Por Marcos Ferreira
Houve um tempo em que as redações dos grandes jornais (não só dos grandes, lógico) eram quase todas compostas por escritores, muitos desses já bastante notórios e consolidados enquanto expoentes da literatura nacional e estrangeira. Foi assim no Brasil e no mundo todo. Não me animo, cá da nossa parte, a citar os honoráveis nomes dos literatos e medalhões que figuraram na pré-história do jornalismo tupiniquim, posto que são tantos e já muito badalados, porém ouso dizer que foram eles os verdadeiros bandeirantes e desbravadores da imprensa brasileira, figuras de elevado nível de expressão artística e senso crítico que mantinham (não necessariamente nessa ordem) um pé no jornalismo e o outro na literatura.Só muito depois, poucos e hesitantes, começaram a tomar chegada os primeiros colonos — os essencialmente jornalistas — que abraçariam os trigais da vida cotidiana para colher a matéria bruta da reportagem puramente noticiosa. A estes pertenceriam o gatilho das horas, o afã da palavra escrita, a celeridade da notícia fast-food.
Eles fundaram o jornalismo-empresa, a imprensa comercial. Perceberam que a notícia é, antes de tudo, um forte catalisador de interesses, um tipo de moeda corrente. Daí emergiram inúmeros empresários da informação e comerciantes de palavras, que negociam, sobretudo, o que deixam de publicar a respeito de certas coisas e indivíduos. Sim. E desse histórico conúbio entre jornalismo e literatura veio à luz um casalzinho bem-sucedido chamado Propaganda e Marketing.
Como tudo se dobra ou degenera sob a ação do tempo, as novas gerações não deram continuidade à linha ourives ou burilada, em alguns casos até excessivamente rebuscada, que os mais antigos desenvolviam. Mas os pósteros trouxeram a roda (entenda-se velocidade) para dentro das redações brasileiras, antes sujeitas a uma metodologia caduca. Com isso, então, a imprensa adquiriu o poder de não apenas informar, mas até de adestrar o seu público.
Discretamente, portanto, os ditos artesãos da palavra foram deixando (ou convidados a deixar) as redações. Apenas alguns recalcitrantes ainda se mantêm grudados a uma tirinha ou rodapé de jornal. Arrisco dizer que não possuem mais o prestígio de antes e se tornaram tão sem proveito para a imprensa comercial de agora quanto as máquinas de datilografar de antanho.
Se comparado ao repórter de campo, o homem de letras, salvo raras exceções, é um jabuti coxo, uma ave implume na vastidão do espaço. Porque o típico escritor, tanto o de ontem quanto o de hoje, dificilmente possui a dinâmica, a celeridade peculiar ao repórter clássico. Um literato com razoável compreensão de arte escrita gasta vários minutos retocando um paragrafozinho opaco como este, enquanto o jornalista produz uma página inteira num fôlego só. Porque este, ao contrário daquele, assimilou e se realiza com o imediatismo da comunicação, sem, em certas ocasiões, perder tempo com requintes estilísticos ou pudores gramaticais.
Vendo-os em ação, como várias vezes tive a oportunidade de presenciar, parece-me que já se levantam da cama com as matérias pré-redigidas sob as pálpebras, tal é a fluidez com que articulam seus raciocínios, escrevem e se dão por satisfeitos com a forma e o conteúdo que desejam transmitir à população. Bem ao contrário da ritualística e morosidade do literato comum.
Agora, portanto, as modernas redações, em especial no universo da mídia eletrônica, pertencem a esses homens autenticamente jornalistas, pessoas ágeis e objetivas, homens e mulheres dotados de intrínseca vocação e desembaraço, que oferecem ao jornalismo moderno maior consonância e persuasão coletiva. E nem nos choca mais o fato de que alguns (trata-se de minoria) sequer atentem para a cívica diferença que há, por exemplo, entre o emprego de hot dog e cachorro-quente.
Existem aqueles que não se importam, não têm compromisso nem interesse em prestigiar o próprio idioma. Estão sempre macaqueando, principalmente, a língua inglesa. Acham isso uma coisa chique, prafrentex, e fazem uso de toda sorte de estrangeirices.
Há cerca de um mês, vejam isto, um industrioso repórter destas bandas, que também ataca de fotógrafo nas horas vagas, montou um pequeno estúdio fotográfico em sua residência, no Loteamento Três Vinténs, Rua Bom Sucesso, e aí o “Sebastião Salgado” local mandou afixar diante da casa uma luminosa placa com os seguintes dizeres: “Photo Severinu’s, professional freelancer”.
Considerando o lado meramente comercial da questão, talvez uma coisa dessas até pareça razoável. Talvez. Mas, do ponto de vista patriótico, supondo-se que haja algum patriotismo no brasileiro, considero vergonhoso que alguém que sobreviva diretamente da língua portuguesa se permita menosprezar o próprio idioma dessa forma.
É, a meu ver, mais um típico exemplo de quando o complexo de vira-lata sobrepõe o senso do ridículo. Ressalto, no entanto, que este é apenas o meu ponto de vista. E um ponto de vista nada mais é do que a vista a partir de um ponto.
Marcos Ferreira é escritor