Uma música em espanhol chegava pelas ondas do rádio para quem sintonizava a Rádio Havana às 6 horas da manhã, naquele tempo em que a censura imposta pelo regime militar proibia tudo, e a cada proibição causava um prejuÃzo inestimável e irrecuperável ao povo brasileiro.
A voz de Mercedes Sosa se juntava às de Juan Baez, Pablo Milanez, Milton Nascimento e Elis Regina, em gritos revolucionários desenhados pelas letras de Violeta Parra, entre elas "Gracias a la vida". Pela manhã, os estudantes repetiam baixinho aquelas músicas, junto com o “Vai levando” de Chico Buarque, “Apenas um rapaz latino-americano” de Belchior e um “Argumento” (Tá legal, eu aceito o argumento/ mas não me altere o samba tanto assim) de Paulinho da Viola.
E seguiam para a noite aonde, nos bares da vida podiam conversar, mesmo que sob olhares dos agentes da ditadura, gritando pelo garçom que apelidaram de “I me free”, para sentir, pelo menos na imaginação, alguma sensação de liberdade.
Faltava liberdade naqueles bares, naqueles campi e nas ruas, pelas quais circulavam revolucionários em atos clandestinos, na luta por dias melhores na Argentina, no Brasil, na Nicarágua, no Chile, na Espanha, em Portugal, Angola, Moçambique e tantos outros paÃses dominados pelos regimes de exceção. Luta que terminou vitoriosa em todos esses lugares, com a retomada dos processos democráticos a partir de bandeiras que reafirmavam: “O povo unido jamais será vencido”.
Eram momentos de vida ou morte, mas que comportavam versos inesquecÃveis na voz de Mercedes Sosa propagando os poemas de Pablo Neruda: “Me gusta cuando calas” e era somente aà que se sentia bem com o silêncio. Não o silêncio imposto pela censura, mas o silêncio do amor.
Eram versos daquelas belas páginas de “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”, na qual Neruda mostrava um dos maiores gritos da história do homem: “Posso escrever os versos mais tristes esta noite”.
A tristeza veio da truculência, quando Juan Baez foi probida de cantar no Brasil, sob alegação de que sua música era subversiva. Ela que planejava trazer gande prestÃgio à música brasileira, gravando um disco completo com músicas de Chico Buarque de Holanda. Da mesma forma que nos carnavais brasileiros a censura proibia até ouvirmos a marcha “Bandeira Branca” com Dalva de Oliveira, confundindo-a com a música “Bandeira Branca” de Geraldo Vandré.
Nesta manhã de outubro chega a notÃcia da morte de Mercedes Sosa. Aquela lutadora que percorreu continentes em nome das mães argentinas e dos povos oprimidos, transformando-se numa cidadã do mundo. Que escreveu belÃssimas páginas da música popular, cantando sempre com seu imenso coração e enfeitando o mundo com sua voz forte e poderosa.
Com a morte de Mercedes Sosa – como diz a música “Se se cala el cantor” – cala-se um pouco a vida.
Walter Medeiros é jornalista
Belo texto!! Salve Mercedez!!!!
abraço!!
Sim,o nobre jornalista,lá em cima,cita a nata,mas,dentre outros,esqueceu SÃlvio Rodriguez,um “inesquecÃvel”.
Mercedez Sosa se foi mas a sua História é pra sempre.Só lembrando que os movimentos ditatoriais na América Latina foram implementados pelos americanos para evitar os avanços socialistas daquela época. Hoje os militares saÃram do poder mas isso não ocorreu naturalmente e sim porque os americanos acham que o perigo passou e o socialismo (que até hoje ainda não aconteceu) não existe mais. è claro que devemos tirar o chapéu para as pessoas que deram a cara a bater para pelo menos forçar mudanças para derrubar os militares em vários paÃses como MercedesSosa por exemplo. Mas até hoje a ditadura continua só que ela hoje é branca mas também é perversa.
Valeu. JSX