domingo - 18/05/2025 - 09:42h

Relatos impróprios para consumo interno

Por Marcos Ferreira

Travesti da Dreamstime (Direitos autorais: Valeriy Kachaev)

Travesti da Dreamstime (Direitos autorais: Valeriy Kachaev)

Antes de mais nada, declaro que sou um escrevinhador sem qualquer espécie de preconceito. Acho que as pessoas, guardadas as devidas obrigações com os ditames sociais, têm o direito de gozar a vida como bem entenderem. Porém (sempre há um porém) é necessário juntar a isso o mínimo de bom senso. Em especial quando se trata de relacionamentos amorosos, ímpetos sexuais, compromisso religioso e liberdade de expressão. Neste último aspecto é imperativo não confundir expressão com liberdade de agressão. O bicho-homem, leia-se sociedade, vem trocando o debate civilizado de ideias por discursos de ódio. Quem semeia ódio só colhe violência.

Basta colocarmos a mão em nosso juízo (existem indivíduos que não possuem tal coisa) e concluir que não devemos desejar para os outros o que não queremos para nós. Quem enfia o pé na jaca, chuta o balde e cospe para cima deve se preparar para responder por seus atos. Não raro o custo por atitudes impensadas atinge um patamar que se revela muito além das nossas possibilidades de conserto ou reparo. Quando metemos alguns pregos em uma árvore, por exemplo, até podemos retirá-los, contudo ficarão as cicatrizes. Hoje tocarei em determinados pontos nevrálgicos da vida em rebanho, como diria meu amigo filósofo Antonio Alvino da Silva Filho, todavia não tenho o propósito de julgar ou crucificar quem quer que seja. De jeito algum.

Nosso querido e causticante País de Mossoró, como qualquer lugar do Brasil e do mundo, possui a sua cota de indivíduos que furam a bolha das convenções sociais, perdem a cabeça e a compostura, quebram os preceitos da lei de Deus e dos homens e, via de regra, pagam caro. O número de transgressores dos “bons costumes” não é nem um pouco pequeno. Nesta narrativa vou me ater a apenas três casos que tiveram uma vasta repercussão nesta freguesia, ocorridos num passado recente e que se alastraram pelas redes sociais. Basta uma rápida pesquisa na internet e ficamos a par de tudo. Recordarei tais assuntos, conquanto sem querer ferir o amor telúrico dos mossoroenses. São relatos impróprios para consumo interno, eu sei, mas fiquei sabendo disso por terceiros e, volto a dizer, por meio da própria imprensa. Pois bem.

O padre Fábio Pinto Rosa, que celebrou diversas missas na Igreja de Nossa Senhora da Agonia, mantinha um relacionamento extraespiritual com a professora universitária Maria Aparecida do Rosário, de trinta e seis anos, esposa do arquiteto Cornélio Guimarães, marombeiro de quarenta e cinco anos. O arquiteto, no mais das vezes por causa do seu ofício, tinha necessidade de viajar de vez em quando. Nessas oportunidades, logo que Cornélio informava que se ausentaria de Mossoró durante um ou dois dias (em alguns ensejos para participar de congressos de arquitetura em cidades como Fortaleza e Recife), Aparecida não perdia tempo, lançava mão do telefone e programava mais uma pulada de cerca com o reverendo, tipo cinquentão, pele branca, olhos azuis e de estatura mediana. Sim, ele media cerca de um metro e setenta e talvez pesasse uns oitenta quilos. Na avaliação dos fiéis, era um santo homem. Creio que padre Fábio esteja bastante arrependido do seu comportamento arrebatado.

Pouco depois Aparecida se descobriu grávida. Foram nove meses de angústia, aflição, remorso, até que enfim deu à luz. A criança nasceu saudável, um menino branco e de olhos azuis. Os dois últimos detalhes significaram uma bomba no casamento de Aparecida e Cornélio, tendo em vista que ambos são afrodescendentes, baianos de Itabuna. Não foi necessário muito interrogatório por parte do esposo para que Maria Aparecida do Rosário confessasse que o menino era filho do padre Fábio Pinto Rosa. Cornélio Guimarães ficou possesso, foi tomar satisfações junto ao sacerdote quando este se encontrava em plena missa. Colérico, o marido enganado invadiu o altar e quebrou alguns dentes de Pinto Rosa com um soco. Não bastasse, deixou os testículos do presbítero em desgraça ao aplicar-lhe um chute no papo do galo.

Por meio da força, cinco fiéis conseguiram dominar Cornélio, que foi preso naquela mesma noite. O arquiteto acionou um advogado, pagou fiança e deixou a delegacia na manhã seguinte. Depressa a Santa Igreja extraiu o padre Fábio Pinto Rosa de Mossoró, onde não mais foi visto. Além da questão dos dentes, surgiram rumores de que o eclesiástico perdera também a batina. Menos de um ano após a separação, o casal se reconciliou e a criança hoje é considerada uma bênção na vida de Cornélio e Aparecida. Portanto, Aparecida se entendeu com Cornélio e com o Todo-Poderoso, largou o seu hábito de pular cerca e desconhece o paradeiro do ex-amante.

Aos quarenta e dois anos de idade à época, pedreiro de mão cheia e com diagnóstico de bipolaridade, Adalberto Messias Benedito Cordeiro morava no bairro Boa Vista, mais precisamente à Rua Silva Jardim, nº 613. Há dois anos ele flagrou Margareth Junqueira, sua esposa de trinta e oito anos, na cama com Francisca Cordeiro, de vinte e sete anos de idade, única irmã de Adalberto. O pedreiro ficou ensandecido com aquela cena: Margareth e Francisca nuazinhas entregues às labaredas do sexo oral em um clássico meia-nove. Iracundo e de posse de uma de suas ferramentas de trabalho, um rústico pé de cabra com aproximadamente sessenta centímetros, o pedreiro perdeu o controle por completo e massacrou as duas mulheres sem a menor piedade. Os golpes foram desferidos, principalmente, contra a cabeça das vítimas, de modo que partes dos cérebros ficaram expostas no quarto em meio a poças de sangue.

Após seu ato tresloucado, Adalberto não abandonou a cena do crime. Foi preso, julgado e recebeu uma pena de cinquenta e cinco anos de reclusão na Penitenciária Agrícola Mário Negócio. Mas Adalberto não cumpriria a pena. Com menos de um mês, o dia já amanhecendo, ouvi gritos nesta rua. Era a senhora Conceição Cordeiro, mãe de Adalberto, que reside em uma casa diante da minha aqui no Walfredo Gurgel. A idosa acabara de receber a informação de que o filho fora encontrado morto por um colega de cela; enforcou-se com um lençol durante a madrugada.

A terceira ocorrência é muito menos trágica do que cômica. E outra vez o protagonista é um servo do Criador. Trata-se de Clóvis Peixoto de França, pastor de cinquenta e quatro anos da Igreja Milagrosa do Reino de Cristo, templo este situado na Avenida Jerônimo Dix-neuf Rosado, também conhecida como Avenida Leste-Oeste. A história que envolve Clóvis, ocorrida no dia 9 de agosto do ano passado, lance maciçamente difundido pela imprensa escrita, falada e televisionada desta capital brasileira da pirotecnia, configura-se como um típico caso de calote amoroso. É isso! O então pastor (agora não é mais, foi excomungado por sua igreja) saiu em seu Creta azul-turquesa para um motel desta urbe com Isadora Grace, travesti morena de boca carnuda, unhas e batom vermelhos, cujo nome de batismo é Serafim Carvalho Neto, de trinta e quatro anos, cabeleireiro do Salão Cabeça Feita, no bairro Nova Betânia.

Não menos lamentável que o vexame que destruiu a reputação do padre Fábio Pinto Rosa, que foi violentamente devorado pelo pecado da luxúria, a tragédia que se abateu sobre o pastor Clóvis Peixoto de França (esposo da criadora de conteúdo digital Clotilde Nunes Saldanha e pai de duas gêmeas univitelinas, Sara e Marta) estremeceu as bases da comunidade evangélica desta província. Porque a maneira como esse escândalo veio à tona equiparou-se a um abalo sísmico.

Clóvis Peixoto estava no meio da pregação usando paletó, gravata, suado e decerto absorvido pela inspiração celeste, quando o alarme eletrônico de um veículo disparou e o som de vidros sendo estilhaçados pôde ser ouvido por todos dentro do templo. Clóvis não teve condições de seguir com a pregação. Aos poucos, assustadiços, os irmãos de fé começaram a deixar os seus assentos e se encaminharam para a área do amplo estacionamento da Igreja Milagrosa do Reino de Cristo. Nesse momento (incrédulos) os crentes se depararam com Isadora Grace comendo o carro do pastor Clóvis Peixoto na pedrada e com um grande porrete possivelmente de jucá. Todos os vidros do carro estavam detonados, inclusive faróis, sinaleiras e retrovisores.

A lataria também foi atacada. Uma das portas e o capô ficaram com avarias. Quem sabe (raciocinando com meus botões) o porrete fosse de carvalho, fazendo jus ao sobrenome de Isadora, isto é, Serafim Carvalho Neto. Com os membros da igreja atônitos no estacionamento assistindo àquela explosão de fúria, a travesti gritou a plenos pulmões que o pastor Clóvis Peixoto a havia contratado para um programa em um motel há cerca de duas semanas e que o dito-cujo a vinha enrolando desde então, que ele não cumprira o acordo de pagar mil reais para ser varado por Isadora. Naquela noite ele alegou que se esquecera de sacar o dinheiro de sua conta bancária. Ainda assim Clóvis foi devidamente possuído por Isadora, que não contava com o recurso de pix. Ela honrou a sua parte no acerto, o pastor pagou a despesa do motel com um cartão de crédito e deixou o programa no fiado. Dali por diante, segundo Isadora, ele passou a evitá-la, ignorando suas chamadas telefônicas e cobranças através do WhatsApp.

Mais uma vez a nossa valorosa Polícia Militar foi acionada e Isadora e o pastor foram parar na delegacia. O delegado só liberou os dois após o protestante pagar o que devia a Serafim Carvalho. A esposa de Clóvis, morta de vergonha, foi quem se dirigiu a um caixa eletrônico de supermercado para efetuar o saque dos mil reais. Isadora Grace sequer foi obrigada pela autoridade policial a pagar pelos danos causados no veículo do pastor. Boatos dão conta de que Clotilde Apolinário Saldanha não quis saber de conversa, exigiu o divórcio, largou o marido em Mossoró e, em companhia das filhas gêmeas, foi passar uns dias na casa dos pais em sua terra natal, o município de Apodi. Já Clóvis Peixoto de França, dono de três casas lotéricas em Mossoró e região, colocou uma placa de venda em sua residência no condomínio Alphaville e lá permaneceu à espera de um comprador até que a poeira do escândalo baixasse.

É claro que existe um monte de relatos impróprios para consumo interno na boa terra de Santa Luzia, contudo por hoje basta. Da próxima vez, se estas notícias não me renderem nenhuma represália, talvez eu escreva (entre outros) sobre um episódio completamente bizarro. Refiro-me à relação do agricultor Nelson Loyola Gomes com Sansão, um jumentinho de sua propriedade. O sucesso foi denunciado à Polícia Ambiental por Valdomiro Soares da Costa, ex-empregado da Fazenda Macambira, a dez quilômetros da zona urbana de Mossoró. Vale destacar que Valdomiro tinha queixa de Nelson Loyola Gomes porque foi demitido e se sentiu roubado na importância da rescisão trabalhista que recebeu de Loyola. Às ocultas, então, Valdomiro conseguiu filmar com o seu smartphone uma das ocasiões em que Nelson tirou a roupa, colocou-se embaixo do animal e ficou esfregando a bunda nos documentos do jegue.

Zoofilia à parte, devemos admitir que Nelson Loyola, desquitado e com quase sessenta anos, é um homem de coragem. Não é moleza encarar uma pistola desse calibre. O cidadão puxou um dia de cadeia, também recorreu aos serviços de um causídico, e atualmente responde ao processo em liberdade. Raramente sai da fazenda. Tornou-se um tipo recluso após cair nas malhas da Justiça e na língua do povo. Tem consciência de que o seu nome é motivo de chacota em Mossoró. Quanto a Sansão, até onde sei, consta que foi resgatado e adotado por outro fazendeiro.

Olhando bem, findei relatando uma quarta ocorrência, visto que a minha intenção era discorrer a respeito de apenas três casos. Agora deixo a narrativa como está. Não vou passar uma borracha no delito do senhor Loyola. O seu interesse no instrumento sexual do jumentinho Sansão já foi corretamente punido e o latifundiário jurou que nunca mais buscará prazer se aproveitando de nenhum outro tipo de bicho. Exceto se o animal da vez for da raça humana, do sexo oposto ou não.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Ayala Gurgel diz:

    Homem de deus, que traque foi esse?!!! Imagino quando vier a bomba.

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Obrigado, obrigado e Obrigado Caro Marcos Ferreira, por esta afiadíssima, sarcástica e bem humorada crônica acerca dos nossos conhecidos e as vezes censurados personagens com seus costumes, digamos um pouco heterodoxos que de tão bem descritos e narrados em suas minudências, poderia perfeitamente servir de roteiro à uma película cinematográfica…!!!

    A despeito ou até mesmo a propósito das nossas idiossincrasias e diferenças, como somos sabedores, o bom humor é de longe a maior manifestação de inteligência do ser humano e é de longe um dos principais fatores que aproximam grupos sociais.

    Hoje acordei um pouco tarde e tenhas certeza, sua inspirada crônica da vida real, foi de fato, meu café da manhã com muitas gargalhadas.

    Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  3. Odemirton Filho diz:

    Marcos Ferreira nunca decepciona. Texto primoroso.
    Valeu, querido amigo, um forte abraço e uma semana de paz e luz.

  4. Francisco Amaral Campina diz:

    Parabéns companheiro!

  5. Bernadete Lino diz:

    Como sempre, você surpreende: depois de uma crônica pesada, lá vem você com coisas do cotidiano. Engraçadas. Que provocam riso! Um jeito totalmente novo de se apresentar! Ainda estou rindo! Boa semana!

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