Por Marcos Ferreira
Hoje estive pensando (aqui e acolá pratico esse exercício) e chego à conclusão de que sou uma espécie de árvore ambulante. Falo dessa maneira me referindo a certos frutos, alguns até apreciáveis, que fui espalhando ao longo desta minha relação de mais de três décadas mourejando na lavoura das palavras.
Sei que é meio chato, ao menos para alguns leitores, outra vez eu aparecer com um texto falando sobre mim. Alguém dirá que é falta de ideias ou do que escrever. Compreendo quem me critica por isso. Pois o que não falta nesta cidade, especialmente no âmbito político, é matéria para uma crônica. Melhor dizendo, várias.
Neste momento, porém, prefiro deixar a política e os políticos de lado. O que tenho para hoje é isto, tema pessoal. Quero recordar, ainda que a minha memória não seja muito confiável, algumas passagens que considero relevantes ou valiosas.
Então, para expor uma fase crucial em que pude ampliar meu acesso a livros, vou mexer no meu passado. Houve uma época (quando eu limpava quintais no Santa Delmira e trabalhava de vigilante noturno em quarteirões do bairro, a pé e com um tipo de cassetete) em que um vizinho de nome Antônio, pintor de residências, vez por outra me chamava para ajudá-lo.
Naquele tempo, repito, meu contato com livros era próximo de zero. Até porque, por falta de afinco e necessidade de arrumar dinheiro, sendo eu o mais velho de onze irmãos (dois faleceram), deixei a escola na quinta série primária, onde ingressei totalmente analfabeto com onze anos. Estudar era quase um luxo. Sapateiro, o meu pai tinha só a quarta série. Minha mãe, analfabeta.
Acho que outro ponto que desagrada o leitor são esses relatos, decerto já expostos em crônicas anteriores, sobre meus apuros da juventude. Sobretudo nas gestões dos presidentes João Batista Figueiredo e José Sarney. Depois, como se não bastasse, veio uma desgraça ainda pior: Fernando Collor de Mello.
Mas falemos sobre o meu importante contato com a sala de aula. Desde cedo me revelei um asno diante dos algarismos, embora os meus professores de matemática fossem bons. Todavia, no tocante à língua portuguesa, aconteceu o contrário em relação à aritmética. Foi um choque quando eu descobri que podia ler e escrever. Na sequência, como um tipo de encantamento, os livros se tornaram para mim objetos mágicos, portais que me levaram muito além daquele meu mundo de privações e sombras. Fui um ignorante em matemática, volto a dizer, tirei apenas notas para não ser reprovado, trocar de ano, mas me senti à vontade com nosso idioma.
O nome da escola, cujo registro faço com saudosismo e não menos orgulho, chamava-se Instituto Dom João Costa, na Rua Duodécimo Rosado, no Nova Betânia. É onde atualmente funciona o Centro de Práticas Múltiplas Dom João Costa, que está vinculado à Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
Retomemos, antes que eu me perca, o assunto da minha atuação como ajudante de pintor. Num determinado dia, talvez em meados dos anos oitenta, convocado pelo referido senhor Antônio, ele que possuía uma pequena carroça puxada por um jumentinho para transportar os seus apetrechos (rolos, baldes, brochas), fomos pintar a casa de um bancário. Quem sabe ele já fosse ex-bancário, não sei. O homem, acerca do qual eu conhecia apenas a ligação com o banco, era uma pessoa bastante destacada na sociedade mossoroense. Chamava-se Luiz Aquino, dono de uma biblioteca com um grande acervo de importantes autores nacionais e estrangeiros.
Ganhei uma boa grana auxiliando o meu vizinho pintor, entretanto eu conseguiria algo mais valioso. É que o senhor Luiz Aquino, com quem não tive mais contato, havia amontoado numa espécie de quartinho uma considerável quantidade de livros que os cupins tinham danificado. Perguntei o que seria feito deles e Luiz me confirmou que iria jogá-los fora. Pedi aquelas obras e ele me deu tudo.
Coloquei a “biblioteca” na carroça. Em casa, utilizando um veneno contra cupins dado pelo senhor Antônio, consegui acabar com os insetos. Alguns volumes possuíam certas avarias, no entanto a maior parte estava em boas condições de legibilidade. Ganhei de Luiz Aquino, de saudosa memória, essa contribuição inestimável para o meu processo de fortalecimento da leitura e estímulo para iniciar a minha própria escrita. Esta página é mais um fruto que eu lanço ao sabor do vento.
Marcos Ferreira é escritor