domingo - 03/10/2021 - 12:48h

Bandido/herói

Por Inácio Augusto de Almeida

Julho de 1944. A guerra perdida para a Alemanha.  Oficiais de alta patente sabiam que a derrota era inevitável e que, continuar lutando era apenas sacrificar ainda mais o sofrido povo alemão. Só que não tinham coragem de dizer isto ao louco que continuava acreditando na vitória.

E por conta da covardia do alto comando das forças armadas, milhares de militares e civis morriam todos os dias.

Um coronel não suportou ver tanta covardia causando tanto mal ao povo alemão e resolveu agir.

Explosivos foram acionados, mas Hitler conseguiu se salvar do atentado (Foto: reprodução)

Explosivos foram acionados, mas Hitler conseguiu se salvar do atentado (Foto: reprodução)

Chamou para si a tarefa de matar Hitler e negociar uma rendição condicional com os aliados. Rendição que, por não ser incondicional, manteria à Alemanha numa posição não humilhante e preservaria milhões de vidas.

STAUFFENBERG sondou vários generais e todos se mostraram simpáticos à ideia. Até mesmo o grande Rommel concordava que a guerra estava perdida.

Stauffenberg armou a OPERAÇÃO VALQUÍRIA e partiu para uma reunião na Toca do Lobo, onde Hitler se reuniria com generais, levando dentro da pasta uma bomba de alto poder explosivo. Stauffenberg chegou a colocar a pasta com a bomba armada para explodir minutos depois e conseguiu sair da sala.

A bomba explodiu e Stauffenberg retornou a Berlim certo que Hitler tinha morrido.

A Operação Walquíria começou a funcionar e todos aderindo ao projeto que buscava pôr fim a uma guerra que já não tinha sentido.

Logo que a voz do Hitler é ouvida nos rádios dos alemães, ele tinha sobrevivido, todos começaram a se afastar de Stauffenberg a quem passaram a chamar de traidor.

O Coronel Stauffenberg foi fuzilado imediatamente. Outros também foram fuzilados, mas sempre apontando Stauffenberg como o responsável pela traição.

E como TRAIDOR DA ALEMANHA Stauffenberg entrou para a história.

O tempo passou e a verdade surgiu.

Hoje uma enorme estátua do HERÓI Claus Von Stauffenberg pode ser vista na mais movimentada avenida de Berlim.

De bandido a herói.

A verdade pode demorar a aparecer, mas sempre aparece.

Que o exemplo de Stauffenberg sirva para covardes que mentem, encobrindo atos espúrios, reflitam.

A história está repleta de exemplos de que os imediatistas, os covardes, os mentirosos, terminam mergulhados na vala do esquecimento.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 03/10/2021 - 11:42h

Os alienistas jurídicos

Por Marcelo Alves

Friedrich Dürrenmatt (1921-1990) foi um escritor suíço de língua alemã. Nasceu numa pequena cidade do cantão de Berna. Sua família era conservadora e protestante. Foi cedo morar na belíssima capital de facto do seu país. Estudou filosofia, filologia, literatura e até “ciências” nas universidades de Zurique e Berna. Logo abandonou a vida acadêmica.

Foi escrever romances e, em especial, teatro neoexpressionista. Dürrenmatt não era engajado partidariamente, mas tinha uma posição político-filosófica de vida. À moda do grande Bertolt Brecht (1898-1956), embora mais desmascarador do que didático, suas peças (e seus romances também) visam menos o entretenimento da plateia/leitor e mais fomentar o debate público sobre temas fundamentais. É denúncia. E é bastante original. Dürrenmatt foi também pintor. Mas, cá entre nós, foram os seus leitores e espectadores que tiveram mais sorte.

Friedrich Dürrenmatt, escritor e dramaturgo suíço, um nome sempre controverso (Foto: reprodução)

Friedrich Dürrenmatt, escritor e dramaturgo suíço, um nome sempre controverso (Foto: reprodução)

Sua primeira peça foi “Está escrito” (“Es steht geschrieben”, 1947), que estreou com grande polêmica. A trama gira em torno de uma “batalha” entre um cínico carreirista e um fanático religioso, que leva as escrituras ao pé da letra, tudo isso acontecendo enquanto a cidade em que vivem está sob um cerco. A noite de estreia foi um furdunço. E aí já dá para se ter uma ideia do tipo de “denúncia” de que estamos falando.

O primeiro grande sucesso foi a peça “Rômulo, o Grande”. Segundo Otto Maria Carpeaux (1900-1978), em “A história concisa da literatura alemã” (Faro Editorial, 2013), aqui, “ideias expressionistas, modernizadas up to date”, inspiram essa tragicomédia pseudo-histórica, “em que o último imperador romano, alvo do escárnio de milênios, é homenageado como grande estadista que não quis ‘salvar a civilização’, porque é impossível salvar civilizações. E que civilização!”.

Sua obra-prima possivelmente é “A Visita da Velha Senhora” (“Der Besuch der alten Dame”, 1956), uma mistura grotesca de comédia e tragédia sobre uma mulher rica que oferece ao povo de sua cidade natal uma fortuna se eles executarem o homem que a abandonou no passado. Em “A Visita da Velha Senhora”, como anota Carpeaux, “o desfecho é a morte trágica de um ‘herói’ nada trágico, causada pela vingança patológica de uma velha senhora e pela cobiça patológica de todos”.

Já no drama satírico “Os físicos” (“Die Physiker”, 1962), a ameaça trágica da bomba atômica é uma intriga de manicômio e levará ao poder um governo universal, encabeçado por uma louca”. Quão atual!

Entretanto, para nós, cultores da literatura e do direito, talvez (e enfatizo a dúvida, uma vez que o autor escreveu outras peças e romances “jurídicos”) a mais interessante obra de Dürrenmatt seja “O Casamento do Senhor Mississippi” (“Die Ehe des Herrn Mississippi”). Como registra Carpeaux, o louco promotor público dessa peça, “que manda centenas de sujeitos à forca para moralizar a vida pública, é personagem tipicamente expressionista”. É, assim, peça de pleno desmascaramento. Pondo de lado as relações pessoais entre as personagens, a peça tem como centro o radicalismo do promotor Mississippi, que se acredita um lutador pela “justiça do céu”. Ele internalizou de uma maneira muito peculiar os ditames da Bíblia, especialmente as chamadas “Leis de Moisés”.

Convidado a simpatizar com a “esquerda”, ele refuga. É infenso a qualquer moderação. Após uma revolta popular abortada, ele vai para um manicômio. De lá foge. Num ritual macabro de envenenamento recíproco, Mississippi morre ainda na crença de que o homem pode ser mudado por punições inumanas. Tem doido para tudo. Ao final, na peça, as personagens retornam à ribalta e fazem um balanço dos acontecimentos.

Bom, e que balanço nós podemos fazer disso aqui?

Há um meramente literário. “O Casamento do Senhor Mississippi” me lembra bastante “O Alienista” (1882), do nosso Machado de Assis (1839-1908), cujo protagonista da confusão é o médico psiquiatra Simão Bacamarte, o dono da Casa Verde, o seu próprio manicômio, até porque acabou internado lá.

Mas eu prefiro aqui meditar sobre uma observação do multicitado Carpeaux. O teatro expressionista/fantástico de Duerrenmatt “denuncia o absurdo na atualidade, que lhe garante sucesso universal”. Desmascara tragédias. Mas “o que parece tragédia, no mundo de hoje, é na verdade uma farsa, apenas de desfecho trágico”. Vimos isso entre nós, não vimos?

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 03/10/2021 - 07:20h

Réquiem para Chico Rodrigues

Por Marcos Ferreira

Quarta-feira, 29 de setembro de 2021; dez horas e vinte minutos desta manhã de céu azul. Enquanto escrevo esta página de adeus, que há de ser mais de uma, o meu velho e bom amigo Francisco Rodrigues da Costa (o Chico de Neco Carteiro) é sepultado no mesmo túmulo em que há vários anos jaz a sua amada esposa Zezinha. Esta era a vontade do insigne areia-branquense, ele que adotou Mossoró como o seu segundo berço desde a juventude, isto há quase sete décadas.

À noite, coração apertado, eu fui ao velório. Lá permaneci por cerca de hora e meia. Ofereci meus pêsames aos familiares, sobretudo aos netos e bisnetos, visto que as duas únicas filhas do escritor são falecidas. No velório, entre muitos rostos desconhecidos, encontrei apenas dois representantes do universo literário mossoroense: os escritores Raimundo Antônio e Marcelo Almeida.

Charge de autoria do chargista, caricaturista e cartunista Túlio Ratto

Charge de autoria do chargista, caricaturista e cartunista Túlio Ratto

Creio que os literatos ausentes no velório foram ao enterro. Coisa que não fiz. Não reúno condições emocionais para encarar um momento como esse. Despedi-me de Chico Rodrigues, portanto, à noite. Foi o nosso último encontro; ao menos neste plano. Espero reencontrá-lo qualquer dia, quando deste mundo eu também me despedir. Aí retomaremos as nossas longas, quase infindáveis conversas, especialmente sobre literatura, música e inúmeros fatos de Areia Branca.

Ali no caixão, sob o transparente véu que lhe cobria o rosto, Chico Rodrigues estava lívido, com o ar sereno de quem cumpriu a sua jornada com leveza e bonomia, além de muita coragem e resiliência para enfrentar os duros golpes que sofreu ao longo da vida. Agora, após oitenta e oito anos de pé, firme e forte, o apaixonante cronista de Saudades e outros livros do gênero enfim descansa.

Não mais lhe ouviremos os maravilhosos chistes; não mais usufruiremos do seu bom humor por vezes ácido e zombeteiro. Não mais, ao menos por enquanto, testemunharei as suas tiradas, a sua verve espirituosa, estremecendo a barriga protuberante com uma gargalhada muda.

Chico não teve vida fácil, todavia, como poucos, ele sempre soube sorrir com uma facilidade que nos contagiava. Possuía o dom da boa prosa; e não só na oralidade, mas também na sua escrita saborosa.

Além de seu leitor cativo, daí a pouco me tornei seu revisor. Muita coisa que produziu, antes de enviar para publicação, ele confiava ao meu crivo. Daí por diante nossa amizade se tornou mais estreita. Frequentava a minha casa amiúde, bebíamos um cafezinho, ele aboletado em uma rede que eu lhe armava aqui na área da frente. Falávamos de tudo e de todos, no bom sentido, claro.

QUANDO MUITOS ESTAVAM ENTREGANDO OS PONTOS, baixando as cortinas no show da vida, eis que Chico Rodrigues resolveu iniciar a sua admirável carreira de escritor com mais de setenta anos de idade. Eu o conheci por volta do ano de 2004. À época ele escrevia crônicas para o jornal Gazeta do Oeste. Publicou quatro livros de crônicas e dois romances, já viúvo e após ter perdido duas filhas. Tais dissabores nunca foram capazes de contaminá-lo com amargura nem pessimismo.

Chico Rodrigues era (difícil usar o verbo nesse tempo!) um dos melhores escritores memorialistas do Rio Grande do Norte, opinião esta que compartilho com o escritor e crítico literário Manoel Onofre Júnior. Conquistou leitores de diversas partes do estado com suas crônicas eivadas de saudosismo e precisão histórica, sobretudo ao discorrer sobre as memórias de sua poética Salinésia.

Embora fosse um mau leitor declarado, “sem qualquer influência dos clássicos”, como ele próprio costumava dizer, escreveu uma das mais belas obras autobiográficas da literatura norte-rio-grandense, o romance Perdão (o primeiro), lançado em 2014 pela editora Sarau das Letras com prefácio do professor e escritor Aécio Cândido. Julgo importante ressaltar que nesse momento Chico Rodrigues já contava oitenta e um anos de idade, mas demonstrando fôlego de jovem literato.

Ultimamente, entretanto, o mossoroense de Areia Branca vinha acusando o peso da sua longeva existência. A voz suave estava quase sumida, cortada pela asma e pelo cansaço. Emagrecera sobremodo e perdera muito da sua habitual alegria e bom humor. Os olhos globulosos pareciam cada vez mais distantes. Há poucos dias recebi uma ligação dele às três da madrugada. Tomei um susto.

— O que foi, amigo? — indaguei por telefone.

— Nada, poeta. Só achei que estava acordado.

— Não com os remédios que tomo toda noite.

— Escritor de verdade escreve até altas horas.

Não era apenas isso. Insone, acometido por ansiedade, tomando medicação para esse transtorno, Chico carecia apenas conversar com alguém. Não fui o único a quem ele telefonou a horas mortas. A doutora Luzia Praxedes, por exemplo, sua amiga e esposa do escritor Clauder Arcanjo, recebeu algumas dessas ligações.

Sim, o cronista precisava tão somente trocar umas palavras com os amigos. Pareceu-me até que estivesse se despedindo de alguns de nós, inconscientemente.

Assim como o meu pai, muito da cultura de Chico Rodrigues advinha da música, que ele recitava com precisão devido à sua poderosa memória. Ao contrário do meu pai, não era bom cantor. Nem foi de modo algum um literato que viveu debruçado sobre leituras. Escrevia bem e bonito graças ao seu talento inato para contar histórias, especialmente aquelas já bastante recuadas no tempo.

Tinha o hábito de vincular os assuntos que debatíamos a uma determinada música. No meio de uma conversa, de repente, evocava uma letra e compositor para ilustrar seu raciocínio e comentários. Sabia de cor Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves, Sílvio Caldas, Noel Rosa, Cartola, Lupicínio Rodrigues, Orestes Barbosa.

Bem-humorado, costumava cantarolar para mim a canção “Quando eu me chamar saudade”, grande sucesso do Nelson Cavaquinho:

“Por isso é que eu penso assim

Se alguém quiser fazer por mim

Que faça agora

Me dê as flores em vida

O carinho, a mão amiga

Para aliviar meus ais

Depois que eu me chamar saudade

Não preciso de vaidade

Quero preces e nada mais”.

Peço desculpas, caro amigo Chico, por não lhe ter oferecido tais flores em vida. Não ao menos assim, publicamente. Os dias e anos vão passando e a gente imagina ter mais tempo. Agora aguardemos o nosso reencontro.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
segunda-feira - 27/09/2021 - 06:52h
Marcos Ferreira

Um novo livro quase no prelo

Marcos: crônicas vão marcar a publicação (Foto: arquivo)

Marcos: crônicas vão marcar a publicação (Foto: arquivo)

Escritor e poeta premiado, Marcos Ferreira prepara um novo livro.

Podemos dizer que está quase no prelo.

Dessa feita, ele vai nos premiar com uma publicação no gênero da crônica, uma seara que também domina bastante e passeia sem temor.

Nada mais posso adiantar, apesar da vontade.

Marcos Ferreira é um dos integrantes do nosso time de articulistas e colaboradores dominicais cá no Canal BCS – Blog Carlos Santos.

Que seja bem-vindo seu novo rebento.

Ave!

Acompanhe o Canal BCS (Blog Carlos Santos) pelo TwitteAQUIInstagram AQUIFacebook AQUI e Youtube AQUI.

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Categoria(s): Cultura / Gerais
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domingo - 26/09/2021 - 12:34h

Uma bela lição de cidadania

Por Odemirton Filho 

Há algum tempo uma senhora foi ao Fórum e pediu para falar com o juiz. Era uma pessoa avançada em anos, estava vestida de forma simples e, pela forma como se expressava, percebia-se de pouca instrução. A servidora avisou que o magistrado estava em audiência, iria demorar, era melhor voltar outro dia.sala de espera, chá de cadeira, paciência

– Não tem problema, eu espero. Não arredo o pé daqui enquanto não falar com ele sobre um processo meu que tá “parado”. Eu tenho esse direito – disse a senhora – e sentou-se.

Eu estava próximo e ouvi toda a conversa. Impressionou-me a altivez daquela senhora. Não era arrogante, mas era firme no propósito de falar com o juiz. Estava ali, sem medo, desacompanhada de um advogado, reivindicando um direito que lhe parecia legítimo.

Fiquei a imaginar como seria bom se todos exercessem a sua cidadania. Ora, se não reivindicarmos o direito de falar com o juiz de um processo, imagine lutar por outros direitos!

Sabe- se que a nossa Constituição Federal é repleta de garantias e direitos. Entretanto, a maioria da população fica caladinha diante de injustiças. Poucos são aqueles que ousam levantar a voz. E, quando o fazem, sofrem perseguição ou deboche.

Alguns, com o dedo em riste, apontam a corrupção do governo federal, estadual ou municipal, se quem estiver no poder não for de seu agrado. Todavia, se for o político de sua preferência, fazem vista grossa. É realmente atitude de quem se diz cidadão?

Enfim. As audiências demoraram bastante, pois tratavam-se de processos criminais, nos quais se ouviam as testemunhas da acusação e da defesa.

Contudo, a senhora continuava lá, sentada, com um semblante firme, esperando pacientemente. Ao final de uma longa espera, com o término das audiências, o juiz a chamou a fim de conversarem.

Ao sair do gabinete do magistrado, disse-nos:

– Eu não falei a vocês que só sairia daqui quando conversasse com o juiz?

E foi embora.

Deu-nos uma lição. Uma lição de cidadania.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 26/09/2021 - 10:26h

Um inimigo dos loucos

Por Marcelo Alves

Henrik Ibsen (1828-1906), o genial dramaturgo, nasceu numa pequena vila portuária da Noruega. Mas o seu teatro (ele foi também diretor) e a sua poesia não mimetizaram a gelidez da sua terra natal. Ao contrário, ele foi um dos precursores do realismo e do modernismo nas artes cênicas. Fez escândalo, na verdade. Era um “denunciante” de falsos moralismos e coisas que tais.munch-henrik-ibsen-at-grand-cafe - Henrik Ibsen Algumas de suas peças são conhecidíssimas: “Peer Gynt” (1867), “Casa de Bonecas” (1879), “Um Inimigo do Povo” (1882), “O Pato Selvagem” (1884) e por aí vai. Alguns dizem ser ele, no seu métier, o segundo, apenas atrás de Shakespeare (1564-1616). E gigantes do teatro, gente como Gerhart Hauptmann (1862-1946), George Bernard Shaw (1856-1950), Oscar Wilde (1854-1900) e Eugene O’Neill (1888-1953), lhe pagaram tributo.

Ibsen perambulou muitos anos pela Europa. Sobretudo pela Itália e Alemanha. Quem viaja, se sabido, enxerga longe. Faleceu, em glória mas já inválido, na capital Oslo.

Para se ter uma ideia do tamanho de Ibsen, colho um trecho do “Ensaio sobre Henrik Ibsen”, de Otto Maria Carpeaux, que consta de um pequeno livro de bolso, intitulado “Seis Dramas” (parte 1), coleção “Mestres Pensadores”, da Editora Escala:

“Henrik Ibsen é o maior dramaturgo do século XIX. O superlativo – superlativos têm sempre qualquer coisa de exagero – justifica-se desta vez, com toda facilidade. Goethe, Schiller e Alfieri pertencem inteiramente, ou pela maior parte da obra, ao século XVIII; Tchekov significa um crepúsculo melancólico; Strindberg já é o século XX. E na época entre o começo e o fim do século? Os epígonos não contam; a glória do teatro romântico francês já passou. Kleist, Georg Buechner e Gogol, três gênios dramáticos, que não se realizaram inteiramente. Quem há mais? O teatro realista francês, Augier, Dumas Filho, só tem hoje interesse como precursor de Ibsen, que lhe tomou emprestados os processos cênicos e os ambientes burgueses; Hauptmann e Shaw já confessam que o próprio Ibsen foi o ponto de partida das suas obras. Ficam ainda dois grandes nomes: Hebbel e Bjørnson. Em Hebbel a crítica literária reconhece hoje a substância ibseniana, prejudicada pelos artificialismos do epigonismo classicista; Hebbel desapareceu do palco onde apareceu Ibsen. Bjørnson, o patrício de Ibsen, e seu companheiro e inimigo inseparável durante a vida inteira, empalideceu cada vez mais ao lado do rival maior; dia virá – já veio talvez – em que a vida e a obra de Bjørnson servirão apenas para esclarecer melhor a vida e a obra de Henrik Ibsen”.

O genial dramaturgo participa de todas as virtudes (e dos defeitos também, claro) do seu século. Um século, o XIX, que se orgulhava de ser o “século da ciência e da técnica”. Ibsen se preocupava com as descobertas da ciência, com as maravilhas e as angústias que os processos científicos provocam, e tinha a esperança, em razão das intervenções da ciência, num futuro melhor para a humanidade. E aqui jogo luz sobre a peça “Um Inimigo do Povo”, de 1882, cujo protagonista é um médico local que casualmente descobre e investiga a contaminação das águas de um balneário de uma pequena cidade norueguesa.

O médico imagina ser aclamado por haver descoberto, através da ciência, a verdade. Por salvar a todos, locais e turistas, da infecção/doença generalizada. Mas “algo” fala mais alto. Do negacionismo a outros interesses menos confessáveis. Os habitantes se viram contra ele, o “inimigo do povo”. E a desgraça, individual e coletiva, está feita. Pelo menos para os de bom-senso, lembrando que a ciência, dizia o nosso Rubem Alves (1933-2014), nada mais é que o bom-senso organizado.

Se evitar contaminação e doenças parece bom-senso – pelo menos para os de bom-senso –, isso não se mostra tão óbvio para aqueles outrora chamados de fanáticos loucos, e hoje, eufemisticamente, apenas apelidados de negacionistas.

Se na fábula de Ibsen foi assim, hoje, quem alerta para a gravidade da nossa situação sanitária, para o número absurdo de mortes, para o charlatanismo de remédios ineficazes, para o impacto atual e futuro da política/visão negacionista, inclusive sob o ponto de vista econômico, é taxado por alguns de torcer pelo “quanto pior, melhor”, pelo “vírus” ou de outras baboseiras/loucuras mais. É luta.

Afirmar a dura verdade e a ciência, ou simplesmente o bom-senso organizado, nos torna “um inimigo dos loucos”.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 26/09/2021 - 08:42h

Rebeca não tomará vacina

Menina sendo vacinada, vacina, ilustração, criança e vacinaPor Inácio Augusto de Almeida

Quem é Rebeca?

Rebeca é uma menina pobre que sempre aparecia pedindo comida, chinelo e roupa usada. Tinha um olhar angelical num rosto marcado pela fome. Os seus cabelos finos fios de arame.

Na boca o riso dos inocentes.

Faz tempo que Rebeca não aparece e o meu egoísmo impediu de saber onde Rebeca mora. Eu até perguntei, mas ela dizia que era muito longe. E assim a minha curiosidade morria. Morria facilmente, porque na realidade eu queria mesmo era amortecer a minha consciência.

Um dia dei a Rebeca um caderno, um lápis e um livro infantil cheio de figurinhas. Seus olhos de anjo encheram-se de brilho.

Observei que Rebeca olhava apenas as figurinhas.

Rebeca deixou de aparecer e fiquei imaginando que isto aconteceu porque a Assistência Social estava ajudando a família dela.

O que a gente não é capaz de fazer para tentar enganar nossos sentimentos?

Vejo que estão anunciando vacina para jovens. Em breve chegará a vez da Rebeca se vacinar.

Penso em ir pegar a Rebeca, menina com olhar de Santa, para levá-la ao centro de vacina.  Nesse momento lembrei-me o quanto fui egoísta nunca tendo ido até a casa da Rebeca.

Quantas crianças pobres como ela, em Mossoró, ficarão sem vacina por total falta de recursos para pagar o transporte para si e para o responsável que autorizará a aplicação da vacina?

Como Rebeca vai conseguir dinheiro para quatro passagens se dinheiro não para comida, calçado e roupa?

Rebeca não será vacinada.

E todos rezarão por Rebeca.

Somos cristãos.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 26/09/2021 - 07:10h

Um icônico referencial cultural na serra do Martins

Por Marcos Pinto

“…Falar  de  coisas   que  só  batem  nos  que

Conjugam   a  metáfora  do  peso  dos  anos”.

(José   Sarney).

Nada  mais  impressionante  na   região  do  alto  Oeste  potiguar  do  que  a  fantástica  serra  do  Martins,  cuja  denominação  toponímica  atrela-se  ao  seu   fundador  Francisco  Martins  Roriz.  Suas  matas  nativas  revelam  mistérios  circundantes,  aromatizados  por  clima  ameno, instigante   e  salutar,  emoldurando   misterioso  e   sepulcral  silêncio.

As  suas  contagiantes  belezas  naturais  tem  proporcionado  o  surgimento  de  expressivas  intelectualidades  em  todos  os  contextos  dos   valores  humanos   do  país.  Desde  os  primórdios,  evidencia   a  rubrica  de  ser  feudo  e  celeiro  de  intelectuais.

Júnior Marcelino, densidade intelectual sem afetação e zelo pela cultura e conhecimento (Foto: reprodução BCS)

Júnior Marcelino, densidade intelectual sem afetação e zelo pela cultura e conhecimento (Foto: reprodução BCS)

Sobressai-se   como  manancial  de  valorosos  homens e  indômitas  mulheres,  enchendo  de  vivas  ações  de  acentuado  cunho  espiritual  as   páginas  que  marcam  os  anais  da  sua  arraigada   história.  A  sua  vasta   panorâmica  sociocultural   embeleza-se  pela  correção  da  linguagem  a  colorir  os  pensamentos  do  seu  pacato  e  hospitaleiro  povo.  Revela-se  numa  tessitura  simples   e  natural, ao   todo  desprovida  de  apelos  eruditos.  Sob  estes  matizes  envolventes, surge  a  cativante  e  referencial  figura  humanista  e  icônica  em   intelectualidade,  de  nome  Júnior Marcelino.

Homem  de  profunda  fé  e  sólidas  convicções  religiosas, características  peculiares  que   induziram  os  seus  amáveis  genitores  a  encaminhá-lo   ao  famoso  Seminário  Santa   Terezinha,  em  Mossoró-RN, lá ele  amealhou vastíssimos  conhecimentos  em  Humanismo, Classicismo, Geografia  Histórica  e  História  local,  Genealogia, Corografia, Ordenamentos  Políticos  e  Jurisprudência.  O  renomado  Seminário  foi  a  fonte   primordial  e  precípua  da  sua  sua  imensurável  e  respeitável  erudição.

Nesta  conspícua  instituição  eclesiástica  foi  aprovado  com  destaque e  Grau  Superior  em  todas  as  matérias:  Latim, Leitura, Canto, Gramática, Missa  e  demais  cerimônias.  O  Consuetudinário  e  metódico  rigor  aplicado  no  desenvolvimento  espiritual  dos  notáveis  Seminaristas  incluía  matérias  de  casos  de  consciência  e  dos  sacramentos   contidos  na  famosa  Obra  litúrgica  denominado  de  “Breviário”  e, também,  o   “Manual dos Confessores”,  do   Aspilcueta   Navarro.

Pela  sua  acentuada  desenvoltura  intelectual,  deve  ter  participado  das  percucientes  e  famosas  “Visitações Pastorais”,   do  eminente  e   reverendíssimo  Bispo  Diocesano  da  sua  contemporaneidade  de  admirável  seminarista, época  em  que  era  comum  o  vestir-se  com  batina  preta, o  que  imprimia uma  circunspecta  impressão  visual   litúrgica.

Apesar  das  culminâncias  intelectuais  e  espirituais  condensadas  no  seminário,  o  jovem  seminarista  não  resistiu  aos  encantos  de  uma  recatada  e  competente  professora, visão  alicerçada  em  seu  espírito  durante  suas  férias  de  final  de ano,  em  sua  amada  e  nunca  esquecida  Martins.  O  coração  falou  e  calou  mais  alto.

Após  longa  explanação  ao  seu  genitor   quanto  às  razões  de  cunho  sentimental,  de  certa  forma  inesperado, da  sua   firme  decisão  de  desistir  da  sua  iminente  ordenação  sacerdotal, teve  incontinenti  acolhida  do  seu  compreensivo  genitor.  Desfecho  com  emblemático  consórcio  matrimonial  com  a  ditosa  e  elegante  mestra  Perpétua.

Com simplicidade  e  modéstia, criou  e  instalou  em  sua  residência  um  vultoso  museu   com  relevante  acervo  de  fósseis  animais  milenares, destacando-se  como  sendo  o  único  do  estado  do  Rio  Grande  do  Norte  que  tem  em  seu  acervo  um  osso  fóssil  constitutivo  da  mandíbula  do  Mamute,  o  ancestral  do  Elefante.  Como  intelectual  polivalente,  desfruta  de  largo  prestígio  em  todos  os  segmentos  sociais  e  administrativos  do  Estado  do  RN,  e   também  em   âmbito  nacional.

Tudo  em  decorrência  do  seu   arquétipo. Homem  atuante,  embora  comedido. Liberal  sem  demagogia, tradicionalista sem  fanatismo;  construtivo  sem  imprudência.

Impelido  por  um ardoroso  ânimo  de  trabalho,  sabe  aproveitar  as  oportunidades  na  consecução  dos  virtuosos  propósitos.  Sou  testemunha  da  austeridade  e  probidade,  perenes  e  inexpugnáveis  em  seu  “modus  vivendi”, repudiando   tenazmente  o  chamado  e  detestável  ‘culto à personalidade’, configurador  de  asqueroso  vedetismo.

Nunca  se  deixou  vencer   pelas  circunstâncias  adversas, sempre  vencendo  as  barreiras  do   desânimo.  Como  “cultor  da  história”,  lança  mão  do que  tem  na  memória  para  vestir  suas  ideias  acerca  do  processo  evolutivo  da  sua  amada   terra   natal.  A  sua  excepcional  simplicidade  de  estilo  desperta   intensa   empatia, dado  o  seu  boníssimo  coração.

O  nobre  amigo  Júnior Marcelino   contextualiza-se  na  assertiva   de  que  é  uma  pessoa  brilhante, discreto,  justo,  sempre  intervindo  com  maestria  nos  momentos  mais  difíceis  da  pesquisa  em  vetustos  documentos   cartoriais  ou  eclesiásticos.

Visitar  a  inesquecível   cidade  de  Martins  e  não  procurar  conhecer  o icônico intelectual  Júnior Amorim equivale  a    ir  a  Roma   e  não  ver  o  Papa.

Habemus Junius Marcelinus!

Inté!

Marcos Pinto é advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 26/09/2021 - 06:18h

Guia turístico

Por Marcos Ferreira

Seja bem-vindo. Esta é Mossoró, a minha cidade. O ‘minha’, claro, é mera força de expressão; mais pertenço que possuo. Bom, eis a famosa Mossoró, terra da liberdade, conforme apregoam há quase um século. Município este que, segundo a lenda, expulsou o destemido Lampião e justiçou o também cangaceiro Jararaca quando os fora da lei invadiram esta província lá pelos idos de 1927.

Particularmente, embora os doutores do cangaço torçam o nariz, não me orgulho nem um pingo dessa história de brabeza de Mossoró. No fim das contas, depois de tanta chuva de bala, os bandoleiros dominaram esta comuna na trincheira da cultura. Sim.

Mossoró em um trecho do seu centro urbano, com destaque à Capela de São Vicente (Foto: Giovanni Sérgio)

Mossoró em um trecho do seu centro urbano, com destaque à Capela de São Vicente (Foto: Giovanni Sérgio)

Hoje ninguém mais fala nos resistentes, mas tão só no bando de salteadores. Olhe ali, por exemplo, o espaço denominado Arte da Terra: dois bonecos gigantes de Lampião e Maria Bonita bem na frente, dando boas-vindas.

Isto sem falarmos num Memorial da Resistência que não resistiu à tentação de oferecer mais destaque aos invasores do que aos defensores. Hoje em dia, sendo otimista, talvez apenas uma dúzia de nomes que defenderam este fim de mundo à época do ataque ainda seja lembrada pelos mossoroenses de um modo geral, como o então prefeito Rodolfo Fernandes. Pudera, trata-se do prefeito.

Outra coisa. Jararaca, ferido com um balaço e enterrado ainda vivo no São Sebastião, de acordo com alguns historiadores, foi alçado à condição de santo milagreiro pelo povo desta cidade e adjacências. É o que estou dizendo. O sujeito passou de facínora a santo da noite para o dia. A sua cova no São Sebastião é simplesmente a mais visitada no Dia de Finados. Já o túmulo do herói Rodolfo Fernandes, sepultado no mesmo cemitério, salvo exceções, ninguém sabe onde fica.

Aquele prédio imponente ali era o glorioso Cine Pax, ora transformado em loja de roupas. Foi inaugurado em janeiro de 1943 e funcionou por mais de seis décadas. Fechou de vez as portas no ano de 2008, se não me engano. Assisti a ótimos filmes nesse importante símbolo da vida cultural mossoroense. O ponto alto do fim de semana das pessoas do meu tempo era ver um filme no Pax.

Cuidado com a moto! Melhor subirmos na calçada. Nosso trânsito é um bicho traiçoeiro. Aqui não se pratica direção defensiva, mas predatória. Alguns donos desses carrões, sobretudo, só faltam passar por cima da gente. Parece até que eles têm aversão a pedestres, a ciclistas e motociclistas. Tipos arrogantes, tanto os condutores dos carrões quanto os motoqueiros. A maioria vira para um lado e para o outro sem ligar a seta. Em especial os referidos donos dos carros luxuosos.

Está quente, não? Pois bem, meu amigo. Mossoró, entre outras características, é a terra do calor, do siroco em tardes mormacentas como esta e de eventuais madrugadas com uma cruviana gostosa. Durante o inverno, quando há, é uma maravilha, apesar do Centro alagar com facilidade. As noites costumam ser bastante aprazíveis, e os bairros periféricos ficam cheios de cadeiras nas calçadas.

Esta é a Praça Vigário Antônio Joaquim. Mas o busto do vigário se encontra escondido naquela pracinha ao lado da Catedral de Santa Luzia. Por incrível que pareça, a enorme estátua que você está vendo no centro da Praça do Vigário não é do vigário. Esse é um monumento em homenagem ao ex-prefeito desta urbe e ex-governador do Rio Grande do Norte Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, que morreu no auge da carreira política em acidente aviatório no ano de 1951.

Como eu disse, ali é a Catedral de Santa Luzia, onde os fiéis curvam os joelhos com peditórios ao Todo-Poderoso. Em geral, apesar da nossa estatística de homicídios ser uma das maiores do planeta, o mossoroense é um povo religioso, com supremacia católica. Aqui predomina a política do olho por olho, dente por dente, contudo as pessoas morrem de medo de ir parar no Inferno. Então, como se buscassem uma espécie de habeas corpus celeste, correm para os pés de Jesus.

Vamos para o outro lado. Que calor, hein? Mossoró não é para amadores, nem para turistas desavisados. Beba sua aguinha gelada, se ainda estiver gelada. Ali é o Mercado Central, primeiro shopping de Mossoró. Eu e meus irmãos ficávamos animadíssimos quando chegava o domingo e meu pai nos trazia, antes do sol raiar, para fazermos algumas compras no Mercado. Era uma festa!

Tempos idos e vividos. Tenho saudades de muita coisa daquela época, embora o pão fosse tão caro e a liberdade pequena, como no poema do Ferreira Gullar. Hoje, entretanto, o pão voltou a custar muito caro, e a liberdade vive sob constante ameaça, se me faço entender. Mas voltemos ao pujante Mercado de outrora. Fico com a boca cheia d’água só de me lembrar do pastel quentinho, feito naquela horinha, que a gente devorava com um copázio de vitamina de abacate.

Quando não era uma abacatada com pastel, traçávamos uma panelada com molho de pimenta-malagueta. O bucho ficava em tempo de espocar, e o suor porejava na testa. “Caiu na fraqueza”, dizia meu pai caçoando de mim e dos meus irmãos. De outra feita, menino já taludo, trabalhei algumas vezes no entorno do Mercado, pastorando as bicicletas da clientela para descolar uns tostões.

Agora quero lhe mostrar o Teatro Municipal Dix-huit Rosado, suntuosa construção que homenageia outro político da tradicional família Rosado e também ex-prefeito desta província, morto no ano de 1996. Jerônimo Dix-huit Rosado Maia, isso é algo fácil deduzir, é irmão do ex-governador Dix-sept Rosado, cuja impressionante estátua, como o senhor constatou, se encontra no meio da Praça do Vigário. Aí está, portanto, o Teatro Municipal, palco da cultura mossoroense.

Veja aquela casa de drinques do outro lado da rua, na Avenida Rio Branco. Ali, durante uns bons anos, funcionou a Livraria Café & Cultura. Lugar excelente, ponto de encontro da intelectualidade local. Escritores, jornalistas, poetas, historiadores, médicos, advogados, professores, juízes, arquitetos, artistas, enfim, toda uma constelação pensante ocupava as cadeiras e mesas da Café & Cultura.

Era uma livraria como hoje não mais existe neste município, administrada e mantida pela senhora Ticiana Rosado. Nesse endereço, permita-me a autopropaganda, fiz o lançamento da primeira edição do meu livro de poemas A Hora Azul do Silêncio, que contou com público expressivo. Foi no ano de 2006.

Atualmente, ouso dizer, no tocante a uma livraria de verdade, com amplo acervo de autores e obras, disponibilizando um bom café para a clientela, estamos órfãos.

Bem, acredito que o senhor está cheio desse papo de letras. Vamos agora a um reduto não menos cultural e emblemático desta aldeia: o Alto do Louvor. Já ouviu falar no Alto do Louvor? Não?! Então, meu caro, apresentá-lo-ei, como diria, cheio de mesóclises, o missivista federal Michel Temer. Trata-se do berço recreativo e sifilítico deste fim de mundo. Mal comparando, vir até aqui e não conhecer o Alto do Louvor é mais ou menos como você ir a Roma e não ver o Papa.

Alto do Louvor é a nossa extinta zona de meretrício. Muitos dos nossos ilustres e respeitáveis homens (não foi o meu caso!) foram iniciados sexualmente nesse antro do amor remunerado. O antes glamouroso Alto do Louvor fechou as portas há muito, porém a lenda das suas casas de tolerância e mulheres de vida nada fácil sobrevive até hoje no imaginário popular como uma ferida benigna.

Beba mais água. O senhor está ofegante.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 19/09/2021 - 15:16h

À presença do ‘Seu’ Chico Honório

Imagem de um homem tentando escrever no notebook, olhando à janela, copo com água, óculos,Por Carlos Santos

Para Honório de Medeiros, meu irmão!

Sua crônica (veja AQUI) desse domingo (19) transportou-me no tempo e espaço.

Devolveu-me à presença do seu pai, ‘Seu’ Chico Honório. Até o “Carlinhos” à boca, que não me deixava envelhecer, voltou.

Há pouco mais de dois anos e quatro meses eu consegui a duras penas escrever sobre o meu velho (Um beijo para dizer que “te amo”). Mas, sobre dona Maura, não.

Olhe que já tentei. Parei, mas não desisti.

Em algum momento, passados quase 12 anos, ela vai me inspirar – como sempre o fez.

Não chegou o momento.

Preciso pacientar mais um pouco.

Carlos Santos é editor do Canal BCS – Blog Carlos Santos

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domingo - 19/09/2021 - 12:44h

Duas cabeças da justiça

Por Marcelo Alves

Embora seja sua face mais brilhante, no que toca à presença do direito, não é só de Franz Kafka (1883-1924) e do seu “O processo” (1925) que é feita a literatura em língua alemã. Outros rostos devem ser iluminados, como o de Jakob Wassermann (1873-1934), em especial pelo seu romance “O Processo Maurizius” (1928).

Jakob Wassermann nasceu em Fürth, cidade industrial próxima de Nuremberg, na Alemanha. Era filho de modestos comerciantes judeus. Abandonou o comércio e foi viver sua juventude aventureiramente. Começou a escrever artigos, contos e pequenas novelas. Era um democrata. Como judeu, sofreu bastante com o antissemitismo da época. Com o nazismo, foi para o exílio, sendo também destituído de sua cadeira na então Academia Prussiana de Letras. Faleceu em Alt-Aussee, na Áustria.Anton Reiser_ Ilustração de Pedro Franz

Wassermann é considerado um representante maior da ficção psicológica. Seu primeiro romance foi “Os Judeus de Zindorf”, de 1897, no qual ele trata da história judaica na Alemanha, o que vem, claro, a ser uma temática comum nos seus primeiros textos. Mas é sobretudo uma “segunda fase” na carreira literária de Wassermann que nos interessa, esta focada na relatividade e nos problemas da Justiça.

Começa com “Caspar Hauser ou A Preguiça do Coração”, de 1900. E “Christian Wahnschaffe”, de 1918, obra já à moda de Dostoiévski (1821-1881), coloca seu nome definitivamente nos círculos intelectuais de então.

É dessa segunda fase, já em 1928, a sua obra-prima “O Processo Maurizius”, que, em síntese, cuida da estória de um erro judicial e do empenho de um jovem idealista (Etzel Andergast) para libertar o homem (um tal Otto Leonardo Maurizius, que dá título à obra) condenado injustamente, há quase duas décadas, à pena de prisão perpétua, pelo seu próprio pai (o íntegro promotor/magistrado Wolf Andergast).

O jovem Etzel não admite o contraditório. Ele quer a justiça perfeita (e ela existe?) em lugar da justiça possível. E, sobretudo, sua luta padece de uma ilegitimidade original: sua motivação principal não é fazer justiça, mas se vingar do pai, a quem atribui os males do mundo, inclusive os padecimentos da mãe adúltera.

Para o direito, “O Processo Maurizius” é interessante por incontáveis aspectos.

De logo, segundo registra a minha edição do dito cujo (Abril Cultural, 1982), “o romance constitui um soberbo retrato da época da República de Weimar”, e sabemos nós a importância dessa república na história do direito, sobretudo pela sua célebre Constituição, tida pioneira na previsão dos direitos fundamentais sociais e cujo legado acabou se espalhando mundo afora.

Ademais, é obra inspirada por um grande senso ético e de Justiça (perfeita ou imperfeita). Como anota Otto Maria Carpeaux (1900-1978), em “A história concisa da literatura alemã” (Faro Editorial, 2013), trata-se de “um romance deliberadamente tendencioso, ético, como o são de tendência ética todos os grandes romances da literatura universal”. E mais: “Der Fall Mauritius [seu título no original] precede por pouco a ruína da sociedade alemã pelo nazismo”.

Não obstante as nuanças da trama, sobretudo as motivações e intransigências das personagens, “O Processo Maurizius” deve ainda ser interpretado como uma advertência – e mais do que isso, como um libelo – contra o erro judiciário, que é tão desprezado por um certo grupo de pessoas, sejam juristas ou só idiotas da aldeia, que passam a vida ruminando ódio. Erro judicial, proposital ou não, isso não importa, devemos repeli-lo, já que ninguém – ninguém mesmo – deve ser condenado, assim privado de sua liberdade, ainda mais levado à morte (da qual, que eu saiba, não há volta), injustamente.

Por fim, de interesse mais geral, temos os aspectos geracionais e os motivos psicológicos que condicionam a trama/processo, condições que o autor conhecia e fabulava tão bem.

Duas mentalidades. Duas motivações. Duas faces da Justiça? Dois direitos? E tudo forjado por um drama familiar na forma de diversos conflitos. Mas isso aí já lembra outro grande russo, Tolstói (1828-1910), e a sua Ana Karênina (1877): “Todas as famílias felizes são iguais, mas as infelizes o são cada uma à sua maneira”.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 19/09/2021 - 09:38h

Sonhos de criança

Por Odemirton Filho 

De vez em quando vem à memória os sonhos acalentados na infância. Uns, foram concretizados, outros, continuam guardados no coração.

Quando eu era criança, enquanto comia as seriguelas verdes no quintal da minha casa, lá na rua Tiradentes, sonhava em trabalhar na Petrobras e ter um Jeep Willys preto, equipado com som, um santo Antônio e “rodão”.sonhar-com-criança

Estudava no Colégio das irmãs. Toda quinta-feira a turma cantava o Hino Nacional no pátio da escola, antes de assistir às aulas. Diariamente íamos rezar na capela, sob o olhar atento de irmã Aparecida. Eu gostava mesmo era do recreio. À tarde, praticava educação física com o professor Pereirinha e tentava jogar basquete.

Não era, nem sou, como o nosso escritor e poeta Marcos Ferreira, um craque no jogo de voleibol e na construção de belos textos.

Na infância, cheguei a andar no trem da estação de Mossoró. Lembro-me, também, dos velhos armazéns, prédios caindo aos pedaços, ali, na avenida Alberto Maranhão.

Gostava de ver o desfile na noite do dia trinta de setembro. Tinha de preguiça de acordar cedo para ver o desfile na manhã do dia 07. Algumas vezes cheguei a desfilar. Era bacana a disputa entre as fanfarras das escolas. Admirava o desfile da Polícia Militar, do Tiro de Guerra 07-010 e dos maçons vestidos com os seus paramentos.

Quando eu era criança, como todos os garotos, queria ficar adulto, nem sabia que a maturidade traz inúmeros problemas e decepções. Eu sonhava alto, embalado pelos desejos de minha meninice.

É. Não trabalhei na Petrobras. Aliás, nunca tentei ingressar em seus quadros de empregados. Mas, quem sabe, eu ainda realize parte do meu sonho de criança e compro um Jeep Willys preto, equipado com vários acessórios. Ah, como seria massa.

Afinal, diria Dostoiévsk, “o sonhador remexe nos seus antigos sonhos, como se ainda procurasse no rescaldo uma centelha, uma só, por pequena que fosse, sobre a qual pudesse soprar, e com a nova chama assim ateada, aquecer depois o coração gelado e voltar a despertar nele o que dantes lhe era tão querido”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 19/09/2021 - 08:34h

De uma quieta tendência a negar o barulhento mundo

Por Honório de Medeiros

Enrique Vila-Matas, em seu inigualável Bartleby e Companhia, chama-nos a atenção para os “seres que imitam a aparência do homem discreto e comum” no qual “habita, no entanto, uma inquieta tendência à negação do mundo.” Estranha, mas compreensível pulsão!Silêncio, cadeira, mansisão, vazio, calma, paz, enigma,

Isso me conduz à lembrança de meu pai e seus silêncios, sua deliberada omissão em falar acerca do seu passado, seu instintivo jogo retórico no qual se escudava para evitar qualquer manifestação que implicasse em juízos de valor, sua disponibilidade convidativa para escutar quem lhe procurava, ao mesmo tempo em que levava o interlocutor a expor a própria alma, enquanto a dele permanecia resguardada.

Profundamente quieta era sua negação do barulhento mundo, sob o manto da discrição e das palavras comuns, triviais, incolores de tão banais, tudo sabiamente usado. Uma sábia estratégia.

Hoje percebo, enquanto cuido de ir fechando o balanço de minha vida: em certos e raros instantes, uma sóbria colocação de sua parte estabelecia um silêncio que era um golpe profundo na ordem circunstancial das coisas. Feito isso, se recolhia, e voltava à aparente reserva plácida de sempre.

E eu, e nós, que sempre o achamos tão comum! Quanto engano. Como poderia ser assim, ele que sempre foi um sobrevivente, que viveu tantas guerras inglórias e só aparentemente insignificantes?

Quanta arrogância, a nossa, em pensar que podemos conhecer algo ou alguém em profundidade!

Meu pai, aparentemente, sabia muito e percebia que não valia a pena que o ninguém soubesse disso. Ou, então, pensava que saber era um caminho único, áspero, mas intensamente solitário.

E assim viveu seus anos, principalmente os últimos, envolto nesse manto de humildade intelectual que era uma consequência de seus questionamentos mais íntimos, nunca uma predisposição, um intuito hipócrita de galgar atenção.

Quando faleceu, como que despertando de um sonho iniciei a longa caminhada em busca de compreendê-lo, analisando suas palavras e posturas mas, principalmente, seus silêncios tão plenos de uma anônima rica vida interior.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
domingo - 19/09/2021 - 07:52h

Crepúsculo do domingo

Por Marcos Ferreira

Meu muro frontal é baixo, conforme declarei num texto publicado não faz muito tempo. Deito os olhos no comprido da rua. O domingo boceja sob um manto de arrebol. O domingo vai saindo de cena feito um velho exausto. Sim, examino esta estreita e esburacada Euclides Deocleciano à hora do crepúsculo. Para ser mais dramático, talvez à maneira de um poeta parnasiano, digo que o domingo está morrendo, agonizando em lânguidos raios sanguíneos na linha do horizonte.

Já não mais é tarde nem ainda é noite. Há um impasse entre o claro e o escuro. O tempo se encontra momentaneamente enguiçado no lusco-fusco, todavia pende devagarinho para os braços da noite. Assim mesmo nos restam uns retalhos de claridade solar. Os tensos postes desta via, como militares em fileira, continuam apagados. Logo, entretanto, acenderão as suas fortes luminárias de led.gato debaixo de pano

Não há cadeiras nas calçadas. Suponho que meus vizinhos esticaram a sesta, estão ocultos em suas casas, possivelmente deitados, curtindo o ócio após uma semana puxada. Sobretudo as donas de casa, que parecem nunca ter descanso, reféns da herança maldita das infindáveis tarefas domésticas. É injusta, machista, essa cultura que impele as mulheres aos afazeres do lar, enquanto a marmanjada assiste a futebol na televisão, no bem-bom do sofá, de uma cama ou de uma rede.

O vento açoita as acácias, derrubando folhas secas; ergue poeira dos paralelepípedos sujos e tortos. Dois vira-latas brincam de gato e rato, gozando da ausência de veículos. Só agora, a propósito, surge uma picape de vidros fumês. Os cães suspendem a brincadeira por um instante e a retomam logo após. A seguir um levanta a perna e urina ao pé do poste sobre a calçada da senhora Raimunda.

Os pássaros começam a se recolher na mangueira aos fundos. Uns quatro morcegos dão voos rasantes de uma ponta à outra do meu quintal, passam raspando sobre o muro, ganham o espaço aéreo da rua e, audazes, repetem essa e outras manobras arrojadas. Onde estão as andorinhas? Alguém sabe dizer? Nem sei a última vez que as avistei. Este céu sem andorinhas é como um mar sem o sobrevoo de gaivotas. Sequer há pombos. Noto que os pombos também andam sumidos.

A senhora Raimunda surge na calçada com uma vassoura. Põe-se a varrer a cerâmica rústica. A poeira sobe. Alguns minutos depois, quiçá ofegante, interrompe a varrição. Olha para um lado e outro, porém não se dá conta da minha espreita. Percebe que um motoqueiro se aproxima e volta para dentro. Ela sabe que há ocorrências de assaltos no bairro. Agora surgem dois gatos no terreiro de Cristina, a vizinha aqui defronte. É um bichano amarelo e o outro é um cinza felpudo.

Após farejarem e demarcarem o perímetro, os cachorros dobraram a esquina da lanchonete de Zecão. Nenhum possui coleira. Possivelmente alguém lhes reivindique a tutela, contudo vivem soltos. São animais dóceis e ordeiros. Exceto por alguns sacos de lixo que, vez por outra, aparecem rasgados nas calçadas. Semana passada, por exemplo, ouvi a senhora Raimunda contrariada por causa disso.

— Que cachorros safados! — ralhava sozinha.

O vento assobia. Às vezes semelha um uivo nas rótulas das portas e janelas; ergue a areia das pedras, desacata os ramos das árvores e os fios do posteamento. O bairro inteiro parece imerso numa atmosfera modorrenta. Os rádios estão mudos. Por incrível que pareça, não ouço os aparelhos de som executando o nauseante gosto musical de alguns cidadãos. Tenho estômago fraco para certos sucessos gritados por uma récua de cuspidores de microfone que se consideram artistas.

Neste momento são os gatos que aproveitam a ausência daquela dupla de vira-latas brincalhões. Os felinos, como é típico da espécie, também brincam, encenam um combate inofensivo. Um salta sobre o outro, rolam pelo chão. O amarelinho, um tanto menor, dá um zapetrape no cinza, que reage da mesma forma. A senhora Raimunda retorna à calçada, posto que o motoqueiro vai longe.

Vem outro carro. Passa devagar. Os gatos sobem a calçada. A senhora Raimunda não receia o condutor do automóvel. Decerto acredita que indivíduos atrás de um volante não cometem crimes à mão armada, só os que pilotam motocicletas. É verdade, seja dito, que pouco se tem notícia de assaltantes guiando carros. A predominância (e daí advém o preconceito) é dos criminosos sobre motocicletas. Eu mesmo presenciei um vizinho sendo pilhado aqui diante do meu portão.

Dois sujeitos armados tomaram a carteira e o celular do homem. Fiquei me tremendo do lado de cá do muro. Recordei que trinta anos atrás sofri esse tipo de violência. Novamente dois bandidos. Um deles (ambos estavam encapuzados) botou o revólver atrás da minha cabeça. Nessa ocasião sequer me assustei. Horas depois, porém, bateu aquele mal-estar, uma sensação de quase morte.

Enfim os postes acenderam. Os morcegos intensificam as acrobacias aéreas. É incrível como não esbarram em nada. Ainda não são dezoito horas. Está próximo da noite se configurar. Pouco a pouco, em pontos esparsos, vão surgindo alguns moradores. A rua vai ganhando vida. A senhora Raimunda já se encontra sentada numa cadeira na calçada, em companhia da nora Navegante, também numa cadeira de balanço, tendo sobre o colo sua pequena e mimada cadela Pretinha.

Dentro de minha casa já está escuro. Penso em acender as luzes, no entanto me detenho por mais uns minutos observando a paisagem da Euclides Deocleciano. Zecão aparece na calçada, nu da cintura para cima, trajando bermuda estampada e sandálias de borracha. Hoje, pelo que percebo, não abrirá a lanchonete. Será que tem jogo do Flamengo? Sim, ele é flamenguista, e do tipo apaixonado.

Chega a ser divertido ouvi-lo torcendo em dia de jogo. É um show à parte. Se o time está perdendo ou no sufoco, xinga os jogadores, critica o técnico, esculhamba o juiz, larga um palavrão aqui, outro acolá. Ninguém se aborrece com Zecão. Os vizinhos gostam dele. Inclusive eu, que nutro, digamos assim, uma simpatia pelo rubro-negro. Isto, devo dizer, sem nunca ter vestido uma camisa do Flamengo. Só me interesso mesmo se o time já estiver na iminência de ser campeão.

O domingo está praticamente liquidado. Volto para dentro e acendo as luzes. Minha gata Gudãozinho ronrona aos meus pés. Olho a panelinha dela e coloco mais um pouco de ração. Sento à mesa e tento finalizar esta crônica crepuscular de modo a compensar o tempo empregado pelas senhoras e senhores. Eis um final nada brilhante, mas é o que eu tenho para hoje. Zecão acabou de gritar gol.

Com licença. Vou dar uma olhadinha no jogo.

Marcos Ferreira é escritor

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sábado - 18/09/2021 - 09:18h
Filhos

Crônica para dizer que quero bem

pai e filho, mãos, adulto e criançaCrianças, a gente vibra com o engatinhar.

Qualquer macaquice e achamos o máximo.

As primeiras palavras ininteligíveis ecoam como sonata.

Na escola, na vida, nos passos que dão longe de nós, um misto de temor e alegria.

Crescem e continuamos bobos.

Filhos – agora – somos nós.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 12/09/2021 - 15:38h

O amigo José Augusto Delgado

Por Ney Lopes

Faleceu (veja AQUI) o conterrâneo e amigo José Augusto Delgado, 83, ministro do STJ e magistrado exemplar.

Nasceu no município de São José do Campestre-RN, em 7 de junho de 1938, filho de João Batista Delgado e de Neuza Barbosa Delgado.

O ministro iniciou sua carreira de magistrado em abril de 1965, assumindo o cargo de juiz de Direito na Comarca de São Paulo do Potengi (RN).

José Augusto Delgado é potiguar de origem, tendo nascido em São José de Campestre (Foto: arquivo)

José Augusto Delgado é potiguar de origem, tendo nascido em São José de Campestre (Foto: arquivo)

Com 10 anos na magistratura estadual, o ministro Delgado foi indicado, por merecimento, para o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), mas o governador não o escolheu.

Na época, tinha 34 anos. Em razão de não ter sido escolhido para o cargo de desembargador, fez concurso para juiz federal substituto, tendo sido aprovado em 1º lugar.

O concurso na época era nacional.

Ingressou no STJ em 15 de dezembro de 1995, aposentando-se em 5 de junho de 2008.

Na UFRN exerceu o magistério durante anos, como professor de Direito Administrativo, meu colega, visto que eu lecionava Direito Constitucional.

São inúmeros os trabalhos jurídicos publicados de sua autoria.

Ao aproximar-se a sua aposentadoria, em 2008, foi homenageado com um livro, que traça o seu perfil biográfico, de autoria do colega e amigo Dr. Diógenes da Cunha Lima.

Ficou registrado nos anais do STJ a entrega do gabinete, com quase 120 mil decisões proferidas e menos de 50 processos pendentes.

O livro dá testemunho de uma pessoa profundamente humana, que representa fidelidade, constância, afeto dos familiares.

Amigos há mais de 40 anos, Cunha Lima fala da vida e traça um perfil do ministro José Delgado, a quem considera um vitorioso.

A morte do Ministro Delgado significa uma perda nas letras jurídicas nacionais. Ele, que começou como advogado, dignificou a atividade jurídica e merece o respeito das gerações futuras.

Integrou a Academia Brasileira de Letras Jurídicas, sediada no Rio de Janeiro; a Academia Brasileira de Direito Tributário, sediada em São Paulo; a Academia Norte-rio-grandense de Letras e a Academia Tributária das Américas, como membro do Conselho Honorífico.

Certa vez indagado sobre as coisas de que mais gosta, o ministro Delgado foi direto: do sol de Natal, das praias do Rio Grande do Norte, do sorriso e do amor de Zezé (sua esposa), do carinho dos filhos, da doçura de suas quatro netas, do amanhecer familiar e do abraço dos amigos.

Que Deus o receba na Eternidade!

Ney Lopes é jornalista, ex-deputado federal e advogado

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Categoria(s): Crônica
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 12/09/2021 - 14:16h

O autor e seu processo

Por Marcelo Alves

Há alguns anos estive em Praga. Era minha segunda vez na capital da República Tcheca. Dessa feita, amante da literatura e do direito, decidi visitar um café/restaurante que, me disseram, havia sido frequentado por Franz Kafka (1883-1924). Já não lembro o nome do estabelecimento (e olhem que gosto muito de cafés, bares e assemelhados). Recordo apenas que era fora do miolo turístico da cidade. E, não sei se foi a bebida, um vinho tcheco honesto, tomado à abundância, mas a lembrança que eu tenho do meu encontro com o autor de “O processo” (1925) foi de uma natureza bastante estranha.

Frame do filme "O Processo", de Orson Welles (Reprodução)

Frame do filme “O Processo”, de Orson Welles (Reprodução)

O café estava quase vazio, tirando um ou outro habitué, que parecia estar ali, sem que soubesse o porquê, detido/amalgamado, há mais de um século, à decoração decadente. Foi uma assustadora volta a um tempo já ido, ao qual, mesmo sem ter feito qualquer mal, receei ficar preso eu também. “Sinistro”, como dizem hoje.

Dito isso, posso desenvolver duas ou três ideias sobre Kafka e sua obra. O autor nasceu em Praga, à época parte do grande Império Austro-húngaro. Sua família era judia da região da Boêmia. Falavam alemão e ele assim foi educado. Nunca casou. Diz-se haver simpatizado com o socialismo. Muito importante para nós, Kafka escreveu em alemão. Romances (inacabados) e contos, sobretudo. Seu trabalho mistura o real e o fantástico, beirando o que hoje temos por realismo mágico. Daí decorre haver o termo “kafkiano” entrado nas línguas ocidentais para descrever situações absurdas como aquelas encontradas nos seus textos. Seus principais títulos são “A Metamorfose” (1915), o já citado “O Processo” e o “Castelo” (1926). Faleceu de tuberculose, ainda jovem.

É tido com um dos grandes nomes da literatura alemã e mundial do século passado. Um cult. E a impressão que tenho, quando se fala da presença do direito na literatura alemã, é que nos vem logo à mente Kafka e o seu “O processo”.

Segundo consta, “O processo” foi escrito entre 1914 e 1915, embora só publicado postumamente, em 1925, por iniciativa de Max Brod (1884-1968), também escritor judeu, assim como amigo, biógrafo e executor literário de Kafka.

Basicamente, o livro conta a estória do bancário Jofeph K., que, por um “crime” ou por razões nunca reveladas, nem a ele nem ao leitor, é preso, processado e condenado por um misterioso e inacessível tribunal. É verdade que “O processo” é um livro inacabado, mas um dos seus capítulos também dá a entender que esse foi um dos objetivos – objetivo paradoxal, sem dúvida, como de estilo – do seu autor.

O absurdo existencial é a tônica da narrativa, em meio a sonhos, pesadelos e fatos do cotidiano. A trama é a loucura ou o absurdo, e daí, mais uma vez, enxergamos a consagração do adjetivo “kafkiano”, também para as questões ou os procedimentos do direito.

Na verdade, há várias interpretações sobre esse romance que é considerado uma das obras-primas da literatura alemã. “O processo” é Top 5 entre os romances do século XX, com certeza. Algumas são consistentes; outras, nem tanto. Já se disse, por exemplo, ser ele uma meditação/análise/crítica sobre a burocracia estatal, sobre o totalitarismo, sobre Deus, sobre estados psicológicos, sobre a desesperança e a alienação do homem moderno, sobre a própria vida de Kafka e por aí vai. Cada um desses temas destacadamente ou tudo isso junto e misturado.

Há, evidentemente, interpretações mais pé no chão. “O processo” seria tão somente uma análise, em forma de fábula, sobre instituições – e, em especial, os aparelhos policial e judicial – e sobre a impotência do cidadão em relação a elas. Uma fotografia poética da tão comum absurdez dos processos policiais/judiciais, hoje ditos “kafkianos”, a que são submetidos sobretudo os mais vulneráreis. Uma interpretação, digamos, mais sociológico-jurídica. E bem atual, convenhamos.

E, claro, tem a minha interpretação. Que processa literatura, Praga, um café misterioso, muito vinho e o medo de ficar preso, sem ter feito mal algum, a um passado sem futuro.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 12/09/2021 - 10:46h

Vai chover

Por Inácio Augusto de Almeida

Espio para este céu azulzinho e me avexo.

Tão bonito e ameaçador.

A plantação desde há muito não dá nada, desde a era em que Jesus levou Cecinha para junto dele. chuva, guarda-chuvaAinda me arrecordo dela, tão magrinha, tossindo, tossindo, tossindo. Seus óios crescendo todos os dias como se fossem ficar do tamanho da lua.

Até que um dia ela assossegou pra sempre.

Compadre Bento, que entende destas coisas, me jurou que foi do gosto de Deus, porque se não fosse ela teria ficado junto deu e hoje era uma mocinha.

Se eu tivesse recurso naquele dia para ter levado ela para o Doutor da cidade olhar, talvez Deus tivesse esperado um pouco mais.

Mas eu não tinha dinheiro nenhum e me acanhei de pedir ao Coroné.

Ele já tinha sido tão bom comigo.

Até comprimido de Melhoral ele já tinha me dado para ver se a Cecinha ficava boa daquela tossideira.

Seu vigário me disse que compadre Bento tinha razão.

Cecinha só se foi porque Deus quis.

Se chovesse um bocadinho que fosse eu saía desse aperto. Plantar eu plantei, só falta um tiquinho de água, uma gotinha só.

Mariazinha já está com a mesma tossideira da Cecinha. Dá vontade de chorar, mas não posso chorar.

Me disseram, desde que eu era menino que só servia para apanhar algodão, que sertanejo não chora, que choro fica para quem é do brejo. Mas que sinto uma vontade lascada de chorar, eu sinto, não vou mentir.

Meu coração parece que está sendo cortado por uma peixeira cega.

Dói muito, muito mesmo.

Naquele último ano em que deu safra, foi muito bom.

Eu me arrecordo de que comprei até um vestido novo para a Cecinha.  Foi bom demais, como foi bom.

O homem que veio da cidade comprar as coisas da gente pagava tudo com dinheiro novinho que parecia pão quente que a gente come quando vai à cidade.

Compadre Bento me explicou que o dinheiro estava estalando porque era dinheiro do banco que tinha sido emprestado ao homem para comprar o que a gente tinha apanhado.

O homem só queria comprar tudo barato e terminou a gente vendendo barato mesmo, senão estragava tudo. Mas mesmo destes modes ainda deu pra gente tomar umas pingas na bodega do seu Manuel e ir ver a novena na cidade.

Como a Santa tava bonita e como o seu vigário tava alegre.

Mariazinha continua tossindo, o céu continua azulado, tão azulado como o pano que enrolou Cecinha.

Mas vai chover, se Deus quiser, vai chover.

E Deus é bom.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 12/09/2021 - 08:48h

Bruna fascistinha

Por Marcos Ferreira

Terça-feira passada, feriado do 7 de setembro deste sombrio 2021, por volta das cinco e meia da tarde, eu pilotava a minha Fan 160 em direção à casa de Natália Maia, a quem comecei a namorar justamente num 7 de setembro, e que reside no bairro Aeroporto. Esta última e irrelevante informação me força a revelar (talvez eu devesse dizer relembrar) que moro no conjunto Walfredo Gurgel, no grande Alto de São Manoel, distante sete quilômetros da residência de Natália.

Pois bem. Eu trafegava pela Avenida Augusto Severo e, quando parei no semáforo diante do Teatro Municipal Dix-huit Rosado, eis que a minha moto estancou. Acionei a partida elétrica, porém sem êxito. O sinal ficou verde, o motorista de uma Pajero buzinou atrás de mim, indelicadamente, e precisei descer da moto e sair do meio da rua à pressa. Dirigi-me, então, para o lado da praça.pneu-clássico-da-motocicleta-40392160

Parei junto ao meio-fio. Sob a grande árvore que margeia o canteiro defronte ao teatro, pelos meus cálculos, estavam cerca de dez motocicletas superpotentes, tendo ao lado os seus respectivos proprietários, todos vestidos com trajes característicos desse pessoal que integra algum clube motociclístico.

A uma pequena distância, um tanto constrangido e preocupado com o defeito do meu transporte, estimei que eu não conseguiria comprar uma supermoto daquelas nem que vendesse bem vendida (não vejam isso como coitadismo) a minha humilde residência. De forma alguma. Motocicletas daquele porte e cilindrada, se não me engano, custam até mais caro que um carro popular. Especialmente porque naquele meio se encontravam uns quatro modelos da fabricante BMW.

Bom. Eu tentava fazer a moto funcionar na partida, pois não cogitava a necessidade de fazê-la pegar no empurrão, mesmo porque não sei se alguém estaria disposto a me ajudar a empurrá-la. Daí a pouco notei que duas moças entre os vinte e cinco e trinta anos se aproximaram. A que supus mais velha sentou no banco de alvenaria e a outra ficou em pé perante a que estava sentada. A moça em pé achava-se virada para o meu lado; conversava animadamente com a amiga.

— Então, tá gostando? — indagou ela.

— Eu não sei — respondeu a mais velha.

A moça sentada, a exemplo de outras pessoas à volta, usava a camisa amarela da seleção brasileira de futebol. Foi aí que eu me dei conta de que a maioria daqueles indivíduos na praça defronte ao teatro (uns gatos-pingados) estava no local numa fraca manifestação de apoio ao sujeito da Casa de Vidro.

Quem me chamou realmente a atenção, entretanto, foi a moça de pé diante da que vestia o amarelo-canário. Sim. A moça de pé, que logo depois fiquei sabendo chamar-se Bruna, trajava uma camiseta branca de algodão com o rosto impresso do canalha-mor ladeado por dois fuzis. Vejam que coisa esdrúxula: blusa branca com estampa da fuça do Energúmeno, em tinta preta, adornada por fuzis. Por um instante a angústia pelo defeito da moto se transformou em repulsa.

— Olha, Bruna, eu confesso que pensei que fosse ter mais gente — comentou, desapontada, a garota com a camiseta da Seleção.

É de causar desgosto (estou certo de que não apenas a mim) o modo e circunstância como a camisa da nossa seleção de futebol tem sido usada nos últimos tempos, sobretudo por uma elite golpista e fascista. Não só a camisa, mas também a bandeira nacional, cuja legenda está prestes a ser modificada para “desordem e retrocesso”. Pior que muitos pobres emprenharam pelos ouvidos.

A poucos metros de mim, portanto, com as suas cabecinhas cheias de porcarias politicantes, estavam aquelas duas moças bem-parecidas, de pele branca, cabelos e olhos claros, ambas recrutadas por esse fascismo acintoso que ora toma conta deste país tão rico e com gigantesco número de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, curtindo fome em todos os recantos. Sim! Há muitas pessoas catando comida no lixo, disputando com os ratos. Inclusive em Mossoró.

Eu insistia na partida elétrica, contudo a moto não pegava. Os donos das supermotocicletas já me olhavam de quando em vez. As duas moças papeavam descontraídas, indiferentes ao meu drama automobilístico. Alguns circunstantes agitavam bandeiras do Brasil. Não avistei ali nenhum político desta urbe ou estado, muito menos um pobre desses que passam fome, entre os manifestantes.

— Pouca gente — disse a moça do banco.

— Não sei não, mulher — reagiu a outra.

— Veja isso, Bruna. Acho que não tem cinquenta pessoas nessa praça. Mossoró é fraca demais nessas coisas. Aposto que lá em Natal, em Fortaleza e Recife o negócio tá bombando. Aqui, infelizmente, tá muito fraco.

— É verdade, amiga. A coisa tá fraca, sim. Mas a gente tem que apoiar nosso presidente. Querem derrubar o mito de qualquer jeito. Por mim, amiga, ele mandava o Exército fechar o Senado, a Câmara e, principalmente, o STF, e prender aqueles ministros bandidos. Essa é a vontade, tenho certeza, da grande maioria do povo brasileiro. Mas concordo com você. O movimento tá fraquinho.

— Além disso, mulher, eu só vejo homem feio.

— Eu acho aquele ali, de boné virado, um gato.

— Qual? O alto de regata verde e bermuda jeans?

— Exatamente, amiga. E ele tá olhando pra cá.

— Então vamos mais pra perto dele, mulher.

— Vamos sim, amiga. Mas disfarça, por favor.

Felizmente, apesar de todo o cerco, rompantes e aspirações fascistoides dos bolsopatas na Praça dos Três Poderes no último dia 7, o Senado, a Câmara Federal nem o STF foram fechados. Nem haverão de ser. A nossa ainda jovem democracia há de resistir a esses fanáticos e maus-caracteres que apregoam a volta da ditadura militar. O verdadeiro Brasil voltará aos trilhos nas eleições de 2022.

As duas moças saíram de mansinho em direção ao suposto gato. Observei ainda que Bruna fascistinha, de pernas benfeitas e saia verde-amarelo, usava um par de botas pretas de cano comprido que mais pareciam coturnos.

Enfim, após várias tentativas, a moto pegou, e eu segui viagem. Penso agora que esta crônica poderia ser unicamente sobre os seis abençoados anos do meu relacionamento com a minha adorável noiva Natália Maia. Entretanto, como vocês viram, surgiu essa Bruna fascistinha no meio do caminho e roubou a cena e o tema. Chamemos a isso de acidente de percurso. Forte abraço e até a próxima.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 05/09/2021 - 11:32h

7 de Setembro

respeitoPor Inácio Augusto de Almeida 

Engana-se redondamente quem imagina esta manifestação do dia 7 de setembro ser de apoio a determinado grupo político.

Este movimento é um grito de alerta do povo brasileiro a ouvidos insensíveis.

O Brasil já não suporta ver, passivamente, o bate cabeça de poderes que não se respeitam e, por não se respeitarem, perderam o respeito do povo brasileiro.

O Brasil já não suporta tanta fome, desemprego, carga absurda de impostos, privilégios descabidos, corrupção e impunidade.

O Brasil vai mostrar a sua cara neste 7 de setembro, inundando ruas e avenidas, para clamar:

CHEGA!

Os que têm ouvidos, que ouçam. E não façam como Maria Antonieta.

A história recente do país nos deixou um legado de dor e sofrimento. Os fatos ainda presentes na memória das gerações que vivenciaram aqueles anos gritam que tudo aconteceu porque viver na anarquia é impossível.

Lágrimas ainda rolam em muitos corações, mas a desestruturação social vigente à época, causadora da miséria e do atraso, exigiu o remédio amargo.

O povo, na sua sabedoria, grita ainda existir tempo de tudo corrigir e evitar tanta dor e sofrimento.

A mensagem é clara.

Do jeito que está não continua.

Não pode e não vai continuar.

Viver na miséria num país rico é revoltante. E esta revolta se agiganta quando se sabe que a fome existe por conta da impunidade.

Todos os brasileiros sabem que os seus direitos não são respeitados.

Por ter consciência desta falta de respeito é que dia 7 de setembro estará nas ruas.

RESPEITEM O POVO BRASILEIRO.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Artigo
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domingo - 29/08/2021 - 06:48h

Recado às nuvens

Por Marcos Ferreira

Já estamos no finalzinho de agosto e há muito não cai do céu uma gota d’água. Não ao menos nesta Mossoró, terra do Sol e do calor. E por este resto de ano, ao que indicam as sérias projeções da moça do tempo, não mais haverá de chover por aqui. Um verdadeiro suplício para a nossa ressequida aldeia.

Onde vocês estão, nuvens de chuva, que tantas águas derramam por este imenso país, no entanto não vêm aqui trazer uma garoa sequer? A fauna e a flora, o nosso poluído rio, os açudes e os trabalhadores do campo, todos estão por demais necessitados. A falta d’água, sobretudo na zona rural, faz brotar a fome com espantosa velocidade, contribui drasticamente para a escassez de alimentos.nuvens, céu, menino, escada, pinturaHá muita poeira sobre nossos telhados e espíritos, em nossos olhos e corações. Venham lavar as nossas almas, benditas nuvens. Tragam algumas boas chuvas para esta província de céu escandalosamente azul. Sim, um pouquinho de gris não fará mal a estes longes onde é possível estrelar ovos no asfalto.

Quando a chuva vier, quem sabe uma por quinzena, aí daremos uma festa. Faremos, por que não, uma dança da chuva. Que tal, senhoras nuvens chuvosas?! Imagino que não estou pedindo muita coisa, posto que há diversos lugares neste Brasil e no mundo padecendo justamente devido ao excesso de precipitações pluviométricas, usando aqui expressão bem típica dos meteorologistas.

Vindo a chuva, de preferência no período da tarde, sairemos para as calçadas de peito aberto. Buscaremos as calhas, as biqueiras com maior volume d’água. Homens, mulheres e crianças, todos numa confraternização líquida e pura. Algumas pessoas, como se dava outrora, usando sabonetes e xampus.

Nesses dias, em caráter excepcional, os patrões dispensarão os seus empregados mais cedo, para que estes possam usufruir do grande e abençoado evento de uma tarde de chuva. Assim como se fazia em jogos de copa do mundo de futebol. Mossoró inteira prestigiará a duradoura, volumosa e serena água caindo do espaço, sem necessidade de guarda-chuvas nem ocorrência de raios e trovões.

— Obrigado! — diremos olhando pro céu.

Ninguém se incomodará (quero me referir ao público feminino) se o cabelo arrumado e engomado na véspera perderá o efeito da pranchinha e do secador. É provável que tais mulheres, sabedoras de que se trata de uma semana com chuva iminente, evitarão gastos desnecessários com salões de beleza.

O ponto alto na programação recreativa dos mossoroenses, não importando a classe econômica do indivíduo, seu status ou religião, será unicamente um longo e revigorante banho de chuva. Pode ser em qualquer parte do município onde a pessoa se encontre, debaixo ou não de uma biqueira. O que vale, senhoras nuvens, é nos deixarmos lavar e envolver pelo abraço benfazejo da água.

Aqueles que porventura estiverem no meio do trânsito, guiando os seus veículos, não podem se furtar dessa experiência. Orienta-se, pois, que estacionem de imediato e se exponham ao fenômeno pluviométrico (eis a palavrinha outra vez). Cidadão algum há de ignorar ou desmerecer tal acontecimento.

Será uma imagem graciosa, um colírio para os olhos, assistirmos à meninada festiva em meio ao aguaceiro, bandos de moças com as suas roupinhas casuais e ainda mais coladas a seus corpos pela ação da água, felizes, descontraídas, suscitando pensamentos outros em nossas cabeças de marmanjos à espreita. Dias venturosos serão esses, senhoras nuvens. Tudo isso depende de vocês.

Tragam chuva para Mossoró. Pode ser, como eu disse, apenas uma por quinzena. Contanto que seja duradoura e, se possível, à tarde. Que o bom São José me perdoe por tê-lo driblado, prescindo da sua intercessão junto a vocês, amigas nuvens carregadas. Deus sabe que assim procedo por causa nobre.

Minha terra é bonita, embora a violência, a criminalidade, ofusque e contradiga a nossa propaganda de povo hospitaleiro, gente pacata; essas velhas e batidas peças publicitárias de que o Palácio da Resistência faz uso sem muita veracidade e nenhum pudor. De resto, amigas nuvens, este é um lugar interessante. O que está nos faltando, e desde sempre, é a dádiva de um refrigério climático.

Não lastimarei que em minha rua, que possui escoamento extremamente precário, fiquemos com a água na altura dos joelhos. O que é que tem?! Será este um pequeno transtorno em favor de um bem maior, coletivo. Outros locais ficarão alagados, a exemplo do Centro, ainda assim agradeceremos.

Vocês precisam ver o pequeno rio em que se transforma esta Euclides Deocleciano, aqui no Conjunto Walfredo Gurgel, quando bate uma boa chuva. É um espetáculo! A água invadia as casas e aí os moradores, sem o socorro dos políticos desta urbe há décadas, tiveram que construir barreiras diante de suas portas. Aqui em casa ela ultrapassa o portão e vem lamber a minha soleira.

Todavia, amigas nuvens, não se preocupem com isso. Não lhes compete. Esse é tão só um problema crônico de drenagem que nossos homens públicos, principalmente por parte daqueles que se aboletaram na cadeira da prefeitura, têm ignorado olimpicamente há longos anos. Por ora, façam chover.

Nesses começos de tarde, quando o calor nesta província atinge níveis abrasadores, por mais de uma vez abandono esta escrivaninha e vou para debaixo do chuveiro. Poucos minutos depois, ao deixar o banho e percorrer alguns metros até alcançar uma toalha pendurada no varal, eis que meu corpo já se encontra praticamente seco. O vento que circula parece originário de uma fornalha.

Tragam-nos chuva, amigas nuvens. Não liguem para as goteiras no meu telhado. Eu me viro aqui com umas panelas e baldes. Estamos carecidos do líquido que vem do alto. Nossas árvores vêm sofrendo. O céu de Mossoró está num completo desmantelo azul, como naquele soneto do Carlos Pena Filho.

Será bom, repito, um pouco de gris no espaço. Daí a pouco o Sol reaparece e todas as cores retomarão exuberantemente os seus devidos lugares. Mas a chuva, ao menos uma a cada quinze dias, representará uma bênção. A vegetação renascerá das cinzas, os pássaros cantarão intensamente, a orquestra dos sapos e rãs convocará seus membros para uma apresentação em caráter urgentíssimo.

Ah, amigas nuvens! A água é a origem da vida. E nossas vidas ficarão mais alegres com a chuvarada. Atendam, se acaso me ouvem, esta súplica mossoroense. Prometo, para me redimir com São José, acender uma vela ao padroeiro das chuvas no sertão. Fico por aqui. Suponho que já falei muita água.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 22/08/2021 - 13:50h

A vaquinha Vitória

Por Inácio Augusto de Almeida 

Era uma vez uma vaquinha chamada vitória.

A vaquinha morreu.

Acabou-se a estória.Vaca, vaquinha,Leu e releu, mas não deu para entender a estória que não dizia do que a vaquinha tinha morrido. Apenas dizia que a vaquinha morreu.

Muito complicado.

Fez um longo comentário exigindo do autor da estória que explicasse, com riqueza de detalhes, a causa da morte da vaquinha vitória.

Como não recebeu resposta, imaginou que um mistério enorme existia por trás do que parecia ser uma estoriazinha sem pé nem cabeça.

Deu asas à imaginação e concluiu tratar-se de uma mensagem dirigida a um grupo que poderia estar colocando em risco a segurança nacional.

Respirou fundo e olhando as estrelas, cheias de brilho daquela noite de verão, teve a certeza de que a estória da vaquinha era uma mensagem deixada por alienígenas para outros extraterrestes que já estavam entre nós preparando a invasão.

A morte da vaquinha era os longos soluços dos violinos de outono do poema do Paul Verlaine.

Riu e sentiu-se mais inteligente do que Arquimedes.

Pensou em sair gritando pelas ruas, na madrugada quente de Mossoró; descobri, descobri, DESCOBRI! Lembrou-se dos assaltantes e se consolou dizendo para si que não seria original se assim o fizesse, que logo iriam aparecer os caçadores do calcanhar de Aquiles para dizer que seu gesto era um arremedo do que fizera Arquimedes.

Resolveu deixar para revelar a bomba tão logo o dia amanhecesse.

Na calçada viu duas crianças esperando o transporte escolar. Falavam da vaquinha vitória com tristeza porque a tia encerrou a estória dizendo que a vaquinha morreu e a estória acabou.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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