domingo - 06/04/2025 - 05:38h

Juju é impossível

Por Marcos Ferreira

A retratada em pose com o autor da crônica (Foto: Marcos Ferreira)

A retratada em pose com o autor da crônica (Foto: Marcos Ferreira)

Ontem à noite eu conversava ao telefone com o escritor e delegado de Polícia Civil Inácio Rodrigues Lima Neto, amigo que ganhei por intermédio deste blogue, mas que ainda não conheço pessoalmente. Enquanto eu papeava com Inácio, ela estava de olho em mim, rondando a mesa e a cadeira, querendo ouvir o diálogo. Talvez desconfiasse de que eu estivesse com Natália na linha. Juju tem uma paixão enorme por Natália. Já nem uso o aparelho no viva-voz para evitar os ouvidos da traquina, que reconhece a voz de minha noiva e fica em uma agitação tremenda.

Ninguém precisa me recordar de que só faz umas cinco ou seis semanas que escrevi sobre Juju. Pois é, aqui está ela em mais uma pose, capturada em uma fotozinha. Com quatro meses de idade, esbanjando saúde e beleza, dedica-me bastante atenção, carinho, chamegos e, obviamente, espera reciprocidade. Talvez eu esteja equivocado, como tantas vezes estou, no entanto lhes digo que ela é ansiosa e tão carente quanto eu. Súbito, com uma rapidez que me surpreendeu, peguei o telefone e fiz o registro fotográfico desse hábito que ela tem de saltar sobre meu colo quando me encontro à escrivaninha à procura de uma trama para redigir. Aqui, portanto, está Juju com o seu olhar cheio de indagações, repleto de uma ternura intrínseca à sua espécie.

Só me deixa continuar com a redação após receber uns minutinhos de carícias, afagos, dengos. A seguir vai aos recipientes da comida e da água e volta para o seu recreio canino com os brinquedos de borracha. Noutro instante se põe a mordiscar um osso desses encontráveis nos pet-shops do País de Mossoró.

Admito, para ser bastante franco, que até agora eu não tinha a menor ideia sobre o que produzir para o BCS — Blog Carlos Santos. É isso; fui salvo por Juju. Suponho que daqui por diante darei conta do meu compromisso dominical de lhes oferecer amenidades. Isto, portanto, é o que eu tenho para hoje. Com um pouquinho de indulgência e tolerância, quem sabe o leitor se contente com esta crônica em andamento. Eu sei que não é lá grande coisa, claro que não, contudo não me ocorre narrar algo mais interessante, prosaico e com um nível menor de receita caseira.

Além disso, tenho consciência de que eu (desde o ano passado) venho requentando demais a estratégia de escrever sobre o exercício de escrever. Mais uma vez, por gentileza, peço que perdoem este escriba sem outro tema para abordar. Dito isto, e dando a mão à palmatória, convém não me demorar neste assunto.

Porque, sendo de novo sincero, o que há de gracioso na página em tela não é outra coisa além da figura de Juju neste momento fofura. Os cães, assim como os gatos, são fotogênicos por natureza. Graças a isto, num puro lance de sorte, peguei o celular, posicionei-o com o temporizador ligado em cinco segundos e me dei bem com esse recurso tecnológico para produzir esta foto sem maquiagem, sem filtro. E se de fato uma imagem vale por mil palavras, conforme o adágio, posso até me considerar bem-sucedido na missão de dar à luz mais uma crônica para este espaço.

Adentro no mês de abril com esse artifício autocomiserativo, contando somente com o charme e a graça de Juju, esta feroz devoradora de ração. É sempre preciso tomar certos cuidados com ela, pois não tem o menor dó em puxar uma toalha da mesa, sumir com meus chinelos, abocanhar meus óculos e o telefone. Já me aprontou danações desse tipo recentemente. Juju é deveras impossível.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 06/04/2025 - 04:34h

Cartão postal

Por Bruno Ernesto

Imagem de postais de Franklin (Reprodução)

Imagem de postais de Franklin (Reprodução)

Há quanto tempo você não envia um cartão postal pelos correios?

Quando viajo, tenho o costume de enviar um cartão postal para mim mesmo.

Numa dessas viagens, enviei vários cartões postais: os meus e outros para alguns familiares.

Apesar da pressa, escrevi com calma e escolhi os selos mais bonitos, aproveitando a ocasião para acrescentá-los à minha coleção em seguida. Todo filatelista entenderá.

Antes de depositá-los na caixa de coleta dos correios, me ocorreu de tirar algumas fotografias para registrar o momento. Inclusive, fotografei as próprias mensagens, algo que nunca fizera antes.

O motivo? Não sei. Sinceramente, não sei. Apenas me ocorreu naquele instante e fiz.

A impressão que tive instantes após depositá-los na caixa de coleta do serviço postal foi a de que não os veria novamente. Estando tão longe de casa, essa impressão me distanciou ainda mais. Foi como uma despedida.

Também não sei por qual motivo, instantes após, voltei e perguntei ao funcionário do serviço postal quanto tempo levaria para os cartões postais chegarem aos destinos, algo que também nunca fiz.

– Por volta de trinta dias.

Respondeu o funcionário com uma cara sisuda.

Passei o resto da viagem pensando nesses cartões postais, e aquela impressão de despedida apenas aumentava.

Passados quinze dias da postagem, resolvi ligar para minha mãe e saber se ela havia recebido o cartão postal que havia lhe enviado.

Esperei alguns minutos ao telefone ela ir conferir a caixa de correios. A resposta foi bem direta:

– Não chegou nada.

Tentando ser otimista, imaginei que ainda estava dentro do prazo previsto que haviam me informado no momento da postagem.

Dias após o fim da viagem e retornar para casa, passei a conduzir um ritual diário para conferir se os cartões postais haviam chegado.

Todo dia conferia na minha caixa postal e ligava para os destinatários para saber se os cartões postais haviam chegado. Nenhuma resposta foi positiva.

Após noventa dias da postagem, tive a certeza de que algo não estava correto.

Uma série de suposições passaram a me perseguir e a ansiedade tomou conta de mim, pois aqueles cartões postais eram bastante especiais e jamais ocorreu tal fato comigo.

Duas hipóteses se destacaram: ou os enderecei de forma errada ou todos foram extraviados, e apenas uma dessas hipóteses eu podia confirmar.

Peguei as fotografias dos cartões postais que havia feito e verifiquei que todos foram preenchidos corretamente. Fiquei intrigado, mas concluí que, certamente, foram extraviados.

Até hoje não sei o destino dos cartões postais. Entretanto, tenho a certeza de que quem os achar, verá que noticiam uma coisa boa.

No mundo dos dados criptografados, das mensagens eletrônicas instantâneas, confidenciais e da proteção legal da inviolabilidade da correspondência, o cartão postal persiste em ser aquele mensageiro de uma boa notícia e uma boa lembrança a todos que puserem as mãos nele.

Propositalmente, ele é formatado para que não haja sigilo para, quem sabe, despertar algum sentimento bom em que possa lê-lo. Ou seria uma forma de literatura universal? Uma carta aberta ao mundo?

Aliás, por acaso você já soube de alguém ou você mesmo já recebeu algum cartão postal com más notícias? Certamente não!

Quanto aos meus cartões postais, além de ter vivido intensamente o que nele escrevi, transmiti pessoalmente a mesma mensagem aos seus destinatários e já não importa se chegarão ao destino original, ainda que intempestivamente.

Se, de fato, um dia chegarem ao destino correto, despertarão ótimas lembranças, claro. Estando eu por aqui ou não.

Se não, um dia, quem sabe, virará um registro histórico para alguém e, talvez, desperte o mesmo sentimento que tive quando os escrevi.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 30/03/2025 - 13:20h

Peripatético

Por Marcelo Alves

Arte ilustrativa obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Por estes dias, um amigo, apaixonado pelas coisas do Reino Unido, me perguntou se eu sentia saudades do período em que morei/estudei em Londres. Saudade é sentimento muito peculiar e, observando o todo, prefiro dizer que não. Olhando retrospectivamente, posso até dizer que, comigo, a coisa se dava/dá mais ao contrário. Parafraseando o que certa vez disse João Cabral de Melo Neto (1920-1999) quanto ao seu Recife, eu, quando estou no exterior, tenho saudades do Brasil, quando estou no Brasil, tenho saudades de Natal, e, quando estou em Natal, tenho saudades de quase mais nada. E, se a saudade às vezes bate, o é das coisas que vivi pisando no chão dos meus antepassados, da minha gente, dos que ainda estão aqui e dos que já se foram.

É claro que eu sinto falta de alguns lugares (livrarias, sebos, museus, pubs) que frequentava e de coisitas (caminhar, tomar um café à toa) que fazia prazerosamente em Londres.

Vou dar um exemplo relacionado à sétima arte apenas para relembrar de um tempo em que eu tinha tempo para exercitar a cinefilia. Frequentei bastante o British Film Institute – BFI, complexo dedicado ao cinema, que fica à margem sul do Tâmisa (Southbank), mais precisamente abaixo da Waterloo Bridge.

No meu tempo, acho que eram quatro salas de exibição, mais voltadas para o cinema britânico, mas que também exibiam, vez por outra, os lançamentos da hora. Junte a isso restaurantes e cafés, para bate-papos antes e depois das sessões.

Havia a Filmstore do BFI, uma mistura de loja de DVDs e livraria, que era um achado para qualquer cinéfilo, em variedade e qualidade e, às vezes, se pegássemos uma promoção, em preço. Melhor ainda, até porque de graça, era a Mediatheque, onde se podia explorar boa parte do acervo do BFI. Milhares de produções para o cinema e para a TV que podíamos ver sentados em uma confortável poltrona e com uma telona só para nós. Ainda me lembro da então recém-inaugurada BFI Library, com uma das maiores coleções de livros, periódicos etc., sobre cinema e televisão, do mundo todo. Era aberta tanto para os especialistas como para o público em geral.

Da última vez que estive lá, como turista apressado, vi algumas mudanças (se não estou enganado, a lojinha havia sido descontinuada ou reduzida em tamanho). Mas essas reformas são normais. Quase sempre são para melhor. E o que vale a pena é o complexo do British Film Institute. A sua atmosfera. Sinto falta, sim, das minhas tardes por lá.

De toda sorte, o que sinto deveras falta da minha estada em Londres está mais relacionado a coisas simples, que posso chamar de solitude (não de solidão) e de movimento, do que aos grandes aparelhos culturais que essa metrópole oferece.

Por exemplo, adoro café e gosto mais ainda de frequentar cafés. Sentar sozinho, ler um livro tomando um latte, escrever um pouco ou apenas ver a rua passar. Fiz muito isso em Londres. Para tanto, não precisava de um Deux Magots. Podia ser num daqueles Starbucks, Costa ou Nero de estilo, que pululam nas esquinas de Londres. É difícil fazer isso na terrinha. Conhecemos muita gente. Seria interrompido, tido como em crise existencial ou mesmo, quem sabe, como estando meio assim sei lá da bola. Faltaria a bendita solitude. Como diria Jean-Paul Sartre (1905-1980), por sinal habitué do citado Deux Magots, aqui o inferno são os outros.

E, acima de tudo, na segurança e no clima de Londres, amava andar a pé, a qualquer hora do dia ou da noite, de casa à universidade, à biblioteca ou já em direção a algum rendez-vous de ocasião. Amava caminhar, mesmo que sozinho, por avenidas e vielas, parques e praças, sem pressa e perdidamente, vendo as coisas, os animais e as pessoas.

Amava assim flanar, uma “ciência” que Honoré de Balzac (1799-1850) definiu, poeticamente, como a “gastronomia dos olhos”. E amava, claro, pensar caminhando, como outrora fazia o gigante Aristóteles (384-322a.C.) junto a seus discípulos.

Bom, não dá muito para caminhar, seja à toa ou ao cinema, aqui em Natal. Tem a insegurança. Tem o clima. Não dá para ser pacificamente peripatético num calor dos diabos.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 30/03/2025 - 10:44h

Um inesquecível jogo de futebol

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Assisti ao jogo da nossa seleção na última terça-feira contra a seleção da Argentina. É claro que não farei análises táticas sobre o comportamento em campo da seleção canarinho, pois não tenho conhecimento para tanto. Contudo, na qualidade de torcedor, senti-me envergonhado.

A seleção nem parecia a de outros tempos. E nem falo da seleção de Pelé, que não vi jogar. Falo da seleção de Romário, Bebeto, Ronaldo e companhia, os quais jogavam bola pra valer, com garra e vontade de ganhar. Já o jogo da terça-feira parecia que estavam em campo um time amador e um time profissional. A Argentina deu um baile, ou melhor, um tango.

Enfim. Mas eu quero lembrar do melhor jogo de futebol que já assisti.

Foi no dia 27 de junho de 2011, pelo campeonato brasileiro. Flamengo e Santos. Ali, sim, um jogão de bola. Jogando pelo Flamengo estava Ronaldinho gaúcho, o Bruxo; pelo Santos, Neymar, no seu melhor momento.

Na Vila Belmiro, Neymar marcou dois gols, deu assistência e comandou o Peixe, que chegou a abrir 3 a 0 no placar. O Rubro-Negro reagiu graças ao Bruxo, que balançou as redes três vezes, incluindo uma cobrança de falta por baixo da barreira. Ao final, 5 a 4 para o Flamengo.

Lembro que um narrador de futebol disse que, dificilmente, a nossa geração assistiria a um jogo de futebol como aquele. Realmente nunca vi nada igual, e já faz quase quatorze anos da partida.

Outro jogo que marcou a minha vida foi o primeiro da final entre Potiguar e América, em 2004, ano no qual o time macho sagrou-se campeão do campeonato estadual do Rio Grande do Norte. Naquela noite memorável, o velho Nogueirão estava lotado, e a torcida do Potiguar fez uma bonita festa.

Hoje, infelizmente, o futebol de Mossoró está decadente, e o Nogueirão caindo aos pedaços. Uma vergonha.

Entretanto, para mim, nada se compara ao jogo entre Flamengo e Santos, independentemente de quem ganhou, pois foi um inesquecível jogo de futebol. Épico.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica / Esporte
  • Art&C - PMM - Climatização - Agosto de 2025
domingo - 30/03/2025 - 06:32h

Pão nosso de cada dia

Por Marcos Ferreira

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Presumo que poucas pessoas se interessem por esse conteúdo, por essa informação. Pois se trata, a bem da verdade, de uma sensaboria, algo de quem parece não ter coisa melhor para dizer. Teimoso, porém, vou contar esta história insípida. É que hoje acordei cedo. Cedinho mesmo: pouco depois das quatro da madrugada. A bexiga estava de fato nas últimas, então fui ao banheiro e não consegui reaver o sono. Volta e meia isso acontece; uma emergência fisiológica. Ainda assim, com o quarto na penumbra e naturalmente frio, retornei para a minha rede e os cobertores.

Vocês sabem que em ocasiões dessa ordem, quando a gente se encontra insone por inteiro ou parcialmente, mil e uma maluquices nos vêm à cabeça. Então nos alcança um monte de besteirol, pessoas e meio mundo de lucubrações. No meio disso, fato corriqueiro, vêm ao meu juízo determinados temas que julgo aproveitáveis, com certo potencial para converter em uma crônica garranchosa.

Recordei-me, por exemplo, de uma dúzia ou mais de amigos que têm (coloco-me no meio deles) esse alumbramento visceral, comunhão, enlace com o exercício da escrita. Sim. É o que estou dizendo. Somos, de forma saudável, reféns espontâneos e um tanto orgulhosos dos vencilhos, das amarras da escrita. Como no verso de Camões, é estar preso por vontade, é servir a quem vence o vencedor. O bardo caolho é fora de série, extraordinário, um fenômeno da poesia. É incomparável.

Então penso, após todo esse nariz de cera, nos meus pares, nos meus amigos literatos, homens e mulheres dominados pelo micróbio da literatura. Alguns desses indivíduos inéditos em livro (por razões que a própria razão desconhece) seguem fugindo da raia, fazem ouvidos moucos ao chamado da Literatura. Lembro, mas que isso fique apenas entre nós, de figuras preciosas e cheias de hesitações como nosso querido arquivo ambulante Rocha Neto. E não apenas o Rocha. Há outros desertores da tinta e do tinteiro nesta Macondo nordestina. Faço aqui a vez de dedo-duro.

O que tanto esperam (insisto que esse assunto fique só entre nós) os senhores Marcos Araújo, Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Ailson Teodoro, Raquel Vilanova e, entre outros, Bernadete Lino? Pois é, meus caros. A senhora Bernadete Lino, pernambucana que mora em Caruaru, tem o que verter para o papel. Ela, que me oferece a honra de sua amizade e tem um forte elo com nossa terra, possui uma biografia muito bonita. Estou certo de que um livro seu de memórias, considerando a clareza de seu pensamento e intimidade com nosso idioma, seria uma ótima contribuição às letras. João Bezerra de Castro, gramático vocacionado, pode afiançar o que digo.

A labuta da escrita, perdoem esta metáfora talvez de mau gosto, representa o nosso pão de cada dia, mesmo em se tratando (repito) de personagens que ainda não estrearam em livro. De repente alguém pode saltar e dizer que estou cobrando dos outros uma produção que eu próprio não reúno. Quem isto afirma não está de todo errado, considerando que sou autor de um só livro publicado.

Todavia, para quem não sabe, possuo quase dez títulos inéditos nos gêneros romance, contos, poesia e crônicas, tudo isso à espera de melhores horizontes financeiros ou da possibilidade de ser pego no pente-fino de concursos literário que oferecem premiação em dinheiro e, no mais das vezes, publicam a obra vencedora. Este é o caminho que percorro há tempos.

Ressalto, claro, que estou a anos-luz da fecundidade, da prenhez e dos recursos econômicos de autores de minha estima como Clauder Arcanjo, Ayala Gurgel e o prolífero e versátil Marcos Antonio Campos, três mosqueteiros, três espadachins bem-sucedidos nos salutares duelos com a arte do fazer literário.

Além desses três, e não menos meritórios, temos no País de Mossoró e no estado manejadores da língua portuguesa bem-aventurados como Vanda Maria Jacinto, Fátima Feitosa, Dulce Cavalcante, Margarete Freire, Lúcia Rocha, Júlio Rosado, Caio César Muniz, Cid Augusto, Jessé de Andrade Alexandria, Crispiniano Neto, François Silvestre, Carlos Santos, Inácio Rodrigues Lima Neto, Airton Cilon, Thiago Galdino, Marcos Pinto, Francisco Nolasco, David Leite, Honório de Medeiros, Antonio Alvino e, devido às condições da memória, outros mais que ora não recordo.

Todos, com um nível maior ou menor de arrebatamento, buscam esse pão nosso de cada dia que resulta em crônicas, contos, romances, poemas. No que me toca, enquanto cativo deste mister de arranjar palavras e exibi-las em páginas com um mínimo de qualidade, produzo coisas desse tipo: uma crônica um tanto quanto prolixa, mas sempre com a mão na massa do verbo do qual nos alimentamos.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 30/03/2025 - 03:48h

Responsum paroquial

Por Bruno Ernesto

Foto ilustrativa do autor da crônica

Foto ilustrativa do autor da crônica

Nas últimas semanas temos acompanhado a batalha do Santo Padre, Papa Francisco, que tem resistido bravamente a uma infecção polimicrobiana em seus pulmões e, embora permaneça internado no hospital Gemelli, em Roma e, apesar dos momentos difíceis, a enfermidade está sendo debelada, tudo convergindo, ao que tudo indica, que, muito em breve, terá sua saúde plenamente restabelecida. É o que todos nós desejamos genuinamente.

Quem me conhece, sabe muito bem que nunca tive – e não tenho – o costume de citar a palavra sagrada, por não me achar conhecedor dela, nem me considerar muito merecedor da misericórdia divina, se lida ao pé da letra; estritamente.

Mas, neste caso específico, destacaria a passagem de Hebreus 11:1, que é o sentimento convergente de todos em relação à saúde de Jorge Mario Bergoglio: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem.”.

Embora não me considere um católico fervoroso e praticante dos atos formais e ritos do Catolicismo  Apostólico  Romano (Leia-se, ir à missa semanalmente, e comungar), me interesso pela filosofia cristã, costumo ler os documentos papais e gosto de ler as notícias do Vaticano na imprensa oficial do Estado Papal (Vatican News).

Há alguns anos, um registro de uma fala do Papa Francisco me chamou a atenção, pois lhe perguntaram se era necessário rezar constantemente para salvar a nossa alma, e a resposta dele foi a mais filosófica possível, ao dizer que nossa alma é como uma casa, sempre há o que se limpar e constantemente.

Quando, eventualmente, participo de alguma celebração ou reunião religiosa, percebo que, por vezes, não há uma padronização de algumas ideias e, até mesmo, de alguns ritos, que nada mais são que um conjunto de costumes, ações, prescrições e peculiaridades litúrgicas, praticados pela Igreja, segundo normas codificadas por ela mesma.

É bom que se consigne, desde já, que normas sempre serão normas em qualquer lugar que se deva aplicá-la, seja social ou jurídica.

Apenas no mundo secular, ou seja, na vida comum – por razões de laicidade estatal – deve, obrigatoriamente, haver a separação da esfera governamental da religiosa.

Assim, segue quem quer as normas religiosas. Assim como se adere à uma doutrina religiosa quem assim deseja. Porém, uma vez que decide seguir tal ou qual denominação religiosa, tem o dever de seguir as normas dela. Não há o que se discutir.

No caso da Igreja Católica, desde 21 de julho de 1542, por ordem do Papa Paulo III, foi instituída a Suprema e Sacra Congregação da Inquisição Universal, cujo o objetivo era defender a Igreja da heresia, tendo seu nome alterado em 2022 para a atual denominação, ou seja, Dicastério para a Doutrina da Fé, sendo até hoje responsável, tanto pela doutrina quanto pela disciplina da Santa Sé, de modo que a ambas se mantenham intactas.

Isso é absolutamente importante no que se refere às normas litúrgicas e que, se não observado, poderá, inclusive, anular um sacramento. Foi isso que a Congregação para a Doutrina da Fé afirmou no Responsum, publicado no boletim de 6 de agosto de 2020, ao responder duas perguntas sobre a validade de um Batismo conferido sem observar a fórmula correta.

Isso é muito sério, do ponto de vista da doutrina. Tanto é, que o próprio Vaticano, consignou recentemente que o Concílio Vaticano II, declara “a absoluta indisponibilidade do septenário sacramental à ação da Igreja”, estabelecendo que ninguém “mesmo se sacerdote, ouse, por sua própria iniciativa, acrescentar, remover ou alterar qualquer coisa em matéria litúrgica”, tudo isso em consonância com o Concílio de Trento.

Recentemente, participava de uma reunião para um batizado e, após as explicações sobre as regras para o Sacramento do Batismo – já no final da reunião -, alguém levantou a mão e questionou se para ser padrinho precisava ser católico, o que de pronto foi respondido por óbvio, gerando um misto de riso de muitos e perplexidade em outros.

Pude perceber, então, que, até na religião, por vezes, é preciso ir além da fé para se manter a unidade sacramental e, quem sabe, seja necessário um Responsum paroquial.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 23/03/2025 - 07:34h

A ilha perdida

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa obtida com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

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Na minha infância e na adolescência, as minhas disciplinas preferidas eram História e Geografia. Matemática? Deus me livre! Nas aulas de Português, gostava quando a professora fazia ditado, a fim de que pudéssemos escrever corretamente. E sempre gostei de ler, sempre.

Lembro da Série Vaga-Lume, com livros da escritora Maria José Dupré. Havia, também, a Coleção de livros do Cachorrinho Samba. Creio que li praticamente todos os livros que faziam parte dessas coleções.

Contudo, o livro que mais gostei de ler foi A Ilha Perdida, da mencionada escritora. Nele, dois garotos se aventuram em uma ilha, um deles se perde, e encontra um homem misterioso, um eremita que habita o lugar, chamado Simão. O garoto passa a morar com ele, e descobre um mundo desconhecido, explorando uma rica fauna e uma abundante flora.

A partir da minha adolescência, outros livros começaram a fazer parte do meu dia a dia. Li Machado de Assis, José de Alencar, entre vários autores nacionais. Li, também, livros de Sidney Sheldon.

Na fase adulta enveredei por vários caminhos, leio romances escritos por Jane Austen, Ernest Hemingway, Dostoievsky, entre outros literatos. Um livro que me encantou foi o Conde de Monte-Cristo, de Alexandre Dumas.

Há meses que tento “escalar” a Montanha Mágica, de Thomas Mann. O livro é denso, por vezes cansativo, mas hei de alcançar o “topo da Montanha”. Lembro que na minha juventude, pedi de presente ao meu pai a coleção de O Capital, de Karl Marx. Todavia, o meu velho não me presentou. Somente tempos depois, adquiri e li algumas páginas.

Atualmente, no entanto, sou apaixonado pelas crônicas. Não importa o tema ou o autor, se for crônica, leio. Tenho consciência que leio pouco, há muito o que ler e, sobretudo, aprender.

Mas, voltando à Ilha Perdida, o livro marcou a minha memória afetiva. Conta o livro que, quando o garoto consegue voltar para casa, e narra aos familiares a aventura que viveu, ninguém acreditou. Para provar que estava falando a verdade, retorna à ilha com algumas pessoas.

Todavia, o velho Simão soube se esconder e não o encontraram. Quando estavam voltando para casa num pequeno barco, o garoto viu uma mão acenando, lá da ilha perdida. Emocionado, ficando em pé no barco, gritou: “até um dia, Simão”.

Eis, portanto, o final de uma singela história que marcou a minha infância.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 23/03/2025 - 05:30h

Recanto das letras

Por Marcos Ferreira

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Alguém pode imaginar que toda vez que sentamos à escrivaninha já estamos com uma ideia fermentando na cuca para converter isso em redação, em crônica, conto, romance, poesia. Não. Às vezes é apenas diante da página em branco que nos ocorre aquele estalo inspirativo, uma ideia para um texto ao menos apresentável. Há ocasiões em que de fato nos colocamos à mesa de escrita com um tipo de mote, de leitmotiv, o feijão com arroz pré-cozido e dispondo de certos temperos linguísticos e com uma boa pitada de literariedade. Admito que isso acontece com um pouco maior de frequência. No entanto experimentamos dias como hoje. Falo por mim.

Pois é, hoje não se trata de um desses dias de cérebro fecundo. De toda forma, ao me instalar neste recanto das letras, parece assim (nem sempre) que o assunto necessário para urdir o texto se descortina na minha cabeça.

Não sei explicar direito, mas paira neste recanto da casa uma atmosfera de inventividade, uma aura de engenho. Aqui, à maneira de um para-raios de arte, tudo à minha volta pode resultar em matéria para a elaboração, por exemplo, de uma crônica que explore o lugar-comum de escrever sobre o ato de escrever. O que importa é que neste cantinho de trabalho, nesta oficina abstrata, existe essa coisa de extrairmos da pedra bruta uma peça que se possa classificar como artística.

Arte, quer seja música, literatura, cinema, artesanato) difere por inteiro de outros exercícios profissionais. Pois não se trata de um serviço prático, uma ciência, um ramo objetivo, preciso. Um engenheiro ou arquiteto adquire conhecimentos específicos para tocar adiante as suas edificações e projetos. Não se pratica a medicina sem estudos, aprendizados e experimentações inerentes à profissão, ao juramento e compromisso de salvar vidas. Um advogado, por mais medíocre que se revele, não avança no métier da advocacia sem ao menos lograr êxito na provinha da OAB.

Um pedreiro não constrói uma casa ou até um arranha-céu se não reunir expertise, experiência na sua labuta braçal. Um sapateiro, ainda que das letras, não assegura o pão de cada dia se não for bom no ramo de calçados.

A escrita, portanto, é uma linha de produção imprecisa, sujeita a uma voltagem abstrata. É diversa das ciências exatas. Nunca temos absoluta certeza de que atingiremos o sucesso quando queremos converter em texto supostas intimidades com nosso alfabeto. Fala-se em dom, todavia prefiro chamar isso de pendor, de vocação. Porém vocação não vale nada sem que a pessoa busque se aprimorar, adquirir um mínimo de destreza perante o mister literário. Existem homens de letras que produzem muito pouco, sem um estro prolífero, contudo o pouco que deitam no papel é de uma qualidade inquestionável. Encontra-se em Mossoró e no mundo inteiro (permitam-me esta indelicadeza) escritores que têm uma prenhez de coelhas, já com trinta ou cinquenta livros publicados, embora tragam a lume uma produção de saúde muito fraquinha.

Ninguém pode contar vantagem diante de uma página em branco. Pois o risco de o sujeito ser derrotado pelo monstro da infertilidade é iminente. Tanto é, isto no que me toca, que agora meu discernimento me parece prejudicado e não estou convicto de que estas linhas podem ser vistas como apreciáveis.

Não raro, entretanto, me sinto hipoteticamente beneficiado pela atmosfera criativa que este recanto das letras me proporciona. Então, aos trancos e barrancos, costumo sair vencedor neste arriscado octógono da literatura.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 16/03/2025 - 15:54h

Arte rupestre

Por Bruno Ernesto

Arte da página Tirinha de hoje

Arte da página Tirinha de hoje

Caro leitor, se você por acaso já leu alguma crônica minha – o que agradeço penhoradamente -, deve ter percebido que todas elas têm por base uma imagem que, se não visualizada, talvez retire um pouco a graça do texto. Bem, talvez ajude na compreensão do texto.

Também deve ter lido em alguns desses textos que sou um grande apreciador de charges, memes e tirinhas.

Ao contrário do que se possa imaginar, essas três formas de comunicação visual não são artes menores, nem são tão fáceis de compreendê-las.

Todas partem de um ponto em comum: o conhecimento; seja ele científico, popular ou cultural. E quanto mais se acumula conhecimento e temos vivência, melhor se compreende esse tipo de manifestação crítica e cultural.

Sim, isso é cultural também. Acredite, elas testam nosso conhecimento e o pensamento crítico.

Quem gosta de ler jornais, sabe que a charge e as tirinhas têm seu espaço garantido. E, por sorte, os memes vieram somar esforços.

Quem sabe até você, caro leitor, também seja uma usina de produção ou consumo desse tipo de manifestação. Cada uma com um grau de acidez e viés. Aliás, tem algumas que são impublicáveis.

Lembre, por exemplo, o caso da revista semanal satírica francesa Charlie Hebdo, alvo de um ataque terrorista ocorrido em 7 de janeiro de 2015, quando militantes islâmicos mataram 11 pessoas a tiros na sede da revista em Paris.

Entre nós, tivemos o cartunista Henfil com um dos maiores expoentes desse tipo de arte e que se valeu dela para criticar e denunciar a violência e perseguição de artistas e intelectuais durante o período da ditadura militar que tomou de assalto o Brasil.

Embora os tempos sejam outros e tenham surgido excelentes cartunistas, as charges e as tirinhas – e os memes; muitos memes -, continuam nos divertindo, criticando, debatendo e nos alertando sobre todo tipo de questão e assuntos.

Dos mais amenos aos mais espinhosos, não se engane; uma imagem ainda diz muito.

Especialmente de quem vê-la.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 16/03/2025 - 08:02h

Sossego

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com Inteligência Artificial para o BCS

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Chega-se a uma fase da vida que colocamos o pé no freio. A correria de tempos passados perde o sentido, pois se começa a perceber que mais dia, menos dia, tudo ficará para trás. Assim, ao amadurecer, começamos a dar mais valor a companhia daqueles que amamos.

Prezamos ficar ao lado dos nossos pais, achamos bom ouvir as suas histórias, adoramos sorrir com o seu sorriso; gostamos de curtir os nossos filhos e netos. Qualquer brincadeira ou palavra dita pelos netos é motivo de alegria. O que parecia tão trivial, começa verdadeiramente a ser importante, a ganhar o valor merecido.

Adoramos curtir a nossa própria companhia, a navegar nas lembranças e saudades que marcaram a alma. Tudo se torna leve. Já não queremos carregar em nossa bagagem o peso dos problemas. Tentamos esvaziar o coração, deixando-o bater num lento compasso.

Cada um procura vivenciar aquilo que faz bem. Vamos à praia e olhamos o horizonte, no qual vislumbramos o eterno. Quem gosta de sentir o cheiro da terra, sobretudo quando cai a chuva, encontra refúgio em uma fazenda ou num sítio. Toma-se uma taça de vinho, uma dose de cachaça, de uísque ou uma cervejinha para relaxar. Quem pode viajar por aí, viaja.

Vamos à missa ou ao culto para alimentar a fé; lemos um bom livro, uma boa crônica, daquelas que afloram bons sentimentos. Passeamos pelas ruas; e começamos a olhar os pássaros que habitam as árvores. Eu, por exemplo, gosto de ver – após regar as plantas do meu quintal – um lindo beija-flor batendo as asas em volta, ligeirinho, ligeirinho.

Enfim, queremos viver e curtir o singelo. Na realidade, o que há de mais valioso na vida.

Certa vez, o poeta Mario Quintana escreveu:

“De repente tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo as necessidades, vai reduzindo a bagagem. A opinião dos outros, são realmente dos outros, e mesmo que seja sobre nós, não tem importância. Vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza de nada. E isso não faz a menor falta. Paramos de julgar, pois já não existe certo ou errado, e sim a vida que cada um escolheu experimentar. Por fim, entendemos que tudo que importa é ter paz e sossego, é viver sem medo, é fazer o que alegra o coração naquele momento.

E só”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 16/03/2025 - 07:20h

Ainda estamos aqui

Por Marcos Ferreira

Imagem reproduzida pelo autor

Imagem editada pelo autor

Peço desculpas ao escritor Marcelo Rubens Paiva pela paráfrase em cima do título de seu badalado romance, best-seller brasileiro que deu o Oscar ao filme (título homônimo) do cineasta Walter Salles. Não vou discorrer acerca da obra do Marcelo nem sobre o filme do Walter, pois não li o livro nem assisti ao longa-metragem. Considero importante ser franco quanto a esse detalhe. Neste caso, a exemplo da canção do Zeca Pagodinho, digo que não sei, nunca vi, eu só ouço falar.

Ao contrário de enaltecer a saga da maior coqueluche editorial e cinematográfica do país até o momento, venho bater em uma tecla um bocado antiga e decerto invisível no âmbito da literatura nacional. Sim. Ainda estou aqui com “A Hora Azul do Silêncio”, livro praticamente desconhecido do público leitor, sobretudo em nível de Brasil. Entretanto, neste nosso microcosmo do País de Mossoró, talvez existam pessoas que já estão de saco cheio e não suportam ouvir mais nada no tocante ao meu livrinho de poesia. Além fronteiras mossoroenses, porém, ouso dizer que se trata de algo possivelmente inédito. Daí que de vez em quando (feito agora) tento expor esta minha cria ao conhecimento de outros leitores, exibi-la a outras cidades e estados.

Imagino que não seja nenhum delito a gente tentar vender o nosso próprio peixe. Até porque, à maneira de qualquer outro tipo de trabalho artístico ou não, neste caso nós temos um produto intelectual convertido em livro físico disponível para venda. Possuo uma considerável quantidade de exemplares desta obra que venceu os “Prêmios Literários Cidade de Manaus”, categoria “Melhor Livro de Poesia”, e que está em segunda edição. Muitos leitores, portanto, não têm conhecimento da existência desta publicação na qual se encontram poemas ganhadores de concursos nacionais destinados a premiar um único poema, além de menções honrosas para outros textos.

Desta vez, conforme consta na foto que ilustra esta página, eu lhes submeto uma crônica de caráter puramente comercial. Segundo a imagem, que talvez não valha por mil palavras, contrariando aquela máxima, o intuito não é outro exceto a venda, a comercialização de “A Hora Azul do Silêncio” por trinta dinheiros. Para interessados fora de Mossoró, quiçá de outros estados, é acrescido o custo do frete. O contato com este autor (como vemos na foto) será pelo número (84) 9.9817-1690. É possível, considerando a finalidade da crônica, que a qualidade literária do texto deixe a desejar. Não vou me preocupar com isso. Nem mesmo as ostras produzem somente pérolas.

Ainda estou aqui, enfim, com a minha única obra publicada. Possuo coisas inéditas que abrangem os gêneros romance, contos, crônicas e outros livros de poesia, no entanto a autopublicação é uma alternativa que está bem longe dos meus horizontes financeiros. Devido a tribulações pessoais quando do lançamento de “A Hora Azul do Silêncio” em Manaus, não inscrevi este livro em concursos voltados especificamente para trabalhos apresentados em primeira edição e que se encaixem dentro de um determinado espaço de tempo. Como se diz, o cavalo passou selado e eu perdi a chance. O Prêmio Jabuti é um desses concursos para obras já editadas.

Destaco que a primeira edição deste livro saiu em 2006 com o selo da editora da Universidade Federal do Amazonas. A segunda ocorreu em novembro de 2016, desta vez em uma parceria das editoras mossoroenses Queima-Bucha e Verboletras. São quase vinte anos ao todo. Bem. Agora me fiando que este blogue ultrapasse os limites geográficos deste município e do estado, decidi fazer esta publicidade, tentar vender meu próprio peixe a um público leitor que talvez se interesse pelo meu produto. Muita gente desta cidade já adquiriu o seu exemplar e pode se considerar fora da mira desta propaganda caseira. Destina-se, pois, a quem interessar possa.

Digo também que, do ponto de vista econômico, sem importar o seu sucesso ou fracasso, esta ação de marketing não produzirá impacto algum em nenhuma das grandes bolsas de valores do mundo. A todo-poderosa Nyse, com sede em Wall Street, seguirá esbanjando saúde financeira. Não vai produzir o menor abalo na Shanghai Stock Exchange, da China. A London Stock Exchange, bolsa de valores de Londres, nem piscará. A Nasdaq, situada na cidade de Nova Iorque, não perderá um níquel sequer. A Euronext, principal bolsa de valores da Europa, há de seguir firme e forte. Nem mesmo nossa Bovespa não exibirá nenhum espasmo. Fiquem frios.

No fim das contas, se esta peça publicitária não resultar em algumas dezenas de cópias vendidas, ao menos servirá como mais um texto que pode fazer parte de um livro de crônicas. Quem quiser adquirir “A Hora Azul do Silêncio”, cujo preço é o mesmo desde 2006, só precisa ligar. Ainda estamos aqui.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 09/03/2025 - 15:28h

Nunca deixe de sonhar

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

“O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado”, disse Ariano Suassuna. Sem dúvida, os sonhos nos levam a buscar os nossos objetivos, dando-nos força para seguir em frente, num mundo de tantas dificuldades.

É preciso muito jogo de cintura para encarar a vida, palmilhando o caminho com sonhos. Imagine você se não tivéssemos a capacidade de sonhar. Ficaríamos eternamente envolvidos pela labuta diária e pelos problemas. Cada um de nós tem a sua batalha, uns mais, outros, menos.

Quando somos crianças, inúmeros são os sonhos sonhados. Na adolescência, achamos que a vida se resume as farras com os amigos e aos namoricos. Depois, com o passar do tempo, após levar umas pancadas da vida, despertamos para o mundo, e passamos a sonhar, mas com os pés no chão. É assim que tem de ser. Sonhar, contudo, levando a vida com pragmatismo.

Difícil? Talvez. Entrementes, precisamos compatibilizar essa dualidade.

O fato é que nem todos têm as mesmas oportunidades. Há pessoas que nascem em berço de ouro, com múltiplas oportunidades; estudam em um bom colégio, viajam mundo afora, tem dinheiro. A maioria, porém, pelo menos neste país verde e amarelo, sonha em ter um prato com comida diariamente.

Muitos alunos vão à escola somente para ter a oportunidade de comer o lanche, quem sabe, a única refeição do dia. Ora, até o café e o ovo estão caros.

E digo mais: no meu ofício de oficial de Justiça, já intimei inúmeras pessoas que tem familiares envolvidos com drogas. Só eu sei o semblante das mães e das avós que aproveitam a minha presença para desabafar.

Incontáveis vezes escuto relatos de pais e avós que têm em casa filhos ou netos envolvidos com drogas. E não só as drogas ilícitas. O álcool há muito tem destruído os sonhos de muitas famílias, das mais variadas classes sociais.

Entretanto, apesar de cada um de nós carregar sobre os ombros um fardo maior ou menor, o importante é nunca deixar de sonhar, pois “o sonho é que leva a gente para a frente”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 09/03/2025 - 13:50h

Caidinho por ela

Por Bruno Ernesto

São Jorge, Museu Boulieu em Ouro Preto-MG (Foto: do autor do texto)

São Jorge, Museu Boulieu em Ouro Preto-MG (Foto: do autor do texto)

Há coisas na vida que arrebatam a gente. Digo, arrebentam. Cega; não lhe deixar pensar, agir nem reagir. Lhe tira o sono, a fome; lhe maltrata e lhe afasta do convívio social.

Você vira refém de si mesmo, pois está tudo na sua cabeça. É como a batalha de São Jorge contra o dragão.

Recorri a tudo que se possa imaginar: reza, oração, ladainha, terço milagroso e ex-voto. Trabalho, mandinga, Tranca-Rua e toda sorte de falanges de Preto-Velho. Ervas – lícitas – in natura, defumadas ou garrafadas. Se o raizeiro for bom, vai lhe indicar fedegoso.

Nem médico consegue dar de conta dela por muito tempo. É uma coisa nefasta, funesta, nociva e incurável.

Embora com o avançar da idade tenda a diminuir a sua intensidade, seja novo ou velho, quando ela vem, arrebenta qualquer um. Não há como fugir.

Você pode até tentar evitar, mas uma hora vem. E quanto chega, é como se fosse sempre a primeira vez: a visão turva, surgem flashes de luz, alterações sensoriais, zumbidos, dificuldade na fala, náuseas, enjoos e até alucinações.

Me vendo sucumbir por ela, já usando opioides com frequência, busquei novamente ajuda médica, como fizera tantas vezes durante tantos anos e, cabisbaixo, escutei aquelas duras palavras que tantas vezes me alertaram:

– Cafezinho, chocolates, nem pensar! Não dê motivos para tudo voltar. Você sabe que mais cedo ou mais tarde ela vai acabar lhe derrubando. Vai ser uma dor de cabeça daquelas, um mal-estar desnecessário. Você perderá seus compromissos, deixará de fazer o que gosta. Ficará refém, escravo dela como foi da última vez.

Dito e feito! Nem no carnaval me deu trégua.

Nem uma pizza no meu restaurante preferido consegui comer na quinta-feira de pós-carnaval com ela na cabeça.

Na volta para casa, na companhia da minha filha, ironicamente, o YouTube tocava “Oba, lá vem ela”, de Jorge Ben Jor; e só deu tempo de levar a pizza para casa e me ver, mais uma vez, caidinho por ela: enxaqueca.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 09/03/2025 - 10:46h

Codicismos

Por Marcelo Alves

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Nos sistemas jurídicos filiados à tradição romano-germânica, tem vigorado o primado da lei, fonte quase que exclusiva do direito. E, mais do que isso, a partir do século XVIII, ocorre na Europa um movimento codificador, que encontrou o seu ápice no Código Napoleônico, precursor das muitas codificações modernas, granjeando o aplauso tanto de legisladores como de estudiosos do direito, da época e de hoje.

Houve até um tempo de um tipo de “codicismo”, digamos, hiperinflacionado. Nos albores da vigência do Código Napoleônico, sob o domínio da Escola da Exegese, a lei era aplicada exatamente como ela estava escrita, sem fazer “interpretações”, mesmo que fossem necessárias. Para os defensores desse tipo de “codicismo”, não havia um só caso concreto que não fosse previsto no Código. Nenhuma hermenêutica, ainda mais quando externa ao texto codificado, era minimamente permitida. Dogmatismo legal à décima potência.

Argumentos em prol da supremacia da codificação das leis são fáceis de colecionar. Anota Felix M. Calvo Vidal (em “La Jurisprudencia: fuente del Derecho?”, Editora Lex Nova, 1992) que os “critérios de segurança, de permanência, de estabilidade aparecem sempre como proeminentes. Para a doutrina, a codificação apresenta uma série de vantagens que não se dão em outros casos em que o direito não haja sido condensado em normas legais harmonizadas e organizadas”. E, citando boa doutrina, arremata: “se o Código supõe uma facilidade para o teórico, não é esta menor para o prático, que sabe com relativa facilidade onde buscar com segurança as leis com as quais vai resolver um caso determinado”.

Todavia, o sistema que prega a legislação, seja ela codificada ou não, como uma única fonte do direito, mostra-se, hoje, insuficiente, sobretudo no que diz respeito à necessária correspondência entre o que está previsto em tese na legislação e a realidade nos tribunais e juízos, seja no campo do direito material, seja no campo do direito processual.

E mais: a crise por que passa o direito brasileiro, em especial o seu Poder Judiciário (frequentemente vítima de campanhas orquestradas e injustas), atinge profundamente verdades que se têm por estabelecidas. Aproveitando uma feliz assertiva do já citado Vidal, essa nova situação política e institucional há de implicar também “uma grande flexibilidade técnico-jurídica de adaptação não somente às novas circunstâncias históricas normais, mas também às circunstâncias excepcionais e transitórias”.

Foi por isso que fiquei muito feliz quando li, no site do Senado Federal, que a futura lei para regulação do dito “processo estrutural”, segundo a Comissão ali criada para elaborar o respectivo anteprojeto (presidida pelo ex-procurador-geral da República Augusto Aras), deverá “ser concisa e adaptável para assegurar resultados concretos”.

Para quem não sabe, “a expressão processo estrutural surgiu entre as décadas de 1950 e 1970 nos Estados Unidos. O termo se refere a demandas que chegam ao Poder Judiciário quando políticas públicas ou privadas são insuficientes para assegurar determinados direitos. Nesses casos, a discussão é transferida para a Justiça, que usa técnicas de cooperação e negociação para construir uma solução efetiva para o problema”. Temática importantíssima.

Meu receio era que a comissão caísse em um segundo tipo de “codicismo”, que é a mania, em voga na França até hoje, de se criar códigos, longos e detalhadíssimos, para tudo.

Mas não. O anteprojeto será curto. Terá um texto flexível, que privilegie o consenso entre as partes e não a opinião do juiz. Como afirma o relator da referida comissão de juristas, Desembargador Edilson Vitorelli, o papel do anteprojeto de lei “é não atrapalhar”, “é construir”. E, como arremata o vice-presidente da comissão, o potiguar Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, a futura lei não pode trazer retrocessos. Há de se encontrar um texto moderado em prol da eficiência: “todos querem flexibilidade porque o processo estrutural, embora exista e funcione, trabalha na base da tentativa e do erro. Se você amarrar muito as coisas, não pode fazer experimentações. Mas essa flexibilidade não pode prejudicar o fluxo do processo estrutural porque há também um compromisso de que a coisa termine”.

Pois, então, abaixo os codicismos! E viva a moderação!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 09/03/2025 - 04:10h

Os habitantes do BCS

Por Marcos Ferreira

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

Duvidar, não duvido. Pois decerto existe no Brasil e no mundo quem desconheça o significado da nossa familiar sigla BCS, tão notória, por exemplo, quanto SUS, FBI, CIA, ONU ou a temida e extinta KGB, agência de espionagem e polícia secreta da igualmente morta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Alguém ariscará dizer, entre outros equívocos, que se trata de Banco Central da Suíça. É possível, portanto, que existam indivíduos neste planeta que nunca tenham ouvido falar no Blog Carlos Santos (BCS). Além disso, alguns terráqueos não têm conhecimento (ignorância não menos grave) do rol de colaboradores do referido Blog.

Todo domingo, desde tempos imemoriais, cabeças singulares da intelectualidade mossoroense e de além fronteiras do RN exibem as suas tintas neste ilustrado espaço de opinião, arte e cultura. Temos aqueles que marcam presença de modo bissexto, esporádico, contudo há um punhado de articulistas que muito raramente deixam uma lacuna nestas manhãs domingueiras que contam ainda com o brilho e categoria de um sem-número de leitores e comentaristas de alto nível.

Os habitantes do BCS, tanto os cronistas, os poetas, os ficcionistas e, repito, o precioso rol de leitores e comentaristas, mantêm uma sintonia e fidelidade admiráveis. Encontramos neste gueto das palavras várias cucas talentosas, beletristas de responsa. Ninguém pode se queixar da produção intelectual que os homens de engenho deitam dominicalmente entre as quatro linhas desta vitrine da prosa, do verso e, como não poderia deixar de ser, com informes do atacado e do varejo da política norte-rio-grandense, nacional e mundial. Aqui, no tocante à informação e à cultura como um todo, os leitores dispõem de grande sortimento de ideias e debates.

Sendo um pouco indiscreto, permito-me citar os nomes de expressivos escribas que têm concorrido para o brilho e sucesso do BCS. Falo, entre outros, de malhadores de teclados como o próprio Carlos Santos, Marcelo Alves Dias de Souza, Honório de Medeiros, David Leite, William Robson, Marcos Pinto, Odemirton Filho, Bruno Ernesto, François Silvestre, Marcos Araújo e, mais recentemente, surge para enriquecer o escrete um tal de Ayala Gurgel. Este último, a meu ver, representa uma das mentes mais engenhosas e prolíferas da nova ficção norte-rio-grandense.

Quem quiser que diga que estou puxando o saco do BCS e dos seus habitantes dominicais. Não tem problema. O aplauso e a vaia são livres. Vivemos (ao menos até o momento) num país democrático. Sim. A democracia esteve seriamente ameaçada no governo anterior, todavia não sucumbimos ao golpismo.

Creio que em breve o “mito” (o espírito de porco, a degradante alma sebosa que infectou o Brasil, fez pouco-caso dos mortos pela pandemia e zombou de famílias enlutadas) está prestes a conhecer as acomodações de Bangu 8 ou da Papuda. Deixem estar.

Voltando à audiência e relevância do Blog, penso que não existem por aí muitos espaços assim, com tantos e tão bons poetas e prosadores. É um ambiente digital dos mais procurados pelo público leitor. Enfim, agora parodiando aquele frevo do Caetano Veloso, digo que só não vai atrás do BCS quem já morreu.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 02/03/2025 - 11:36h

Desdém

Por Bruno Ernesto

Tronco amarrado no jardim de Dona Lourdes, minha mãe Foto do autor da crônica)

Tronco amarrado no jardim de Dona Lourdes, minha mãe Foto do autor da crônica)

Manhã de sexta-feira de carnaval, passei para falar com minha mãe antes do feriadão começar e poder me certificar quais plantas do jardim dela precisam de um cuidado adicional.

Embora esteja chovendo copiosamente, todo cuidado é pouco.

Apressada para poder pegar a estrada, saiu me apontando os jarros que ela queria mais atenção.

Olhou, olhou. Puxou um, outro. Trocou de lugar um jarro com uma muda de cróton.

Tinha várias novidades.

Ergueu um pequeno jarro contendo uma planta de folhas bem verdes, listras brancas – quase como estivesse sido feitas com um lápis giz -, e uma pequena flor amarela bem no topo.

– Cuidado com essa. Essa precisa só de um gole d´água. Não sei o nome dela.

Para facilitar a vida – eis umas das vantagens da inteligência artificial -, utilizo um aplicativo gratuito (PlantNet) instalado no celular que identifica rapidamente a flora. Basta fotografar e escolher como identificar: pela folha, flor, fruto, casca e hábito.

Era uma pequena zebra.

Percorremos o jardim e ela a me apontar cada planta, como se fosse uma médica apontando cada paciente em seu leito numa troca de plantão.

Me chamou para perto do portão pequeno e me apontou outras novidades, cujos nomes ainda não decorou.

Mais uma vez me vali do aplicativo: Dois Amores e uma Euphorbia Lactea Cristata, uma suculenta esquisita, popularmente conhecida como cacto monstro.

Apontando para o cacto, disse preocupada que o neto caçula, meu sobrinho Lucas – um príncipe de quase dois anos de idade e dono de uma personalidade que vai lhe ser muito útil -, já anda investigando o jardim, e vez ou outra aponta as mãozinhas no cacto monstro.

Entretanto, o que me chamou a atenção foi que ali, bem ao lado do cacto mostro, no meio da folhagem bem verde, se destacava uma flor com cinco pétalas, aveludada e bem vermelha. Única flor.

Como gosto de registrar as florações, cuidei de tirar algumas fotos dela e ao mudar de ângulo, percebi que, embora se tratasse de uma rosa-do-deserto, ela não era aquela típica rosa-do-deserto que se assemelha a um baobá em miniatura.

Seu caule era alongado e lembrava o do buquê-de-noiva, e estava amarrada num velho cabo de vassoura, já bem enferrujado e que serviu como guia quando a muda foi plantada naquele jarro.

Bem onde estava amarrado, o barbante laçado apertou-lhe o caule de tal forma que o marcou definitivamente, mas não impediu o seu crescimento. Certamente dificultou.

Como resultado, brotou uma única e solitária flor. A planta, porém, com desdém, caprichou.

Mais ou menos como devemos ser na vida.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 02/03/2025 - 09:32h

O direito de Shakespeare

Por Marcelo Alves

Arte produzida com recurso de Inteligência artificial para o BCS

Arte produzida com recurso de Inteligência artificial para o BCS

Um dos “mistérios” sobre Shakespeare diz respeito ao direito. Como poderia o Bardo ter tanta intimidade com o mundo jurídico, ao ponto de retratar tão fielmente os procedimentos legais da época das suas produções teatrais? Como poderia ele, com tanta precisão, debater questões como Justiça, formalismo legal, bom-senso etc.?

Formação clássica em direito, Shakespeare não possuía. Ele foi certa vez testemunha em um caso envolvendo pessoas da sua convivência, é vero. Esse, aliás, é um dos acontecimentos mais relevantes para comprovar a existência da pessoa William Shakespeare (1564-1616). Mas isso, por óbvio, está deveras longe de fazer dele um profissional/conhecedor do direito.

Esse mistério do conhecimento jurídico do Bardo tem martelado em minha cabeça desde quando, morando em Londres, tive oportunidade de assistir a duas de suas obras: “Bem está o que bem acaba” (no National Theatre) e, sobretudo, “A Comédia dos Erros” (no Globe Theatre), peça cuja trama gira em torno da condenação à morte de um comerciante de Siracusa, apenas por violar estrita proibição legal de cruzar a fronteira entre sua cidade e Éfeso. “A Comédia” trata, então, do dilema da pena de morte, do legalismo exagerado e meandros dos procedimentos legais da época.

Esse “encafifamento” só aumentou depois que eu devorei, já no papel, as duas “peças jurídicas” de Shakespeare, assim classificadas por Daniel J. Kornstein em “Kill All the Lawyers? Shakespeare’s Legal Appeal” (University of Nebraska Press, 2005): “O Mercador de Veneza” e “Medida por Medida”.

“O Mercador de Veneza”, notável “courtroom drama”, é uma crítica à vingativa visão de Justiça “olho por olho, dente por dente” e à visão formal do direito, em prol de uma Justiça de equidade, a partir de um bom-senso natural aplicado às especificações do caso. É também uma aula de direito contratual e, sobretudo, no que considero o clímax da peça, uma lição de hermenêutica inteligentemente revolucionária, embora, como sói ocorrer no bom direito, atenta à “letra da lei” e aos “exatos termos” do contrato. Já em “Medida por Medida”, onde nenhuma personagem é inteiramente boa ou má, aprendemos que “Leis para todas as faltas (…): são motivo de zombaria mais que de advertência”; e enxergamos a hipocrisia da Justiça absoluta aplicada pelos homens, uma vez que, no mundo real, de paixões e fraquezas, por não ser a medida certa, ela simplesmente não funciona. Pelo menos não no parecer do grande conhecedor da alma humana – certamente o maior de todos que, em poesia, dela tratou – que foi Shakespeare.

Há uma curiosa teoria que visa explicar essa sabença jurídica do Bardo. Segundo os autores do “Everyman’s Companion to Shakespeare” (J. M. Dent & Sons, 1978), Gareth Lloyd Evans e Barbara Lloyd Evans, existe a tese de que “Shakespeare foi assistente de advogado após deixar a escola”. Para eles, “isso, como uma defensável hipótese, não pode simplesmente ser colocada de lado. Não há prova factual, mas a evidência circunstancial é formidável: (a) durante a juventude, ele teria sido bem relacionado com os advogados de Stratford em razão dos afazeres do pai, tanto comerciais como na administração da cidade, e mesmo em litígios mais graves nos quais o volátil John Shakespeare estava envolvido, incluindo contravenções; (b) durante a vida, Shakespeare estava envolvido, como muitos do seu status social e econômico, com questões legais – em especial a compra, venda e aluguel de imóveis. Ele parece ter sido assíduo e informado nos seus negócios e tornou-se próspero; (c) suas peças são pródigas em profissionais do direito, em linguagem legal e mesmo em evidências de um bom conhecimento da ciência jurídica”.

Desconfio. Tanto quanto não gosto de teorias conspiratórias, desprecio teses mirabolantes. Prefiro acreditar que Shakespeare foi mesmo um gênio natural, autodidata, com insuperável capacidade de extrair maravilhas das suas fontes, reformulando-as nas tragédias e comédias que nos encantam até hoje.

Ele lia e relia os livros que podia, sobretudo os clássicos gregos, para fins de elaboração de suas peças, assim como as reescrevia e revisava frequentemente. Ao ler e reler os clássicos, pensar e revisar as ideias de outrem e as próprias, ele se fez autodidata na apresentação literária do bom-senso e da Justiça.

Aliás, os próprios autores do “Everyman’s Companion to Shakespeare” lembram que a grande força do Bardo não estava no seu conhecimento ou bagagem cultural – isso Milton, Francis Bacon ou mesmo Ben Jonson tinham muito mais do que ele –, mas, sim, na forma poética e insuperavelmente encantadora como ele punha esse conhecimento no papel e no palco.

Isso, para o direito, que trabalha com a linguagem, é muito mais do que muito. E não se aprende em faculdade alguma.

Crônicas anteriores

Leia também: Os roubos de Shakespeare (09-02-2025)

Leia também: As rupturas de Shakespeare (16-02-2025)

Leia também: Os mistérios de Shakespeare (23-02-2025)

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 02/03/2025 - 04:00h

Ouro em pó

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa da – Freepick/Vecstock

Arte ilustrativa da – Freepick/Vecstock

Estou deveras atrasado. Pois todos os meios de comunicação de Mossoró já divulgaram a ocorrência. A notícia (perdoem o lugar-comum) correu ligeira como um rastilho de pólvora. De qualquer modo, como a gente costuma ter a pretensão de contar as coisas de modo desejosamente invulgar, quem sabe artístico, vou descrever o que se passou na última quinta-feira em um supermercado bem pertinho do Conjunto Walfredo Gurgel, a uns quinze minutos de caminhada da minha casa.

Aqui, todavia, eu me reservo o direito de não citar o nome da bodega onde aconteceu a invasão. Não farei, portanto, propaganda gratuita do estabelecimento comercial em que presenciei o ataque de oito ou dez homens fortemente armados. Um dos fora da lei, sujeito atarracado, usando um boné verde-musgo que deixava entrever o cabelo grisalho e um bocado crescido escapando pelas laterais, portava o que me pareceu um fuzil ou metralhadora. Os demais empunhavam pistolas e revólveres. Mandaram todo mundo deitar no chão e jogar para eles os nossos celulares.

Presumi que nenhum de nós, deitados de bruços no piso gelado, sofreria qualquer tipo de violência física. Eu estava certo. Não encostaram um dedo em ninguém. O indivíduo atarracado, decerto de meia-idade, foi arrastando os celulares com os pés para junto de um expositor de bananas. Exigiu, com voz alta e firme, que ficássemos de cabeça abaixada. Imagino que nenhum cliente desobedeceu.

— Não olhem para mim! — rosnou o assaltante, que se virava a todo momento para a porta automática do supermercado. Quem ia chegando ele apontava a arma e mandava que ficasse na mesma condição de todos nós: no chão. Os recém-chegados, sem exceção, tiveram que depressa entregar seus celulares.

Bateu-me logo o receio de que levassem os aparelhos, alguns talvez arranhados pela forma como o elemento amontoou os telefones. Ficar sem meu celular em decorrência daquele assalto, obviamente, representava um transtorno administrativo e financeiro. Todos ficamos de cara no piso, a exemplo dos operadores de caixa e de um policial militar à paisana, que foi pego de surpresa e rendido. O pê-eme fazia um bico como segurança da loja. Ficou sem a arma e também sem o celular.

O samango era um cidadão de cabeça quase raspada, gorducho, cara redonda e rosada, orçando pelos cinquenta anos de idade. Deitou-se à minha esquerda, quase roçando meu braço. Pude notar que tinha a testa porejando suor e demonstrava um nervosismo que o deixava com as mãos visivelmente trêmulas.

Eu, apesar de me ver em uma situação como aquela, sentia-me, para a minha própria surpresa, por demais sereno, tranquilo. Tudo naquela perigosa empreitada, a meu ver, indicava que os invasores não estavam ali para machucar quem quer que fosse. O objetivo dos caras, que possuíam grandes bolsas de lona e mochilas às costas, não tardou para ser alcançado. Encheram as sacolas de lona e as mochilas com todos os pacotes de café dispostos nas prateleiras do inflacionado produto.

Presumo que a operação inteira não chegou a dez minutos. Saíram tão rápido como entraram. Nenhum dos telefones foi levado. Exceto a arma do policial. Catei o meu celular entre os outros e me mandei para casa, deixando no reduto da carestia as minhas poucas compras reunidas em uma cestinha de plástico de cor laranja. Quando umas quatro ou cinco viaturas da polícia enfim chegaram, os ladrões de café já estavam muito longe do alcance dos militares. Por via das dúvidas, só voltei ao supermercado depois das sete da noite. Preciso informar, embora falhando na sequência da narrativa, que o roubo do ouro em pó se deu por volta das quinze horas e trinta.

Aqui entre minhas vizinhas, especificamente na redação do Fofocas News, a queixa é grande em virtude do alto custo de um pacote de café. Dependendo da marca e do tipo da rubiácea, ninguém pode sequer chegar perto. Mesmo aqueles mais ordinários receberam aumentos de preço mais que absurdos.

Porém, desafiando o alto custo do ouro em pó, a tradição não morreu por inteiro nas nossas tardes-noites nas calçadas de Sayonara e Rucilene. É verdade que uma ou outra redatora do Fofoca News aderiu ao chá. Mas não é fácil trocar o pretinho cheiroso de outrora, mesmo com os preços pela hora da morte.

Rucilene, por exemplo, não deita fora a borra do café feito de manhã. Guarda para a tarde e mistura com uma ou duas colheres de uma marca mais em conta. O problema é que sai tão fraquinho que é possível enxergarmos o nome Duralex no fundo da xícara. Desse jeito, segundo protesta a redatora-chefe dona Raimundo, é melhor ficarmos no chá. Maria dos Navegantes, no entanto, não se dobra em face da prática de preços abusivos. Ela já vendeu até um rim para não abrir mão do café.

Nossa querida vizinha Cilene Freitas, também repórter do Fofoca News, convenceu o esposo, o senhor Arimatéia Garcia, a abraçar a proposta de um chazinho de camomila, erva-cidreira, chá-mate ou de capim-santo.

Aqui em casa, felizmente, volta e meia os amigos que me visitam me trazem de presente um ou dois pacotes do ouro em pó, além de umas bolachas, pães, bolos e queijo. É uma fartura total. Só tomara que os elementos que roubaram o café do supermercado não descubram isso. Que Deus me livre e guarde.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 23/02/2025 - 11:16h

Lourdinha

Por Bruno Ernesto

Mercado da Cobal em Mossoró Foto: do autor da crônica/2025)

“Mercado da Cobal” em Mossoró (Foto do autor da crônica/2025)

Embora nos últimos tempos tenha se mostrado uma forma de ostentação involuntária para a maior parte da população, ir ao supermercado ainda é umas das coisas das quais sempre gostei de fazer, nem que seja para aplacar o calor com o ar condicionado e passar o tempo, se for preciso.

Dia desses, após descer do Uber – aos gritos -, uma passageira caiu desfalecida bem na porta do condomínio.

Foi perturbador; um desespero para quem presenciou aquela cena. O porteiro chamou o SAMU e avisou ao síndico.

Alguém gritou que tinha visto quando o Uber, mesmo vendo os acenos e gritos a plenos pulmões daquela passageira, e sabedor que seria rastreado pelo próprio aplicativo, arrancou em direção ignorada.

Coitada, aos prantos, a pobre mulher falou ao socorrista que esqueceu no banco do carro a sacola com dois pacotes de café que acabara de comprar no supermercado.

– Moço, era da nespresso!

A internet não perdoa. Memes e vídeos humorísticos sempre arrancam as maiores gaitadas do público.

Entretanto, pelo menos em Mossoró, nada melhor do que ir ao mercado da Cobal. Preferencialmente, o mais cedo possível. Tem coisas que a xepa não compensa.

Aquele furdunço de gente, os cheiros, as cores, os sons e os personagens são instigadores.

Tem de tudo. Mas prefiro os doidos e os vendedores sem paciência. Nada como perguntar repetidamente a um vendedor carrancudo, quase como numa maiêutica socrática, e, ao final, dizer que está caro ou pedir desconto.

Bem, antes que você ache que é brincadeira, relembre a estória acima. Não se pode esquecer mais nem um moi de coentro ou cebolinha no Uber. Tudo está não só pela hora da morte; mas também da missa, do enterro e da ressurreição.

Ah, claro! O estacionamento é terrível.

Tem vendedor que não faz muita questão de lhe vender. Se você pedir desconto, é capaz de apanhar.

Passei um bom tempo sem ir regularmente ao mercado da Cobal, além do que nem sou frequentador assíduo, a ponto de conhecer nominalmente os comerciantes ou alguns personagens, pois só vou quando preciso de algo bem específico – Lembre, caro leitor: o estacionamento; o estacionamento é terrível. -, mas é um excelente local para se frequentar e comprar delícias.

Como gosto de cozinhar e adoro comida sertaneja, numa sexta-feira dessas, já me deitei para dormir pensando no almoço do sábado: farofa d´água, arroz de leite da terra – cozinhado só com leite -, feijão de corda com cebola roxa, nata e um bom punhado de cebolinha e coentro – com talo e tudo; bem picado. -,  vinagrete bem azedo, carne de sol assada e uma bela pururuca.

A noite quase não passa. Roncamos eu e meu estômago, num dueto em si…se tivesse fava seria uma boa ideia. Talvez no outro sábado.

Outro dia fui à Cobal em busca de queijo de coalho e nata e, de longe, vi um amontoado de gente em frente a um box fincado bem nomeio da Cobal.

Encostei nele, e vi que estava repleto de produtos do sertão: queijo de manteiga, de coalho, nata, manteiga da terra, castanhas das mais variadas, mel de abelha e de engenho, leite e ovos caipiras. Cada coisa mais linda que a outra.

O balcão – tão organizado que, certamente quem o organiza ou é do signo de Virgem ou tem TOC – reluzia num amarelo intenso feito um altar de igreja banhado de ouro. Mas, ao contrário do altar santo, só despertava o pecado da gula.

Quem despachava era uma senhora por volta dos seus 65 anos de idade, muito ligeira, de voz firme, concentrada e de pouca conversa. Só estendia o assunto se fosse para rebater qualquer tentativa de desconcentrá-la.

Enquanto esperava a minha vez para ser atendido naquele amontoado de gente em frente ao box, um rapaz que tentou furar a fila sorrateiramente foi surpreendido com um olhar fulminante dela, que disparou sem hesitar:

– Vá pra fila. Tô atendendo ele!

Naquele instante, ela me arrebatou como cliente para o resto da vida. Gostei de pronto.

Pedi a ela queijo de coalho, nata e perguntei “como era a bandeja” de ovos caipiras.

– 30 ovos fica R$30,00. Amanhã deve passar para R$50,00. Do jeito que a coisa anda, segunda deve custar R$80,00!

Disse que uma bandeja com 30 ovos era muito pra mim. Perguntei se poderia ser só a metade.

– Pode.

Para descontrair, pedi que colocasse só dos ovos bons.

– Todos aqui são bons!

Tenório, com "Lurdinha" camuflada, caminha ao lado de aliados no RJ dos anos 60 Foto: Web)

Tenório, com “Lurdinha” camuflada, caminha ao lado de aliados no RJ dos anos 60 (Foto: Web)

Dobrei a aposta e disse, prendendo a gaitada: pois coloque os melhores.

Ela se virou e disse ao ajudante que estava lá pra dentro:

– Atenda ele aqui!

Na verdade, ela se virou para cortar o queijo de coalho que pedi.

Enquanto somava o meu pedido, tripliquei a aposta e perguntei se ela sabia quem foi Tenório Cavalcanti, o famoso “Homem da capa preta”, que foi deputado federal do Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960, que tocou o terror na Baixada Fluminense e cuja história virou até filme, estrelado pelo saudoso ator José Wilker, por esconder debaixo de sua capa preta uma submetralhadora modelo MP-40, para se proteger dos seus inimigos.

Séria, me fitou e disparou:

– Não, por quê?

Enquanto ela me olhava, perguntei se poderia pagar via PIX, pelo que ela apenas apontou para uma plaquinha de acrílico posta em cima do balcão, contendo um QRCode e o seu nome: Lourdinha.

Já com as minhas compras em mãos ela me reforçou a pergunta:

– Por quê?

Sorri pra ela e, apontando para a plaquinha, disse que Tenório Cavalcanti chamava sua submetralhadora carinhosamente de Lourdinha.

Ela deu uma gaitada e emendou:

– Por isso que o nome combinou!

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 23/02/2025 - 09:50h

Os mistérios de Shakespeare

Por Marcelo Alves

Imagem criada com Inteligência Artificial do Grok para o BCS, simulando Shakespeare numa rua de Londres

Imagem criada com Inteligência Artificial do Grok para o BCS, simula Shakespeare numa rua de Londres em 1592

É quase uma convenção dizer: “o que se sabe, com segurança, acerca da vida de Shakespeare, é muito pouco”. Até a sua própria existência, embora isso seja um evidente exagero, é às vezes conspiratoriamente contestada. De fato, em William Shakespeare (1564-1616), há alguns mistérios para que ousemos imaginar na nossa vã filosofia.

Há lapsos factuais na “biografia” de Shakespeare. Pouco se sabe da sua juventude. “Mas por que deveríamos saber?”, indagam Gareth Lloyd Evans e Barbara Lloyd Evans, autores do “Everyman’s Companion to Shakespeare” (J. M. Dent & Sons, 1978), para depois responder: “Ninguém a sua época imaginava que ele ia ficar famoso ou mesmo havia uma tradição de anotar fatos biográficos”. E há sobretudo os ditos “anos perdidos”.

Sabe-se que Shakespeare casou com Anne Hathaway quando tinha 18 anos. Tiveram a filha Susana seis meses após. Quando ele estava com 20 anos, vieram os gêmeos Hamet e Judith. Mas o próximo registro sobre Shakespeare já o mostra com 28 anos, em Londres, atuando e escrevendo peças. Nada se sabe do paradeiro do Bardo durante esses “lost years”? Bom, isso é realmente um mistério.

Indo além, há diversas teses sobre quem teria sido Shakespeare ou, melhor dizendo, quem teria sido o verdadeiro autor das maravilhas que atribuímos a um tal William Shakespeare. Como explica François Laroque, em “Shakespeare: Court, Crowd and Playhouse” (Thames & Hudson, 2002), determinados críticos – alguns sérios, outros nem tanto –, sobretudo a partir do século XVIII, têm tentado provar que não poderia ser o ator William Shakespeare o autor das obras-primas compendiadas no “First Folio”, o primeiro cânone Shakespeariano, de 1623.

Eles, um tanto quanto preconceituosamente, não conseguem acreditar que um filho de artesão, comerciante de luvas, pudesse ter o conhecimento – do mundo clássico, da filosofia e do direito, para ficar em algumas temáticas principais – que, naquelas obras, é transformado no mais puro ouro literário. Como um homem de origem simples poderia adquirir todo esse conhecimento?

Isso e outras circunstâncias – como os já referidos “lost years” e a ausência de manuscritos autênticos – têm contribuído para a controvérsia existencial e, sobretudo, autoral. Outros nomes têm sido apontados como o verdadeiro autor de “Otelo”, de “Macbeth”, de “Hamlet”, do “Rei Lear” e de outras tantas maravilhas. Francis Bacon, Christopher Marlowe, Bem Jonson, Walter Raleigh, John Donne, os Earls de Derby, Oxford, Essex, Salisbury e Southhampton, o cardeal Wolsey, esses são alguns dos “suspeitos de sempre”.

Mas há também alguns “acusados insuspeitos” – um tanto quanto bizarros –, segundo anotam os autores do “Everyman’s Companion to Shakespeare”, como Mary, Rainha da Escócia, a Rainha Elizabeth I, um grupo de jesuítas ou mesmo uma anônima freira irlandesa. Nesse ponto, eu até recomendo um bom filme, intitulado “Anonymuos”, de 2011, que propagandeia, embora equivocadamente, haver dado um ponto final ao mistério.

Na verdade, como consta do “Everyman’s Companion to Shakespeare”, guardadas as circunstâncias de tempo e lugar: “(a) Nós sabemos mais sobre a vida de Shakespeare, tanto em termos de fatos quanto acerca das conclusões racionais deles advindas, do que de qualquer outro dramaturgo elisabetano. (b) A cronologia de eventos conhecidos (certidão batismal, registros de morte e enterro, de compra e venda de mercadorias e imóveis, datas de suas publicações e produções) indica uma grande quantidade de material factual existente sobre ele e sua família. Quantos céticos poderiam juntar tantas evidências acerca de um membro de suas próprias famílias, mesmo numa época em que a documentação tem se tornado comum? (c) Documentos relacionados às atividades de Shakespeare, incluindo cartas para ele e material relacionado à sua família, são abundantes no Shakespeare Center Records Office em Stratford-upon-Avon. Poucos poderiam razoavelmente permanecer céticos se examinassem esses materiais”.

Seguidor da Navalha de Ockham, vou nessa mesma linha, a da explicação mais simples. Shakespeare foi William Shakespeare mesmo. Cidadão nascido sob o reinado de Elizabeth I, em 1564, em Stratford-upon-Avon, na casa da Henley Street. Foi trabalhar em Londres. Foi ator. Foi poeta e dramaturgo. Foi produtor e empresário. Gozou seu auge na capital do Reino. Voltou à sua terra natal, em 1611, já rico e famoso. E foi viver em New Place até a sua morte em 1616. O resto são estórias, dele e sobre ele.

Leia tambémOs roubos de Shakespeare (09-02-2025)

Leia tambémAs rupturas de Shakespeare (16-02-2025)

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 23/02/2025 - 07:28h

Crônica artificial

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com uso de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com uso de Inteligência Artificial para o BCS

Um dia desses, por curiosidade, acessei um desses chats e solicitei a elaboração de crônicas sobre temas variados. Em poucos segundos, a Inteligência Artificial (IA) elaborou várias crônicas; textos bem-feitos, diga-se.

Pois bem, entramos na era da IA. É uma realidade da qual não podemos fugir, a tecnologia caminha a passos largos. Entre vários conceitos, pode-se dizer que “a Inteligência Artificial é um campo da ciência da computação que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento de máquinas e programas computacionais capazes de reproduzir o comportamento humano na tomada de decisões e na realização de tarefas, desde as mais simples até as mais complexas”.

Segundo li, existem quatro níveis básicos de AI: a primeira, a “fraca”, está associada a tarefas simples, como trancar a porta do carro. A segunda, chamada de “geral”, é aplicável a atividades automatizadas, como na linha de produção ou gestão de lavouras. A terceira, “superinteligência artificial”, é utilizada em máquinas que podem decisões rápidas, a exemplo dos carros sem motorista. Por fim, a quarta, “generativa”, capaz de elaborar textos, imagens, códigos de programação, vídeos etc.

É inegável os avanços que a IA trará para a humanidade, embora muitos tenham receio dessa tecnologia de ponta. Entretanto, os avanços em todas as áreas do conhecimento humano, seja na medicina, na produção agrícola e no nosso dia a dia serão notórios, segundo os especialistas.

Contudo, no tocante ao ato de escrever, sobretudo, na elaboração de crônicas, nada substituirá o humano, os sentimentos que deixamos impressos ao escrever. Não quero nem imaginar, por exemplo, uma crônica sem a magia das palavras de Marcos Ferreira.

Escrever crônicas é navegar em sentimentos, lembranças e saudades. É resgatar tempos idos, esmiuçar o cotidiano. Como escrever sobre a beleza do mar ou do horizonte sem ter vislumbrado a paisagem? Como falar sobre o amor sem vivê-lo, senti-lo?

Uma crônica não pode ser artificial. A crônica é viva, pulsante. Escrever crônicas é fazer do feio, o belo, do menor, o maior. É observar a vida sob diversos ângulos, em diálogo com o leitor, que também embarcará nessas reminiscências.

Como bem disse Rubem Braga, dos nossos melhores cronistas: “escrever com sentimento tão fundo, e a mão tão leve, que não sei dizer o que quero, ou talvez não queira dizer o que sinto”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 16/02/2025 - 14:54h

Ouvir é uma arte

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com uso de Inteligência Artificial do AI Meta para o BCS

Arte ilustrativa com uso de Inteligência Artificial do AI Meta para o BCS

Existe um poema do escritor Rubem Alves que diz: “sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”.

E é verdade. Neste mundo, fala-se muito, ouve-se pouco. Todos querem falar, contudo, quase ninguém escuta o outro. Quase todos querem aparecer, mostrar-se ao mundo virtual, ser o dono da razão; as redes sociais estão aí para provar.

No entanto, às vezes, é preciso silenciar. Escutar. Ouvir, principalmente, a voz do coração. O silêncio tem muito a dizer. Escutar a voz do outro, os desejos de quem está ao nosso lado não é comum. Normalmente se quer ganhar no grito, pois ouvir é uma arte.

Será que realmente sabemos o que pensa o outro? Será que temos a sensibilidade para escutar o que a outra pessoa tem a nos dizer? Talvez, ela necessite ser ouvida. Ao escutar o outro, entramos no seu mundo e, quem sabe, podemos ajudá-lo de alguma forma.

Onde também existe muita zoada é no ambiente da política; fala-se demais, ouve-se de menos. Quase ninguém escuta os argumentos contrários aos nossos. Aliás, a paixão pelo candidato de nossa preferência tem nos tirado a razão. E eles estão lá, no “bem-bom”.

O exercício da cidadania não combina com paixão cega. Devemos acompanhar o político que elegemos, se ele tem realizado o prometido. O cidadão consciente de seu papel aponta os erros desse ou daquele político, mesmo o de sua preferência.

Enfim, “aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça, disse-nos Jesus. Se és homem ou mulher de fé, escute a palavra de Deus. Ele tem muito a nos ensinar. No silêncio da nossa alma escutamos a sua voz. Sim, Ele nos fala, mas precisamos escutá-lo.

Nesse contexto, o cardeal José Tolentino escreveu:

“A audição se faz com os ouvidos, mas também com o coração, ouvindo o dito e não dito, o fora e o avesso, o presente e o futuro que é dado em cada instante”.

Tente diminuir a correria da vida. Fique em silêncio.

E escute.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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