Por Bruno Ernesto
Durante as aulas de geografia no ensino fundamental, lembro muito bem que os professores falavam de forma recorrente acerca do problema demográfico no Brasil e no mundo, sempre chamando a atenção para a diferença da pirâmide da faixa etária da população dos países desenvolvidos em relação aos subdesenvolvidos, destacando, repetidamente, que nos países subdesenvolvidos a base era maior por ter a população mais jovem e, ao contrário, menor, quando a população era de um país desenvolvido.
Aparentemente, a maior preocupação naquela época era que a teoria do inglês Thomas Malthus, considerado – ironicamente – o pai demografia, se concretizasse.
Em síntese, sua teoria consistia em afirmar que, em breve, haveria mais gente que alimento disponível, o que, por obvio, seria um terrível problema.
Embora a produção de alimentos no mundo hoje seja suficiente para alimentar toda a população mundial, a Organização das Nações Unidas estima que 750 milhões de pessoas passem fome no mundo, além de haver uma fortíssima tendência para que a insegurança alimentar se acentue até 2030.
Passados tantos anos daquelas aulas, em que pese essa preocupação permaneça latente, à fome somaram-se outros tantos problemas, especialmente com relação à taxa de natalidade, cuja tendência é de diminuir acentuadamente. Como dizem os economistas: basta ver as estatísticas.
Enfim, cada tempo com os seus problemas.
Entretanto, temos visto o surgimento da geração nem-nem, que é formada pelos jovens da faixa etária entre 15 e 29 anos de idade que, como o nome diz, nem estuda e nem trabalha.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em seu último relatório Education at a Glance 2023 Report, até mesmo nos países desenvolvidos esse fenômeno é preocupante, a exemplo da Alemanha, onde o índice dessa população alcançou 8,59%, enquanto no Brasil foi de 24,37%, ou seja, quase três vezes superior, o que demonstra que, embora seja um fenômeno global, aqui, o impacto é muito mais intenso.
Se você fizer uma rápida pesquisa sobre a situação econômica na Alemanha, verá que, apesar dela ser a terceira maior economia mundial, com um PIB estimado de 4,42 trilhões de dólares, nos últimos anos ela tem enfrentado sérios problemas econômicos-sociais, com desemprego acentuado, inclusive, com uma parcela significativa da população sem moradia própria e algumas fortemente dependentes de programas de assistência social, inclusive para suprir a alimentação, pois as aposentadorias são irrisórias. Daí o porquê de a teoria de Malthus nunca ter sido, de fato, um problema a ser considerado.
Atente-se que a Alemanha é o país do Welfare State, o tão falado Estado do bem-estar social e que, de fato, foi implantado por volta de 1880 com Otto von Bismark, e intensificado após Segunda Guerra Mundial, como efetiva seguridade social, que nada mais é, senão, o Estado assistencial que garante a todos os cidadãos os padrões mínimos de renda, saúde, educação, habitação e previdência.
Diante desse calhamaço de questões, penso que devamos refletir sobre algo que parece ter sido posto em segundo plano de uns tempos para cá, e que deve ser cultivado a vida inteira e de forma sistemática: o incentivo.
Acerca dessa questão deve-se, inclusive, possibilitar um ponto de inflexão. Foi justamente esse o sentido de um outro texto de minha autoria, intitulado Devagar e sempre (//blogcarlossantos.com.br/devagar-e-sempre/ ), onde convidei o leitor a refletir sobre a necessidade de não se acomodar; de ter pulso em suas decisões.
O que vemos é que, muito embora certas decisões devam ser tomadas unicamente pelo próprio individuo, ante a sua autodeterminação, há situações nas quais o apoio emocional – mais que financeiro, diria – é crucial para que ele possa tomar a decisão mais próxima da ideal possível. E isso, necessariamente, depende do seu entorno, que, embora, por vezes, não comungue com suas ideias, deve comungar com seus anseios. Isso sim, é o verdadeiro.
Lembro muito bem de um episódio narrado por Manuel Dantas Vilar Suassuna, artista plástico e filho de Ariano Suassuna.
Ele conta que, quando criança, sua mãe queixou-se a Ariano, dizendo-se muito preocupada com o filho, que dizia querer ser mendigo. Ariano, diante daquela situação, disse que achava era bom, pois pensava que ele não queria ser nada na vida.
Tempos depois, sua mãe tornou a queixar-se preocupada, dessa vez dizendo que o filho estava dizendo que queria ser ladrão. De pronto, Ariano disse que estava melhorando, pois antes o filho só ia pedir, agora ele estava tendo uma atitude.
Após isso, Dantas mostrou ao pai que estava aprendendo a desenhar e, com o apoio de Ariano, tornou-se artista plástico, atividade que adotou como meio de vida, imprimindo seu próprio nome no meio artístico-cultural.
De tal sorte, o apoio se mostra essencial para algumas decisões individuais. Não que devamos persuadir o outro a mudar seus planos e ideias. Nem sempre.
A despeito disso, diante do possível recrudescimento da tendência ao nem-nem, lembrando uma famosa frase de Otto von Bismark, o unificador da Alemanha e seu Estado do bem-estar social, seria imperioso refletir acerca dos limites de certas liberdades: “Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis.”
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor