Por Marcos Ferreira
Estamos às portas do carnaval, infelizmente. Falo por mim, claro. Há ocasiões em que imagino que não sou deste planeta. Bom. Não é da minha conta o fato de um mundo e meio de indivíduos curtirem o momo. É uma espécie de cartão de visita do Brasil. Eu, entrementes, desprezo essa tradição com todas as minhas forças. Tanto o carnaval oficial quanto os ditos “fora de época”.
Sim, sou avesso a multidões, a fuzarcas, furdunços, frevos, pândegas, etc. Agrada-me, todavia, uma boa roda de amigos, que prefiro com a ausência ou sem excessos alcoólicos. Possuo, tenho meus motivos, um forte desconforto (um trauma, na verdade) quanto à cultura etílica.
Esqueçamos o carnaval e o álcool. Fui bobo ao tocar nesse ponto nevrálgico, pois pretendo discorrer acerca de outras coisas. Aqui estou, nos acréscimos do segundo tempo, com mais um desafio de produzir uma crônica para este meu domingo de bocejos e de preguiça. Bocejo é um negócio contagiante. Ao ver alguém bocejar, dificilmente a gente não boceja. Só de pensar já estou abrindo a boca.
Fixando-me agora no compromisso da escrita, confesso que estou enchendo linguiça, conforme o ditado. Careço extrair dos meus quatrocentos ou quinhentos neurônios uma página minimamente atrativa, digna da atenção do leitor. No mais tenho plena consciência de que escrever sobre o ato de escrever é um legítimo lugar-comum, um tema pisado e repisado, um tipo de artimanha tão desagradável e perniciosa quanto o ogro Donald Trump. Desta vez, observem só, aqui me vejo ocupando, gastando tinta com o lodaçal, o charco político que voltou à Casa Branca.
Num domingo como este cai bem certas amenidades, um bocado de pacatez, uma escrita branda. Nada de mau humor, de ranço ou polêmicas. Isso, em particular o âmbito da política partidária, finda abespinhando alguém. Quando eu crescer, por exemplo, quero que a minha pena adquira determinadas qualidades.
Assim sendo, suponhamos que meu texto possuiria a suavidade e leveza de Odemirton Filho, que é o cronista mais cuca-fresca que vejo no Blog Carlos Santos. É o que estou dizendo. Odemirton escreve macio como algodão. O homem demonstra a fleuma, a mansuetude de um peixinho de aquário. Sou fã dele tanto quanto Natália Maia e Bernadete Lino.
Quem quiser, talvez por mera inveja, que diga que sou puxa-saco. Não me importa. Estou sendo tão somente franco e justo. Assim como devo aplausos à memória prodigiosa de nosso confrade Rocha Neto. Essa benquista figura (eis mais um puxão de orelha) está nos devendo um livro com suas reminiscências faz muito tempo. Não sei por que tanto protela. Falta de estímulo é que não é.
Ambiciono, no bom sentido, o fôlego e a inventividade de Clauder Arcanjo e Ayala Gurgel, dois escritores versáteis e fecundos. E o que dizer do causídico Bruno Ernesto? Ora! O rapaz é ilustrado, carrega no quengo uma rara ciência das coisas de antanho, fortuna histórica, amplo conhecimento relativo ao passado desta nossa capital do embuste. Coisa mesmo das priscas eras. É um cronista-historiador e vice-versa. Não menos me encanta a prosa cristalina e saborosamente erudita do meu xará Marcos Araújo. Como diria o saudoso cronista e filólogo José Nicodemos, sou-lhe macaca de auditório. Favor nenhum. O sujeito faz jus aos seus predicados.
Admiro, também, o verbo de Antonio Alvino da Silva Filho, pensador, filósofo contemporâneo e autor do livro de crônicas intitulado Contrapontos — Reflexões a partir da vida em rebanho, cujo prefácio tive a honra de escrever. Permitam-me alongar a lista de meus escribas diletos, a maior parte articulistas deste blogue. Isto porque não posso esquecer de maneira alguma do senhor delegado da Polícia Civil (homem de armas e de letras) Inácio Rodrigues, cuja escrita ficcional me encantou logo de cara. Esta não é a primeira vez que destaco o talento de Inácio.
Quando eu crescer, pois, quem sabe meu estro amarre as chuteiras dos beletristas ora citados. Neste universo das palavras, como ninguém é de ferro, almejo até uns vestígios, uns mínimos resquícios de um Graciliano Ramos e de um Machado de Assis. Exatamente nesta ordem. Além de mestres do gênero crônica como Otto Lara Resende e Rubem Braga. Mas, repito, só quando eu crescer.
Marcos Ferreira é escritor