Por Odemirton Filho
“Batidas na porta da frente é o tempo; eu bebo um pouquinho pra ter argumento”. Assim diz um fragmento da linda canção (Resposta ao tempo) composta por Aldir Blanc e Cristóvão Bastos, cantada na bela voz de Nana Caymmi.
O tempo está passando. Eu me volto para o passado. Observo o que fiz. Mas, principalmente, o que não fiz. Faltam argumentos para contestar o tempo. Ele, o tempo, é implacável. Por que deixei de viver? Por que não fiz aquilo que me deu na telha? Talvez seja tarde. Ou não. Sempre há tempo quando se quer.
O tempo caminha a passos largos. A minha infância foi até onze anos de idade. Vejam só: onze anos! A partir dos doze anos a pessoa é considerada adolescente; aos dezoito, adulto, porque já responde civil e penalmente pelos seus atos.
Eu sei. O que determina a idade é o espírito e a vontade de viver, embora com o tempo a gente sinta o peso das pernas. Mas eu creio que sorri pouco. Chorei menos ainda. Deixei que a vergonha prendesse minhas lágrimas. Agora, tô nem aí!
Eu era pra ter brincado mais com os meus filhos; era pra ter tomado mais banho de mar na minha Tibau. Eu era pra ter aproveitado mais a companhia dos meus pais. Ter escutado as suas histórias de vida. Os seus sonhos; os seus medos. Felizmente, ainda há tempo.
Hoje, eu não deixo de aguar as plantas do meu quintal. Acho bonitas as rosas do deserto. E espero que desabrochem. Tomo meu café; uma dose de cana ou de uísque. Viajo pra onde a minha grana permite. Quando não permite, viajo nos meus pensamentos.
E o tempo vai passando, passando. E eu ainda acho que não aproveito cada segundo como deveria. Fico preso nas obrigações e preocupações do dia a dia. E tenho saudade do que não vivi, como se diz por aí.
Diz-me o tempo: sorria; chore; ame.
Sim, o tempo furtou a minha juventude. Mas, doutro lado, deu-me a oportunidade de rever conceitos; atitudes. Se não aproveitei, e não aproveito, a culpa é minha. Só minha. O tempo me ensinou tantas coisas, repassou-me valorosas lições. Às vezes, porém, penso que aprendi tão pouco.
Aliás, um dia desses eu recebi uma mensagem do nosso artesão das palavras, Marcos Ferreira. Era uma citação de Dostoiévski:
“Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram”.
Resposta ao Tempo
Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter
ArgumentoMas fico sem jeito calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não seiNum dia azul de verão
Sinto o vento
Há folhas no meu coração
É o tempoRecordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não seiE gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
SozinhosRespondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu despertoE o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviverNo fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecerRespondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu despertoE o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviverNo fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, e ele não vai poder
Me esquecer
Pois é. Eu vejo o tempo correr, mas fico preso em uma gaiola.
Eu acho que “o tempo sabe passar, e eu não sei”.
Ou talvez “eu seja uma eterna criança, que não soube amadurecer”.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça
Desta vez o cronista Odemirton foi fundo e nos alerta para o tempo que deixamos escapar por aceitarmos as limitações da gaiola medo.
E ainda nos brindou com uma bela música com direito a ouvi-la acompanhando a letra.
Parabéns.
Excelente !!!