Por Bruno Ernesto
Aviso ao eventual leitor desavisado que, antes que ele perceba, não me julgo tão religioso quanto você pensa. Todavia, tenho fé e não sou ateu, embora creia genuinamente em Deus.
Após minhas férias e, pois, retomar o rumo da vida terrena da minha insignificância que alguns tantos julgam ser – embora, íntima e nitidamente, tenham sentido minha ausência -, logo que coloquei os pés na minha amada cidade, rumei para o templo sagrado do elixir mais democrático que existe – mais até que as famosas “Landsgemeinde” dos Cantões suíços -, me pus a saborear um café espresso bem prensado, tão reconfortante, feito quem volta o berço em busca de afago materno.
Há três coisas que são excelentes, quando bem prensadas: café, livros e paçoca de carne seca.
Já registrei em outras oportunidades que as cafeterias são um mundo à parte e você, não raro, se depara com toda sorte de gente, assuntos e acontecimentos: ordinárias e extraordinários.
Lembro ao querido leitor que também já mencionei em outras crônicas, que há pessoas que não têm qualquer cerimônia ao conversar em viva-voz em ambientes públicos, de modo que, nos ternos das normas sociais e jurídicas, o que se fala passa a ser de domínio público. Ninguém pode obrigar o outro a desescutar. E digo, caro leitor: a maldade de gente boa é tão pior que a bondade de gente ruim.
Explico: tudo girava em torno de um portão quebrado. Não suportavam tanto descaso do condomínio com o portão de acesso dos veículos que ora quebrava, ora voltava a quebrar.
– É um absurdo! Total falta de absurdo! Diziam.
Pelo menos a reunião semanal no salão de festas do condomínio para mais um ciclo de orações estava mantida.
Vez ou outra, sussurravam contorcendo conto da boca, rogando a Deus que certos vizinhos não fossem orar dessa vez. Por fidelidade à informação, quase indaguei o motivo da insurgência. Por sorte, pontuaram que nem todos do ciclo, são tão fervorosos.
Foi aí, então, que avisaram no grupo de whatsapp do condomínio que o portão continuaria “enteditado” até o início da noite.
– Absurdo! Disseram.
– Faz dois anos que ele diz portão entedidato!
Quando falaram sobre a casinha do lixo, pelo fato de um dos sacos de lixo ter se rasgado acidentalmente no dia anterior e deixado cair seu conteúdo no chão da casinha, disseram que o lixo deveria ter caído bem no meio da sala do condômino, como castigo, ao invés de sujar a casinha do lixo do condomínio.
– Absurdo! Quem já se viu, sujar a casinha de lixo do condomínio! Que suje o seu apartamento como merecido! Multa! Deveriam olhar as câmeras!
A par da situação, ouvindo aquela destilação de ódio bem ali na minha frente, sem maior cerimônia, reverberava na minha mente o que o saudoso Rubem Alves dizia a respeito de religiosidade.
Dizia ele ninguém oferece à Deus algo de bom. As pessoas pensam que Deus é sádico. Sempre oferecem sofrimento em troca de uma bênção – subir quatrocentos degraus de joelhos se alcançar uma graça -, quando Deus – dizia Rubem Alves –, em verdade, quer apenas um jardim de delícias, e não sofrimento.
Ao que parece, ao invés de estar florido pelo ciclo de orações semanal, o jardim permanece verde, no que pertine à genuinidade religiosa de alguns de seus frequentadores mais fervorosos.
Vendo isso, apesar do medo escatológico, vejo que eu, que não participo de nenhum ciclo de orações, talvez escape do inferno.
Crer, orar e agradecer a Deus sozinho e sem alarde, dentro ou fora de um templo religioso, me parece mais genuíno.
Como Chico César canta: Deus me proteja de mim, e da maldade de gente boa. Da bondade da pessoa ruim. Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor