“Esta aula vai ter intervalo… estou com muita fome?!”. A princípio, confesso que a pergunta me causou espanto. Afinal, acabara de passar o segundo slide e eram nove da manhã. E alguém está com fome naquela hora era mesmo de se estranhar…
“É isso mesmo, professor! Estamos com fome e queremos um intervalo, para lanchar!”, falou outra aluna…
Aí, de espantado, fiquei mesmo foi triste por perceber (tinha percorrido quase 300 km – sem receber nenhum incentivo financeiro, pois fui a convite de um ex-aluno, que agora é professor – para dar a aula inaugural sobre história da cirurgia), que, na verdade, Hipócrates, Ephraim McDowell, Halsted, Ernani Rosado, etc. etc. eram menos importantes do que uma coxinha e uma coca-cola…
Senti-me como um Sísifo: personagem que fora condenado, por Zeus, a incessantemente rolar uma pedra até o topo de uma montanha e quando já estava alcançando, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida e aí Sísifo tinha que retornar e iniciar tudo novamente… Os deuses sabiam que não havia nada mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança…
Pois bem! Inútil e sem esperança, é assim que algumas vezes nos sentimos quando estamos ensinando. Como se não bastasse – como muito bem alertou meu querido mestre professor Ernani Rosado, na minha formatura, que o professor universitário vivia sempre num emaranhado de leis, decretos e regulamentos, “plano de metas”, que só servem para lhe tolher e desestimular-, agora temos que conviver também com a indiferença de alguns alunos… e isso tem sido uma constante nos últimos anos.
Em março de 2010, faço 17 anos no ensino médico. Hoje, sem dúvida, me considero muito mais um professor do que propriamente um médico atuante, por entender que um professor – que é antes de tudo um médico – pode contribuir e muito para curar o maior de todos os males, responsável por todas as misérias, que é a ignorância da alma.
Educar, para mim, “é saber lançar no chão fértil do outro – meu aluno, meu companheiro, alguém com quem dialogo: saberes, sonhos e valores – a semente que adiante faça germinar em sua inteligência e em seu coração o desejo de partilhar com os outros o diálogo da construção de um mundo de justiça, de igualdade e de liberdade”.
Por isso, paro para pensar e me pergunto: “O que danado está acontecendo? Será que a culpa está em mim mesmo? Será que as minhas aulas são mesmo tediosas e não suscitam interesse nenhum nos alunos?
Por que será que as turmas estão cada vez mais interessadas apenas na residência médica, e aí o curso de medicina tornou-se um mero link, uma ponte ou o que é pior: um ‘apêndice’ – que espero que não seja infectado – dos cursos preparatórios para a residência médica?
Qual o papel da família nisso tudo?
Qual a parcela de culpa das escolas médicas?
Enfim, como poderemos resolver esse quadro tenebroso que hora se pinta com tintas de muito mau gosto?”
Certa vez, Paulo Freire, disse: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Portanto, que todos os atores – afinal, “O mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres, apenas atores” – juntos, busquem as soluções para se libertarem dessa situação, que não é benéfica para ninguém: a sociedade não suporta mais esta medicina que está sendo oferecida a ela e, por isso, não é de se estranhar o número absurdo de processos por erros médicos, abarrotando os tribunais do CRM e da justiça comum do País.
É preciso que paremos todos: escola, professores, pais, alunos, conselhos de medicina, sociedade, etc. etc, enfim, todos, para refletirmos. E aqui, ficam algumas sugestões:
Que a escola pare de criar tantas dificuldades para os professores sonharem…; que os professores reencontrem “o caminho da paixão do começo”, pois quando a gente perde este caminho, o caminho da paixão – e nada de grande se faz sem paixão, sem amor, como dizia Kierkegaard – “perdemos o entusiasmo, perdemos a vontade de empreender, de inovar, de criar coisas novas, de nos reinventar.
E sem tudo isso, a vida torna-se uma rotina desestimulante. Começamos a andar para trás e a acomodação pessimista toma conta de nosso dia-a-dia”; que os pais voltem a educar e cuidar melhor dos seus filhos, procurando saber se eles estão felizes com a escolha que fizeram…; que os alunos (não são todos, ainda bem) comecem a enxergar que não estão mais num cursinho pré-vestibular e sim, a caminho de uma profissão das mais bela, difícil e importante que é a medicina, que é o cuidar do outro.
Se somos seres a caminho, em busca, como lembra Paulo Freire, cabe agora fazer a seguinte pergunta – pois só ela, pode apontar um caminho para frente: “Quem dará o primeiro passo em busca dessas soluções? Quem?!”.
Por favor, respondam logo, afinal, preciso acreditar que deixarei um mundo melhor para o meu Lucas…
Francisco Edilson Leite Pinto Júnior é escritor, médico e professor – edilsonpinto@uol.com.br
Parabéns pelo texto! E pelo dia do professor que passou há pouco! Mas o que vejo aqui e me alegro com isso é que este parece ser um texto escrito por um educador e não professor! No Livro ” Conversas com quem gosta de ensinar” Rubem Alves mostra com maestria essa diferença entre professor e educdador! Pelo que vejo, a distancia, o senhor é um educador! E cada dia menos vemos educadores, professores tem aos montes. Me formei em filosofia faz alguns meses e não consegui um posto de trabalho, espero que me torne um educador, alguem que se preocupara com o ensino- aprendizagem e não um cumpridor de metas anseiando pelo minguado salariop no fim do Mês. Mas uma vez párabéns e um bom trabalho em nome da educação, do iluminismo da alma, tirar os a-lunos(sem-luz) das trevas da ignorancia.
O texto em comento retrata uma realidade vivenciada nos bancos universitários. Como professor, encontro-me perdido no mar de desinteresse que grassa entre alguns alunos. A falta de compromisso e o olhar arrogante reflete na má qualidade de alguns profissionais. Pena que a construção deste país depende, de igual modo, desses alunos. Não todos, claro.