domingo - 18/05/2025 - 10:38h

Toda certeza é duvidosa

Por François Silvestre

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo expressionista, para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo expressionista, para o BCS

Amadurecer é cultivar dúvidas, ter cautelas e receios para colher certezas. A certeza emperra descobertas, atrapalha avanços, cria crostas de ignorância.

A ter certeza da gravitação de Newton, não teria havido a relatividade nascida na dúvida de Einstein. A certeza de Santo Agostinho, na Patrística, impediria a Escolástica de Thomaz de Aquino. Platão certo, não haveria Aristóteles. Portanto, nem a ciência ou a filosofia amadureceriam no estuário da certeza. A dúvida é o indutor da inovação, da descoberta, da sucessão. É a chama que chama o pensamento à questão.

Dito isso, concluo que amadureço cultivando dúvidas. Estou velho, no espelho. Porém, “entretanto mas porém”, o meu tempo, num dia, diante do espelho é de minutos. O mais do tempo, quase o dia todo, estou longe dele. As ladeiras que subo nas ruas do Crato me dizem que não sou velho. O levantar sem usar as mãos nas bordas da rede também dizem o mesmo.

Contudo, a maior negação ao espelho, que tenta me convencer do contrário, não é a disposição física, que tenho exuberantemente. Não. O que me convence da não velhice é o cultivo à dúvida. Se continuar assim, vou morrer jovem. Até caducando vou querer duvidar da caduquice.

Conclusão, aí estão os tempos atuais. Nunca pensei que viveria pra ver o mundo tão idiota quando agora. O Brasil tão emburrecido quanto agora. Tudo no conforto estúpido das certezas. Quase todos têm certeza de quase tudo. A dúvida, rainha da claridade, sendo escorraçada para o canteiro onde se edificam as trevas. Oceano turvo e sujo das certezas. O rincho, com minhas desculpas aos jegues, é o novo discurso da certeza contemporânea.

Prefiro a dúvida e os coices que ela dá, por serem solavancos do despertar.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 04/05/2025 - 07:16h

Manicômio digital

Por Marcos Ferreira

Cabeça do palhaço maluco (Fonte: Freepik)

Cabeça do palhaço maluco (Fonte: Freepik)

Desapego, quiçá altruísmo, abnegação, fidelidade ao seu destino de agregador de pinéis. Pode ser tudo isso e muito mais. Só sei que dessa forma, desinteressado de aplausos e lucro financeiro, o diretor deste manicômio digital, o jornalista e escritor Carlos Santos, reúne em seu blogue todos os domingos um expressivo e polimático número de malucos informais. Pois é. Temos aqui amalucados para todos os gostos e atribuições. A começar pelo próprio timoneiro desta nau psiquiátrica, que obviamente tem a sua parcela de insanidade.

Creio que alguém que bate direitinho da cachola não abraçaria essa missão de confraternizar e apaziguar mentes alvoroçadas. “Loucura! Loucura!”, diria o galáctico Luciano Huck, ele também um louco de pedra.

Claro que nem todos que orbitam em torno deste blogue são pirados. Há exceções. Especialmente no tocante aos leitores. Já alguns articulistas padecem de elefantíase do ego. Como os pavonescos Euzébio Ramalho e Gustavo Noronha, intelectuais com renome e prestígio na praça. Exibem um inegável grau de deficiência cognitiva em seus próprios artigos indecifráveis. Digo, a bem da verdade, que esses cavalheiros são mais que meros tipos egocêntricos. Tanto o senhor Ramalho quanto o senhor Noronha são profundos estudiosos de objetos voadores não identificados.

Existem aqueles que fazem questão de deixar bem claro que são doidos. É o caso, por exemplo, do meu estimado xará e jurisconsulto Marcos Araújo, o mais ilustrado e apaixonante maluco que conheço. Araújo, além de cronista invulgar, é comentarista deste espaço, ele que de quando em vez me dá a honra de emitir uma opinião construtiva sobre meus escritos.

Antes que alguém o diga, declaro que não sou nenhum alicerce de equilíbrio mental. A diferença entre mim e os pavões Ramalho e Noronha (suponho) é que estou sempre medicado e não misturo meus antipsicóticos com álcool. Aliás, não conheço o gosto de bebida alcoólica nenhuma. Muito menos posso afirmar que o senhor Ramalho e o senhor Noronha tomam remédio controlado.

Estou sóbrio desde o dia 10 de abril de 1970, há cinquenta e cinco anos. Mais de meio século remando contra as convenções sociais. E isso não tem relação com igreja evangélica nem católica, budismo, espiritismo ou candomblé. A minha sobriedade etílica, portanto, não está vinculada a nenhuma religião.

Sou desconfiado por natureza. Não boto a minha mão no fogo por esses messias e mitos que pipocam em toda parte deste país e do mundo. Enxergo tanta honestidade nessa récua de sacripantas quanto em uma cédula de trinta reais. Penso, todavia, que não somos frutos do acaso. Mas voltemos ao que de fato interessa. O papo aqui não é sobre credulidade ou descrença. Desejo abordar apenas a questão dos que possuem parafusos frouxos ou até faltando. Situação na qual possivelmente me encaixo. Meu alienista é quem pode falar melhor sobre o meu caos psicológico.

Entre os alvoroçados estão os doidos mansos, elementos deveras tranquilos, moderados, com a serenidade de um peixinho de aquário. Desse naipe aponto escribas como Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Jessé de Andrade Alexandria, Ayala Gurgel e o delegado da Polícia Civil Inácio Rodrigues Lima Neto, sujeito de fino trato e um ficcionista dos melhores desta terra de Santa Luzia.

Um tanto mais incisivo, combativo, há o poeta e escritor de responsa François Silvestre. Em meio a esses (acho que já estou cometendo o pecado do esquecimento) não posso deixar de incluir o amigo e memorialista Rocha Neto, verdadeiro arquivo ambulante desta aldeia.

Carlos Santos, então, com a sua fleuma de monge tibetano, consegue harmonizar e socializar todas essas categorias de discípulos do saudoso Paulo Doido, cujo nome de pia é Paulino Duarte Morais, que se encantou aos sete dias de junho de 2024. Deixou para todos nós, tantãs, um robusto legado de doidices ora meio afobadas, ora bem-comportadas. Sua biografia de maluco beleza está gravada na história desta província e jamais será esquecida. Os doutores psiquiatras Dirceu Lopes e Roncalli Guimarães, que também possuem as suas neuras, ficaram desolados com o passamento de Paulo Doido. Infelizmente, apesar dos esforços, nosso editor nunca conseguiu firmar um contrato com Paulino Duarte para participar do BCS — Blog Carlos Santos.

Como os demais cronistas deste hospício, Paulo Doido teria bastante o que contar sobre suas andanças pelas ruas de Mossoró. Segundo uma fonte porra-louca, corre à boca miúda a notícia de que o diretor deste malucódromo adquiriu o passe de outro doido para jogar em nosso time de birutas. Minha fonte diz que se trata de ninguém mais, ninguém menos do que o ponta-esquerda Adélio Bispo, esfaqueador de elite predestinado. Será muito bem-vindo ao nosso manicômio digital.

Marcos Ferreira é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 06/04/2025 - 03:40h

O Alumioso

Por François Silvestre

Imagem em estilo surrealista gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Imagem em estilo surrealista gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Estou a falar de Sinésio, entrando em Taperoá, no meio dia, com seu chapéu de alumínio, brilhando ao sol de escaldo, no sertão da Paraíba? Não. Falo, do verbo falar, e não do membro fálico do herói que aqui trato.

Isso. O herói aqui tratado nem é daqui. Mesmo sendo louvado pela desfalacidade dos escassos e flácidos falos dos seus admiradores daqui. De quem falo? De Donald Trump, o alumioso da desluminosidade.

Meu ídolo! Ave Trump!…Morituri te salutant! Como saudação aos Césares pelos gladiadores no teatro da monumental estupidez humana. Nada é mais exuberante na condição humana do que a estupidez. Somos deliciosa e genialmente estúpidos.

Se eu pudesse interferir, em retorno, na minha condição, gostaria de ser qualquer coisa, menos humano. Calango, sapo, pirilampo, qualquer coisa, menos a merda que sou.

Porém, entretanto mas porém, eis que me aparece um brilho na escuridão. No picadeiro um palhaço genial desmoraliza o trapézio. A face rosa, cabelo de boneca de milho verde, torcida do pescoço de quem esnoba a plateia, eis o meu herói. Donald Trump.

Marx e Engels tentaram, não conseguiram. Lenin também, não conseguiu. Mao Tse Tung e Chu en lai quiseram, também falharam. Todos, sem exceção, quebraram a cara contra o Capitalismo. A relação econômica mais eficiente e invicta. Onde se aboletam a ganância, a exploração dos espertos sobre os ingênuos, a concentração de poder e grana, a dominação sofista das igrejas, a mentira fantasiada de verdade plena, a negação da dúvida, a lâmpada da escuridão nas mentes embotadas, tudo, absolutamente tudo, no estuário da hipocrisia e descaramento. Suavemente embalados no berço da patifaria.

Eis que surge Trump, o alumioso! Não de Taperoá. Não. Faz uma semana que o Capitalismo não sabe pra onde vai. Nada mais gaiato do que ver e ouvir as explicações, conjecturas e esperneio dos economistas, colunistas, cientistas dessa merda toda. Tá uma delícia. Brigado, Trump. Muito obrigado. Mas, não se iluda, logo logo eles vão inventar uma munganga pra se livrarem de você.

Não se preocupe com seus adversários. Esses estão satisfeitos! Cuidado com os seus “aliados”. Os que lhe cercam, eles estão em desespero. É aí, perto de você, onde mora o perigo!

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 30/03/2025 - 06:32h

Pão nosso de cada dia

Por Marcos Ferreira

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Presumo que poucas pessoas se interessem por esse conteúdo, por essa informação. Pois se trata, a bem da verdade, de uma sensaboria, algo de quem parece não ter coisa melhor para dizer. Teimoso, porém, vou contar esta história insípida. É que hoje acordei cedo. Cedinho mesmo: pouco depois das quatro da madrugada. A bexiga estava de fato nas últimas, então fui ao banheiro e não consegui reaver o sono. Volta e meia isso acontece; uma emergência fisiológica. Ainda assim, com o quarto na penumbra e naturalmente frio, retornei para a minha rede e os cobertores.

Vocês sabem que em ocasiões dessa ordem, quando a gente se encontra insone por inteiro ou parcialmente, mil e uma maluquices nos vêm à cabeça. Então nos alcança um monte de besteirol, pessoas e meio mundo de lucubrações. No meio disso, fato corriqueiro, vêm ao meu juízo determinados temas que julgo aproveitáveis, com certo potencial para converter em uma crônica garranchosa.

Recordei-me, por exemplo, de uma dúzia ou mais de amigos que têm (coloco-me no meio deles) esse alumbramento visceral, comunhão, enlace com o exercício da escrita. Sim. É o que estou dizendo. Somos, de forma saudável, reféns espontâneos e um tanto orgulhosos dos vencilhos, das amarras da escrita. Como no verso de Camões, é estar preso por vontade, é servir a quem vence o vencedor. O bardo caolho é fora de série, extraordinário, um fenômeno da poesia. É incomparável.

Então penso, após todo esse nariz de cera, nos meus pares, nos meus amigos literatos, homens e mulheres dominados pelo micróbio da literatura. Alguns desses indivíduos inéditos em livro (por razões que a própria razão desconhece) seguem fugindo da raia, fazem ouvidos moucos ao chamado da Literatura. Lembro, mas que isso fique apenas entre nós, de figuras preciosas e cheias de hesitações como nosso querido arquivo ambulante Rocha Neto. E não apenas o Rocha. Há outros desertores da tinta e do tinteiro nesta Macondo nordestina. Faço aqui a vez de dedo-duro.

O que tanto esperam (insisto que esse assunto fique só entre nós) os senhores Marcos Araújo, Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Ailson Teodoro, Raquel Vilanova e, entre outros, Bernadete Lino? Pois é, meus caros. A senhora Bernadete Lino, pernambucana que mora em Caruaru, tem o que verter para o papel. Ela, que me oferece a honra de sua amizade e tem um forte elo com nossa terra, possui uma biografia muito bonita. Estou certo de que um livro seu de memórias, considerando a clareza de seu pensamento e intimidade com nosso idioma, seria uma ótima contribuição às letras. João Bezerra de Castro, gramático vocacionado, pode afiançar o que digo.

A labuta da escrita, perdoem esta metáfora talvez de mau gosto, representa o nosso pão de cada dia, mesmo em se tratando (repito) de personagens que ainda não estrearam em livro. De repente alguém pode saltar e dizer que estou cobrando dos outros uma produção que eu próprio não reúno. Quem isto afirma não está de todo errado, considerando que sou autor de um só livro publicado.

Todavia, para quem não sabe, possuo quase dez títulos inéditos nos gêneros romance, contos, poesia e crônicas, tudo isso à espera de melhores horizontes financeiros ou da possibilidade de ser pego no pente-fino de concursos literário que oferecem premiação em dinheiro e, no mais das vezes, publicam a obra vencedora. Este é o caminho que percorro há tempos.

Ressalto, claro, que estou a anos-luz da fecundidade, da prenhez e dos recursos econômicos de autores de minha estima como Clauder Arcanjo, Ayala Gurgel e o prolífero e versátil Marcos Antonio Campos, três mosqueteiros, três espadachins bem-sucedidos nos salutares duelos com a arte do fazer literário.

Além desses três, e não menos meritórios, temos no País de Mossoró e no estado manejadores da língua portuguesa bem-aventurados como Vanda Maria Jacinto, Fátima Feitosa, Dulce Cavalcante, Margarete Freire, Lúcia Rocha, Júlio Rosado, Caio César Muniz, Cid Augusto, Jessé de Andrade Alexandria, Crispiniano Neto, François Silvestre, Carlos Santos, Inácio Rodrigues Lima Neto, Airton Cilon, Thiago Galdino, Marcos Pinto, Francisco Nolasco, David Leite, Honório de Medeiros, Antonio Alvino e, devido às condições da memória, outros mais que ora não recordo.

Todos, com um nível maior ou menor de arrebatamento, buscam esse pão nosso de cada dia que resulta em crônicas, contos, romances, poemas. No que me toca, enquanto cativo deste mister de arranjar palavras e exibi-las em páginas com um mínimo de qualidade, produzo coisas desse tipo: uma crônica um tanto quanto prolixa, mas sempre com a mão na massa do verbo do qual nos alimentamos.

Marcos Ferreira é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 30/03/2025 - 05:28h

Trump é o Stalin da Direita

Por François Silvestre

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

O mundo parou de girar, estático, como toda burrice, empacou. Ninguém quer ou tenta querer fazer esse burro caminhar. Ponto.

Os astros giram, que é do feitio do Universo, o deus de Spinoza, imanente, contido em si mesmo, sem pretensão ou cobrança, sem a burrice dos ingênuos tangidos pela esperteza cretina dos larápios das igrejas. Quaisquer delas!

Voltemos pra cá, terra de Tupã, onde navega, nesse mar da idiotice, disputa política que causa canseira até no caminhar da preguiça. Não falo do animal, mas da minha própria indisposição com a apreciação do quadro.

Vejamos. O Brasil, colônia cultural incurável, doença infantil adquirida, sarampo mal curado, erisipela de crosta litorânea, viroses ideológicas dos sertões, criança mental hospedada nas cabeças de adultos atávicos. Retroativos da estupidez aqui plantada, regada e de colheita permanentemente.

Pois pois, vos digo. Nesse quadro, estamos ante nossa relação com o mundo dito civilizado. Qual? Nossa metrópole econômica, nosso modelo democrático, nossa face distorcida do espelho. Ó! Que admiração! Estados Unidos da América. O nosso complexo de inferioridade nasce aí. Portugal, uma corte mórbida, alvo de gracejos.

E quando tudo parece perdido, nesse pantanal de mediocridade, eis que surge uma lanterna na proa, iluminando as ondas do por vir. Qual? Donald Trump! O alumioso.

Trump é o Stalin do capitalismo. E se Stalin, pela truculência da estupidez mais desabrida, conseguiu matar a única alternativa possível ao capitalismo, Trump consegue agora, querendo ou não, igual a Stalin, ferir de morte o capitalismo ocidental.

Registre-se aí uma evidência histórica nunca prevista, nem imaginada. Como um equipamento astrológico, um James Webb, desvendando fatos, expondo verdades e pondo mentiras no lixo. Trump é a negação útil do capitalismo inútil. É a flecha lançada pelo arco da negação do arqueiro. O timoneiro de um barco à deriva. O idiota que mobiliza multidões de adeptos. Uns tanto, outros nem tanto, mas cada um com sua dose de idiotice.

Aí, nasce a China. Não a milenar. Não. Essa nasceu antes dos milênios. A China que nasce agora, com o stalinismo de Trump, é a parteira do ocaso do capitalismo ocidental. Transformando em caricatura do domínio financeiro um decadente império de mentira e fanfarra!.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 09/03/2025 - 05:30h

Ocaso e cerveja

Por François Silvestre

Imagem com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

Imagem com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

Envelhecer não faz ou desfaz ilusão/

não pede zelo, no desmazelo

do atropelo. Não./

 

É entre dores, saudades, confusões da mente/

a alegria de não ter morrido novo./

Só.

 

Será alegria?/ Ou apenas o consolo de ainda lhe restar/

o tempo escasso da sobremesa/ no banquete

miserável servido entre o fugaz sabor da vida?

 

Fugaz! Feito armadura num herói da mentira/ cuja espada

cai ante a vitória de um vencedor inexistente./

 

É isso? Não. Não é. A vida não é./

Qualquer verbo serve à definição da vida/

Menos o verso Ser./ A vida existe, resiste, desiste, consiste, mas não é/

A vida comporta todos os verbos,/ menos o verbo ser. A vida não É.

 

O velho se vê no espelho quebrado pela raiva do tempo./ Trincas são rugas./

Fugas da memória/ com a melancólica mentira do esquecimento.

 

Esquecer é doença?/ Não. É fuga./ Quase nojo do que persegue./ Do lembrar no que se ateve, ou deixou de atrever-se./

 

Mas, a constatação: Velho é a carcaça do herói que esqueceu de morrer novo./

E pra desvalor da própria vida,/ esbanja desmantelo de membros e cérebro.

 

Para o desfecho, volto ao título./ O ocaso da vida/ descendo nas quebradas do poente./

O sol esmorece desaquecendo até sumir./

Eu, insistente de heroísmo nenhum, perdi a chance de morrer novo/ tô vivo e contente,/ olhando pra morte e descrente,/ sem deuses pra rezar,/ sem preces pra orar,/ sem crenças de confortar,/ guardando as tardes, cada uma como seja./

Meu ocaso, minha tarde e a cerveja!

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Poesia
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 - 2º Banner - 23-05-2025
domingo - 09/03/2025 - 04:10h

Os habitantes do BCS

Por Marcos Ferreira

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

Duvidar, não duvido. Pois decerto existe no Brasil e no mundo quem desconheça o significado da nossa familiar sigla BCS, tão notória, por exemplo, quanto SUS, FBI, CIA, ONU ou a temida e extinta KGB, agência de espionagem e polícia secreta da igualmente morta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Alguém ariscará dizer, entre outros equívocos, que se trata de Banco Central da Suíça. É possível, portanto, que existam indivíduos neste planeta que nunca tenham ouvido falar no Blog Carlos Santos (BCS). Além disso, alguns terráqueos não têm conhecimento (ignorância não menos grave) do rol de colaboradores do referido Blog.

Todo domingo, desde tempos imemoriais, cabeças singulares da intelectualidade mossoroense e de além fronteiras do RN exibem as suas tintas neste ilustrado espaço de opinião, arte e cultura. Temos aqueles que marcam presença de modo bissexto, esporádico, contudo há um punhado de articulistas que muito raramente deixam uma lacuna nestas manhãs domingueiras que contam ainda com o brilho e categoria de um sem-número de leitores e comentaristas de alto nível.

Os habitantes do BCS, tanto os cronistas, os poetas, os ficcionistas e, repito, o precioso rol de leitores e comentaristas, mantêm uma sintonia e fidelidade admiráveis. Encontramos neste gueto das palavras várias cucas talentosas, beletristas de responsa. Ninguém pode se queixar da produção intelectual que os homens de engenho deitam dominicalmente entre as quatro linhas desta vitrine da prosa, do verso e, como não poderia deixar de ser, com informes do atacado e do varejo da política norte-rio-grandense, nacional e mundial. Aqui, no tocante à informação e à cultura como um todo, os leitores dispõem de grande sortimento de ideias e debates.

Sendo um pouco indiscreto, permito-me citar os nomes de expressivos escribas que têm concorrido para o brilho e sucesso do BCS. Falo, entre outros, de malhadores de teclados como o próprio Carlos Santos, Marcelo Alves Dias de Souza, Honório de Medeiros, David Leite, William Robson, Marcos Pinto, Odemirton Filho, Bruno Ernesto, François Silvestre, Marcos Araújo e, mais recentemente, surge para enriquecer o escrete um tal de Ayala Gurgel. Este último, a meu ver, representa uma das mentes mais engenhosas e prolíferas da nova ficção norte-rio-grandense.

Quem quiser que diga que estou puxando o saco do BCS e dos seus habitantes dominicais. Não tem problema. O aplauso e a vaia são livres. Vivemos (ao menos até o momento) num país democrático. Sim. A democracia esteve seriamente ameaçada no governo anterior, todavia não sucumbimos ao golpismo.

Creio que em breve o “mito” (o espírito de porco, a degradante alma sebosa que infectou o Brasil, fez pouco-caso dos mortos pela pandemia e zombou de famílias enlutadas) está prestes a conhecer as acomodações de Bangu 8 ou da Papuda. Deixem estar.

Voltando à audiência e relevância do Blog, penso que não existem por aí muitos espaços assim, com tantos e tão bons poetas e prosadores. É um ambiente digital dos mais procurados pelo público leitor. Enfim, agora parodiando aquele frevo do Caetano Veloso, digo que só não vai atrás do BCS quem já morreu.

Marcos Ferreira é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 29/12/2024 - 09:22h

Teste

Por François Silvestre

Arte ilustrativa com uso de IA do BCS

Arte ilustrativa com uso de IA do BCS

Não é uma crônica,

nem verso, só teste.

 

uma tentativa de volta,

sem revolta, sem vista ou veste.

 

Nua, quase crua, sem casa,

na rua.

 

E por falar em nua, a velhice no banheiro

é pior do que espelho.

No reflexo espelhado há cortes, escolhas de lados.

Disfarce.

Lá, recanto do banho ou descarrego,

não há escape, revela-se.

 

Pele? Que nada, descasca, sem casca.

E no despenar-se vai o resto. Que nem merece narrar.

Foi teste.

 

Viver é esperar na porta do banheiro.

Após a fila, impaciência, do desassossego que desbanca,

o alívio enfim,

E o fim é contemplar as pelancas!

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Poesia
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 - 2º Banner - 23-05-2025
domingo - 12/05/2024 - 19:14h

Esconderijo de silêncios VI

Por François Silvestre

Pesquisa em areia monazítica (Foto ilustrativa)

Pesquisa em areia monazítica (Foto ilustrativa)

Desde a partida do padre Salomão, Januária quase acostuma-se com a calmaria religiosa entre as igrejas. O novo padre, tolerante, a igreja Batista, luterana, com um pastor tradicional, os terreiros de Candomblé sem perseguição, o centro espírita kardecista, com sua politica de caridade, e os ateus, minoritários, a fazer pouco caso de todas elas. Estava assim.

Estava. Januária começou a experimentar o abate de silêncios da contemporaneidade. O padre Thiago foi chamado às pressas por ordem do arcebispo da Diocese. Mal teve tempo de repassar orientações ao sacristão Teófilo. Ao mesmo tempo, chega em Januária um grupo de geólogos munidos de vasta bagagem de equipamentos. Verdadeira parafernália de furadoras, máquinas de escavação, lentes grossas, instrumentos variados e desconhecidos do lugar, além de vasilhas contendo inúmeros insumos químicos.

O que há de relação? Tudo. Na Diocese, o vigário de Januária é alertado para problemas futuros na sua paróquia. Que certamente terminará com a paz religiosa ali reinante. Por conta da religião? Não. Envolvendo as igrejas? Sim. Por que sim e não? Porque o envolvimento é financeiro e político, tendo a religião e, por via de consequência, as igrejas no bolo misturado, cujos ingredientes são a fé dos ingênuos, a pregação do terror, a invenção de milagres, o jejum da verdade, fartura da mentira, tudo em forno brando, lento, consumindo crenças e disseminando medos.

Foi (não se sabe como nem quando, dos silêncios antigos), descoberta uma rica mina de areia monazítica nas proximidades de Januária. E ainda a suspeita de petróleo nos escondidos do seu solo. Daí a equipe de geólogos. O padre recebe orientações e informações sobre tudo.

Era guerra pela frente. Um “pastor” famoso de uma pseudo igreja, Vitória em Cristo, estava afivelando as malas para hospedar-se em Januária. Ambição que põe diariamente Cristo de volta na cruz. Esse “pastor” aspeado de título e desprovido de moral foi quem bancou e remeteu a Januária os profissionais da geologia. Mas haveria um preparo. Os geólogos não poderiam informar sobre as reais intenções da pesquisa. Primeiramente seria fundada a Igreja do Fariseu nacional. Ele iria preparar a população para justificar seus intentos.

Veja capítulos anteriores

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia tambémEsconderijo de silêncios II

Leia tambémEsconderijo de silêncios III

Leia tambémEsconderijo de silêncios IV

Leia também: Esconderijo de silêncios V

Ocorre que a igreja católica, pelo viés dos seus altares e informantes, descobriu a marmota. E resolveu prevenir-se. Mais um dos silêncios abatido em pleno voo.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance
domingo - 05/05/2024 - 09:54h

E quando morrer?

Por François Silvestremorrer-linha-no-monitor-600x400

Ao nascer, nem lembro quando,

se chorei, nasci.

 

Infância de grotas,

chãs, pé de serra,

frutas, sacristias, chuva e seca,

se brinquei,

sorri.

 

Adolescência,

remanso das dúvidas,

morrem as certezas, velório das crenças,

era a passagem,

saí.

 

Maturidade,

o toque da ida,

o fazer ou desfazer,

ansiedade ou prazer,

em todas as estações, de cada idade,

Verão, praias cheias de gente vazia,

Inverno, neve de algodão, nas barbas do Nicolau,

tudo suavemente falso,

Outono, frutas nas bancas das calçadas,

Primavera, flores de plástico nos vasos das janelas.

 

Vida? Foi isso,

depois de nascer parti.

 

E quando morrer?

Morri.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Poesia
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 14/04/2024 - 08:28h

Esconderijo de silêncios V

Ilustração de Arquivo

Ilustração de Arquivo

Por François Silvestre

A chegada de novo pároco em Januária atiçou a curiosidade noturna dos habitantes. O que houvera de fato? O sacristão segurava-se na promessa feita ao padre Salomão. O novo padre, jovem, foi alvo de assédios e bajulações. Desde aquele episódio do “pastor” envolvido em falcatruas e outras sujeiras, a igreja católica de Januária havia recuperado prestígio e angariado novos praticantes.

Agora, era a igreja romana que se via no enrolado de um silêncio. Assim, no singular, como gostava Saramago. O que houvera?

Na madrugada daquele dia, uma semana após a chegado do padre Thiago, a pensão de dona Olívia recebe dois forasteiros. Dois rapazes e uma moça portando vários equipamentos de filmagens e fotos. Máquinas e tripés. Januária amanhece alvoroçada. Ao chegarem à igreja matriz, os visitantes se apresentaram ao padre.

Fariam uma reportagem sobre o padre Salomão, Antecessor do jovem pároco. Ou melhor, uma matéria sobre a vida do padre destituído naquela localidade. Posto que, sobre o próprio padre Salomão, eles é que sabiam das coisas que Januária desconhecia.

Ouvindo a explicação dos forasteiros ao padre Thiago, o sacristão resolveu contar o que sabia. Pois fora superficialmente informado por aquela comissão que viera buscar o velho padre. Tudo girava em torno do “segredo” vazado da confissão.

De tempos antigos, anos de chumbo, o padre Salomão fora capelão do Regimento de Infantaria do Exército, em Recife. E nessa condição, prestara serviços inconfessáveis aos órgãos de repressão. Dentre esses préstimos, o uso do confessionário para obter informações que repassava aos policiais, nos “inquéritos” da repressão política. Presos políticos, sob tortura, muitos deles católicos, prestavam-se “ao conforto” do confessionário. Confessor? Padre Salomão.

Como fora desmascarado comprovadamente? Conto. Um seminarista de São Paulo, preso juntamente com frades beneditinos, foi transferido para Recife, por ter sido citado num inquérito ali instaurado. Corria o boato das suspeitas sobre o confessor capelão. O seminarista, ardilosamente, pede para se confessar. E na confissão, conta ao padre Salomão que participara de uma queima de canavial, em Nazaré da Mata, nominando mês, dia, horas. Ele sabia do fato e o fato ocorrera. Colocou-se na cena do ato. Não deu outra. O padre repassa a informação.

O seminarista é interrogado sobre aquele ato terrorista, apanha pra confessar aos torturadores. Informa, contudo, que era impossível sua participação naquele dia, daquele mês, pois estava preso em São Paulo. Confrontada a informação, atestou-se que era impossível ele estar em São Paulo e Recife no mesmo dia. Ubiquidade anulada por si mesma.

Veja capítulos anteriores

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia tambémEsconderijo de silêncios II

Leia tambémEsconderijo de silêncios III

Leia também: Esconderijo de silêncios IV

Porém, nem os investigadores e muito menos o padre queriam a publicidade da desmoralização. Retiram o seminarista daquele inquérito, mantendo-o no outro, e transferem o padre Salomão pros cafundós do Judas. Onde? Januária. Esconderijo de silêncios.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance
segunda-feira - 01/04/2024 - 19:10h
Golpe militar

Não foi ontem, e sim hoje

Por François Silvestre

Foto captada na Web, sem identificação de autoria

Foto captada na Web, sem identificação de autoria

O golpe militar, com apoio ostensivo da imprensa e setores reacionários de civis, inclusive partidos políticos, não se consolidou dia 31 de Março (1964), ontem, mas dia Primeiro de Abril. Ontem não foi o dia de comemorar, para uns, nem condenar, para outros.

Isso tem importância? Sim e não. Até porque datas em dias ou meses não refletem corretamente o que ocorre na História. Esse golpe foi maturado desde a redemocratização, em 1946. A queda da ditadura Vargas deixou sequelas nos seus adversários de sentimentos incuráveis. Pelo motivo simples de explicação.

Todas as eleições seguidas de 1945 em diante, teve um ou mais militar da Direita, sob a liderança do general Canrobert Pereira da Costa, contra alguém getulista ou remanescente do governo ditatorial de Vargas, sob a liderança do general Newton de Estilac Leal.

Em 45, General Dutra contra Eduardo Gomes. O primeiro, ex-ministro de Getúlio, por ele apoiado. O segundo, apoiado pela direita udenista e anti-getulista. Quem venceu? O getulismo. 1950, De novo Eduardo Gomes contra o próprio Getúlio. Venceu o ex-ditador, agora transformado em democrata e líder da luta trabalhista. Em 55, O general Juarez Távora contra o getulista Juscelino Kubitschek. Venceu JK.

Em 1960, finalmente a direita vence. Jânio Quadros derrota o general Teixeira Lott. Sossega o firo? Não. Jânio renuncia, com sete meses de governo, e assume o poder João Goulart, getulista da gema. Espécie de filho político de Getúlio.

Durante todo esse período houve incontáveis tentativas de golpes. Uns esclarecidos e conhecidos, outros abafados. Mas isso é outra história.

Nos fins de Março de 1964, a milicada conspirava a céu aberto. Sob o olhar incompetente e conivente da Esquerda e do próprio Jango. Quando o general Mourão Filho mobilizou tropas em Minas, elas seriam facilmente barradas pelo Segundo Exército, de São Paulo, chefiado pelo general Amaury Kruel, compadre de Jango, que fora seu padrinho de casamento.

Em vez de Jango ir pra São Paulo, de onde barraria o golpe, foi pro Rio Grande do Sul, onde o general Ladário nada podia fazer, pois até o governo local era aliado dos golpistas. Conta-se que Kruel foi cooptado pelo embaixador americano, com uma malinha de duzentos mil dólares. Dali saiu de São Paulo e cercou o Rio.

Foi no dia primeiro de Abril que o golpe se consolidou. Com o ódio antigo de Moura Andrade contra Jango, declarando vaga a presidência da Republica, na condição de presidente do Congresso. Na hora, recebeu uma cusparada do Deputado paulista Roger Ferreira e os gritos de “Canalha..canalha”… de Tancredo Neves. Estava ali consolidado o golpe, com Jango ainda no Brasil, saindo depois para o Uruguai.

Repetição da História; Jango no Uruguai, a tragédia. Bolsonaro na Hungria, a farsa. Hoje (1º de Abril) é o dia.

Acompanhe o Blog Carlos Santos pelo Twitter AQUI, Instagram AQUI, Facebook AQUI e YouTube AQUI.

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica / Política
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 - 2º Banner - 23-05-2025
domingo - 31/03/2024 - 06:30h

Esconderijo de silêncios IV

Ilustração

Ilustração

Por François Silvestre

Januária adormeceu tranquila, naquela Sexta-Feira da Paixão. Não se pode dizer que tenha amanhecido na mesma tranquilidade no Sábado de Aleluia. O primeiro susto foi o “silêncio” do sino principal, aspeado por não existir silêncio singular.

Nenhuma badalada, nas horas do hábito. E se o hábito não faz o monge, os silêncios escondidos fazem os hábitos do lugar. Corre corre entre carolas e praticantes. Quem sabe do padre Salomão? Sumiu. Perguntas, questões, cochichos, informações desencontradas, cadê o padre Salomão?

Alguém sabia de algo, como diria Castilho da Redinha. Pois foi. Alguém sabia, seria esbanjado aos ouvidos e ventos mais um dos silêncios de Januária. O sacristão Teófilo, quase continuação do padre, que sabia de cor a missa latina, Introibo ad altare Dei, ad Deum qui laetificat juventudte mea,..(assim começava), contou o que houvera na madrugada.

Uma comissão viera e levara o padre. Grupo formado por um advogado, um padre, um agente da polícia e um parente do padre Salomão. Tudo motivado por denúncias de rompimento de preceitos sacerdotais. Teófilo ouvia tudo abismado.

Havia uma papelada que foi entregue ao padre, com os motivos daquela inconveniente visita. O padre foi informado de que não estava obrigado a segui-los, porém, caso não o fizesse, tudo seria contado à população de Januária, na manhã daquele Sábado. Aceitando ir com o grupo, para Recife, só o sacristão ficaria sabendo. E Teófilo prometeu ao amigo padre que “seria um túmulo”.

Padre Salomão partiu e deixou o Sábado de Januária aos sussurros. O sacristão Teófilo virou alvo de assédios, perguntas e até ameaças. Mas, segurou um daqueles silêncios por algum tempo…só por algum tempo. Que não há língua de ferro que não enferruje.

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia também: Esconderijo de silêncios II

Leia também: Esconderijo de silêncios III

Depois, logo logo, a continuação desse ex-silêncio abatido em pleno voo… Januária tinha assunto pra desfrutar a Páscoa, mesmo com o sino silenciado.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance
domingo - 24/03/2024 - 07:36h

Esconderijo de silêncios III

Por François Silvestre

Ilustração da Freepik

Ilustração da Freepik

Em Januária não existem segredos, silêncios há. E se por hábito ou acaso, nunca se sabe, um silêncio cai na teia que o espera, ocorre sempre ao esconder-se do sol.

Tem sido assim, na monotonia diária dos viventes de Januária.

Seu Ramiro chegou por essas bandas há muito tempo. Sem fazer amizades, mas tratando com polidez qualquer um com quem tratasse. Comprou uma casa velha, incluindo um terreno amplo, nos arredores do lugar. Fez reforma, deixando a moradia com boa apresentação. Ele e sua filha, que também vivia isolada.

Durante os dias, pouco se via movimento por lá. Seu Ramiro saía pra pescar ou caçar, vez ou outra. Uma mulher, viúva, que morava perto deles tentou e conseguiu, na ausência do pai, aproximar-se da filha. Ao entrar na casa percebeu que não havia rádio nem televisão. Com o passar do tempo conquistou o afeto da jovem moça. Ficou sabendo que seu Ramiro não queria contato com o mundo exterior, nem por meio eletrônico. Televisão, rádio, telefone, nada.

Com essa amizade, Mayra aproveitava a ausência do pai para ver televisão na casa da viúva. Só que o fazia da janela, onde se debruçava pra divertir-se com novelas. Da posição em que estava podia ver de longe a aproximação de seu Ramiro. Dona Célia, a viúva, pôs a tevê num jeito que facilitava o acesso à jovem amiga.

Todo fim de mês, seu Ramiro viajava a Fortaleza, capital do Ceará, religiosamente. De lá trazia perfumes, roupas para Mayra, e apetrechos de caça e pesca. Rotina certa e repetida. Nesses dias, Mayra via televisão no conforto de um sofá.

Até que, numa dessas viagens, seu Ramiro não voltou. Ou melhor, voltou de madrugada, pegou dinheiro e documentos num cofre que tinha em casa, disse à filha que daria notícias. E antes do sol nascer, partiu. No mesmo táxi que o trouxera. Noticias nunca chegaram. Isto é, de seu Ramiro para Mayra. Sobre ele chegaram notícias aos borbotões.

Apareceu um grupo de tevê, em Januária. Montaram os equipamentos no terreiro da casa onde agora estava sozinha a filha de seu Ramiro. Ela foi informada dos fatos. E surpreendentemente ela era portadora de silêncios que deixaram todos tontos. Primeiro, não era filha de seu Ramiro. Fora tirada por ele de um grupo de ciganos, acampados em Pocinhos, cidade próxima de Campina Grande, Paraíba, e de lá trazida para Januária.

Tinha apenas quatorze anos. Era mulher, e não filha de seu Ramiro. Fora comprada, ou trocada. Mas, ao contar, não dizia isso. “Cigano não vende nem compra, cigano troca. Eu fui trocada por dinheiros”. Era o grupo do cigano Honorato.

E Ramiro? Sumira por quê? Foi silêncio morto de história cabeluda. Um investigador angolano, ajudado por um jornalista português, fez amizade, em Fortaleza, com um professor universitário que era especialista nas lutas libertárias da África contra a exploração europeia.

Houve tempos em que rastros se faziam pelos pés no chão. Depois, rastreava-se por ondas de telégrafos, rádios e televisão. Hoje, rastros se fazem sem tocar em nada. Moveu-se, tem rastro. Se pensar alto, também. Vinham cercando seu Ramiro, nas suas idas a Fortaleza, onde ele sacava a pensão vitalícia dos mercenários. Quem fora ele? Muita coisa, todas ruins. Mercenário de exércitos clandestinos destacados na África. Angola, Moçambique, Serra Leoa, Cabo Verde.

Não se chamava Ramiro. Era Benito. Filho de pai italiano com mãe brasileira. Voltou para o Brasil e integrou-se em grupos do CCC, (Comando de Caça aos Comunistas) para perseguir, prender e matar subversivos. Operários ou estudantes que faziam oposição à Ditadura. Fez amizade com um torturador brasileiro, major do Exército, de codinome Índio, citado no Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo.

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia também: Esconderijo de silêncios II

Esse Índio foi quem torturou o escritor Paulo Coelho. Silêncio abatido, Januária amanhece como todos os dias. Enganando o sol e zombando da sua claridade. Porém, nem o silêncio evita rastros.

Mayra não se chamava Mayra. Era Whita, divindade cigana do amor. Conseguiu com os repórteres que a levassem de volta para Campina Grande, onde morava um irmão seu, de nome Stívan, que largara o bando e se casara com uma paraibana. Ainda demora o por do sol, com outro silêncio na espreita.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 17/03/2024 - 06:36h

Esconderijo de silêncios – II

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Por François Silvestre

O sol começou a desvendar Januária, que parece enfraquecer sua guarda de silêncios. Nessa tarde, o poente ficou mais aceso, menos opaco, como diria dona Zélia, diretora do grupo escolar.

Tudo começa num velório. Ou melhor, não é tudo que começa, pois antigo foi, começa a desesconder-se um silêncio de Januária. Morreu o pastor da principal igreja evangélica do lugar. Pastor Luciano, coronel da reserva do Exército.

A viúva, dona Marcelina, espera ansiosa. Os habitantes também. Será que e ele vem? Veio. Parou um carro com placa de longe. Desce um rapaz de barba rala, calça de linho, camisa de jeans. “É Artuzinho”, quase não consegue falar dona Marcelina. Abraçam-se. Ela chorando muito. Agarrava o filho, beijava-o. Ele, sisudo. Beijou-a na testa. Nem olhou para o caixão do morto. A quase totalidade dos presentes não entendia nada.

Era uma família tão unida. Pai e filho viviam juntos. Onde um, tava o outro. Caça, pescaria, igreja, qualquer lugar. Nem todos estavam surpresos. Antonieta e Zé de Titico sabiam de tudo. E este silêncio, pelo menos este, abandonou o esconderijo de Januária.

Artur viajou com os pais para Recife, onde iria submeter-se ao vestibular de medicina. Passou. Ainda veio a Januária no primeiro ano de faculdade. Depois, sumiu.

Volta no tempo, Ditadura militar, “governo Médici”. Uma sala escura e fétida, no Cais de Santa Rita, servia para “interrogatórios” do Doi-Codi, Policia Federal e policia civil do Dops. Naquela manhã, morria sob tortura um estudante alagoano, de nome Jarbas, e sua mulher, Lucinda, também torturada, acabara de dar à luz. Pouco tempo após o parto, ela também morre.

Na Faculdade de Medicina, uma solenidade para leitura de nomes revelados pela comissão da Verdade. Presos, torturados, torturadores. Artur ouve um nome. Coronel Luciano Carneiro Leão. Na relação dos torturadores. Não era nome comum. Família tradicional do Recife. Artur lembrava do seu pai dizendo isso. Comentou com amigos. E mostrou seus documentos.

Alvoroço. Ex-presos, parentes dos desaparecidos, colegas, foram à pesquisa. A data de nascimento de Artur coincidia com o dia da morte de Jarbas e Lucinda. “Seu pai é o torturador Luciano”. O mundo abaixo na cabeça de Artur. Cujo nome foi homenagem ao ditador antecessor de Médici. Artur da Costa e Silva.

Voltando a Januária, naquela semana, não foi difícil conseguir a confissão dos pais. Ameaçou exame de DNA. Prometeu silêncio caso confessassem. A mãe, incapacitada de engravidar, esperara muitos anos um filho adotivo para criar. Aconteceu.

Criado com muito esmero pelo assassino dos seus pais. O “pai” assassino, torturador, a “mãe” cúmplice do hediondo e incomparável crime. Na sala do velório, o sol despedia-se pelas frestas da vasta janela da “sagrada” igreja onde tanto falara em Cristo o coronel pastor Luciano. Artur mudou-se para Maceió, conheceu sua família, viu fotos, encontrou parentes e descobriu semelhanças. Depois, o próximo silêncio.

François Silvestre é escritor

Leia tambémEsconderijo de silêncios.

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance
domingo - 10/03/2024 - 09:02h

Esconderijo de silêncios

Por François Silvestreolhos negros, mulher, olhos

Januária adormece antes da despedida do sol. É o que se ouve, ou se ouvia, entre suas veredas. O sol vai se esvaindo sem muita vontade, amarelando, desesquentando, como se quisesse ouvir os sussurros que Januária não quer que ele ouça, ou veja pelas frestas da sua luminosidade esmaecida.

As ruelas, de calçamentos irregulares, de buracos nunca tapados, convergem todas para sua praça cor de jegue; isso mesmo, meio cinza, meio bege, onde ergue-se a igreja matriz. Três sinos. O da esquerda, inútil. Pois trincado por um raio, nunca foi recuperado. O da direita, fanho, não se usa. Resta o que divide o olhar da rua com a nave principal do templo.

Toca todo dia, às seis da tarde. Hora do Ângelus. Quando seus moradores acendem as luzes para a visita passageira de Maria. Antigamente, contam, eram faróis de manga incandescente, nas casas dos ricos, ou lamparinas nas casas dos pobres.

Mas Januária é um refúgios de silêncios. Onde eles se aboletam, se espremem, se hospedam. Não existe o silêncio. Em Januária, silêncios há. O único de todos os substantivos que só há no plural. No universo não há o silêncio. Há silêncios em Januária.

Antes do sol deitar-se no aconchego da sua poente cama, como se fosse de Procusto, aquela cama da mitologia, em que o dono da hospedaria esticava as pernas do hóspede quando menores do que a cama, ou as serrava quando maiores. É assim que o sol se deita em Januária. Tentado ouvir algum dos silêncios ali escondidos.

E os há. Na próxima semana contarei o primeiro.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 - 2º Banner - 23-05-2025
domingo - 03/03/2024 - 05:28h

Os cães cariocas

Por François Silvestre

Praça de lazer exclusiva para cães no RJ-RJ, na Praça do Lido,  Copacabana (Foto: PMRJ)

Praça de lazer exclusiva para cães no RJ-RJ, na Praça do Lido, Copacabana (Foto: PMRJ)

A cidade do Rio de Janeiro tem aproximadamente sete milhões de habitantes. E talvez o dobro disso de cães. População canina maior que humana. A cidade é um estuário de miséria humana; com mendigos, assaltantes e dormidores nas calçadas.

Na madrugada ou ao amanhecer, os depósitos de lixo postos nas ruas dos prédios de classe média são revirados por estes dormidores. Quando os carros de coleta chegam, muito desse lixo resta espalhado pela rua.

Aí você talvez pergunte: “e os cães também soltos na rua”? Não. Absolutamente não. Não há cão abandonado no Rio. Pelo menos nesses bairros de classe média. Nenhum. São cães criados e bem criados. Madames que passeiam nas ruas, supermercados, praias, bares, com seu cão de colo. E mais os membros da família. Companheiro, filhos, também levando cães no colo ou pela coleira.

No final da tarde, você vê cuidadores conduzindo dezenas de cães, que serão devolvidos nos apartamentos. No bar onde você estiver, haverá sempre alguém com o seu ou seus cães. E não raro, vira um festival de latidos quando chega outrem também conduzindo mais um ou mais cães.

Porém, entretanto, mas porém, como diria Zé Limeira, você nunca verá um cão abandonado nas ruas do Rio de Janeiro. Esse lugar de abandono é propriedade dos humanos.

Aí vem, na memória, um verso meu antigo escrito num guardanapo de um barzinho no Bairro da Glória: O verso de Gil perdeu encanto,/ As pedras que cercam o Rio/ continuam belas,/ Mas a cidade cercada por elas,/ nem tanto.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
quarta-feira - 28/02/2024 - 05:28h
Opinião

Povo e o fascismo pentecostal

Por François Silvestrepovo, gente, sociedade,humanidade,multidão, civilizaçõ

Um milhão de pessoas na rua, numa manifestação, não é Povo. Nem dez milhões, nem cem milhões. É Massa. Merece respeito? Sim. Mas não é povo. Povo é o conjunto de todos de um país, cada um compreendido na sua individualidade. Quando parte desse todo se junta, por qualquer motivo, seja politico, esportivo, festivo ou de qualquer outra natureza, aí não está o povo. Está a massa.

Antes do Povo está a Nação. Num país constitucionalmente organizado foi a Nação que instituiu a ordem constitucional. A Constituinte é obra da Nação. Promulgada, a Nação se afasta e entrega ao Estado a gerência das coisas do Povo. E este está na individualidade de cada um. Nas suas atividades diárias, no seu trabalho, na sua arte, no seu pensamento e na sua obra de vida. E a Pátria? Esta é o estuário simbólico que representa a Nação e acolhe o Povo. Ensinou Rui Barbosa, “A Pátria não é ninguém, são Todos”.

Quando um simulacro de cristão, empresário de negócios da fé, cultivador de riquezas amealhadas sob a enganação de ingênuos, sacripanta das escrituras bíblicas, chama um aglomerado de Povo, e diz está ali o poder supremo do Estado, não apenas confessa ignorância. Comete crime de lesa pátria.

O Brasil enfrenta esse monstrengo de “cristianismo” que nada tem a ver com Jesus Cristo. Absolutamente nada. Esse pentecostalismo escasso de cristianismo é o mesmo que Jesus expulsou do templo a chibatadas. É o mesmo farisaísmo denunciado por Cristo e por Paulo. Alertado por Lucas, por João e por Marcos.

Esse esperneio tem método. O chefe com medo da cadeia. O porta-voz, ou voz de porca, com medo de perder dinheiro, com a notória decadência da sua empresa, que ele denomina espertamente de “igreja”. Com essa denominação ele mata dois bacorinhos. Toma dinheiro dos ingênuos e sonega impostos ao Estado.

Acompanhe o Blog Carlos Santos pelo Twitter AQUI, Instagram AQUI, Facebook AQUI e YouTube AQUI.

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 - 2º Banner - 23-05-2025
domingo - 25/02/2024 - 08:02h

Pequeno burguês de esquerda

Foto: I Stock

Foto: I Stock

Por François Silvestre

Certa vez, um comentarista do Blog Carlos Santos, pensando me agredir, chamou-me de ex-comunista. Eu respondi confirmando, para desencanto dele. Disse, na época, que concordava com a afirmação. E que fora de fato comunista, ou pelo menos pensava que o fora.

Digo que pensava porque havia quem não me considerasse como tal. Isso mesmo. Os comunistas tradicionais, da cartilha stalinista, nunca me consideraram comunista. À exceção dos quadros do PCR. Nomes importantes da resistência democrática. Lembro agora Emmanoel Bezerra, Manoel Lisboa, Leonardo Cavalcanti, Dionary Sarmento. Os dois primeiros mortos sob tortura, os outros dois presos e torturados. Mas isso é outra história.

O certo mesmo é que o comunismo sino soviético foi uma tragédia fantasiada de alternativa. Tragédia não apenas pela prática da violência, mas pelo delito histórico de ter ofertado ao capitalismo a bandeira das liberdades fundamentais. Presente indevido a presenteado imerecido. O capitalismo foi e sempre será o regime da exploração humana.

Toda crítica do capitalismo à violência, à opressão, e à miséria é tão somente um estuário de hipocrisia e farisaísmo. Hipócritas e exploradores da condição humana. O sinosovietismo deu ao capitalismo sobrevida e argumentos. Mas não conseguiu lhe dar vergonha.

O comunismo morreu para o capitalismo continuar matando.

Então, isso dito, reafirmo como verídica a crítica dos stalinistas sobre mim. De fato eu sou o que eles disseram que eu era. Apenas um pequeno burguês de esquerda. Ou como disse Ângelo da Costa Neto, filho de seu Luis Lino, sou um esquerdista cervegista. Não consegui até hoje enxergar dignidade humana no capitalismo.

É isso aí.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
sábado - 04/11/2023 - 04:06h
François e Vandré

Em algum lugar do presente

François Silvestre e Geraldo Vandré têm histórias (Foto 1, arquivo; Foto 2, Folha, Junho de 2023)

François Silvestre e Geraldo Vandré têm histórias (Foto 1, arquivo; Foto 2, Folha, Junho de 2023)

Eles se conheceram nos anos de chumbo, ali naquele burburinho da pauliceia desvairada. Um, já artista da canção de protesto; o outro, na redação de jornais impressos como a Gazeta do Brás.

Mas, faz uma pá de tempo que não se veem nem se falam.

Em consulta a meus búzios e bola de cristal, os sinalizadores apontam que a tecnologia do celular poderá encurtar essa distância entre o compositor/cantor Geraldo Vandré e o escritor e colaborador do Nosso Blog, François Silvestre.

Do lanterninha pro smartphone, Silvestre já conseguiu fazer transição numa boa, o que é um grande avanço.

O amor de avô, é certo, o empurrou à modernidade.

Daqui a pouco, ele e Vandré (de audição curta e reclusão por escolha pessoal) marcam um encontro para atualização da conversa, prospecção de reminiscências e inventário da própria vida e deste país. Pindorama rende muito.

Caminhando e cantando, quem sabe, né?

Fico na escuta. Ou consultarei novamente os meus búzios e bola de cristal para atualizar os fatos.

Acompanhe o Blog Carlos Santos pelo Twitter AQUI, Instagram AQUI, Threads AQUI, Facebook AQUI e YouTube AQUI.

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 - 2º Banner - 23-05-2025
domingo - 22/10/2023 - 06:48h

Desaforismos ao pé do chope

Por François Silvestre

Foto ilustrativa do Jornal Novo Horizonte

Foto ilustrativa do Jornal Novo Horizonte

I- Se em cada cabeça, uma sentença; em cada bunda, uma sentada.

II- Tolstói disse que “certas pessoas ao entrarem numa floresta, só veem lenha para a fogueira”. Hoje, muita gente olha para para a multidão e só vê cadáveres.

III- Marx foi o maior conhecedor e decifrador do capitalismo. Ninguém o conheceu mais do que ele. Mas, ao prever como sucedâneo salvador o comunismo, errou profundamente. Do capitalismo, que conhecia, sabia tudo. Do comunismo, que previu, sabia nada. Sobre o capitalismo, sua obra é um monumento. Sobre o comunismo, sua previsão foi um monumental equívoco.

IV- Pela boca ninguém aprende nada. Pode até ensinar; aprender, não. De aprender, os olhos e os ouvidos. Ao ler ou observar, ouvir ou escutar.

V- Mesmo um sendo e o outro saindo do mesmo lugar, não são a mesma coisa o olho e o olhar. O dono tem o olho, o olhar é o dedo duro do dono.

VI- No Brasil, o comunismo nunca teve chance de poder. Foi sempre irrelevante e minoritário. Sempre. Porém, também sempre foi usado como pretexto para golpes ou tentativas de golpes. Os espertos golpistas o usam, como espantalho, para assustar os idiotas. E estes acreditam exatamente pela idiotice que os agasalha.

VII- O fascismo existe, mas não é uma ideologia. É um atributo comportamental por deformação moral. O progressista que, na rua, defende a diversidade e, em casa, reprime os diferentes, é fascista. Seu progressismo é de mentira. Stálin e Hitler eram fascistas.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 17/09/2023 - 06:34h

A tribuna da defesa…

Por François Silvestre

Foto ilustrativa do Istockphoto

Foto ilustrativa do Istockphoto

…no processo criminal.

Não há hierarquia entre Juiz, Promotor e Advogado. Nenhuma hierarquia. Todos iguais, essenciais e indispensáveis à administração da Justiça. Mesmo que algum juiz se imagine Alá, algum promotor se ache Maomé, ambos são igualmente equiparados ao advogado. Todos mundanamente humanos. Isso é pressuposto teórico? Não. Isso é conceituação filosófica? Não. É comando legal. Disposição expressa em Lei.

Dito isso, desço da abstração e venho ao fato concreto. O julgamento dos atentados à Democracia e tentativa de Golpe de Estado. O primeiro delito, consumado. O segundo, só se configura na tentativa. Posto que, consumado, deixa de haver “delito” e o golpista passa a ser o executor da “nova ordem”. Elementar, meu caro Watson.

Filiado que fui à Escola Clássica do Direito Penal, na minha atividade de criminalista, na Tribuna da Defesa, na qual se firmam os princípios da defesa plena, presunção de inocência, dúvida favorecendo o réu e Devido Processo Legal.

Aliás, é preciso acentuar a categoria gramatical dessa palavra “devido”, nessa expressão. Não é adjetivo, como se você dissesse o regular processo legal, o normal processo legal. Não. Devido, aí, é particípio do verbo Dever. O Estado deve ao indivíduo um processo legal para investigá-lo, processá-lo, julgá-lo, condená-lo ou absolvê-lo. Dívida do Estado estabelecida em Lei.

Ponto pacífico. Voltando ao julgamento dos atos terroristas do maior rebanho de jumentos bípedes de que se tem notícia nesses tempos de aridez intelectual. Mais precários mentais do que os próprios acusados, só os seus advogados de “defesa”. Não atacam qualquer ponto da acusação, nada.

Fazem discurso tosco, beirando a cretinice, e nenhuma tese que ajude, pelo menos, a minorar o grau das penas. Uma lástima, que deixaria abismado qualquer rábula esperto dos que havia, e bons, no sertão de antigamente. Na comparação com estes de agora, Quintino Cunha seria um Nicola Malatesta.

Quer ver uma tese de favorecimento? A produção de prova contra si. É ruim pra defesa? Não. É ótimo. É ruim pro réu, mas é ótima para a defesa. Vejamos. O que é a confissão? É o ato de assumir o delito. Qual a sua consequência? Atenuar a pena do réu, pelo argumento da colaboração com a Justiça. Reduz custo processual, facilita a decisão do juiz e esvazia o argumento do recurso. Qual a consequência da prova produzida contra si? A mesma da confissão. Facilita a decisão, reduz custo processual. Ora, se guarda consequências iguais, merece atenuantes iguais. E não agravamento. Nenhum jegue, desses da defesa, até agora, atentou pra isso. Com o mérito de que o produtor de prova contra si, não se via como praticante do delito.

Mas isso é cacoete de advogado de defesa. A certeza, no julgamento criminal, é um céu azul completo. Qualquer nesga de nuvem é dúvida. E na dúvida, o benefício é do réu. Nessa tese há uma atenuante de fácil compreensão. Se não absolutória, com certeza atenuante. Redutora de pena.

Taí. Da tragédia do Calvário, pobres diabos arrastam suas cruzes, defendidos por falsários e fariseus, na repetição da farsa, que os imolarão no alto de um Gólgota de mentira.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.