• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
sexta-feira - 16/03/2018 - 11:24h
Vá em paz!

Não choro por ti, Marielle!

Início deste mês, uma menina de 5 anos morreu em decorrência de espancamento provocado pelos próprios país, segundo atestou um inquérito policial no interior de São  Paulo. Na segunda-feira (12), mais um policial, pai de família, foi morto na Linha Amarela – Rio de Janeiro.

Os dois casos ocorreram em estados distantes do lugar em que vivo; nenhuma das pessoas envolvidas era figura pública, midiática etc.

Como não se comover com essas barbaridades?

Seus nomes? Não sei, francamente nem procurei saber. Evito o detalhismo sádico de casos dessa natureza.

Acho que isso é compaixão: sentir a dor por outro, absorver o sofrimento alheio.

Agora me aparece Marielle, Marielle Franco, uma vereadora carioca, descendente de negros, nascida e criada no complexo de favelas da Maré. Mãe, ativista social, lésbica, esquerdista.

Pelo que vi em relatos jornalísticos e num vídeo, houve execução sumária. Com ela, o jovem motorista Anderson Gomes, casado, pai de uma criancinha que exige cuidados especiais.

Nunca tinha ouvido falar sobre Marielle. Quanto a Anderson, menos ainda. Dois desconhecidos para mim, até agora há pouco.

Mas suas históricas me comovem. Sinto uma dor, absorvo o sofrimento de seus familiares, amigos também.

Não parei para pensar o que eram, faziam, pensavam. Nem sei por que foram executados daquela forma.

Claro que eles morreram como tantos outros tombam diariamente em qualquer parte do Brasil, com crueldade e frieza. Serão estatísticas, talvez virem símbolo de uma luta contra a violência, sei lá.

Poderão ser esquecidos adiante, quando surgir outro caso capaz de gerar comoção nacional e planetária.

Paralelamente a essa catarse, o que me choca é a reação de tantas pessoas de bem, esclarecidas e por enquanto salvas de barbárie semelhante, julgando a vereadora assassinada. Punindo-a novamente.

Quase nenhuma dessas pessoas advoga a elucidação dos homicídios, a prisão dos criminosos, como se fosse justificável matar a sangue frio, sem nenhuma chance de defesa.

Aflora em mim a ditadura do “lead” (cabeça da matéria, jargão do jornalismo para definir a informação básica no inicio do texto). Como diria o folclórico “Cosme Dantas da Rocha, o “Vovô”, nos tempos primários de minha vida em “O Mossoroense”, a matéria tem que ter “quem matou, quem morreu e a arma do crime”.

Perdemos a capacidade de ter compaixão e passamos a ser seletivos na indignação. Antes de pedirmos investigação ágil, séria e eficiente, com julgamento e punição de culpados, sentenciamos uma das vítimas por ela ter ideias contrárias às nossas convicções. Não ser um dos nossos.

A revolta é contra o cadáver.

Empírico, sem estudo de doutor para compreender o ser humano sob uma ótica cientificista, da psicologia à sociologia, tenho mais perguntas a fazer do que respostas a dar nesse episódio. Quero aprender mais, quero repassar conhecimento.

Contudo tenho o direito de achar estranho que muitos vejam como uma insanidade o Talibã decapitar ou queimar vivo seus inimigos ou o Boko Haram na Nigéria sequestrar, estuprar e matar centenas de mulheres, mas não aceitem que a morte de uma carioca ‘desconhecida’ cause pesar em todo o mundo.

Não choro por ti, Marielle. Minha dor é por nós mesmos, seres humanos ‘civilizados’.

Vá em paz!

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Categoria(s): Opinião da Coluna do Herzog

Comentários

  1. Ivonzéliton Leite Nunes diz:

    Parabéns pelo texto: sóbrio, profundo e tocante. Não esperava algo diverso.

  2. João Claudio diz:

    O sensacionalismo da imprensa me chamou a atenção.

    A impressão que eu tive, e ainda tenho, é que Jesus Cristo desceu à Terra, desembarcou no Rio de Janeiro e foi fuzilado antes de dizer ‘Bom Dia.’

    Sabe quantas mulheres PPP’s foram assassinadas ontem no brasil?

    Nada contra a vereadora. Mas que a imprensa ‘adora’ um cadáver que possa repercutir nacionalmente, isso é fato, fato e fato.

    Ah, para a imprensa, a única que morreu, de fato, foi a vereadora. O motorista, um PPP da vida, deu ‘sorte’, ‘pegou carona’ da vereadora e saiu nas fotos e nas reportagens.

    Repito: nada contra a vereadora, mas que houve um exagero, houve.

    Falto feriado nacional.

  3. Vicente diz:

    Sensatas palavras, Carlos. A verdade é que o mundo está cheio de pessoas infelizes, rancorosas, senhores da verdade, que gostam de pontificar nas mesas de bares, eventos de família e rodas de internet, como se soubessem algo sobre a vida, quando na verdade expressam cotidianamente sua ignorância. Não estão entendendo nada e, além de fingirem que estão, não têm a humildade para observar e refletir. São coitados que rastejam seus fracassos pelos cantos, culpando os outros pelas próprias mazelas. Os assassinos podem até matar pessoas, ou algumas pessoas, mas, felizmente, no caso que vemos agora, não puderam matar a capacidade da sociedade se indignar e se unir para dizer a essas pessoas que não nos afligiremos, que o crime não vence a democracia, o debate público e a participação popular. Quem não entendeu, enfim, que fique assistindo passivamente, como já o faz de costume.

  4. Rocha Neto diz:

    Parabéns amigo, verdade escrita com a maestria de sempre. Não acho, tenho certeza que o que você expressou é o pensamento de uma maioria absolutamente grande do povo brasileiro. Mariete e o seu motorista apenas foram mais duas vidas ceifadas por uma guerra civil disfarçada que estamos vivenciando todos os dias. Compartilho com os sentimentos de dor e sofrimento que seus familiares estão vivenciando, que Deus os conforte.

    Agora abomino estas falácias covardes das autoridades e pseudos políticos querendo se promoverem em cima dos que estão a chorar a perda dos seus entes amados.Os movimentos extra políticos estão se mexendo com fulcro de promoção visual… Já, já tudo era e foi passado. Espere pela missa ou outro culto de 30 dias. Inté lá.

  5. Carlos Andre diz:

    Nobre jornalista sobre esse caso, ate agora o que se levanta no mundo das possibilidades para a execução, parece que se deve ao fato de a mesma ser militante politica.

    O que me assombra nesta historia é até que ponto iremos como nação na disputa politica que dividiu o Brasil em dois polos, não me esqueço do jargão populista do LULA quando ele escolheu como estratégia de campanha dividir todo o mundo em um “nós contra eles”, naquele tempo lembro que não existia alguém que personificasse o “eles”, hj já existe essa personificação, e o mais horripilante é que o “adversário” politico de LULA é tão violento nas palavras quanto muitos políticos de esquerda o são. LULA ao ditar o tom de uma disputa politica a ferro e fogo, proporcionou a chegada de outro populista como ele para preencher “o ringue” ou quem sabe “a rinha”, hj a nação brasileira está dividida e guerreando, torço para que a morte desta senhora seja um fato isolado, e não o inicio de uma escalada sanguinária semelhante ao que está acontecendo na vizinha Venezuela.

    Infelizmente parece que LULA e seu partido não utilizam o senso critico para verem a que ponto eles trouxeram o país, sem falar que acham pouco terem transformado o país em um campo de guerra, que agora querem intimidar todo o poder judiciário que eles ajudaram a aparelhar que e que de tanto se rebaixar já encostou no chão não tendo mais como descer.

    Olho para o futuro e não vejo luz, mas trevas, pois não vejo diálogo, reflexão e abrandamento dos ânimos, só vejo insultos, ameaças e agora sangue.

    A quem interessa dividir um povo entre BRANCOS X NEGROS, RICOS X POBRES, COXINHAS X MORTADELAS, ESQUERDA X DIREITA, como se esses conceitos ainda fossem tabus no mundo pós-moderno em que vivemos, a quem interessa levar toda uma nação as ruínas pelas mãos de seus próprios nacionais.

    Somente a ignorância, arrogância, falta de compaixão e egocentrismo podem patrocinar tamanhas atrocidades que estamos vivendo hj, e essas “qualidades” não faltam nos dois representantes dessa guerra, a citar, LULA e Bolsonaro, a cara e a coroa de uma moeda negra!

  6. George Duarte diz:

    Belo texto, esse é o retrato desse pais de desigualdades. Também não choro.

  7. Francisco diz:

    Todos nós somos culpados. As milícias existem Brasil a fora faz tempo, no Rio de Janeiro é apenas mais acentuado. Digo que todos nós somos culpados porque, onde estão os políticos que votamos? A grande parte está na porta da cadeia, e nós o que fazemos? No início de outubro elegemos noventa por cento deles de novo!

  8. François Silvestre diz:

    Pera aí, meu caro João Cláudio, não foi para a imprensa que esse crime despertou atenção. Não. E se fosse faria parte da necessidade de noticiar a desgraça. Foi para o Ministério Público, que derrotou a Pec.37 para ter a prerrogativa de instaurar inquéritos. Sabe quantos crimes de homicídios, no Brasil, têm inquéritos instaurados pelo MP? Três por cento. Noventa e sete por cento ficam sem sequer serem investigados. E dos três por cento investigados, apenas quinze por cento chegam a julgamento. Isso consta de dados da informação forense. Pois bem, desde ontem o Ministério Público entrou na jogada desse crime. Até a Procuradora Geral da República. A imprensa tem prerrogativas informais, passíveis de crítica. O povo não remunera jornalistas. O povo remunera Promotores e Procuradores de Justiça. O buraco é mais em cima.

    • João Claudio diz:

      Compreendo-o, ò nobre François Silvestre.

      Porém, não abro mão de dizer que a imprensa ‘adora’ uma tragédia, tipo queda de avião, morte de pessoas famosas, catástrofes, mortes em massa, incêndio, alagamento, soterramento e o escambau.

      Algum jornalistas e meios de comunicação têm ido ao delírio desde o momento do assassinato da vereadora.

      Não entendi porque não houve narração ao vivo do velório. Alguém viu?

      Bufão Bueno e Datena são profissionais quando o assunto é enterro de personalidade.

  9. João Claudio diz:

    EXTRA! EXTRA! EXTRA!

    • João Claudio diz:

      EXTRA! EXTRA! EXTRA!

      As investigações estão em estado avançadíssimo.

      Já descobriram, pasmem, que as balas usadas foram ROUBADAS DA PF DA PARAÍBA KKKKKKKK

      É um país de terceira ou num é????

  10. João Claudio diz:

    O veículo usado também foi periciado.

    A gasolina usada no mesmo era do do tipo aditivada. Os pneus são da marca Pirelle e a borracha de uma das palheta do limpador de para brisa está bastante ressecada.

    Os atiradores, até agora…nada.

  11. Cezar Alves de Lima diz:

    Resta a mim aplaudir de pé. Escreveu o que queria escrever e me faltam palavras.

  12. anderson diz:

    Tempos tenebrosos os que vivemos. As máfias não tem mais pudor em executar figuras públicas. Discordo das pessoas que dizem que o assassinato da vereadora pode ser comparado a tantos outros que acontecem diariamente. Esse foi um crime de caráter político, está evidente. Não pode receber o mesmo tratamento (ou a falta deste) que os demais crimes contra a vida de motivações diversas. Não choro pela vereadora, mas pela nossa parca democracia representativa que está em ruínas, mas antes essa pobre democracia que a censura, a tortura, os assassinatos políticos, as vilipendiações e ocultações de cadáveres e a corrupção nunca apurada que experimentamos em tempos de outros regimes.

  13. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Meu Caro Anderson, concordo em gênero, número e grau com sua objetivas palavras.

    Não podemos e não devemos efetivamente, é, deixar que os que disseminam seu manifesto ódio, seu manifesto racismo e seu manifesto e doentio fascismo continuem a dar as carta comprometendo ainda mais as vigas da nossa frágil e imberbe democracia.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

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