Por Marcos Ferreira
Todos nós sabemos que um dia a mais é um dia a menos. Muitos, porém, contam com mais prestígio e tolerância da parte do tempo. Isto, obviamente, para os indivíduos que são bem-aventurados, aqueles que usufruem do privilégio de uma existência longeva e, em inúmeros casos, com boa qualidade de vida. De um modo ou de outro, todavia, estamos morrendo desde a nossa mais tenra idade.
Não proponho agora que devamos mergulhar na tristeza, no baixo astral. De jeito algum. Apenas estou conversando com os meus botões. Penso na última areia que ainda me resta na ampulheta da vida. Ah, mas quem morre de véspera é peru! Alguém pode recorrer a esse adágio. Devo admitir que está certo. É preciso tocar o barco, não encalhar nas pedras do pessimismo e desânimo.
Temos que continuar perseguindo os nossos sonhos, fazendo os nossos planos e pelejando para concretizar nossos projetos. Não adianta cruzar os braços porque a qualquer dia ou hora vamos vestir um paletó de madeira. É isso. A Moça da Foice não negocia, não parcela nada.
O que penso, sendo franco, é que não há ninguém com mais ou menos predileção sob os olhos ou supostas ações do que se convencionou chamar de Divina Providência. Ledo engano. É cada um por si. Deus não se mete nas desgraças ou bonanças dos seus “filhos”. Principalmente depois do que fizemos com o Nazareno. Dizem que Cristo veio ao mundo para tirar ou salvar o Homem do pecado, no entanto não salvou nem tirou o pecado da Terra. A situação parece ainda pior.
Não pensem que sou um depressivo em crise, uma criatura blasfematória, um sujeito de pouca fé. Não é bem assim. Nem oito nem oitenta, como também se diz. Tenho a minha parcela (naturalmente pequena) de credulidade. Não descreio, não duvido da existência de um ser supremo. Com que autoridade? Nenhuma! Não aceito que sejamos mero fruto do acaso. Mas, diante de tantos e tantos, de infinitos, incontáveis horrores que acontecem sob as barbas do Criador, presumo que o Todo-Poderoso não tenha interesse em meter o bedelho nas desgraças que, em sua maioria, nós próprios originamos. Recuso-me, pois, a achar que saímos do útero do acaso.
Criancinhas sem pecado algum são assassinadas em todos os lugares do planeta. Cadê os anjos da guarda? Um ônibus desce uma ribanceira, noventa por cento dos passageiros morrem, e alguém assegura que foi Deus que livrou, que salvou os dez por cento. No meio dos mortos, não raro, crianças de colo, mulheres gestantes, pessoas bondosas. Entre os que escaparam, é justo que se diga, às vezes está um matador de aluguel, um traficante, um terrorista, uma escória qualquer.
Não engulo esse fatalismo e seletividade perversos. Imagino que Jeová não tem nada a ver com isso. As tragédias seguem acontecendo em escala planetária e inocentes pagam o pato por causa da, por exemplo, estupidez e genocídios de superpotências bélicas. Cadê o nosso Senhor e o seu exército de santos? É mais que evidente que estão no Éden, no Paraíso, no sossegado patamar celestial.
A propósito, desde que o mundo é mundo, o Inferno e o Céu recebem inquilinos às pampas. Então penso na vastidão desses dois endereços: um supostamente nas alturas e o outro nas profundezas, no fogo eterno. Se não estou enganado, convenhamos, é isso que o best-seller das Sagradas Escrituras afirma.
Estamos morrendo, repito. Acontece, felizmente, que não temos a menor ideia de quando o último sopro de vida nos deixará. Até lá, enquanto o seu lobo não vem, sejamos mais fraternos. Aproveitemos a vida que temos com leveza, sem o pesadelo da finitude. Viver nem sempre é estar vivo. Pensem nos lugares onde bombas caem sobre as casas do povo, dos civis em meio às guerras que “demônios” (políticos e militares) promovem confortavelmente, a salvo das ogivas e da fuzilaria.
Quanto a Deus, que tantos nomes possui, não façamos julgamentos exclusivistas. Acho mesmo que Ele não protege uma minoria de “abençoados” e deixa bilhões de “filhos” entregues ao calvário neste mundo sem jeito.
Marcos Ferreira é escritor