domingo - 18/05/2025 - 10:38h

Toda certeza é duvidosa

Por François Silvestre

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo expressionista, para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo expressionista, para o BCS

Amadurecer é cultivar dúvidas, ter cautelas e receios para colher certezas. A certeza emperra descobertas, atrapalha avanços, cria crostas de ignorância.

A ter certeza da gravitação de Newton, não teria havido a relatividade nascida na dúvida de Einstein. A certeza de Santo Agostinho, na Patrística, impediria a Escolástica de Thomaz de Aquino. Platão certo, não haveria Aristóteles. Portanto, nem a ciência ou a filosofia amadureceriam no estuário da certeza. A dúvida é o indutor da inovação, da descoberta, da sucessão. É a chama que chama o pensamento à questão.

Dito isso, concluo que amadureço cultivando dúvidas. Estou velho, no espelho. Porém, “entretanto mas porém”, o meu tempo, num dia, diante do espelho é de minutos. O mais do tempo, quase o dia todo, estou longe dele. As ladeiras que subo nas ruas do Crato me dizem que não sou velho. O levantar sem usar as mãos nas bordas da rede também dizem o mesmo.

Contudo, a maior negação ao espelho, que tenta me convencer do contrário, não é a disposição física, que tenho exuberantemente. Não. O que me convence da não velhice é o cultivo à dúvida. Se continuar assim, vou morrer jovem. Até caducando vou querer duvidar da caduquice.

Conclusão, aí estão os tempos atuais. Nunca pensei que viveria pra ver o mundo tão idiota quando agora. O Brasil tão emburrecido quanto agora. Tudo no conforto estúpido das certezas. Quase todos têm certeza de quase tudo. A dúvida, rainha da claridade, sendo escorraçada para o canteiro onde se edificam as trevas. Oceano turvo e sujo das certezas. O rincho, com minhas desculpas aos jegues, é o novo discurso da certeza contemporânea.

Prefiro a dúvida e os coices que ela dá, por serem solavancos do despertar.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Climatização - Agosto de 2025
domingo - 18/05/2025 - 09:42h

Relatos impróprios para consumo interno

Por Marcos Ferreira

Travesti da Dreamstime (Direitos autorais: Valeriy Kachaev)

Travesti da Dreamstime (Direitos autorais: Valeriy Kachaev)

Antes de mais nada, declaro que sou um escrevinhador sem qualquer espécie de preconceito. Acho que as pessoas, guardadas as devidas obrigações com os ditames sociais, têm o direito de gozar a vida como bem entenderem. Porém (sempre há um porém) é necessário juntar a isso o mínimo de bom senso. Em especial quando se trata de relacionamentos amorosos, ímpetos sexuais, compromisso religioso e liberdade de expressão. Neste último aspecto é imperativo não confundir expressão com liberdade de agressão. O bicho-homem, leia-se sociedade, vem trocando o debate civilizado de ideias por discursos de ódio. Quem semeia ódio só colhe violência.

Basta colocarmos a mão em nosso juízo (existem indivíduos que não possuem tal coisa) e concluir que não devemos desejar para os outros o que não queremos para nós. Quem enfia o pé na jaca, chuta o balde e cospe para cima deve se preparar para responder por seus atos. Não raro o custo por atitudes impensadas atinge um patamar que se revela muito além das nossas possibilidades de conserto ou reparo. Quando metemos alguns pregos em uma árvore, por exemplo, até podemos retirá-los, contudo ficarão as cicatrizes. Hoje tocarei em determinados pontos nevrálgicos da vida em rebanho, como diria meu amigo filósofo Antonio Alvino da Silva Filho, todavia não tenho o propósito de julgar ou crucificar quem quer que seja. De jeito algum.

Nosso querido e causticante País de Mossoró, como qualquer lugar do Brasil e do mundo, possui a sua cota de indivíduos que furam a bolha das convenções sociais, perdem a cabeça e a compostura, quebram os preceitos da lei de Deus e dos homens e, via de regra, pagam caro. O número de transgressores dos “bons costumes” não é nem um pouco pequeno. Nesta narrativa vou me ater a apenas três casos que tiveram uma vasta repercussão nesta freguesia, ocorridos num passado recente e que se alastraram pelas redes sociais. Basta uma rápida pesquisa na internet e ficamos a par de tudo. Recordarei tais assuntos, conquanto sem querer ferir o amor telúrico dos mossoroenses. São relatos impróprios para consumo interno, eu sei, mas fiquei sabendo disso por terceiros e, volto a dizer, por meio da própria imprensa. Pois bem.

O padre Fábio Pinto Rosa, que celebrou diversas missas na Igreja de Nossa Senhora da Agonia, mantinha um relacionamento extraespiritual com a professora universitária Maria Aparecida do Rosário, de trinta e seis anos, esposa do arquiteto Cornélio Guimarães, marombeiro de quarenta e cinco anos. O arquiteto, no mais das vezes por causa do seu ofício, tinha necessidade de viajar de vez em quando. Nessas oportunidades, logo que Cornélio informava que se ausentaria de Mossoró durante um ou dois dias (em alguns ensejos para participar de congressos de arquitetura em cidades como Fortaleza e Recife), Aparecida não perdia tempo, lançava mão do telefone e programava mais uma pulada de cerca com o reverendo, tipo cinquentão, pele branca, olhos azuis e de estatura mediana. Sim, ele media cerca de um metro e setenta e talvez pesasse uns oitenta quilos. Na avaliação dos fiéis, era um santo homem. Creio que padre Fábio esteja bastante arrependido do seu comportamento arrebatado.

Pouco depois Aparecida se descobriu grávida. Foram nove meses de angústia, aflição, remorso, até que enfim deu à luz. A criança nasceu saudável, um menino branco e de olhos azuis. Os dois últimos detalhes significaram uma bomba no casamento de Aparecida e Cornélio, tendo em vista que ambos são afrodescendentes, baianos de Itabuna. Não foi necessário muito interrogatório por parte do esposo para que Maria Aparecida do Rosário confessasse que o menino era filho do padre Fábio Pinto Rosa. Cornélio Guimarães ficou possesso, foi tomar satisfações junto ao sacerdote quando este se encontrava em plena missa. Colérico, o marido enganado invadiu o altar e quebrou alguns dentes de Pinto Rosa com um soco. Não bastasse, deixou os testículos do presbítero em desgraça ao aplicar-lhe um chute no papo do galo.

Por meio da força, cinco fiéis conseguiram dominar Cornélio, que foi preso naquela mesma noite. O arquiteto acionou um advogado, pagou fiança e deixou a delegacia na manhã seguinte. Depressa a Santa Igreja extraiu o padre Fábio Pinto Rosa de Mossoró, onde não mais foi visto. Além da questão dos dentes, surgiram rumores de que o eclesiástico perdera também a batina. Menos de um ano após a separação, o casal se reconciliou e a criança hoje é considerada uma bênção na vida de Cornélio e Aparecida. Portanto, Aparecida se entendeu com Cornélio e com o Todo-Poderoso, largou o seu hábito de pular cerca e desconhece o paradeiro do ex-amante.

Aos quarenta e dois anos de idade à época, pedreiro de mão cheia e com diagnóstico de bipolaridade, Adalberto Messias Benedito Cordeiro morava no bairro Boa Vista, mais precisamente à Rua Silva Jardim, nº 613. Há dois anos ele flagrou Margareth Junqueira, sua esposa de trinta e oito anos, na cama com Francisca Cordeiro, de vinte e sete anos de idade, única irmã de Adalberto. O pedreiro ficou ensandecido com aquela cena: Margareth e Francisca nuazinhas entregues às labaredas do sexo oral em um clássico meia-nove. Iracundo e de posse de uma de suas ferramentas de trabalho, um rústico pé de cabra com aproximadamente sessenta centímetros, o pedreiro perdeu o controle por completo e massacrou as duas mulheres sem a menor piedade. Os golpes foram desferidos, principalmente, contra a cabeça das vítimas, de modo que partes dos cérebros ficaram expostas no quarto em meio a poças de sangue.

Após seu ato tresloucado, Adalberto não abandonou a cena do crime. Foi preso, julgado e recebeu uma pena de cinquenta e cinco anos de reclusão na Penitenciária Agrícola Mário Negócio. Mas Adalberto não cumpriria a pena. Com menos de um mês, o dia já amanhecendo, ouvi gritos nesta rua. Era a senhora Conceição Cordeiro, mãe de Adalberto, que reside em uma casa diante da minha aqui no Walfredo Gurgel. A idosa acabara de receber a informação de que o filho fora encontrado morto por um colega de cela; enforcou-se com um lençol durante a madrugada.

A terceira ocorrência é muito menos trágica do que cômica. E outra vez o protagonista é um servo do Criador. Trata-se de Clóvis Peixoto de França, pastor de cinquenta e quatro anos da Igreja Milagrosa do Reino de Cristo, templo este situado na Avenida Jerônimo Dix-neuf Rosado, também conhecida como Avenida Leste-Oeste. A história que envolve Clóvis, ocorrida no dia 9 de agosto do ano passado, lance maciçamente difundido pela imprensa escrita, falada e televisionada desta capital brasileira da pirotecnia, configura-se como um típico caso de calote amoroso. É isso! O então pastor (agora não é mais, foi excomungado por sua igreja) saiu em seu Creta azul-turquesa para um motel desta urbe com Isadora Grace, travesti morena de boca carnuda, unhas e batom vermelhos, cujo nome de batismo é Serafim Carvalho Neto, de trinta e quatro anos, cabeleireiro do Salão Cabeça Feita, no bairro Nova Betânia.

Não menos lamentável que o vexame que destruiu a reputação do padre Fábio Pinto Rosa, que foi violentamente devorado pelo pecado da luxúria, a tragédia que se abateu sobre o pastor Clóvis Peixoto de França (esposo da criadora de conteúdo digital Clotilde Nunes Saldanha e pai de duas gêmeas univitelinas, Sara e Marta) estremeceu as bases da comunidade evangélica desta província. Porque a maneira como esse escândalo veio à tona equiparou-se a um abalo sísmico.

Clóvis Peixoto estava no meio da pregação usando paletó, gravata, suado e decerto absorvido pela inspiração celeste, quando o alarme eletrônico de um veículo disparou e o som de vidros sendo estilhaçados pôde ser ouvido por todos dentro do templo. Clóvis não teve condições de seguir com a pregação. Aos poucos, assustadiços, os irmãos de fé começaram a deixar os seus assentos e se encaminharam para a área do amplo estacionamento da Igreja Milagrosa do Reino de Cristo. Nesse momento (incrédulos) os crentes se depararam com Isadora Grace comendo o carro do pastor Clóvis Peixoto na pedrada e com um grande porrete possivelmente de jucá. Todos os vidros do carro estavam detonados, inclusive faróis, sinaleiras e retrovisores.

A lataria também foi atacada. Uma das portas e o capô ficaram com avarias. Quem sabe (raciocinando com meus botões) o porrete fosse de carvalho, fazendo jus ao sobrenome de Isadora, isto é, Serafim Carvalho Neto. Com os membros da igreja atônitos no estacionamento assistindo àquela explosão de fúria, a travesti gritou a plenos pulmões que o pastor Clóvis Peixoto a havia contratado para um programa em um motel há cerca de duas semanas e que o dito-cujo a vinha enrolando desde então, que ele não cumprira o acordo de pagar mil reais para ser varado por Isadora. Naquela noite ele alegou que se esquecera de sacar o dinheiro de sua conta bancária. Ainda assim Clóvis foi devidamente possuído por Isadora, que não contava com o recurso de pix. Ela honrou a sua parte no acerto, o pastor pagou a despesa do motel com um cartão de crédito e deixou o programa no fiado. Dali por diante, segundo Isadora, ele passou a evitá-la, ignorando suas chamadas telefônicas e cobranças através do WhatsApp.

Mais uma vez a nossa valorosa Polícia Militar foi acionada e Isadora e o pastor foram parar na delegacia. O delegado só liberou os dois após o protestante pagar o que devia a Serafim Carvalho. A esposa de Clóvis, morta de vergonha, foi quem se dirigiu a um caixa eletrônico de supermercado para efetuar o saque dos mil reais. Isadora Grace sequer foi obrigada pela autoridade policial a pagar pelos danos causados no veículo do pastor. Boatos dão conta de que Clotilde Apolinário Saldanha não quis saber de conversa, exigiu o divórcio, largou o marido em Mossoró e, em companhia das filhas gêmeas, foi passar uns dias na casa dos pais em sua terra natal, o município de Apodi. Já Clóvis Peixoto de França, dono de três casas lotéricas em Mossoró e região, colocou uma placa de venda em sua residência no condomínio Alphaville e lá permaneceu à espera de um comprador até que a poeira do escândalo baixasse.

É claro que existe um monte de relatos impróprios para consumo interno na boa terra de Santa Luzia, contudo por hoje basta. Da próxima vez, se estas notícias não me renderem nenhuma represália, talvez eu escreva (entre outros) sobre um episódio completamente bizarro. Refiro-me à relação do agricultor Nelson Loyola Gomes com Sansão, um jumentinho de sua propriedade. O sucesso foi denunciado à Polícia Ambiental por Valdomiro Soares da Costa, ex-empregado da Fazenda Macambira, a dez quilômetros da zona urbana de Mossoró. Vale destacar que Valdomiro tinha queixa de Nelson Loyola Gomes porque foi demitido e se sentiu roubado na importância da rescisão trabalhista que recebeu de Loyola. Às ocultas, então, Valdomiro conseguiu filmar com o seu smartphone uma das ocasiões em que Nelson tirou a roupa, colocou-se embaixo do animal e ficou esfregando a bunda nos documentos do jegue.

Zoofilia à parte, devemos admitir que Nelson Loyola, desquitado e com quase sessenta anos, é um homem de coragem. Não é moleza encarar uma pistola desse calibre. O cidadão puxou um dia de cadeia, também recorreu aos serviços de um causídico, e atualmente responde ao processo em liberdade. Raramente sai da fazenda. Tornou-se um tipo recluso após cair nas malhas da Justiça e na língua do povo. Tem consciência de que o seu nome é motivo de chacota em Mossoró. Quanto a Sansão, até onde sei, consta que foi resgatado e adotado por outro fazendeiro.

Olhando bem, findei relatando uma quarta ocorrência, visto que a minha intenção era discorrer a respeito de apenas três casos. Agora deixo a narrativa como está. Não vou passar uma borracha no delito do senhor Loyola. O seu interesse no instrumento sexual do jumentinho Sansão já foi corretamente punido e o latifundiário jurou que nunca mais buscará prazer se aproveitando de nenhum outro tipo de bicho. Exceto se o animal da vez for da raça humana, do sexo oposto ou não.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 11/05/2025 - 09:40h

Angelus

Por Bruno Ernesto

Imagem tela Angelus, de Jean-François Millet. (Reproduçao: conteúdo de domínio público)

Imagem tela Angelus, de Jean-François Millet (Reprodução: conteúdo de domínio público)

Normalmente quando alguém fala que a nossa vida é como um sopro numa vela, logo nos vem à mente ser ela fugaz.

De um tempo para cá – alguns muitos anos, diria -, reavaliei essa máxima filosófica e existencial. Passei a prestar mais atenção ao meu redor.

Vejo que a vela e o vento desse ditado popular bem melhor seriam representados por uma vela estirada num mastro de um barco, e os quatro ventos da mitologia grega – criadores tanto de calmarias quanto de tempestades -, tal qual a vida de qualquer um que viva de carne e osso.

Ninguém viverá plenamente só de calmaria, alegria e moderação.

Outro dia falei que, por vezes, é melhor agir dez vezes antes de pensar e não fui muito bem compreendido por alguém cuja a vida – ela supõe -, é mais santificada que a dos outros ao seu redor. Todavia é incapaz de estender a mão para alguém necessitado num quarto ao lado.

Além de não entender o sentido da minha colocação, me teve como incauto.

Talvez um fariseu seja menos convicto e mais genuíno. Mas isso não vem ao caso. Não precisará prestar contas comigo.

Vicissitudes todos os seres viventes têm. E as suas – pois é, as suas – não são nem mais, nem menos importantes que as do outro. A diferença é saber se desvencilhar delas.

Vejo, entretanto, que o que falta é agradecer mais por tudo sem barganhar o seu perdão.

Talvez devesse prestar mais atenção ao toque do sino da igreja à tardinha, na terceira hora do Angelus, ao invés de apenas ir à missa.

Lembre-se que a hora do sim é o descuido do não.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 11/05/2025 - 07:32h

Amor avoengo

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para  o BCS

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

O amor não se mensura. Não há balança para pesá-lo; não há régua para medi-lo. Apenas sente-se, vive-se, ama-se. Sentimos amor pelos nossos pais, e lembramos de tempos idos, de momentos à mesa, nos quais compartilhávamos sorrisos, tristezas, alegrias, aventuras e desventuras.

Da nossa infância, amamos alguém de nossa convivência diária, como os amigos, uma professora dos tempos do colégio, um animal de estimação.

Na juventude, o amor do primeiro namoro, misturado ao fogo incontrolável da paixão; são os arroubos da adolescência de mãos dadas com a inexperiência da vida.

Depois, na vida adulta, encontramos alguém para preencher os nossos dias e almejamos construir uma vida a dois. Nem sempre dá certo, é claro. Entretanto, tenta-se, recomeça-se, insiste-se.

Às vezes, curte-se a própria companhia, cultivando-se o amor-próprio, o qual pode ser definido como “o amor a si mesmo ou o respeito pela própria felicidade ou vantagem”.

Todavia, de repente, chegam os filhos. Passamos a conhecer um amor sem medida, puro, despretensioso. E os dias são preenchidos pelo que há de mais belo, apesar das responsabilidades em educá-los para o mundo; mundo tão cheio de violência e dificuldades.

Quando chegam os netos começamos a sentir um amor em dobro. Quando somos avós, já estamos maduros, pois vivemos muita coisa. Aprendemos a driblar os problemas com a sabedoria que o tempo nos ensinou.

Queremos curtir os netos, pois doravante a responsabilidade primeira será dos pais. Aos avós caberá, respeitando-se a autoridades dos genitores, ninar os netos com profundo amor, fazendo-os parte do seu dia a dia com marcas indeléveis de carinho, misturado ao aconchego do lar, sentindo o cheiro de lavanda inglesa.

Levamos os nossos netos ao parque de diversão e ao circo. Compartilhamos sonhos, contamos histórias, tomamos sorvete até ficarmos lambuzados, comemos cachorro-quente. E também sorrimos, choramos. Muitas vezes compactuamos com suas traquinagens. Por quê? Porque a vida, depois de um certo tempo, deve ser vivida de forma leve.

Decerto, a maioria de nós traz no peito boas lembranças dos avós. Nessa toada, veio à memória um poema composto por Cazuza para sua avó paterna, lindamente cantado por Ney Matogrosso, que toca a nossa alma.

Eis um fragmento: “Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei abrigo. Do escuro, eu via o infinito, sem presente, sem passado ou futuro. Senti um abraço forte, já não era medo. Era uma coisa sua que ficou em mim. E que não tem fim”.

Desejo ao meu neto quando vasculhar as suas lembranças, que encontre no coração o amor avoengo, com o sabor de uma torta de chocolate serenata de amor. E que esse amor não tenha, não tenha fim.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 11/05/2025 - 06:30h

O espetáculo da putrefação

Por Marcos Ferreira

Um abutre Foto: EcoPic)

Um abutre (Foto: EcoPic)

Decomposta, sua carcaça atrai todo tipo de carniceiros. Ainda assim ele consegue tirar proveito de sua condição de morto-vivo. Sua vida política inteira é uma fossa a céu aberto. Putrefez-se, aliás, desde o dia em que veio ao mundo. Sim. Já nasceu em avançado estado de apodrecimento. Sua podridão é física e moral. Com seu corpo insepulto e sua alma nefasta, converteu-se depressa em uma espécie de Midas ao contrário, arruinando tudo aquilo em que põe a mão, tudo que toca.

É isso. Onde quer que coloque seus dedos infectos, como em um passe de mágica assombroso, transforma o objeto que foi tocado em uma coisa imprestável. Não importa se a matéria submetida à contaminação seja aço, titânio, pessoas ou instituições governamentais. Os seus constantes e insanos discursos de ódio contagiaram imenso número de brasileiros. Possui uma seduzida multidão ao seu dispor. Transformou gente pacata, supostos cidadãos de bem, em zumbis ferozes, marionetes, fantoches sem a menor capacidade de coerência, sem a mínima autocrítica.

É triste demais vermos pessoas que amamos (familiares e amigos) transformados em reféns mentalmente desse Coringa nacional, um mestre insuperável em mentir, em deturpar a verdade e se apoderar do cérebro dos nossos entes queridos. É fato, contudo, que ele apenas atiçou um monte de gente deveras má que apenas estava hibernando, quietinha, adormecida nos seus esgotos psicológicos.

O pulha comanda um exército espantoso de voluntários que aprovam e defendem todas as suas picaretagens, seus cambalachos, sem-vergonhices e roubalheiras. Essas populações mais parecem robôs programados para tão só balançar a cabeça afirmativamente como lagartixas em cima de muros. Uma grande parte dos envolvidos nessa devoção mórbida, nessa lavagem cerebral, é de homens e mulheres que se deixaram apodrecer de forma absolutamente espontânea. Não têm capacidade de reação, não sabem nem querem se libertar do cabresto mental que lhes foi posto.

É como se o ladravaz possuísse um controle remoto absoluto dessa massa de indivíduos alucinados, delirantes, que retransmitem a sua filosofia de virulência e ataques a minorias, a exemplo das agressões físicas e verbais contra gays, lésbicas e negros. Mas existem milhares de homossexuais, de pretos e pardos que defendem esse racista e homofóbico; caíram na lábia do cínico, infelizmente.

Apesar de ofendidos, menosprezados, muitos nordestinos são fiéis ao parasita supremo, aplaudindo, louvando cegamente as vigarices desse espírito maligno. Alguns, porém, estão pagando caro por toda essa demência. Não enxergam um palmo à frente dos seus narizes. A maior parte são ditos pobres de direita, fanáticos sem memória que perderam familiares e amigos na pandemia, mas engolem a mentira de que o coveiro federal e negacionista (que fez pouco-caso dos mortos e zombou de famílias enlutadas) não teve culpa de nadinha. É uma alienação sem limites.

O sacripanta se equilibra no seguinte tripé: Deus, pátria e família, enquanto que ele (machista, agressor e depreciador de mulheres) já se encontra no terceiro casamento. É um indivíduo execrável, animal peçonhento, que deu voz e ousadia a uma récua de tipos sem expressividade, rebanho de gado bípede pronto para se sacrificar pelo canalha. Todos esses cidadãos iludidos se autoproclamam patriotas.

Ocorre aqui uma lavagem cerebral em alta escala, algo comparável à hipnose aplicada por Hitler no povo alemão durante a Segunda Guerra. Os pobres de direita seguem o tal “mito” a qualquer custo, transformados em bucha de canhão do neonazista que defende torturadores e o retorno da ditadura militar.

O biltre ingressou na política partidária, onde nunca meteu sequer um prego em uma barra de sabão, e conseguiu a façanha de tornar a lama dessa imensa vala aberta de engravatados (salvo exceções) ainda mais podre. Respira e expira uma fedentina que atrai um sem-número de moscas-varejeiras e alguns segmentos da imprensa de aluguel. Temos diante de câmeras um golpista notório cuspindo microfones, afrontando jornalistas sérios, um saco de pus que chega aos setenta anos de idade esbanjando mau-caratismo e patifarias. Visita estados e municípios junto com uma escória de políticos venais, corruptos. Sua cretinice percorre o Brasil de ponta a ponta.

A inhaca desse conjunto de carnes, ossos e cartilagens em decomposição ultrapassa as fronteiras deste país. Seu fedor e uma porção de tapurus saem por todos os seus orifícios: pelas narinas, boca, ouvidos e até pelos cantos dos seus grandes e esbugalhados olhos de bicho maléfico. Esse poço de maldades (apenas quando lhe foi oportuno) fez cena de coitado em cima de um leito hospitalar.

Se lhe convém, portanto, faz de tudo para exibir na mídia a sua carcaça repleta de moléstias. Não teve a menor vergonha, o menor constrangimento de assim se mostrar diante de câmeras, expondo o seu corpo purulento em redes sociais como Instagram, Facebook, YouTube e WhatsApp. Gosta e se entregou aos holofotes como um gênero de múmia sem ataduras. Seu único intuito é propagandear, fortalecer a manipulação de sua legião de seguidores, de fanáticos incondicionais.

Deu um espetáculo, um chilique, quando se viu obrigado a receber uma oficiala de Justiça no seu quarto de UTI (um estúdio, na verdade). Nessa hora, fato ocorrido há poucos dias, o parasita reagiu como se estivesse às vascas da morte, quase com um pé (senão os dois) na cova, em condições muito ruins.

Coisa nenhuma! Esse tipo ignóbil, por tantas patifarias que já aprontou, tem que receber intimação até na sepultura. Dessa vez o oficial de Justiça pode ser o próprio Diabo. Aí o mi-mi-mi vai ser grande, cairá aos pés de Satã derramando lágrimas de crocodilo. Enquanto puder, todavia, continuará se passando por valente, firme, honesto. Como não bastasse, nos últimos meses teve a cara dura de participar de eventos em favor da anistia de criminosos, daquele bando de terroristas que fizeram o maior quebra-quebra no dia 8 de janeiro de 2023. Como sabemos, é considerado o mentor de um plano para aplicar um golpe de Estado que previa os assassinatos do presidente recém-eleito, do vice e também do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Mas isso está escancarado. Não é mais nenhuma novidade. O golpe fracassou e os envolvidos ficaram expostos. Devem responder por seus crimes nos rigores da lei. E enquanto não chega o dia de acertar contas com a Justiça, essa criatura asquerosa, pútrida, desprezível, deve prosseguir ostentando (só quando for vantajoso) vigor e resistência por meio da sua estratégia midiática de bancar o duro na queda para uma legião de iludidos úteis de toda parte desta grande nação adoecida.

A carniça viva, que talvez esteja bem pertinho de conhecer as acomodações de Bangu 8 ou da Papuda, ainda vai feder bastante. Não existe nenhuma água sanitária, antisséptico ou creolina capaz de minimizar o mau cheiro que emana desse verme que contamina até o chão que pisa. Onde esse patife chega, sempre com seu ruidoso batalhão de lambe-botas e zumbis, o ar se torna irrespirável.

Não tardará para que suas carnes decompostas comecem a se desprender dos ossos. Então restará apenas um esqueleto horrendo e melancólico. Nesse momento, enfim, o espetáculo da putrefação atingirá o seu ápice.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Climatização - Agosto de 2025
domingo - 11/05/2025 - 04:44h

A luz de Honório de Medeiros

Capa do livro de Honório de  Medeiros (Foto: BCS)

Capa do livro de Honório de Medeiros (Foto: BCS)

Por Carlos Santos

Enquanto duelo contra meus moinhos de vento (ou gigantes), representados por uma virose, me fortaleço com as reflexões sábias de Honório de Medeiros.

Ele não é Sancho, jamais serei Quixote – e vice versa. Somos irmãos com algum traço de sanidade. E olhe lá.

“Os que dizem não” é seu mais novo livro. Trata-se de um ensaio sobre seres humanos singulares e o pensamento que contraria o rumo da grande maioria da massa gente, através dos milênios.

Faz-me lembrar “O homem medíocre” (1913), do filósofo e escritor argentino José Ingenieros, ensaio que descreve o indivíduo conformista, alienado e comum, atraso à humanidade. É preciso nadar contra a correnteza.

Minha cura em grande avanço, que se diga, passa pela leitura dos que lançam luz na proa. Honório é guia. Rompe as trevas e encara de frente a mesmice coletiva endêmica.

Cá no sertão, à sombra de uma árvore frondosa, dou uma pausa. Mas, meu descanso é a batalha.

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 04/05/2025 - 11:04h

Lugares de ontem

Por Odemirton Filho

Imagem ilustrativa gerada com recursos de inteligência artificial do Grok para o BCS

Imagem ilustrativa gerada com recursos de inteligência artificial do Grok para o BCS

Nas noites da Mossoró da minha juventude era comum os moradores do grande Alto de São Manoel voltarem a pé depois das festas, pois não tínhamos a insegurança e violência dos tempos atuais. Era uma turma de amigos que retornava das festas da ACDP, da AABB, dos festejos de Santa Luzia ou, quem sabe, das festas do Imperial e do clube Realce.

Como hoje, logo após as farras, as pessoas faziam um lanche para voltarem as suas casas. Não existia o famoso “Sebosão”. Havia a lanchonete Big-Burg, em frente a atual Estação das Artes. No bairro Doze Anos, a lanchonete de Dedé do Sandubar, figuraça!

No Alto de São Manoel, em frente a atual loja da Olinda Pneus, existia a lanchonete de Zecão. Era ali, na maioria das vezes, que eu ia saborear um “completo”. Eu e alguns amigos aproveitávamos para resenhar, conversar sobre a noite que findava.

Não existia essa ruma de opções de hoje em dia, hamburguerias, pizzarias. Açaí? Ninguém conhecia por essas bandas.

Lembrei desses fatos, pois soube há alguns dias, por meio do meu querido amigo Marcos Ferreira, do falecimento de Zecão. Aliás, ele morava e ainda mantinha a lanchonete, quase vizinho a casa do nosso dileto escritor, no conjunto Walfredo Gurgel. De vez em quando eu ia por lá, e aproveitava para colocar o papo em dia com Marcos Ferreira.

Zecão fez parte da Mossoró das antigas, nos bons tempos de minha juventude. Fazia parte do rol de figuras, como Dedé do Sandubar, Alberto do Big-Burg, Zé Leão, entre outros.

A vida é passageira, e vamos construindo a nossa história com fatos e pessoas que, de alguma forma, ou em algum momento, dela fizeram parte. Sim, “quando se vê, já se passaram cinquenta anos”.

Lembro-me do Frango de Olinda; da churrascaria Kancela; Severino da Carne Assada; O Laçador; da lanchonete Tube; A Geladinha; Sorveteria do Juarez; Pizzaria Hut; lanchonete do Matú; do restaurante de Chico, no conjunto Walfredo Gurgel; do Bar do Gordo, no Paraíba.

E você, qual o lugar vem à memória?

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 04/05/2025 - 08:28h

Boi Café

Por Bruno Ernesto

Talhão de café, Fazenda Rio Grande (Foto do autor da crônica)

Talhão de café, Fazenda Rio Grande (Foto do autor da crônica)

Nos últimos meses o café tem sido o centro de muitas notícias, desde questões relacionadas aos benefícios de sua ingestão, estilo de vida, tradição e, em especial, as questões relacionadas ao declínio de sua produção, aumento da demanda e a consequente disparada nos preços desse elixir que o mundo inteiro aprecia.

Tudo, absolutamente tudo, gira em torno dele. Se não concorda, é melhor sentarmos e discutirmos a questão enquanto tomamos um cafezinho.

Abstraindo todas essas questões, aproveitando o feriado do Dia do Trabalhador, juntei minha família e fomos conhecer a Fazenda Rio Grande, onde fica o cafezal mais antigo e ainda ativo do estado do Rio Grande do Norte, e que está encravado a 670 metros de altitude no município de Jaçanã, bem no topo da serra do Cuité, na divisa com o estado da Paraíba.

Durante o trajeto, percorremos o estado de uma ponta a outra, subindo serras e rasgando o sertão, que está verdinho e exuberante.

Após a calorosa recepção, e já deliciando um saboroso café mais que especial, recém-torrado, moído e preparado ali mesmo na entrada, rumamos para o cafezal e fomos conhecer aquele paraíso.

Conhecendo um pouco da história da fazenda, o seu responsável, Diogo Jeremias, nos contou que o plantio do cafezal teve início em 1981, e que após mais de duas décadas, houve um período de letargia em sua produção, só tendo sido efetivamente retomada com a eclosão da pandemia da Covid-19, época que retraçou os planos de muitas pessoas no mundo inteiro e o local, além de refúgio para a família, serviu como recomeço da atividade cafeeira.

Enquanto caminhávamos no cafezal, Diogo falava todos os detalhes da produção do café, bem como as técnicas de manejo, detalhes com microclima, em especial a necessidade de sombreamento do cafezal para proporcionar uma produção de excelência e consistente do café arábica lá produzido.

Ele me mostrou a enorme diferença no desenvolvimento dos pés de café que crescem sombreados por enormes cajueiros e os que não são, ainda que a temperatura local se mantenha em agradáveis 25 ou 26 graus Célsius em pleno meio dia.

Também notei que alguns bois e vacas bem nutridos e vistosos, ao longe, descansavam calmamente debaixo das copas dos enormes cajueiros em meio ao cafezal.

Por um instante – talvez pelo adiantado da hora e a fome já dando notícias – fiquei curioso para saber se eles comiam os frutos doces de café ali fartamente disponíveis, o que seria interessante, pois – imaginei -, quem sabe, o café desse um sabor especial à carne deles, tal qual os famosos porcos ibéricos têm a carne com sabor das bolotas (frutos do carvalho) que eles comem em abundância e que produzem o famosíssimo Jamón Pata Negra.

Seguindo, ao nos mostrar um outro talhão de café, percebi que esse aparentava ser bem mais jovem que os demais, e, por curiosidade, perguntei a respeito da irrigação, manejo e adubação do solo do cafezal.

Ele nos falou da necessidade de investimentos frequentes para a manutenção, melhoria e ampliação do cafezal, o que representa um enorme um desafio para quem produz cafés especiais.

Enquanto olhávamos para esse talhão jovem, ele contou que, para viabilizá-lo, precisou rifar um boi de estimação da fazenda.

Como sou apaixonado e apegado aos animais – não considere tanto o episódio do Jamón Pata Negra -, e sei que quando alguém fala que é de estimação, ainda que se trate de um boi, imaginei o quão doloroso deve ter sido desfazer dele para poder dar seguimento ao cafezal.

– E o destino do boi, Diogo?

Ele sorriu um tanto sem graça e disse que o arrematante não tinha estima pelo boi e selou o seu destino como se fosse um qualquer.

Seguimos o passo e, por breves três ou quatro segundos, perguntei a ele qual era o nome do boi de estimação.

E ele olhou sério para mim e falou seco:

– Boi Café.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 04/05/2025 - 07:16h

Manicômio digital

Por Marcos Ferreira

Cabeça do palhaço maluco (Fonte: Freepik)

Cabeça do palhaço maluco (Fonte: Freepik)

Desapego, quiçá altruísmo, abnegação, fidelidade ao seu destino de agregador de pinéis. Pode ser tudo isso e muito mais. Só sei que dessa forma, desinteressado de aplausos e lucro financeiro, o diretor deste manicômio digital, o jornalista e escritor Carlos Santos, reúne em seu blogue todos os domingos um expressivo e polimático número de malucos informais. Pois é. Temos aqui amalucados para todos os gostos e atribuições. A começar pelo próprio timoneiro desta nau psiquiátrica, que obviamente tem a sua parcela de insanidade.

Creio que alguém que bate direitinho da cachola não abraçaria essa missão de confraternizar e apaziguar mentes alvoroçadas. “Loucura! Loucura!”, diria o galáctico Luciano Huck, ele também um louco de pedra.

Claro que nem todos que orbitam em torno deste blogue são pirados. Há exceções. Especialmente no tocante aos leitores. Já alguns articulistas padecem de elefantíase do ego. Como os pavonescos Euzébio Ramalho e Gustavo Noronha, intelectuais com renome e prestígio na praça. Exibem um inegável grau de deficiência cognitiva em seus próprios artigos indecifráveis. Digo, a bem da verdade, que esses cavalheiros são mais que meros tipos egocêntricos. Tanto o senhor Ramalho quanto o senhor Noronha são profundos estudiosos de objetos voadores não identificados.

Existem aqueles que fazem questão de deixar bem claro que são doidos. É o caso, por exemplo, do meu estimado xará e jurisconsulto Marcos Araújo, o mais ilustrado e apaixonante maluco que conheço. Araújo, além de cronista invulgar, é comentarista deste espaço, ele que de quando em vez me dá a honra de emitir uma opinião construtiva sobre meus escritos.

Antes que alguém o diga, declaro que não sou nenhum alicerce de equilíbrio mental. A diferença entre mim e os pavões Ramalho e Noronha (suponho) é que estou sempre medicado e não misturo meus antipsicóticos com álcool. Aliás, não conheço o gosto de bebida alcoólica nenhuma. Muito menos posso afirmar que o senhor Ramalho e o senhor Noronha tomam remédio controlado.

Estou sóbrio desde o dia 10 de abril de 1970, há cinquenta e cinco anos. Mais de meio século remando contra as convenções sociais. E isso não tem relação com igreja evangélica nem católica, budismo, espiritismo ou candomblé. A minha sobriedade etílica, portanto, não está vinculada a nenhuma religião.

Sou desconfiado por natureza. Não boto a minha mão no fogo por esses messias e mitos que pipocam em toda parte deste país e do mundo. Enxergo tanta honestidade nessa récua de sacripantas quanto em uma cédula de trinta reais. Penso, todavia, que não somos frutos do acaso. Mas voltemos ao que de fato interessa. O papo aqui não é sobre credulidade ou descrença. Desejo abordar apenas a questão dos que possuem parafusos frouxos ou até faltando. Situação na qual possivelmente me encaixo. Meu alienista é quem pode falar melhor sobre o meu caos psicológico.

Entre os alvoroçados estão os doidos mansos, elementos deveras tranquilos, moderados, com a serenidade de um peixinho de aquário. Desse naipe aponto escribas como Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Jessé de Andrade Alexandria, Ayala Gurgel e o delegado da Polícia Civil Inácio Rodrigues Lima Neto, sujeito de fino trato e um ficcionista dos melhores desta terra de Santa Luzia.

Um tanto mais incisivo, combativo, há o poeta e escritor de responsa François Silvestre. Em meio a esses (acho que já estou cometendo o pecado do esquecimento) não posso deixar de incluir o amigo e memorialista Rocha Neto, verdadeiro arquivo ambulante desta aldeia.

Carlos Santos, então, com a sua fleuma de monge tibetano, consegue harmonizar e socializar todas essas categorias de discípulos do saudoso Paulo Doido, cujo nome de pia é Paulino Duarte Morais, que se encantou aos sete dias de junho de 2024. Deixou para todos nós, tantãs, um robusto legado de doidices ora meio afobadas, ora bem-comportadas. Sua biografia de maluco beleza está gravada na história desta província e jamais será esquecida. Os doutores psiquiatras Dirceu Lopes e Roncalli Guimarães, que também possuem as suas neuras, ficaram desolados com o passamento de Paulo Doido. Infelizmente, apesar dos esforços, nosso editor nunca conseguiu firmar um contrato com Paulino Duarte para participar do BCS — Blog Carlos Santos.

Como os demais cronistas deste hospício, Paulo Doido teria bastante o que contar sobre suas andanças pelas ruas de Mossoró. Segundo uma fonte porra-louca, corre à boca miúda a notícia de que o diretor deste malucódromo adquiriu o passe de outro doido para jogar em nosso time de birutas. Minha fonte diz que se trata de ninguém mais, ninguém menos do que o ponta-esquerda Adélio Bispo, esfaqueador de elite predestinado. Será muito bem-vindo ao nosso manicômio digital.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Climatização - Agosto de 2025
domingo - 27/04/2025 - 08:50h

Éticos

Por Marcelo Alves

 José Adalberto Targino Araújo (Foto: Web/Arquivo)

José Adalberto Targino Araújo (Foto: Web/Arquivo)

Conheci José Adalberto Targino Araújo, há muitos anos, nas fronteiras do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Procurador do Estado no RN, Secretário de Estado da Justiça na PB, afetuoso amigo e sempre um “gentleman”, Adalberto circulava – e ainda circula – com imensa e igual fidalguia por essas duas províncias. Sou testemunha do seu trabalho ético como profissional/prático do direito e da política.

Membro das academias norte-rio-grandense e paraibana de letras jurídicas, Adalberto agora nos presenteia, a partir da sua vocação acadêmica/filosófica, com um livro deveras singular: “A ética aplicada à política e às relações sociais”.

É um livro que merece ser lido. Aliás, degustado com carinho.

É um trabalho sobre a ética – na concepção aristotélica, a ciência que estuda o comportamento humano com o objetivo de alcançar o equilíbrio/virtude (“areté”) e a felicidade (“eudaimonia”) –, um saber intimamente relacionado ao direito, à política, às relações sociais, à filosofia e, por que não, à literatura. O autor, que já laborou ou ainda labora como governante, promotor, procurador, acadêmico e muitas coisas mais, dela, porque também a segue fielmente, entende muito bem.

Entretanto, o livro de Adalberto vai muito além do estudo tradicional da ética.

É primeiramente um delicioso passeio pela história universal. Como o autor explica, ele tem como “objetivo geral identificar as convergências e discrepâncias filosóficas e teológicas entre os filósofos desde o período pré-socrático até os filósofos considerados modernos no que concerne à ética aplicada à política e relações sociais”. Para atingi-lo, busca “compreender a ética, a política e o bem comum em Platão e Aristóteles; compreender a moral no universo cristão medieval; analisar a filosofia moral no período do Iluminismo; expor pensamentos sobre a real dimensão da ética de ordem objetiva; e analisar a crise ética da modernidade na abordagem de pensadores pós-modernos”. Ao finalizar a sua jornada, o texto bem apresenta a síntese das divergências e das convergências entre os pensamentos e os pensadores que construíram a nossa história ética.

E é sobretudo um estudo interdisciplinar pelos vários saberes da humanidade (quer algo mais academicamente contemporâneo?), visando à ampla compreensão e ao aperfeiçoamento da realidade ética que nos cerca. Para além da política, do direito, da sociologia, da filosofia (da qual a ética seria um dos seus principais temas ou ramos), o livro faz excelente uso da literatura (de ficção, para ser mais claro). Por exemplo, dois de meus autores prediletos são objeto de análise. Tolstói (1828-1910), com o seu “O Diabo”, sob o ponto de vista da moral iluminista e, bem detalhadamente, sob uma leitura kantiana. E o insuperável Shakespeare (1564-1616), com os seus “Hamlet” e “Macbeth” e, sobretudo, o seu “Rei Lear”, num mundo eticamente às avessas.

Na verdade, na literatura universal, há inúmeras estórias que enfrentam e resolvem os denominados “problemas éticos”. Os grandes autores, se não filósofos, relatando a casuística da vida em linguagem mais elegante e acessível do que a linguagem dos acadêmicos, são frequentemente excelentes professores de filosofia e de ética. A partir da casuística narrada, eles tornam a coisa bem menos abstrata, mais pé no chão, mais vida vívida. E essa abordagem “literária” da filosofia, sua história e sua ética, confesso, é o que mais me encanta em “A ética aplicada à política e às relações sociais”.

Por fim, sem querer mais adiantar o conteúdo, mas para fortemente recomendar a leitura, apenas asseguro: Adalberto e o seu livro são pessoal e academicamente éticos, na precisão integral deste termo.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/04/2025 - 07:22h

O inferno é aqui

Por Marcos Ferreira

Ilustração: besta de sete cabeças do Apocalipse (Fonte: JW.ORG)

Ilustração: besta de sete cabeças do Apocalipse (Fonte: JW.ORG)

Escurece. Melhor dizendo, anoitece. “Escurece”, forma do presente do indicativo, verbo transitivo direto, intransitivo e pronominal, pertence a um pretérito que hoje em dia é coisa rara. Há bastante tempo, com breves ocorrências, já não escurece. Isto no que se refere à comutação do dia para a noite. Quase ninguém se importa ou acredita que ainda temos crepúsculos, arrebóis. Porque mal a noite se aproxima, ao contrário de antigamente, eis que um sem-número de postes acendem suas luminárias de modo automático e eficaz. As primeiras vítimas desse progresso foram os acendedores de lampiões, trabalho cantado em verso e prosa quando nos tinha serventia.

Até as estrelas, agora com a geração cabisbaixa dos smartphones imperando, têm passado despercebidas na infinitude do espaço. A poeticidade da Lua, sobretudo se não for cheia, também fica prejudicada nesta era tecnológica em que um reles celular rouba a cena e põe uma quantidade astronômica de gente com a ponta do queixo colada no peito. Exceto pelos astrônomos e por alguns poetas que vivem na órbita da Lua, ouso dizer que a própria Via Láctea está caindo no ostracismo.

Em nossa casa, no universo de minha meninice, escurecia de fato. Conforme principiei, “escurece” estaria com emprego adequado. Porque as lamparinas de querosene daquele nosso domicílio de pau a pique, sem luz elétrica, sem água encanada, só eram acesas (duas ou três em pontos cruciais) quando a visibilidade estava deveras comprometida. Enquanto houvesse pelo menos penumbra, um lusco-fusco que permitisse nossa locomoção e tornasse certas coisas encontráveis, a minha mãe não gastava querosene à toa. A senhora Branca era autodidata em economia. Senso este que desenvolveu ao longo dos sessenta e dois anos em que esteve por aqui.

No terreiro de nossa casa, situada na Avenida Alberto Maranhão, 3521, lá no finalzinho dos anos setenta para começo dos oitenta, havia uma grande árvore, um flamboyant que à noite nos oferecia uma espécie de chão de estrelas, parecido com a metáfora daquela célebre canção do Orestes Barbosa e Sílvio Caldas. Sob a copa do flamboyant, a gente se reunia (nove irmãos) para ouvir a senhora Branca contando histórias de onça e de mal-assombro.

Agora as onças, em especial as onças-pintadas, sofrem ameaça de extinção. As almas penadas desapareceram das conversas de roda. Talvez porque as assombrações, a exemplo das onças, têm medo desta sociedade hostil que formamos. Durante séculos a fio a Terra inteira é massacrada por nós.

Corrigindo, enfim, anoitece. Há muitas luzes, porém existem incontáveis trevas sociais sem ao menos uma lamparina de esperança, uma luzinha no fim do túnel. Tanta coisa boa morreu para um monte de coisas boas nascer. Mas seguimos sem respeitar tradições, destruindo costumes, a fauna e a flora. A Natureza agoniza sob nossa ganância e descaso. O planeta começou a se voltar contra a nossa índole predatória, deletéria.

Qualquer dia tudo vai escurecer de vez. Parece que o Sol tomou as dores do globo terrestre e decidiu fritar nossa existência. O aquecimento global está aí como carrasco implacável sobre o cadafalso, só esperando a hora de aniquilar essa humanidade desumana composta por uma gigantesca soma de pessoas insensíveis.

Mais cedo ou mais tarde um antiquíssimo verbo retornará para um acerto de contas com o bicho-homem, único animal que devasta o próprio habitat. Trata-se do verbo retransfigurar. O mesmo conjugado por Deus na época de Noé. Receio que dessa vez não contaremos com uma segunda arca. Nem o Todo-Poderoso reenviará o Nazareno para salvar a nossa pele. Paciência, como se diz, tem limite. Não. Não haverá outra arca. Apenas choro e ranger de dentes.

O Inferno é aqui.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Climatização - Agosto de 2025
domingo - 27/04/2025 - 05:48h

Não o convenceu

Por Bruno Ernesto

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Observar. Só observar, tem muitas vantagens.

Apesar de gostar muito de fotografias, em especial em preto e branco, nunca fui um exímio fotógrafo.

Muito pelo contrário, estou equidistante entre o regular e o semiamadorismo. Entretanto, não me falta disposição e teimosia.

Aliás, sempre gosto de dizer que a teimosia é inegociável. Pois bem.

Além de um bom equipamento fotográfico – acredito eu -, me falta uma característica fundamental a um fotógrafo: paciência.

Não é que não tenha. Até tenho; só não muita. Se tiver calor, menos ainda.

Aliás, assim como na falta de um bom café sem açúcar, no calor, me falta é o juízo inteiro e nunca será um bom momento para resolver certos assuntos ou quizila.

Fotografar como passatempo – com é o meu caso – precisa da mesma calma, tempo, disposição, serenidade, criatividade e, sobretudo, sensibilidade exigida para se escrever um texto literário.

Muito embora tenha esse déficit fotográfico, nos últimos tempos, com o auxílio e o incentivo da minha esposa – que é exímia fotógrafa -, tenho procurado praticar e aperfeiçoar essa arte; embora, geralmente, meus registros sejam feitos despretensiosamente.

Acredito que a cada cem fotos, uma ou duas fiquem realmente apresentáveis.

Como num pleonasmo, gosto de capturar cenas do cotidiano diário; ver gente e a vida pulsante da cidade, seus personagens, lugares e, sobretudo observar o movimento frenético dessa central que se inicia ainda pela madrugada, e vai se amainando já pelo meio da manhã, como toda e qualquer central de abastecimento de alimentos em qualquer lugar do mundo.

Dia desses, passando bem cedo pelo centro da cidade – antes das seis e meia – bem em frente à central de abastecimento (Mercado da Cobal), um dos lugares – talvez – mais bem frequentados da cidade, uma cena me chamou bastante atenção.

Enquanto aguardava o sinal de trânsito abrir, escutava as notícias do rádio – sim, sou ouvinte assíduo de rádios – e tentava organizar mentalmente o meu dia quando, de dentro do carro, percebi que dois homens conversavam na esquina ali, bem ao meu lado.

Um deles – o ouvinte – tinha a barba grande e descuida; cabelos retorcidos e convulsionados; calçava havaianas e vestia camiseta e calção amarrotados, como quem tivesse há dias com a mesma roupa e sem tomar um banho;

Sentado bem ali na calçada da esquina – olhos inchados -, tinha as mãos soltas e descansadas entre as pernas.

Estava totalmente inerte e num estado indescritível de afastamento e melancólica visão perdida no infinito.

De tão profundamente perdida, não indicava qualquer conexão com o mundo, no meio daquele vai e vem de carros e, certamente, muito barulho.

Ao seu lado direito, porém não tão próximo, jaziam duas sacolas pretas, uma garrafa pequena de uma marca de água mineral conhecida. No asfalto, encostado no meio-fio, uma sacola plástica branca.

Já encostada à sua perna direita, havia uma sacola plástica branca, o que parecia ser uma garrafa plástica de refrigerante de um litro sem o rótulo e, ao alcance imediato de sua mão, duas garrafas pequenas, rechonchudas, com tampas brancas enroscadas, como se dois pequenos barris fossem.

No rótulo dessas duas pequenas garrafas em formato de barril – depois pude ver – havia uma silhueta feminina em pose sensual.

Paradoxalmente à postura daquele homem ali sentado e intrigantemente inerte, outro – bem aparentado, de tênis e boné -, se postava de pé bem diante dele e, gesticulando os braços, com veemência e vigorosamente, aparentemente vociferava aos brados e colericamente, como se o tentasse convencer de algo. Talvez um conselho.

Dez segundos se passaram entre eu parar o carro e o sinal abrir. Consegui uma sequência de quatro fotos e precisei seguir.

Trinta minutos após meu compromisso, na volta, passei pela mesma esquina – agora no outro sentido da via – e lá ficaram apenas a garrafa pequena de uma marca de água mineral conhecida e a garrafa plástica de refrigerante de um litro sem o rótulo.

Aparentemente, o homem de boné não o convenceu.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/04/2025 - 04:38h

Resiliência

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Um dia desses, quando eu transitava na Avenida Leste-Oeste, em Mossoró, vi um jovem bem-vestido, segurando uma pasta, caminhando rumo à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Por que sei que ele estava indo para a nossa querida Uern? Porque o conheço, sei que é discente do curso de Direito.

Ele caminhava com ar resoluto, quase de forma estoica. Trata-se de uma pessoa humilde que sonha em vencer na vida por meio do estudo.

Com efeito, ele é mais um cidadão deste sofrido país que enfrenta uma luta renhida para ter um mínimo de dignidade. Neste país, no qual a desigualdade social é uma triste realidade, é preciso força de vontade para conseguir um lugar ao sol, sobretudo, quando não se nasce em berço de ouro.

Há milhares de pessoas que conseguiram dar um destino melhor a sua vida, seja pelos estudos ou pelo trabalho honesto. Entretanto, não é fácil conciliar o horário de estudo com uma carga de trabalho exaustiva. É preciso ser resiliente para encarar essa batalha.

Lembro que quando lecionava na Universidade Potiguar presenciei inúmeros alunos que passavam o dia no trabalho, e a noite estavam sentados nos bancos da faculdade, querendo aprender, crescer profissionalmente, mudar de vida. Muitos conseguiram, muitos, infelizmente, desistiram.

Muitas pessoas desistem no primeiro obstáculo, ficam no meio do caminho. Aliás, li que a “resiliência não é ter pressa. Ser resiliente é seguir em diante, seja na velocidade que for”.

É certo que nem todos têm as mesmas oportunidades. O ponto de partida é desigual tornando a corrida da vida um tanto difícil. Para alguns é mais fácil, para outros, um grande sacrifício.

Enfim, de toda forma desejo que aquele jovem que caminhava firme e forte, apesar de aqui e acolá levar umas pancadas da vida, seja resiliente e consiga os seus objetivos.

Assim espero. E torço.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 27/04/2025 - 03:22h

O salto para a história do inesquecível “Gato Félix” tricolor

Por Carlos Santos

Félix, em defesa pelo Fluminense, 1971, jogando contra o São Paulo, no Morumbi

Meu time de botão está com sério desfalque. Félix morreu. O “Gato Félix”, imortalizado na Seleção Canarinha de 70, morreu de enfisema pulmonar – hoje em São Paulo.

Félix no gol. Assim começava a escalação do Fluminense que eu dava vida no comando de uma palheta manuseada com rara destreza.

Vi-o jogar com olhar encantado e deslumbramento na grande tela; um pouco pela TV.

O “Canal 100”, espécie de jornal que era apresentado antes da exibição de filmes nos cinemas do Brasil, dava um resumo do futebol – principalmente do Rio de Janeiro. Foi ali que o goleiro franzino, de apenas 1,79 – ficava gigantesco diante de mim.

“Papel”, seu apelido, era sóbrio, sem qualquer tipo de salto espalhafatoso e cinematográfico para sair na capa do jornal. Quem viu Castilho jogar, afirma: Félix foi inferior a ele.

Quem se importa com essa observação? Eu vi Félix. Era meu goleiro no botão, inspiração para ser também um “arqueiro”, como se dizia à época.

Sou de uma geração que se encantou com Paulo Vítor nos anos 80 e agora se rende a Diego Cavalieri. Mas foi Félix, no campinho de “Estrelão” (onde o futebol de botão era jogado), que fez minha cabeça para sonhar em um dia ser goleiro.

Nos campos improvisados da Estrada de Ferro ou no gol marcado por duas pedras, em pleno leito da rua, fui um fracasso retumbante. Frangueiro, sem reflexo ou impulsão. Não mereceria uma crônica de Nelson Rodrigues. Não seria Félix; percebi logo.

Com escassa memória que me chega aos dias atuais, fui aquele menino magrinho que viu Félix na Copa de 70, espiando jogos numa TV que ficava sobre o janelão de uma casa à Rua Dr. Francisco Ramalho, Centro de Mossoró. Famílias inteiras afluíam para se converterem em nacionalistas, diante daquela maravilha da tecnologia, em preto e branco.

Eu estava lá, na plateia, parte dos 90 milhões de brasileiros em ação, gritando: “(…) Pra frente, Brasil…”

Era a primeira Copa do Mundo sendo transmitida ao vivo. No gol, Félix. Quem se fixava nele, quando Gérson, Jairzinho, Pelé, Tostão, Rivelino, Carlos Alberto e Clodoaldo desfilavam imponentes, como deuses do futebol arte?

Que bela ironia o destino me pregou. Estou aqui a descobri-la quando lembro do goleiro tricolor: eu queria ser como “Papel”, no gol do Fluminense.

O papel que me sobrou foi do jornal impresso. Fui sendo sugado diariamente pelo rolo de uma máquina datilográfica, engenhoca que há alguns anos era a fonte de minha produção profissional, uma paixão, uma razão de viver.

No gol, sempre ele. Fica quem é do ramo: O Gato Félix. Para sempre.

Saudações tricolores!

Saiba um pouco mais sobre Félix clicando AQUI.

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos

*Crônica originalmente publicada no dia 24 de agosto de 2012, nesta página, há quase 13 anos.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 20/04/2025 - 08:46h

Obrigado, Neuza

Por Bruno Ernesto

Óleo sobre tela de autoria de Neuza Medeiros, homenageada na crônica (Foto: Bruno Ernesto)

Óleo sobre tela de autoria de Neuza Medeiros, homenageada na crônica (Foto: Bruno Ernesto)

Quando alguém me pergunta qual é o segredo para se escrever uma crônica, minha resposta é simples e direta: observe a vida ao seu redor.

Escrever uma crônica nada mais é que uma extensão tangível do nosso pensamento e sentimentos.

Escreve-se o que, por vezes, não se diz.

O hábito de ler, embora indispensável para o ofício, representa apenas uma fração do que é necessário para a criação de uma crônica.

Sentimento, percepção e sensibilidade são o que, de fato, nos induz e conduz nessa criação.

Aliás, nem criação é. Se fosse criação, seria uma estória.

Por ser a pura realidade, ainda que figurativa, nos faz refletir e, talvez, desperte algo parecido em quem se disponha a lê-la. Ainda que seja sem interesse.

Tem dia que é mais fácil; dia mais difícil. Alguns, impossíveis. E hoje é um dia difícil.

Embora seja Sexta-feira Santa, acordei cedo como sempre e, num despertar lento e compassado, sentei e aguardei meus gatos virem se enroscar nas minhas pernas, num balé sincopado entre roçados e miados, como de costume.

O dia aparentemente seria como qualquer outro. Não foi.

Até pensei em enviar uma mensagem para o editor, comunicando que talvez não conseguisse escrever algo para esse domingo. Pediria sua compreensão.

Talvez no decorrer do outro dia surgisse uma estreita faixa de luz que me levasse a um texto sóbrio, apurado. Mas seria o outro dia. Não serviria. Perderia sua essência.

No decorrer do dia, num misto de emoção e incredulidade, descartei a ideia pois, às vezes, a crônica vem justamente como uma avalanche.

Imediatamente me veio – vividamente -, a nossa última conversa. Ao pé do ouvido, no aniversário de quinze anos de minha filha – sua única neta, como dizia -, comemorado há exatas duas semanas.

Há alguns anos os nossos caminhos já não convergiam como outrora.

Os almoços aos domingos e o veraneio em Tibau ficaram na minha memória. Porém minha admiração e respeito seguiram inabaláveis. Admiração e respeito são inegociáveis.

Me perguntou se eu ainda tinha a tela que ela pintou e me presenteou há vários anos, num dom artístico que despertara na flor da idade.

– Claro, que sim! O deserto, as pirâmides. Está na sala de casa, em Natal. Numa linda moldura vermelha.

Me pediu que me enviasse uma foto para completar o seu acervo para a exposição que estava por acontecer. Me comprometi, a trazê-la para a exposição.

– É uma das que mais estimo. Porém não devolvo.

Sorrimos como há muito não sorríamos numa conversa franca.

Um tanta debilitada, quis abraçá-la, porém, não o fiz. Não o fiz.

Queria tanto retribuir o afetuoso, consolador e longo abraço que ela me dera cinco anos, no dia da despedida do meu pai. Jamais esquecerei.

Mal sabia que aquela seria nossa despedida. Sorrimos e nos despedimos.

Não deu tempo par mais nada.

Só para as boas lembranças, agradecimento e saudade.

*Crônica em homenagem à Neuza Medeiros, servidora aposentada da Universidade do Estado do RN (UERN).

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 20/04/2025 - 06:22h

Sem verbos

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa do Freepik

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial do Freepik para o BCS

Sábado de aleluia. Avenida Presidente Dutra. Os dois naquele trecho entre uma ponte e a outra. Primeiras horas da manhã. Comércio ainda fechado. Pouco fluxo de veículos. Ali sentado em uma calçada um idoso com seu cãozinho tristonho e felpudo. Duas vidas sem amparo algum. Mendigo de barbas e cabelos longos e brancos. A noite dormida naquela calçada úmida entre cobertores sujos com aquele cachorrinho. Ambos sob a marquise de uma loja de móveis caros. Expostos à cruviana, ao vento frio da madrugada, às adversidades ao redor. Companheiros de privações e desventuras. Desassistidos, vulneráveis. Há quanto tempo sem um banho? Decerto vários dias. Indivíduo com mais ou menos setenta anos. Pele branca, rosto vincado.

Semana santa infernal para muita gente em tais condições, à margem da sociedade, na sarjeta. Alguns com tanto e tantos sem nada. Sociedade predatória, desigual. A partilha do pão? Uma falácia! Mundo impiedoso com os sem-teto, os desvalidos, elementos invisíveis aos olhos da grande maioria da população abastada e insensível aos irmãos tragados pela miséria. Vida excruciante, severa, perversa.

Cidadãos vítimas do caos profundo, pessoas mergulhadas no abismo de suas existências miserandas, desesperançadas, sem voz e sem verbos. Nesta importante avenida de Mossoró, um retrato nu e cru do desmantelo social: um velho e o seu cão entregues ao deus-dará. O Deus do Céu talvez alheio a esse panorama dramático. Muitas coisas, muitos problemas para “Aquele que tudo pode”. Sim, uma calamidade complexa, soluções difíceis até mesmo se nas mãos do Todo-Poderoso.

Um pobre homem e seu inocente e pequenino cão destroçados pelas colossais engrenagens deste sistema avaro, ignorados por cristãos e protestantes materialistas, de espíritos azinhavrados. Cadê aquela ecumênica historinha de liberdade, igualdade e fraternidade? Frase embusteira, vazia, demagógica. A miséria, o abandono e a fome às escâncaras debaixo de viadutos, nas calçadas, nos bancos de praças. Nenhum de nós responsável por nada disso. Cada qual com os seus projetos e prioridades, com nosso umbiguismo arraigado, individualista, sem dó, sem compaixão.

De quando em quando uma espécie de remorso, imenso constrangimento atravancado na minha consciência. Vergonha do meu hipotético status de ser humano, de filho de Deus, de irmão dos meus irmãos mais necessitados. Não, obviamente, desses irmãos sem ao menos um pão duro a cada dia. Igual àquele desvalido exposto ao relento na Presidente Dutra, em situação degradante àquela hora da manhã de ontem (sábado de aleluia), invisível em uma calçada de loja com o seu cachorro melancólico. Por que, meu Deus, tanta lástima sob os Céus? O poeta condoreiro Castro Alves também sem essa resposta antes de sua partida para o além-túmulo. O Criador, cheio de afazeres até o pescoço, sufocado, impotente diante deste mundo tão cruel.

Provavelmente o Altíssimo já sem forças para esse fardo gigantesco, desmedido. A cada um de nós, no entanto, o dever de boas ações, da divisão de renda, da partilha de alimento, moradia para todos, o mínimo de dignidade. Oh, Senhor, perdão por esta crônica meio zangada em favor desses teus filhos rifados nas ruas, em todo recanto da Terra, desprotegidos, sem guarida, sem vez, sem verbos.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 13/04/2025 - 12:32h

Mediando

Por Marcelo Alves

Arte ilustrativa com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

Há alguns anos, quando dava aulas de direito processual civil, sobretudo de teoria geral do processo, adorava tratar dos chamados “meios de solução dos conflitos de interesses”. A autotutela, a autocomposição, a arbitragem e a jurisdição, era assim que classificávamos a coisa à época. Na autotutela, gostava sempre de alertar, vigorava infelizmente a “lei” do mais forte. Na desejada autocomposição – seja por renúncia à pretensão, renúncia à resistência ou mesmo pela velha e boa transação –, discutíamos os métodos, direcionados para tanto, da conciliação e da mediação.

Eu era também um entusiasta da arbitragem, na qual o conflito é solucionado por um terceiro imparcial que não o Estado-juiz. Falávamos muito – e sobretudo – da (morosa) jurisdição e seus corolários, já estávamos estudando teoria geral do processo. Sem falar que, vez por outra, misturávamos tudo, afinal nada melhor que uma boa transação, seja antes, durante ou mesmo depois de um processo. Bons tempos de aprendizado e juventude.

Fiz essa introdução – que bem demonstra o meu entusiasmo pelos “meios/métodos alternativos (à jurisdição) de solução dos conflitos de interesses” – para falar de uma dissertação de mestrado, “Mediação institucional de conflitos: uma proposta para criação de colegiado temático para o legislativo estadual do Rio Grande do Norte”, de autoria de Ana Paula Vendramini, de cuja banca examinadora tive oportunidade da participar esta semana na querida Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O trabalho é muito bom. Na verdade, é até desafiador, como se verá, aqui, ao final.

A autora destaca os meios/métodos alternativos de solução dos conflitos de interesses como essenciais para que as partes envolvidas e, sobretudo, um sistema de justiça alcancem seus objetivos. E vai além: ferramentas como a mediação, a conciliação e a arbitragem não são apenas “alternativas”, mas, em muitos casos, as “soluções” mais adaptadas à natureza de dada controvérsia. No que toca ao nosso sistema de justiça, ela faz uma crítica implícita à denominada “cultura da sentença” e defende a “mediação e os métodos consensuais como caminhos para a gestão de disputas” que vêm ganhando cada vez mais adesão entre processualistas, acadêmicos e gestores. Tem bastante razão a autora. Vejo isso no Ministério Público Federal – e no sistema judicial federal como um todo – onde trabalho.

Também não resta dúvida de que a mediação, de natureza multidisciplinar e pautada pela ética, “se apresenta como um recurso indispensável na gestão de conflitos na administração pública, proporcionando soluções rápidas, eficientes e pautadas no diálogo, além de promover a transparência e a sustentabilidade nas relações institucionais”.

Até aí tudo bem. O problema – ou o desafio – é que a autora pretende regulamentar e implementar institucionalmente um “Colegiado Temático de Mediação” na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, em um ambiente legislativo típico, para atender às demandas/dinâmicas internas (supondo-se que até entre os seus parlamentares) e externas da casa legislativa.

A questão é que a ALRN, atualmente composta por 24 deputados dos mais variados matizes, é um órgão eminentemente parcial, partidário mesmo, como não poderia deixar de ser com uma casa legislativa. O conflito, o confronto mesmo, entre situação e oposição e suas nuanças, é da sua natureza, e assim tem de ser com esta ou qualquer outra casa legislativa. Essa “trocação” de ideias, essa desinteligência, contanto que num nível respeitoso, é algo típico, necessário mesmo, à democracia parlamentar. Como mediar isso?

Essa situação, que ponho como um desafio ao projeto da nova mestre, me faz lembrar um fato curioso, até cômico, da minha vida profissional. Há muitos anos, entusiasta da temática, me inscrevi em um curso que o Ministério Público Federal ofereceu em Brasília, cujo título era, se me lembro bem, “Resolução de conflitos”. Durava duas semanas. Acontece que, só quando cheguei na capital, descobri que o curso era de “resolução de conflitos interiores”. “Conflitos consigo mesmo”, posso dizer.

Passado o susto inicial – ou mesmo a decepção –, veio a boa surpresa. O curso – orientado pelo grande mestre, de quebra potiguar, Professor Hermógenes (1921-2015) – era nada menos que fantástico. Até hoje me lembro da técnica para adormecermos ensinada pelo mestre, que tento aplicar, com relativo sucesso, nestes dias de angústia.

Bom, talvez só o Professor Hermógenes para mediar conflitos parlamentares Brasil afora.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 13/04/2025 - 10:46h

Liège

Por Bruno Ernesto

Cartas de Valèrie, Liège/Bélgica (Foto de autoria de Bruno Ernesto)

Cartas de Valèrie, Liège/Bélgica (Foto de autoria de Bruno Ernesto)

Em outras oportunidades registrei um costume que tenho: enviar cartões postais.

Quem ainda, de fato, os envia?

Embora nossa Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos  – segundo noticiam – ande moribunda, do ponto de vista empresarial, a crise é do próprio mercado postal, somada a outros fatores que você pode se inteirar com mais propriedade em outras fontes de mercados de capitais e de política. Quanto a esta última, muito cuidado com a fonte.

Sim, por ser uma empresa estatal, além dos serviços padrões, mantém serviços que a iniciativa privada despreza solenemente, como por exemplo, transcrição em Braille e o chamado registro módico, que custa a metade do valor convencional de uma encomenda e é muito utilizado para envio de livros e material didático.

Os próprios Correios divulgaram que foi graças a essa modalidade de envio que muitos livreiros conseguiram manter seus negócios durante a pandemia da COVID-19. Os sebos e leitores agradecem penhoradamente.

Eis um dos papéis distintos que uma empresa estatal, numa área tão particular, preserva sem se ater tanto resultado comercial.

Por ser millennial, ainda alcancei as cartas de papel.

Era todo um processo: envelopes, papel pautado, caneta esferográfica de ponta fina, selos, cola e muita inspiração.

Numa carta manuscrita, não há curtidas ou seguidores, como nas redes sociais digitais. Leva e traz notícias boas, ruins ou indiferentes. É uma relação sinalagmática entre remetente e destinatário.

De tão sagrada, seu sigilo é um direito fundamental protegido constitucionalmente no artigo 5º, inciso XII, da nossa Constituição Federal de 1988.

De fato, há muito tempo não escrevo nem envio uma carta pessoal pelos correios. Me falta destinatário.

Recentemente, pus minhas mãos em mais de duas dezenas de cartas que troquei nos anos noventa e início dos anos dois mil, com uma querida amiga de Liège, na Bélgica, que conheci no colégio e criamos um grande laço de amizade durante o seu intercâmbio aqui no Brasil, há quase três décadas: Valèrie Warnier.

Embora tenhamos trocado correspondências por anos a fio, as cartas cessaram. Há anos não mantemos mais contato.

Das últimas notícias que recebi dela, soube que havia concluído a graduação como restauradora de obras de artes e ia se casar. Estava radiante.

A última carta que escrevi para ela – quase vinte anos após as últimas que trocamos -, escrevi poucos meses após o falecimento do meu pai, em 2019 – ela sempre perguntava pelos meus pais -, e dava conta de muitos anos sem notícia alguma minha. Entretanto, nunca postei. Ainda não.

Antes disso, estive próximo de sua casa em Liège, apenas com o seu endereço de memória. Porém, não lembrava o número de sua casa e não pude procurá-la.

Nos últimos anos, por quatro vezes, estive a pouquíssimos quilômetros da sua cidade, que fica nos arredores de Bruxelas e Antuérpia. Novamente não foi possível procurá-la.

Até procurei nas redes sociais, e não a encontrei.

Quem sabe numa próxima oportunidade, muito em breve, possa reencontrá-la e, pessoalmente, entregar a próxima carta.

Espero que só tenha notícias boas.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 13/04/2025 - 05:32h

Escrevivência

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Conceição Evaristo é uma linguista e escritora brasileira. Sua obra enfatiza, sobretudo, a vivência das mulheres negras, com base em reflexões sobre a profunda desigualdade racial. Ela foi a criadora do termo “escrevivência, no qual se fundem as palavras escrever e vivência.

Sob o olhar estreito, tem-se a expressão que se trata de algo totalmente subjetivo. Entretanto, segundo a escritora, o termo vai além, pois “a escrevivência não é a escrita de si, porque se esgota no próprio sujeito. Ela carrega a vivência da coletividade”.

Decerto, cada um de nós carrega na alma as suas angústias e dúvidas, pois a vida é um turbilhão de emoções. Assim, ao escrever, deixamos registrados a nossa visão de mundo, as ideias que nos cercam, os sentimentos que inundam o coração, bem como o nosso ponto de vista político-ideológico.

Atualmente, na guerra de narrativas existente nas redes sociais, na qual todos podem comentar e expor a sua vida e a dos outros, nem sempre a verdade prevalece. A internet – para usar um lugar-comum – tornou-se palco da disseminação do ódio e das fake news.

Quando escrevemos tentamos passar ao leitor um pouco de nós, um pouco da nossa vida, das nossas lutas, derrotas e vitórias. Dessa forma, por exemplo, quando resgato algo do passado, não se trata de saudosismo, mas, tão-somente, de algo de bom que foi vivido por mim e, sem dúvida, por algumas pessoas.

Contudo, a nossa vivência, por mais experiência de vida que temos, é insuficiente para abordar todos os aspectos da vida, porquanto cada pessoa tem a sua própria experiência. Aliás, todos nós somos eternamente professores e alunos.

Portanto, o ato de escrever deve ajudar a alargar o horizonte, uma vez que diante das histórias que incomodam, a escrevivência quer justamente provocar essa fala, provocar essa escrita e provocar essa denúncia. E no campo da literatura é essa provocação que vai ser feita da maneira mais poética possível”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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  • Art&C - PMM - Climatização - Agosto de 2025
domingo - 13/04/2025 - 04:02h

O quinteto fantástico

Por Marcos Ferreira

Marcos Ferreira, Genildo Costa, Caio César Muniz, Cid Augusto e Rogério Dias (Fotomontagem e edição de imagem do BCS)

Marcos, Genildo, Caio, Cid e Rogério (Fotomontagem e edição de imagem do BCS)

Agora estou aqui a cismar com os meus botões sobre os antigos e os novos rumos de minha vida até o presente instante. Penso com carinho, e também de forma saudosa, nos vínculos de amizade estabelecidos ao longo de minha trajetória. Avalio essas questões e constato o quanto me distanciei fisicamente (ou nos distanciamos) de algumas pessoas queridas. Sim, apenas do ponto de vista físico, sem aquele calor fraterno e cotidiano de outrora.

Hoje estamos, como se diz, distanciados. Aqui e acolá nos avistamos nas esquinas das redes sociais, nos recantos da blogosfera.

Por uma razão ou por outra, manipulados pelos destinos que a vida nos reserva ou impõe, fomos na direção de outros horizontes e prioridades. Apesar desse afastamento físico, o nosso elo permanece, sobreviveu à diáspora que envolve a busca pelo pão. O papo tête-à-tête tornou-se raro, contudo volta e meia a gente se abraça através dos filamentos “internéticos”, recursos como (por exemplo) WhatsApp e Instagram.

Uma vez ou outra me aparece aqui um Túlio Ratto e mexemos no baú do passado, bebemos café, catamos retalhos de memórias ainda do tempo da Revista Papangu em papel, recordações com cheiro de naftalina, “pensamentos idos e vividos”, como clássico soneto “A Carolina”, de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho.

É isto. Já não existe aquela nossa interação amiúde, tão intensa e salutar. Dessa época de ouro, mágica e extremamente profícua em nosso universo de verdes sonhos e primordiais atividades literárias, quero me dirigir com um abraço bem caloroso a quatro indivíduos dos quais nunca me esquecerei. Refiro-me aos senhores Rogério Dias, Genildo Costa, Cid Augusto e um tal de Francisco Caio César Urbano Muniz.

Formávamos, naquela metade dos anos noventa para os anos dois mil em diante, o que ora denomino de Quinteto Fantástico. Apenas para afrontar a Marvel.

Caio César Muniz foi o cara que me tirou da minha toca no Santa Delmira, num tempo em que eu tinha muito pouco acesso àquela Mossoró das letras, da cultura, da prosa, da poesia. Fomos apresentados pelo então poeta underground Cid Augusto e daí por diante Muniz (assim como Cid) me mostrou o caminho das pedras. Na sequência, por sermos articulistas do Caderno 2 do Jornal O Mossoroense, topamos com o trovador Genildo Costa.

Pouco após, por intermédio de Genildo, Cid e Caio, fui apresentado ao publicitário, poeta e artista plástico Rogério Dias. Eu e Muniz visitávamos o QG, a “oficina irritada” e multicor de Rogério quase que diariamente. Rogério é o sujeito do pavio mais curto, o tipo mais sensível e fascinante que já conheci.

Desempregado à época, pois ainda não havia conseguido o trabalho de revisor e copidesque no jornal, eu não tinha um tostão furado. Caio César Muniz pagava até mesmo as minhas passagens de ônibus para irmos ao Centro. Noutras ocasiões ele também não tinha grana, vinha a pé lá do Conjunto Integração e de minha casa a gente se mandava a pé para O Mossoroense ou para o ateliê de Rogério.

No mais das vezes eu primeiro manuscrevia meus textos e depois passava a limpo em uma bela Olivetti Línea 88 que ganhei de Rogério. A seguir entregava os poemas ou crônicas ao jornal. Daí a pouco, então, formamos isso que hoje denomino de Quinteto Fantástico. Cid era o crânio, o Homem Elástico. Rogério era o Coisa, o Homem de Pedra, porém com um coração de manteiga.

Muniz era o Tocha Humana, o elemento que incendiava nossos ânimos, tocava fogo no circo, inflamava plateias nos bares, escolas públicas, particulares e universidades, sempre audaz, intrépido. Eu, naturalmente, era o Homem Invisível, mais tímido do que uma jovenzinha recém-chegada a um lupanar. Isso no tempo em que ainda existiam essas casas de tolerância.

Foi nesse período que nos deparamos com figuras emblemáticas da poesia, da cultura mossoroense e potiguar, personagens de grande relevo como Luiz Campos, Apolônio Cardoso, Onésimo Maia, Lenilda Santos, Nonato Santos, Tony Silva, Augusto Pinto, Crispiniano Neto, Luiz Antônio, Raimundo Soares de Brito, Vingt-un Rosado, Aluísio Barros, Leontino Filho, Zenóbio Oliveira, Laércio Eugênio e o vate Zé Lima. Uma elite intelectual que nós olhávamos com reverência.

Genildo Costa era (ainda é) um músico e tanto. Naqueles primórdios, sem dúvida, ele representava o grande menestrel do grupo, autêntico cantador, dono de uma voz poderosa e ótima presença de palco. Artista nato, oriundo de uma família de excelentes escultores do verso, musicou alguns poemas de minha autoria, em especial o soneto “Caminhos Opostos”, os poemas “Minha Casa” e “Cores e Caminhos”. Este último Genildo usou para intitular o CD que ele conseguiu lançar na marra.

Além de mim, o mossoroense de Grossos musicou poesias de Luiz Campos, Rogério Dias, de Caio César, Cid Augusto, Maurílio Santos, Antônio Francisco e Crispiniano Neto. Em suma, é justo dizer que o Costinha gravou uma verdadeira antologia poética.

Reacendemos a chama da Poesia nesta vila, levamos a arte do verso para os coretos e vários outros pontos culturais da urbe. Naquela vitrine do Caderno 2, encontravam-se poetas e prosadores como Kalliane Amorim, Gustavo Luz, Líria Nogueira, Francisco Nolasco, Jomar Rego, Margareth Freire, Ricarte Balbino, Fátima Feitosa, Airton Cilon, Goreth Serra, Gualter Alencar, Silvana Alves, Clauder Arcanjo, Antônio Cassiano, Graciele Callado, Tales Augusto, Kézia Silmara, Misherlany Gouthier, Symara Tâmara e o nosso hoje estelar cordelista Antônio Francisco.

Eram poetas e prosadores às pampas. Tantos e tantas que esta minha memória de Sonrisal em copo d’água não consegue abarcar. Temos hoje antigos e novos talentos que coexistem de maneira harmoniosa. Indivíduos de uma quadra remota ao lado de uma turma jovem e não menos talentosa. Então, apesar da eterna falta de incentivo por parte dos governos municipal e estadual, a literatura ainda resiste. “Se foi assim, assim será”. Como na famosa canção do Milton Nascimento.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica / Cultura
quinta-feira - 10/04/2025 - 04:44h

Cinco ponto cinco

Por  Marcos Ferreira

As várias faces do autor aniversariante do dia (Fotomontagem de José Arimateia da Silva)

As várias faces do autor aniversariante do dia (Fotomontagem de José Arimateia da Silva)

Considero que hoje, ao menos no que me toca, não é um dia absolutamente especial. Pois todos os meus dias têm sido especiais. Digo isto com franqueza e contentamento. Trata-se apenas de mais um 10 de abril sem pompa, sem foguetório. Um dia comum, desimportante no calendário desta urbe quanto em âmbito tupiniquim. Por acaso também representa o natalício deste sapateiro das letras não menos desimportante sob o ponto de vista midiático e da própria cultura deste reino do faz de conta. É isto. Sou um peso-pena na rutilante balança que classifica a estatura e o nível social desta nossa vila com os seus medalhões estupendamente ovacionados.

Embora pareça o contrário, não estou reivindicando reconhecimento nenhum, não engordo rancores, despeito, inveja, frustrações. Sequer eu nutro desprezo por esta supostamente abençoada terra de Santa Luzia. Não, minhas senhoras e meus senhores. Não sou mais e nem sou menos com ou sem a aprovação, sem o beneplácito desta aldeia. Não mendigo, a esta altura da minha existência, homenagens ou bajulices. Nada disso me importa. Mossoró não consagra nem desconsagra ninguém.

Faço uma breve retrospectiva de minha modesta biografia ao longo destas mais de cinco décadas e tenho a convicção de que estou no lucro. Pois é. Não tenho do que me queixar nos dias atuais. Gozo de saúde e da amizade de pessoas respeitáveis. Sobrevivi, escapei dos tentáculos da fome e do analfabetismo escolar e político. Neste momento, depois de tantos altos e baixos na gangorra da exclusão, da escassez e da desesperança, vivo em condições propícias no tocante à minha subsistência. O pão de cada dia não é mais (literalmente) o pão duro e inacessível de outrora.

Em diversas outras épocas enfrentei sérios problemas, graves percalços, grandes tempestades psicológicas e financeiras, contudo hoje experimento uma temporada de ventos amenos. De uns tempos para cá, felizmente, talvez nos últimos seis ou sete anos, tenho usufruído de uma vida mais digna e tranquila. Graças, até certo ponto, a pessoas bacanas, fraternas, que interferiram de modo positivo no meu mundo de obscuridade. Gente abnegada, anjos sem asas que me resgataram das sombras e me guiaram para o caminho da luz, da paz e do equilíbrio. Se tenho o que comemorar nesta data? Não posso negar que tenho. Claro que tenho. Sinto que me encontrei e fiz as pazes comigo mesmo. Livrei-me de quase todos os meus fantasmas e monstros interiores.

Utilizando-me neste minuto de um lugar-comum, uma frase repisada, contudo de facílimo emprego, declaro que estou em harmonia com a vida, amando e querendo bem. Admito que este 10 de abril em particular, e que representa cinco ponto cinco nas minhas costas, é sem dúvida um dos meus aniversários mais agradáveis. Logo eu que, sendo aqui verdadeiro, nunca gostei muito do dia dos meus anos.

Dispenso o tradicional, o chatíssimo cantar de parabéns, no entanto recebo com muita satisfação o abraço de todos que me são caros e que têm por mim estima e carinho. Se Deus quiser, festejaremos outros cinquenta e cinco.

Marcos Ferreira é escritor

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