Peço desculpas aos interessados em amenidades, porém hoje quero discorrer sobre algo um tanto travoso, meio amargo. Mas um amargor diferente do amargor da amargura. Não. Isso não tem nada a ver com tristeza. O travo aqui é puramente abstrato, semântico. Nem tudo o quanto é amargo é desagradável.
Muito bem. Vivemos entre as paredes de um vasto e singular reformatório, invisível a outros que estão trancados em si mesmos. Cada um possui as chaves dos seus portões, contudo quase ninguém se atreve a sair, a encarar o mundo externo. Tal instituição metafórica (ou psicológica) é o nosso porto seguro, o que nos mantém centrados, nos trilhos. É isto que impede que descarrilhemos.
Esse lugar metafísico, fugindo à acepção comum, não acolhe apenas pessoas na menoridade. É outro tipo de espaço, também voltado para elementos adultos, de vários níveis e desníveis mentais. Nele somos amiúde reformados e registramos nossas lembranças desde sempre, sujeitos às suas normas e regras.
Consciente ou não, todo indivíduo vai emitindo suas correspondências nos mais recônditos porões de si próprios. Alguns, entretanto, por “razões que a própria razão desconhece”, como no dizer do filósofo Blaise Pascal, conseguem anular sua psique e aí findam não se tornando uma coisa nem outra, descambando para um abismo de esterilidade e solidão. Esses estão condenados ao nada.
Por meio de algumas cartas, exibo meu ponto de vista sobre o assunto proposto lá no início deste monólogo. Não creio que exista uma plateia interessada em saber o que busco com essa história de missivas. Também não estou bem certo do intuito desta narrativa sem objetividade. Todavia julgo correto sabermos o que somos ou desejamos ser. É mais ou menos o ser ou não ser de Shakespeare.
Então escrevam (embora desprovidos de talento) tudo aquilo que representa a essência de vocês. Até porque, segundo José Saramago: “Todos nós somos escritores, só que alguns escrevem e outros não”. Assim compartilho minhas impressões. Sem pressa nenhuma ou desejo de abandonar o reformatório.
Marcos Ferreira é escritor