pulso firme e se utilizando das tintas de um demiurgo como Stephen King, de quem é confesso admirador, Ayala nos mostra que também sabe contar uma boa história e infundir algum medo em pessoas menos habituadas a leituras dessa natureza.

Não pretendo esmiuçar, traduzir nem oferecer a bem elaborada narrativa de Brumas & Brenhas toda mastigadinha para o respeitável leitor. Não. Isso está fora de minha competência. Ao menos é o que eu presumo. Recomendo ao público, portanto, mergulhar na trama e ver de perto o saboroso e extraordinário conto acerca de indivíduos tão incríveis quanto verossímeis. Em especial a jornada que dois padres jesuítas empreendem pelas brenhas do alto oeste potiguar no ano de 1751.

Gurgel: instigante (Foto: divulgação)

Gurgel: instigante e ácido (Foto: divulgação)

A HISTÓRIA É CONTADA em primeira pessoa por um narrador onisciente e ignoto. Na segunda parte do causo, com uma prosa clara e instigante, é relatado o aparecimento do seguinte fenômeno climático:

“A situação estava feia e não dava sinais de melhora, anjos e santos pareciam não se apiedarem, mas naquele exato dia 06 de abril de 1751, ainda de madrugada, antes do sol raiar, uma névoa úmida começou a subir da areia fina do riacho onde se encontravam as últimas cacimbas com alguma serventia. Não houve relâmpago ou trovão durante a noite toda, nenhum sinal de que cairia uma gota d’água, nada que indicasse mudança do tempo, apenas a bruma que começou a subir da terra, atingindo, em pouco tempo, a copa das árvores ciliares”.

A trama é construída a partir de um documento fictício que supostamente aponta para a origem da cidade natal do romancista, um lugarejo de nome Barriguda. Aí encontramos tipos cativantes, a exemplo do protagonista e contador de histórias Zé Preto, escravo que conseguiu sua alforria por meios que ninguém sabe ao certo.

À volta de Zé Preto, que relata aos jesuítas o mistério da súbita bruma, gravita uma série de catingueiros interessantes como Dona Antônia, Seu Zé de Brejeiro, Dona Amélia, Preá, Baraúna, Filomena, Zefa, Cocota, Mundico, Zefinha e Madalena.

Posso afirmar que, entre todos os trabalhos artísticos de Ayala, Brumas & Brenhas é o meu preferido. Digo mais: estamos perante um homem de letras que realmente sabe escrever, talento este que não é regra em nosso habitat. Então, sem querer me alongar nem chover no molhado, fico por aqui e convido vocês a se embrenharem no universo fantástico de Ayala Gurgel. Afianço que vale a pena.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Ayala Gurgel diz:

    Aqui é o próprio.
    Obrigado poeta, suas palavras são um destaque à parte, como prefácio da edição que chega ao público via Editora Verserjar.

  2. Bruno Ernesto diz:

    Que interessante, Marcos! Preciso ler!

  3. Bernadete Lino diz:

    Louvável de sua parte, enaltecer as qualidades de um companheiro de escrita, usando seu espaço no Blog. Muito altruísmo de sua parte! Com certeza estão emparelhados em competência. Fiquei curiosa e vou ler! Tenha um ótimo domingo e uma semana de paz! Abraço!

  4. Raí Lopes diz:

    O celeiro riograndense é fecundo literariamente, graças a Deus.

  5. Mário Gaudêncio diz:

    Nós temos muitos escritores no RN que são poucos conhecidos. Parabéns ao poeta Marcos Ferreira por divulgar a literatura de Ayala Gurgel. Esta iniciativa fortalece a BIBLIODIVERSIDADE potiguar e brasileira.

  6. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Sempre e sempre será uma espécie de epifania linguística e cultural, observarmos o aparecimento de mais e mais escritores que com sua verve e talento, abrilhantam ainda mais a crônica, o romance, a poesia e a poética das raízes e do solo de Câmara Cascudo, Clauder Arcanjo, Antônio Francisco, François Silvestre – dentre outros -, num estado e país que pouco lê e muito pouco escreve.

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