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domingo - 24/01/2010 - 12:39h

Paisagem afetiva de Uiraúna

A paisagem é nova para mim. Mas é certo que não difere muito do comum aos meus olhos no torrão nordestino. Por trás das lentes que refreiam o sol, há um olhar curioso. Meu olhar.

Não fossem as placas que identificam onde começa ou termina alguma cidade, tudo continuaria familiar. Sertanejo. Observo que há um caboclo high-tech, pulverizado de antenas parabólicas, celulares e internet.

Letreiros em pequenos comércios fazem de um inglês canhestro a segunda língua desse chão longínquo. Tem "lan-house", "hot-dog"… Tá dominado, tá tudo dominado. E faz tempo.

Uiraúna – Paraíba. É o que indica um pórtico. Apontando nossa chegada, nosso destino nessa tarde que está apenas começando.

Falo para Honório de Medeiros, com quem divido a cabine de um carro nessa excursão, meu encantamento com a fonética dos topônimos paraibanos. O pássaro negro, Uiraúna, não conheço. A cidade, ídem. 

Gosto do som Tupi: Ui-ra-ú-na!

Será que seu canto tem sonoridade? A descobrir.

Doutor Etelânio Vieira e Catarina (sua mulher) vão à frente noutro carro. Ele é uma espécime rara de "batedor": loquaz; sorriso estampado no rosto e um sem-número de assuntos a infileirar na prosa. Sobra-lhe, ainda, o dom da pintura. É um artista de esmero na condução dos pincéis. 

Foi dele proposta convincente que ouvimos à noite anterior em Pau dos Ferros, em meio ao vinho e, no meu caso, a doses moderadas da branquinha "Serra Preta". Lentas, graduais e restritas. Mudaríamos o roteiro. Mudamos.

Eu e Honório iríamos para São Miguel no Rio Grande do Norte. Estamos em Uiraúna. "Culpa" agora compartilhada. Boas razões para agradecer.

O que nos atraia era conhecer um casarão na "Fazenda Canadá". De longe, a sua imagem nos dizia que valeria a pena a viagem. A construção em paredes grossas, sobrado, cheia de compartimentos, foi passagem aterrorizante de Lampião e seus sequazes, na marcha para Mossoró em 1927.

Foi erguida no final do século XVIII, com reforma em 1900. Deixa-nos boquiabertos. "Seu" Teodoro Figueiredo (tio de Etelânio) e família são nossos anfitriões, com a genesoridade comum ao sertão. Podíamos demorar horas.

"Temos que ir", avisa Honório.

É, temos. 

Ficou a vontade de um pouso maior, com a mente fervilhando de imaginação sobre uma época tão remota. O cenário é arrebatador. O casarão adaptado à vida moderna, parece congelado no tempo.

O giro pela pracinha central de Uiraúna, o único "arranha-céu" de poucos pavimentos, a calmaria monástica, gente no ramerrame das calçadas; cerveja à mesa no boteco. Toda essa imagem passa à janela do carro.

Estamos a caminho do "Sítio Curupaity".  

Sim, por que Curupaity, hein?

"Seu Bosco", depois de servir cervejas e um uísque, que divide comigo, esclarece minha dúvida. Ele e Honório lembram-me de uma batalha da Guerra do Paraguai. "Ah, tá!" faço de conta que sabia, sem confessar minha ignorância.

A mesa farta explica por que Eletânio continua tão cevado. Dona Socorro, sua sogra, ao lado do marido (Bosco), cobra de nós o mesmo desempenho do genro no controle de garfo e faca. Impossível. Mas não decepcionamos.

– Vamos embora!?

Etelânio e Catarina permanecem. Quanto a nós, a promessa de voltar.

O aceno, o riso solto de todos que ficam para trás, é a paisagem mais bonita que guardo. Ã‰ o que levamos de melhor.

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Honório de Medeiros diz:

    Amigo, que beleza!

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