domingo - 10/02/2013 - 10:35h

Minha palavra, minhas letras

Por Carlos Santos

Minha caligrafia é na verdade um hieróglifo. De nada adiantou a preocupação em melhorá-la, com uso de técnicas artesanais, ainda à infância. Tinha que passar horas “cobrindo” letras sobre papel transparente para ganhar forma.

Tempo perdido.

Os muxicões e batidos ao ouvido para torná-la compreeensível, inteligível, foram em vão. Sobrou esforço de minha santa mãezinha, que tinha arte à ponta do lápis e caneta, mas não a transferiu para mim. Sua caligrafia era técnica de ourives.

Pecado meu. Desinteresse meu. Poderia ser menos ruim.

Escrever virou necessidade, ganha-pão, uma razão de viver ao longo de décadas. Fui-me descobrindo. Na escola, não. Era apenas um aluno mediano, com espasmos de interesse pela leitura, história (em que colecionei 10), além de um olhar nas meninas do lado, apesar da timidez catatônica.

Pânico? De matemática. A tabuada até hoje é uma “Pedra de Roseta”. Números, fórmulas… argh! fora!

A desavença com o português é antiga. Perdura até hoje. Mais do que conhecimento técnico, a ponto de dissecar as frases como se fora um legista do verbo, escrevo por intuição. Tenho pressentimento do deslize, mesmo que não saiba o porquê.

Apontar um advérbio, identificar substantivo acolá ou adjunto não sei das quantas ali… não conte comigo.

Sou um “semianalfa”.

É provável que minha dedicação e perfeccionismo tenham me poupado de estar entre os medíocres. Nem assim, estou livre do mico, da saia-justa, do erro crasso. O ridículo faz parte de minha trajetória. Muita coisa imperdoável a alguém que parece dominar o vernáculo.

Acho que disfarço bem.

Quem sabe muito é o professor e cronista “José Nicodemos” de Areia Branca. Ele é uma de minhas referências para melhorar a redação, tornar mais leve a escrita e fugir do gongorismo. Sou seu discípulo desde que nos conhecemos há mais de 23 anos na redação da Rádio Difusora de Mossoró.

Ficava arrasado com suas correções e reprimendas. Laudas inteiras picotadas por seus riscos e complementos. Com o tempo fui melhorando ou ele relaxando no rigor. Perdi o medo de perguntar, de admitir que não sei.

Abrir um dicionário é ritual comum, não um sacrifício ou decisão feito às escondidas.

Ler, ler muito. Escrever, escrever muito. Ler de tudo um pouco, questionar tudo; rabiscar e sublinhar livros, revistas, jornais etc. Até hoje é assim.

Nenhuma leitura é por acaso. Sempre tem meu olhar de aprovação ou discordância, exclamações nas bordas: “Gostei!” “Não concordo!” A simples leitura por lazer vira coisa séria.

Tornar tudo inacabado, revisar, revisar novamente. Continuar insatisfeito, questionar sempre, procurar fazer o melhor. É assim o  hábito – paixão – de escrever e ler.

Nesse universo, a admiração por autores nativos como Dorian Jorge Freire e Jaime Hipólito. Não esquecer Vicente Serejo, o cronista diário, desde o Diário de Natal.

O encantamento com Guimarães Rosa, Machado de Assis, mas principalmente a frase telegráfica e cortante de Graciliano Ramos.

Stanislaw Ponte Preta, Antônio Maria, Rubem Braga, Vivaldo Coaracy, Truman Capote, Camus, Carlos Lacerda, Paulo Mendes Campos, Gibran, Hermann Hesse e tantos outros autores foram se enfileirando.

Bem antes deles, centenas de revistas em quadrinhos eram empilhadas e colecionadas em casa. Parte, camuflada em guarda-roupa, debaixo da cama e outros compartimentos secretos.

Para muitos pedagogos e mães, os “gibis” eram um atraso e tiravam nosso foco do conhecimento didático na escola. Meia-verdade.

Valeu ler a Tesouros da Juventude (Alexandre Dumas, Júlio Verne etc.), folhear a Enciclopédia Britânica e revistas como o Cruzeiro e Seleções. A fascinaçção pelo futebol com a Placar. A volúpia  pela informação com o Almanaque Abril e os jornais que apareciam em casa em meio aos mantimentos do dia, num balde de alumínio trazido do Mercado Central ao lado de verduras, cereais, frutas.

Bote uma Playboy aí no “cardápio”. Sempre gostei das entrevistas dessa publicação mensal. Ninguém é de ferro.

Sem que eu percebesse estava “me formando”. Tornava-me lentamente um apaixonado pela escrita, mesmo que ainda sob desavença com a língua-pátria. A propósito, esse nosso litígio é incessante e sem armistício, que se diga.

Puxado pelo jornalismo, virei repórter político. Com a tarefa segmentada, a rápida constatação: não poderia me prender tão somente ao ramerrame de declarações óbvias, entrevistas enfadonhas e o factual de releases.

Ficou claro para mim que teria que conhecer a essência da política, ir à sua raiz e encontrar respostas para uma série de interrogações. Do contrário, eu me transformaria numa espécie de escrivão, apenas reproduzindo clichês: “Fulano disse, sicrano afirmou, beltrano declarou…”

Nasceu na necessidade a paixão pela ciência política, antropologia, sociologia e outros ramos do conhecimento. Dei-me conta da existência e o porquê de mergulhar na descoberta de Schopenhauer, Kant, Aristóteles, Platão, Raymundo Faoro, Oliveira Vianna, Gramsci, Darcy Ribeiro, Quentin Skinner, Hannah Arendt (minha devoção), Popper, Montesquieu, Roberto Campos, Baltasar Gracián, Maquiavel, Sun Tzu, Roberto da Matta, Rousseau, Victor Nunes Leal, Foucault, Jules Mazarin, Russell…

Tanto tempo depois, ainda tenho espírito da descoberta. Ainda me espanto com a própria ignorância e continuo acreditando que posso melhorar minha caligrafia, conhecimento e texto.

Antes, tudo era feito em papel almaço, com lápis em ponta grafite que geravam garranchos toscos. Depois veio a máquina datilográfica com suas teclas e a digitação em computador.

Hoje, passeio meus dedos longilíneos em telas multicoloridas que abrem e fecham janelas virtuais num smartphone e tablete. Nem de longe formo aqueles hieróglifos que eram o terror das professoras no caderno ou no quadro negro.

Nem assim me aproximo da perfeição ou algo razoável, tamanho o que exijo de mim.

Saí das cavernas. Mas sinto que ainda tenho que voltar a ela vez por outra, como um arqueologista. Há sempre alguma coisa a ser revirada, rebuscada e reestudada.

Nessa memória mais distante ainda estão meus principais utensílios de sobrevivência – mesmo que novas ferramentas e plataformas de informação me dêem a graça de ser universal e moderno. Daí continua saindo a base de minha palavra e letras.

Sei, que pouco sei. Se fosse um Sócrates, nada saberia.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/01/2013 - 11:55h

É, amadureci…

Percebo que cresci. Flagrei-me dando boas gargalhadas de micos e idiotias próprios.

Histórias recentes, que se diga.

São reveladoras.

Do nada, o riso frouxo e desbragado. Parece sem fim.

É um filme sendo rodado de trás para frente. Se fosse com outrem, seria engraçado e pareceria escárnio.

Acho que seria imperdoável.

Comigo, não. Tenho bons e bons motivos para rir de meus deslizes, bobagens, fragilidades.

É, amadureci…

Que bom!

Como diz filosoficamente meu querido amigo Diassis Linhares (radialista mossoroense), “umas pessoas amadurecem, outras apodrecem.”

Experiência é tempo vivido. Maturidade é o que a gente fez desse tempo vivido, convertendo-o em bom senso. Sapiência.

Não se levar muito a sério e tolerância cabem e são fundamentais a esse coquetel. Quão difícil é alcançá-los.

Apelidos, troça com o próprio físico, lero-lero com a idade que passou do Cabo da Boa Esperança, tropeços amorosos, rasteira de ‘amigos’, fracassos profissionais ou a simples topada à porta de casa são motivos pra gargalhada solitária.

Um palavrão escapa. E daí? Sou humano, mesmo que logo me venha a reprimenda inoculada ainda na infância. O subconsciente fala mais forte: “Feche essa boca podre!”

Kkkk!! Fecho, sim.

O dinheiro é ralo? Sem problema.

Sou mesmo um “liso estável” há décadas, o que me garante uma estabilidade muito superior à maioria dos mortais do pindorama brasileiro. Não devo à Riachuelo, não tenho carnê da Casas Bahia, nenhum carro financiado ou empréstimo consignado.

Portanto, “um bom partido”, mesmo assim um Rapaz Velho Encruado, modelo standard.

Previno-o: por favor, não me julgue um insensível e gélido como um psicopata siberiano. Nem superior, inatingível e acabado. Estou sendo feito e moldado ainda.

Se der tempo, me completo. Se tiver a benção, serei acrescido. Se não houver jeito, fico com o débito. Aceite-me assim.

Parei há muito tempo de me estressar com coisas pequenas, de superdimensionar bobagens e entrar em erupção por não cumprir certas convenções sociais. “Epitáfio”, da banda Titãs, é inspiradora:

(…) Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor…

O complexo de transferência de culpa, sempre atribuindo a outrem ou ao acaso, a responsabilidade por meus desapontamentos, não é minha regra. É a forma mais popular de se livrar dos próprios erros, que a humanidade utiliza há milhares de anos. Eu, não.

Carrego meus próprios fardos e às vezes até alguns alheios, que não me caberiam. Porém me pergunto, se a vida seria mais leve, se eu não os tivesse. Creio que não.

Sei de mim.

Falta agradecer mais. Pedir, quase nada. Não muito.

Detenho mais do que o planejado e bem além do que talvez mereça. Parte, por méritos, acredito. Outra porção, por aquela sorte de ter encontrado com as pessoas certas em horas que eram turvas.

Seria o fim sem elas. Com elas, garanto sempre o recomeço amparado.

Falo o que penso, gosto de graça e trato com indiferença meus verdugos a ponto de não lhes dedicar um único segundo díário de minha vida. Nem seus nomes pronuncio. Não é representação, mas desimportância.

Caso típico de adoção do “princípio da insignificância”.

Ser pai, amar meu trabalho e gostar dos meus amigos me dão um oxigênio novo a cada dia.

Conheço o amor e o desamor. O primeiro, alimenta; o outro, ensina. Ambos me humanizam.

Brindo com uma taça de vinho, tomo a água que mata minha sede; cada coisa a seu tempo e hora.

A vida é para rir ou chorar?

Para ser vivida.

A gente continua jogando aquelas pedrinhas no lago. Formamos seguidos círculos concêntricos, até atingirmos suavemente suas margens – como o beijo cálido da mãe fervorosa no rosto do filho amado e, ainda, imberbe.

“A gente rir, a gente chora…” (‘Chorando e cantando’, Geraldo Azevedo).

É, amadureci…

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domingo - 27/01/2013 - 08:15h

Mossoró ontem e hoje

Por Inácio Augusto de Almeida

E lá se vão mais de 55 anos que eu te conheci, Mossoró.

Lembro-me ainda das sessões de sábado no Cine PAX, onde quase sempre os filmes eram de guerra ou de espionagem. De Afundem o Bismarck ao Dia D, de Um corpo que cai ao Homem que sabia demais, vi  tudo.

E aos domingos eram os seriados, no Cine Caiçara, onde o Batman, sempre acompanhado do Robin, vencia os seus eternos inimigos, inimigos que na outra semana já estavam soltos e de volta ao crime.

Eu ficava chocado com aquilo, não entendia como aqueles criminosos já podiam estar soltos. È que a criança que eu era ainda desconhecia que cadeia só existe mesmo para ladrão pé-de-chinelo. Hoje eu entendo que existem ladrões e ladrões.

Havia também os jogos de futebol de salão na quadra do ADP, onde atletas bons de bola e outros não tão bons deslumbravam a grande plateia que sempre lotava a quadra do mais simpático clube mossoroense. E nas noites mais alegres, quando varávamos as madrugadas e caminhávamos tranquilamente por estas tuas ruas tortuosas e cheias de histórias.

Lembro-me, eu ainda um garoto descobrindo o gosto do pecado na Copacabana, na Casablanca ou no Bar Brahma.

Saíamos, eu e meus colegas, da Escola Técnica de Comércio União Caixeiral  e nas nossas bicicletas íamos à busca das primeiras emoções sem nem mesmo pedir a proteção da deusa Vênus.  E de corpo e alma nos atirávamos no bem-bom do amor cheio de sonhos e de fantasias.

No amor puro, sem medo, sem preconceitos e sem ciúmes. No amor simplesmente amor.

Dávamo-nos por completo e recebíamos em troca toda a emoção represada naquelas mulheres que ansiavam por alguém a quem querer bem.

O tempo passou.

Corri mundos, andei por lugares que nunca sonhei, conheci terras diferentes, gente com outros costumes, outros valores. Mas um dia a saudade bateu forte. E a volta aconteceu. E vejo uma Mossoró diferente.

O que houve com a Farmácia dos Pobres, com o cafezinho na Praça do PAX, com as lutas de vale-tudo que aconteciam nas noites de sábado na ADP, onde o magrinho Takiano sempre vencia os grandalhões, usando para isto a técnica do jiu-jítsu?

E o menino acreditava que as lutas eram para valer…

Hoje o homem não acredita nem mais que as disputas eleitorais são para valer…

A estrada para Tibau sendo duplicada nem lembra a pequena trilha de chão batido que dava acesso a uma da mais lindas praias do mundo. Já não mais vejo as fábricas de sal, onde o ouro branco era esmagado e ensacado para ser levado para todos os lugares deste Brasil. E junto com o sal, nas embalagens, ia o nome Mossoró.

Hoje já não existe a fábrica de óleo Tibiriçá.

Hoje já não existe a corrida de bicicleta Assu/Mossoró que era realizada anualmente.

Hoje já não existem os banhos no rio que leva o teu nome.

Mas hoje ainda existe a mesma determinação nesta gente sem medo. Foi aqui que o bandido Lampião sofreu sua primeira derrota, derrota que animou outras cidades a não mais se curvarem aos desejos do facínora e de seu bando de malfeitores. Foi aqui que pela primeira vez no Brasil uma mulher recebeu o seu título de eleitor. Em 1928 Celina Guimarães Viana tornou-se a primeira mulher apta a votar, direito este que somente depois de muitas lutas foi estendido a todas as mulheres brasileiras. Isto muitos anos depois.

Foi aqui que cinco anos antes da Lei Áurea a escravidão foi abolida.

E quando olho para este céu sempre azulado lembro-me do azul dos olhos da mulher amada. E nas brancuras das dunas de sal vejo a pureza da alma de uma gente que não se deixa dobrar por nada nem por ninguém.

O progresso fez mudanças físicas. Mas o progresso não conseguiu mudar o jeito simples e bom dos teus filhos. O teu espírito não mudou. Continua hoje o mesmo do meu tempo de adolescente. E não mudou porque sempre fostes autêntica. E é esta autenticidade que faz com que eu te ame sempre mais e mais.

Obrigado por me aceitar, Mossoró. Talvez um dia eu possa dizer que sou teu filho. Nem que a adoção seja à tua revelia…

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 13/01/2013 - 02:15h

A metade de dentro feita fora de mim

Por Carlos Santos

A mulher tem uma natureza masoquista. Em pequena ou grande proporção, dependendo do caso.

Cada uma com sua margem de dor. É da natureza feminina.

Claro que a ciência explica esse fenômeno. Não é uma mazela das megalópoles ou do mundo capitalista no século XXI.

A ciência mergulha na antropologia e na genética, por exemplo, para fixar a relação primitiva que existe na convivência de dominação entre homem e mulher. Encontra uma dependência e escravismo que resistem ao tempo.

Seria ponto de partida para explicar a dor como regra e não exceção.

Lamentável.

À madrugada de ontem, por exemplo, em Tibau, vi uma mulher jovem e bonita, sobre saltos enormes, pedir socorro ao namorado para atravessar uma vala em que jorrava água. Ele, indiferente.

Um amigo tentou socorrê-la e foi rispidamente repreendido. “Não, não quero!”

Emendei: “Suspeitei que sua boa intenção fosse ser rechaçada, meu caro. Mas fiquei calado”.

Ainda bem que existe uma minoria que adora flores, ser cuidada e zelada. Protegida.

Minoria que não se sente constrangida por ganhar apelido carinhoso, cheirinho na testa e carícias nos pés.

Aquela porção de mulheres que transpira confiança encostada em nosso peito; se arrepia e revira os olhos quando lhe falamos em sussurros.

Temos também as vitoriosas, que fazem sucesso na vida profissional sem medo de constranger seu par. Ou outras que se realizam como a dona-de-casa típica, sem aceitarem a condição de nova “Amélia”.

Essa mulher não precisa participar de joguinhos de poder, disfarçados de truques de sedução, para ao final se ajoelhar diante de um mandarim.

A cara-metade não existe. Não falo em cara-metade com o sentido filosófico e mitológico, descrito em “O banquete” de Platão.

Os mitos são histórias nascidas da alma coletiva dos seres humanos, uma necessidade de auto-afirmação pela alegoria, através da cultura oral ou escrita.

Prefiro negar Platão. Não estamos à procura de uma suposta parte que nos falta, separada de nós punitivamente por Zeus – segundo o pensador grego.

No fundo, o vazio é a ausência do seu próprio eu; a incapacidade de se sentir único, em condições de ser alguém e não apenas penduricalho à perversão de outro ser.

A dupla de poetas/cantores/repentistas “Os Nonatos” (Nonato Neto e Nonato Costa) trata do assunto com enorme destreza. Na música “Encontrei em você”, eles falam o que Platão não conseguiu dizer:

“(…) Encontrei em você um começo sem fim
A metade de dentro feita fora de mim.”

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quarta-feira - 09/01/2013 - 08:35h
Distância

Bateu saudades, ora!

Conversando agora há pouco pelo bate-papo do Facebook, com um amigo que está em Fortaleza-CE, bateu saudades.

Saudades dos meus filhos. Por quê? Porque os amo, ora!

Vez por outra essa distância fere, mas não esgarça sentimento.

Distância não é para separar, porque ela me aproxima ainda mais daquelas pessoas que gosto.

Parece um paradoxo. Não é.

Distância não é hiato, fosso, vácuo. É ponte. Ponte sobre o Volga, o Bósforo, Sena, Tâmisa…

Uma ponte sobre o abismo.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 06/01/2013 - 09:09h

Separação

Por Vinícius de Moraes

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo.

Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles. Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória.

Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela.

Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa.

Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles dois mundos que eram ele e ela.

Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca.

Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos.

Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias – um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas. De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde…

Vinícius de Moraes (1913-1980) – Poeta, compositor e cronista

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domingo - 06/01/2013 - 08:38h

Tão tranquila que…

Por Carlos Santos

Minha cidade está tão tranquila que os passarinhos que gorjeiam, logo cedo à minha janela, também sumiram.

Devem estar também em veraneio, creio.

Ah, agora ouço um cão que late sem muita convicção, lá longe, como se apelasse contra o silêncio ou a solidão de uma casa só sua!

Foi ouvido, mas não terá minha solidariedade à barulheira. Que fique bem claro.

Cadê aquela rapaziada com seu som ensurdecedor, sempre reverberando forró e outras músicas que falam em “aí, mãinha”?

Deram um descanso aos nossos tímpanos, nesse domingo de calmaria.

Faz verão mesmo é aqui, com o sol lá fora, ainda que minha vontade esteja voltada pro aroma da chuva.

Chuva que teima em não cair, ironizando-me por esses últimos dias com escassas neblinas e nuvens – carregadas.

É seu jeito cinza de me iludir.

A noite deu-me o orvalho. Esparramado sobre o teto do carro, ele ganha o formato de uma manta de incontáveis bolhas, ressecadas logo ao amanhecer.

Pela manhã, o silêncio. O silêncio que o cão teima em não aceitar.

Teclo devagar para não lhe parecer solidário. Cravo minha repulsa a seu alarido, sem ênfase – que se diga.

Se daqui sair uma crônica, ótimo! O máximo que lhe concedo, meu caro cão desconhecido, é um lugar nessa história boba.

Tão boba que passarinhos desapareceram e respostas jornalísticas básicas – Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? – são ignoradas.

Coisa que só uma manhã tranquila, despojada, pode estimular. Tão tranquila que… quase escrevo uma crônica.

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quinta-feira - 20/12/2012 - 11:47h
Ainda há tempo...

Declaração universal antes do fim do mundo

Declaro, para os fins de direito, que amo a vida;

Declaro que não dedico um tantinho assim de segundos, diários, a pessoas que me fazem ou fizeram mal. Não tenho tempo a perder e elas não possuem a importância que imaginam ter;

Declaro que quantas vezes caí, consegui forças para me levantar. E nunca estive só na tarefa de me soerguer;

Declaro que minha fé não é inabalável, contudo inalienável e ecumênica;

Declaro que acredito no ser humano, apesar de às vezes ele ser humanamente perverso;

Declaro que tenho feito da amizade um de meus sustentáculos, cônscio de que ela pode me desapontar, mas jamais me consumir pela completa descrença;

Declaro que em muitos momentos tive a vaidade do ter, para parecer ser alguém;

Declaro que pessoas eu lustro, coisas eu uso;

Declaro que tentei ser alguém como outro indivíduo, mas me descobri único sendo eu mesmo. Nem melhor nem pior do que outrem;

Declaro que já sofri muito ao tentar mudar o mundo e a outros indivíduos, porém me encontrei no necessário mergulho no meu eu. Posso melhorar o mundo e meu universo, melhorando como gente;

Declaro que ódio, rancor, mágoa e outros sentimentos menores me assaltam, sem que consigam me desvirtuar. Sou melhor e mais forte sem eles. Por isso, melhor e mais forte;

Declaro que se amo, proclamo; se não gosto, distancio-me e ignoro;

Declaro que faço o que gosto, tenho paixão pelo o que faço e sinto-me realizado por fazê-lo dessa forma;

Declaro que se me falta algo, é porque não fiz o esforço devido a merecê-lo. É justo não possui-lo;

Declaro que faço tudo por meus filhos, jamais qualquer coisa;

Declaro que acredito em ação e atitude, nunca em blá-blá-blá e incenso;

Declaro que minha família é o mundo, cada parte daqueles que me ouvem e sabem me escutar. Estamos juntos, não obstante diferentes;

Declaro que tenho algumas desculpas a manifestar, viagens a fazer, sonhos possíveis e perguntas ainda sem respostas;

Declaro que ao chegar ao fim – amanhã, o mundo não me obriga a fazer nada hoje de forma especial e açodada. Estou de bem com ele e comigo;

Vamos embora, antes que essa joça vá pelos ares! Se der tudo errado, a gente volta e tenta melhorá-la um pouco.

 

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 16/12/2012 - 07:08h

Aquele beijo que eu te dei

Por Honório de Medeiros

O beijo que eu presenciara, entre dois adolescentes, qual a Madeleine de Proust, me remeteu para um passado distante, no qual minha memória se deleitou e se abateu com as imagens borradas de vultos que transitavam em nosso entorno, sons não identificáveis e odores misturados de perfumes e suor, enquanto sentados por sobre um batente qualquer, nós, eu e ela, de quem sequer lembro o nome, ou mesmo o rosto, exceto, apenas, o vulto esmaecido de um rosto claro, cabelos negros, lisos, cortados curtos à moda Príncipe Valente, e lábios cheios, fartos, trocamos meu primeiro beijo.

Dias mágicos aos quais fui conduzido pelo trem no qual meu pai, um dia, muito antes, havia sido chefe. Somente isso já valera a pena.

A sensação de liberdade que a primeira viagem sozinho originou foi alimentada pelas cervejas tomadas com o amigo recém-adquirido no restaurante para o qual minha curiosidade me impeliu.  Ali meu pai trabalhara, durante muito tempo.

Na chegada, na cidadezinha onde iria haver o casamento de uma prima distante, eu me misturei com uma legião de parentes desconhecidos aos quais eu me apresentava como representante dos meus pais.

Entre homem e menino, logo, logo, porém, me esqueci da missão diplomática que me havia sido confiada, e me aventurei com alguns primos por uma caminhada até uma fazenda remota na esperança de em lá chegando, saciaríamos nossa fome com mangas saborosas que embora fartamente consumidas, não resolveram o problema que somente a bondade de um morador, ao nos oferecer farinha amassada com feijão de corda e rapadura, finalmente deixou para trás.

Como esquecer o sabor e o cheiro daquele almoço inesperado?

À noite, o casamento e, em seguida, a festa no Mercado.

Lá, olhares e um convite para uma dança canhestra, logo esquecida, nos aproximou. Sentamo-nos em um batente qualquer. Pouco nos dissemos.

Em um momento especial, no qual o tempo e o espaço pareciam suspensos, nos beijamos naturalmente, e o beijo teve um sabor de bala de hortelã e de algo mais que não sei descrever. Não creio que alguém esqueça o primeiro beijo. Nunca esqueci o meu.

Já na volta para minha cidade natal, no mesmo trem, eu me perguntava se algum dia ainda conseguiria encontrá-la.

Dentro de mim achava que não, mas nutria alguma esperança. Não porque ansiasse por outros beijos seus, ou mesmo porque lhe tivesse algum afeto irrompido naquela noite especial. Não por que quisesse ter a saudade erótica de um corpo que a noite festiva apresentara apenas nuançado. Não se trata disso.

O que eu queria era observar, até mesmo distante, de longe, e gravar para todo o sempre, e assim pudesse convocar quando desejasse a lembrança detalhada daquela bela adolescente que uma noite, na qual quase não nos falamos, me deu meu primeiro beijo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado

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domingo - 16/12/2012 - 06:56h

Becos, ruas e esquinas

Por Francisco Rodrigues da Costa

Acredito que toda criança, quer nascida ou não na cidade em que viveu, guarde na memória os seus becos, ruas e esquinas. Por mais importante que se torne quando adulta, suponho que não os esqueça. Fernando Pessoa, por exemplo, não lembraria os de sua Lisboa encantadora? De Salamanca, por Miguel de Unamuno idolatrada, ele os olvidaria? Alexandre Dumas, sem dúvidas, conheceria os de sua romântica Paris.

E Castro Alves, o condoreiro abolicionista, de sua memória jamais se apagariam as esquinas da Bahia, onde tanta poesia cantou. Carlos Lacerda, que em cada esquina procurava um presidente para depor, com certeza tinha desenhados na sua cachola todos os becos e esquinas da Cidade Maravilhosa.

Deixemos os que já partiram desta vida. Vamos a São Paulo. Fico imaginando a Mogi das Cruzes, do meu amigo Mario Silveira, mogiano até a medula, será que ele esqueceu a esquina da Cel. Souza Franco, ou a da Senador Dantas? Garanto que não. Como viva na sua cuca está a esquina da Livroeton.

Vamos dar uma voltinha aqui mais perto da gente: Osair Vasconcelos, estou certo, carrega no pensamento a esquina da Rua do Gango, de sua Macaíba. O Beco da Lama, em Natal, sem dúvida, é lembrado pela grande maioria dos seus boêmios.

O diabo é quem discute com Paulo de Balá. Este, além dos becos, ruas e esquinas, guarda na lembrança um punhado de currais da sua Acari.

E o que dizer de Manoel Onofre Júnior, “de camisa aberta ao peito, pés descalços e braços nus”, esqueceu suas andanças pelos becos e ruas da sua inolvidável Martins? Du-vi-d-o-dó. O poeta e escritor Marcos Medeiros, que viveu a infância em Santana do Matos, lembraria pelo menos a Rua Cel. Manoel Antonio de Macedo, esquina com o Beco da Matança.

O famoso Beco das Frutas, aqui em Mossoró, seria esquecido pelos escritores Francisco Obery Rodrigues e Elder Heronildes, ou pela grande maioria dos mossoroenses?

Chego finalmente, aos becos, ruas e esquinas de Areia Branca. E inicio pelo Beco da Galinha Morta, cuja popularidade é conhecida por alguns amigos que fiz na cidade espanhola de Salamanca. Também muito falado foi o Beco do Panema, assim mesmo: Beco do Panema como a meninada chamava. Deixou de existir quando o libertaram das cercas que o ladeavam.

O beco onde o doutor Vicente Dutra tinha seu consultório dentário também já não existe; desapareceu com a demolição daquele quarteirão que ia da esquina da Mossoró Comercial até à esquina da oficina do “Ferreiro”, avô de Naldinho.

Outro beco, que nem nome tinha, iniciava na esquina do bar de Clodomiro, na Barão do Rio Branco, terminando na Travessa dos Calafates. E, por falar em esquina, os garotos da Rua do Meio jamais esquecerão as esquinas da loja de Pedro Leite e a da casa onde morou Adauto Ribeiro, vizinha ao primeiro cinema da cidade, como, igualmente, a esquina da casa de Caboclo Lúcio e a esquina da casa de Manoel Bento, todas na Rua Cel. Fausto.

Finalmente, a loja de Pedrinho Rodrigues, na Rua Barão do Rio Branco, fazendo esquina com a Rua da Frente: quantos meninos por ali passaram visando o banho na maré, de olho nas frutas que os “beijus” sacudiam na água.

Difícil é haver, em qualquer parte deste planeta, um vivente que não recorde os seus becos, ruas e esquinas.

Francisco Rodrigues da Costa é escritor areia-branquense e a crônica em destaque faz parte de seu mais recente livro, com título homônimo

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domingo - 16/12/2012 - 03:45h

Inveja ínclita

Por François Silvestre

A inveja já foi definida como sentimento mórbido de admiração enrustida. O invejoso admira com ódio o objeto da sua inveja. Mas não é dessa inveja que vou falar. Sou invejoso de forma agradável, que me faz bem sem ambicionar o lugar do invejado.

Invejo com todas as minhas emoções o poeta Manoel de Barros. O filho da mãe consegue desconstruir a sabedoria duvidosa e arrancar do miolo da ignorância a forma bruta de espantar o leitor. Ele não é do litoral nem do sertão. É do charco. O litoral é gracioso e azul; o sertão é profundo e cinza. Só é azul de longe, porque o azul é menos cor e mais distância.

O pantanal é sertão e mar, sem precisar de Antônio Conselheiro. Manoel de Barros é pássaro ímpar daquele mundo vasto que se agasalha no seu ninho.

Invejo Mário Quintana, por conseguir ficar cada vez mais criança quanto mais envelhece o verso. Invejo Gonçalves Dias, que me pôs no quengo versos que não consigo esquecer. Invejo Castro Alves, que feito relâmpago passou pela vida e nunca conheceu a morte. Ninguém foi mais generoso com os oprimidos. E a poesia não é outra coisa senão a língua em forma de liberdade. Mesmo aprisionada em versos. A dialética não desgruda nem da poesia.

Invejo os passarinhos do meu sítio. Principalmente o pardal. Isso mesmo; o mais inútil, feio e desprezível dos passarinhos. Nenhum visitante quer fotografar o pardal. Fotografam rolinhas, paparroz, corró, sabiá, sanhaçu, cucurutas, galos-de-campina, canários da terra. Se na hora da fotografia houver um pardal no meio, o fotógrafo espera o bicho voar.

E o pardal tá cagando pra nós. Enquanto alguns passarinhos só comem frutas e outros só comem sementes, o pardal come de tudo. Se o puser num chiqueiro de bode, come casca de estaca. Mas sobrevive contra tudo e contra todos. Tá nem aí pra agradar.

Por isso eu o invejo. Gostaria de ser assim, mas não sou. Gosto de elogio, mesmo os imerecidos; ou principalmente estes. Invejo quem diz preferir uma crítica séria a um elogio fácil. Invejo; mas tirando por mim, acho que é mentira.

Gente, igual a menino e cachorro, gosta de afago. Essa história de receber crítica com serenidade; aqui, ó. Eu recebo é com coice. Quando agradeço crítica exercito minha cota de hipocrisia.

Não sou intelectual nem literato. Escrevo de atrevido, nesses tempos ágrafos, de poliglotas fluentes nas línguas de longe e gagos na prima pobre das flores do Lácio. Na qual eu espantei, com reza, os medos de menino nas noites de novilúnio.

Por isso invejo o pardal. E também o sanhaçu, golfinho de asas, da metáfora de Aurélia. O paparroz, mais brilhoso do que a graúna, mesmo com menos pluma.

Invejo até o jumento. Duas coisas suas: a paciência e o tamanho. Té mais.

François Silvestre é escritor arranchado em Martins-RN

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domingo - 02/12/2012 - 14:26h

Meus secretos amigos

Por Paulo Sant´Ana

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências …

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar.

Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer…

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

Paulo Sant´Ana é jornalista gaúcho, com atuação no jornal Zero Hora. Crônica extraída do livro “O Gênio Idiota”, mas publicada originalmente em 15 de abril de 1994, no Zero Hora.

Nota do Blog – Uma crônica que eu gostaria de ter escrito, para todos os meus amigos. Inclusive àqueles que não desconfiam que o são; também os distantes, gente que não vejo há um tempo incontável.

Gosto muito de vocês.

Muito obrigado por esse santo remédio: a amizade.

 

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domingo - 25/11/2012 - 07:12h

O tempo passa e eu não vejo:durmo novo e acordo velho

Por Honório de Medeiros

Seu ‘Antônio de Luzia’, oitenta e seis anos, sentado em sua cadeira de balanço, na calçada de sua casa, no Sítio Canto, em Martins, é o próprio símbolo da passagem inalterável das manhãs, tardes, noites, madrugadas. Do ritmo lento dos dias que se sucedem bucólicos, tais e quais as contas debulhadas do rosário de ‘Sinhá’, oitenta e poucos não admitidos, deslizam por entre seus dedos, à hora do ângelus, enquanto seu pensamento vagueia nos limites de sua circunstância, e nada escapa do seu olhar dardejante e de seus ouvidos “de tuberculoso”, como me confidencia ela.

Pergunto a Seu Antônio acerca das coisas que estão mudando mundo afora, em uma rapidez vertiginosa, impossível de serem acompanhadas.

Lembro a ele a chegada do homem na Lua, o computador, o celular… Ele fica calado um bocado de tempo.

Quando penso que esqueceu o assunto, ergue um pouco o braço e aponta com o dedo um passante, quebra o silêncio do final-de-tarde e me diz: “desde que o mundo é mundo, podem as coisas ter mudado, mas o homem, meu filho, é o mesmo de sempre”.

“Quando eu era de menino para rapaz”, continua, “pensava que as pessoas lá fora eram diferentes. Viajei, corri légua, vi e ouvi muitas coisas que eu prefiro esquecer, e voltei. Fico comparando o homem que vive lá fora com o homem que vive aqui, e não vejo diferença. Lá se mata, como aqui; lá se bebe, como aqui; lá se trai, como aqui; lá se rouba, como aqui. Tudo que existe lá fora, maior, existe aqui, menor”.

Fez-se silêncio, novamente, durante algum tempo. “Eu às vezes penso” prosseguiu, “que tanto faz como tanto fez, o homem se engana demais com as coisas, é como a roupa que a mulher veste: pode ser de qualquer tipo, mas ela é sempre a mesma”.

E, depois de beber um gole de café, arrematou: “lá fora o tempo passa e eu não vejo: durmo novo e acordo velho; aqui, eu vejo que o tempo não passa: faz uma eternidade que estou vivo!”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 18/11/2012 - 08:12h

Botecos

Por Luís Fernando Veríssimo

Tinha uma mania: colecionava botecos. Não os frequentava, apenas era um estudioso. Gostava de descobrir botecos e recomendar para os amigos.

Ultimamente, vinha se especializando — um refinamento da sua paixão — no que chamava de botecos asquerosos. Daqueles que nenhum fiscal da Saúde Pública incomoda porque não passa pela porta sem desmaiar.

Seu rosto se iluminava na frente de um boteco asqueroso recém-descoberto. Não resistia e entrava. Depois contava para os amigos.

— Uma glória. Sabe ovo boiando em garrafão com água?

— Repelente, não é?

— As galinhas não os receberiam de volta. A própria mãe! Descrevia o boteco com carinhoso entusiasmo.

— E que moscas. Mas que moscas!

Só não tinha paciência com o falso sórdido. Alguns botecos assumiam suas privações como uma declaração de falta de princípios. Ele preferia o sórdido inconsciente, o sórdido autêntico. Principalmente, o sórdido pretensioso.

Uma vez contara, extasiado, uma cena. Terminara de comer uma inominável almôndega, pedira um palito para o dono do boteco e desencadeara uma busca barulhenta e mal-humorada, com o dono procurando por toda parte e gritando para a mulher:

— Cadê o palito?

Finalmente o dono encontrara o palito atrás da orelha e o oferecera. Ele se emocionava só de contar.

Os amigos, sabendo da sua paixão, mantinham-se atentos para botecos sórdidos que pudessem interessá-lo. Muitos ele já conhecia.

— Um que tem uma Virgem Maria pintada num espelho com uma barata esmigalhada de tapa-olho? Vou seguido lá. A cachaça é tão braba que tem bula com contra- indicação.

Outro dia lhe trouxeram a notícia do pior dos botecos. Não era um boteco de quinta categoria. Era um boteco de última categoria. Ficava no limite entre a vida inteligente e a vida orgânica. Ele precisava ir lá verificar. Foi no mesmo dia.

Ficou estudando o boteco de longe, antes de se aproximar. Tinha um garoto na porta do boteco. A função do garoto era atacar cachorros sarnentos. Quando passava um cachorro sarnento o garoto o enxotava — para dentro do boteco!

Ele atravessou a rua na direção do boteco com aquele brilho no olhar que tem o pesquisador no limiar da grande revelação, ou o santo antes do doce martírio.

E tem a história do Nascimento, que um dia quase brigou com o garçom porque chegou na mesa, cumprimentou a turma, sentou, pediu um chope e depois disse:

– E trás aí uns piriris.

– O quê? – disse o garçom.

– Uns piriris.

– Não tem.

– Como, não tem?

– “Piriris” que o senhor diz é…

– Por amor de Deus. O nome está dizendo. Piriris.

– Você quer dizer – sugeriu alguém, para acabar com o impasse – uns queijinhos, uns salaminhos…

– Coisas pra beliscar – completou o outro, mais científico.

Mas o Nascimento, emburrado não disse mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também emburrado, foi e voltou trazendo o chope e três pires. Com queijinhos, salaminhos e azeitonas.

Durante alguns segundos, Nascimento e o garçom se olharam nos olhos. Finalmente o Nascimento deu um tapa na mesa e gritou:

– Você chama isso de piriris?

E o garçom, no mesmo tom:

– Não. Você chama isso de piriris!

Tiveram que acalmar os ânimos dos dois, a gerência trocou o garçom de mesa e o Nascimento ficou lamentando a incapacidade das pessoas de compreender as palavras mais claras. Por exemplo, “flunfa”. Não estava claro o que era flunfa? Todos na mesa se entreolharam. Não, não estava claro o que era flunfa.

– A palavra está dizendo – impacientou-se Nascimento.

– Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo. Pelo amor de Deus!

Luís Fernando Veríssimo é escritor e cronista

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domingo - 11/11/2012 - 08:41h

Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim

Por Rubem Braga

Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo?

O leitor que responder “não sei” a todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Aliás, se isso pode servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão.

Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua.

Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português.

Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava que eu produzira uma “página de bom vernáculo, exemplar”. Tive vontade de responder: “Mera coincidência” — mas não o fiz para não entristecer o homem.

Espero que uma velhice tranqüila – no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios — me permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?).

Alguém já me escreveu também — que eu sou um escoteiro ao contrário. “Cada dia você parece que tem de praticar a sua má ação — contra a língua”. Mas acho que isso é exagero.

Como também é exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos cinqüenta que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca soube o que fosse escardinchar.

Espero que nunca, na minha vida, tenha escardinchado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa intenção.

Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar.

Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa uma série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para “pegar” as outras?

O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um problema de palavras cruzadas.

Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da “Última Hora” ou lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de “O Globo?”.

No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, ruas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros.

Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de Itapemirim!

Rubem Braga (1913-1990) Escritor, jornalista e cronista

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domingo - 04/11/2012 - 11:22h

Outra fachada

Por Otto Lara Resende

Foi na passagem do ano, em Angra dos Reis. Mais uma vez eu me encontrava num momento de transição. O fm do ano traz, inconsciente, esse desejo de mudar. Só me dei conta disso há pouco tempo, vendo a minha carteira profssional.

Várias demissões no mês de dezembro. Época do Advento, Natal à vista, uma força nos impele e a gente admite que é possível recomeçar. O que passou e o que virá.

Essa pretensão de me reinaugurar. Pulsa nela uma expectativa que se abre, quase eufórica. Um alvoroço de asas. Deixar para trás o arquivo morto, fechar a porta, selada como um túmulo. É preciso morrer para renascer.

Os opostos se misturam, mas se impõe no horizonte uma promessa de aurora. Pouco importa que não seja clara. Tanto melhor. Há na penumbra, nesse claro-escuro, uma nota propícia. Esse respiro que se acelera e exalta.

Poxa, quanta filigrana para chegar aonde eu quero.

Visto pelo lado de fora, é só isto: deixei a barba crescer. Mudei a fachada. A gente na vida deve ter uma cara só. Se é raspada, vá raspada até o fim. Barba, pera, cavanhaque, costeletas. Os vários bigodes, cheio, fno, de pontas. Passa-piolho, ou em leque. Feita a escolha, que esteja feita. Adolescente, preservei intocado o recente buço. No afã de ser adulto, virou bigode sem conhecer navalha.

Até que um dia deitei-o abaixo aqui no Rio, no barbeiro da Associação Cristã de Moços. Estava feita a minha opção. Vou de cara limpa, escanhoada.

Aí estou um dia em Angra, fim de ano, começo de ano, e não fiz a barba. Eu mais que vivido. Revivido. Três, quatro dias e, mais depressa do que esperava, a barba compareceu. Hirsuta, como intratável se pretendia o remoto bigode adolescente.

Com o tempo, eu saía de manhã pra andar com o Hélio Pellegrino, de repente ele estacava.

E me olhava, estupefato. Começava a rir. Eu não era eu. Aquele barbaças, ainda por cima a barba branca, se metia entre nós. O Hélio me fitava e em vão me procurava. E ria.

Curioso é que a princípio me deu a maior força. Barba de protesto, dizia ele. De desgosto, dizia eu. Desgosto de quê? Já não sei, nunca soube. Talvez estivesse cansado de mim. Aí chegou julho. Aniversário da minha mãe e da minha filha Helena.

Que presente me pediram? Raspar a barba!

Raspei — e isso é outra história.

Otto Lara Resende (1922-1992) era escritor e cronista

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domingo - 28/10/2012 - 10:37h

A arte de ser avó

Por Raquel de Queiroz

Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses,um ato de Deus.

Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo…

Quarenta anos, quarenta e cinco… Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações – todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto – mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade.

Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor.

Meu Deus, para onde foram as suas crianças?

Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres – não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha.

Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”.

E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensarde todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos.

Se o Doutor Fausto fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto…

No entanto – no entanto! – nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de “vovozinha”, e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você.

São lisonjas, nada mais.

No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes aoda esposa e da amante dos triângulos conjugais.

A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, “não ralha nunca”. Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia.

Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer roquetes, tomar café – café! -, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser – e até fingir que está discando o telefone.

Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer – e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna…

Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso.

Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto! E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: “Vó!”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade…

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho – involuntariamente! – bateu com a bola nele.

Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó?

Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague…

Raquel de Queiroz – (1910-2003) – Escritora cearense

* Texto extraído do livro “O brasileiro perplexo”, 1964.)

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domingo - 21/10/2012 - 07:49h

São Paulo, São João com Ipiranga – Uma despedida

Por Honório de Medeiros

“Para se conhecer uma cidade, é necessário viver nela três dias ou trinta anos. Ao final dos trinta anos, verifica-se que o julgamento apos os três dias é que é o bom” (Jean Cocteau, citado em “A biblioteca e seus habitantes”, de Américo de Oliveira Costa).

À noite, todos as nuances da escuridão são ameaças, no centro de São Paulo. O passo de quem lá aporta, por esse ou aquele motivo, desenham incompreensíveis percursos aos olhos de quem os observa. Mas não é embriaguez (ou é); não é o resultado de alguma droga (ou é).

É a distância calculada que se toma de qualquer outro transeunte – esse desconhecido, o perigo.

Os bares da São João. Pequenos. Quase todos lotados apenas de homens. O cheiro de fritura no ar. Os habitantes: bêbados, drogados, prostitutas, traficantes, decaídos, mendigos, travestis, menores, andarilhos, e a polícia, sempre a polícia.

Os hotéis e sua aparência. Qual aparência? De decadência. No meio da rua, noite alta, o adolescente franzino, dentre muitos outros, de cabelos lisos e compridos incessantemente afastados dos olhos, vestido com uma irreal calça “jeans” extremamente folgada, cujos bolsos dianteiros e traseiros batiam-lhe nos joelhos, revoluteava, borbolético, entre um bar e uma casa de diversão de jogos eletrônicos.

No dia seguinte, pela manhã, e já tarde da noite, novamente, lá estava ele, ininterrupto, como se ali fosse seu mundo ou então fizesse ele parte da paisagem local. Onde moraria? Quem seriam seus pais? Teria irmãos? Ninguém sequer lhe aprisionava o olhar.

“Recanto dos Amantes”. Um nome em contraste com a cinza selva de pedra em plena transversal da São João. Lá, ela me disse, olhando para algum ponto indefinido, enquanto segura o copo de conhaque: “talvez não nos vejamos nunca mais”.

O “nunca” me soou estranho. Havia uma melancolia calculada nas suas palavras. Eu me dispus a lhe contar como encarava esses encontros e desencontros da vida: um imenso pátio, vazio, folhas secas pelo chão, uma rajada de vento, a dança delas no ar, o encontro, logo desfeito, casual, entre uma e outra folha – eis como tudo ocorria. Não o fiz.

Como ela engordara muito, esse tom não combinava com sua nova estampa.

A São João, à noite, causa medo aos que não lhe são íntimos. Além de curiosidade e repulsa durante o dia. Quando o sol se põe a São João vira uma selva, onde cada um com o qual se cruza pode ser um predador – aquele que o destino lhe reservou. São os frequentadores de bares suspeitos, inferninhos, prostíbulos disfarçados, pontos de droga… É o submundo vindo à tona.

Com a luz do sol, a vida surge frenética. Há um vai-e-vem intermitente, irritante. Uma profusão de cores, barulhos e os incontáveis odores de frituras e churrascos infestando cada espaço da rua. Tipos exóticos fazem “performances”.

Há desde o comuníssimo tocador de viola, até o singular dançarino imensamente feio que ostenta, como insígnia de sua estranheza, duas inacreditáveis marias-chiquinhas. Nada diferente, ao que consta da realidade de toda grande cidade, mundo afora: Nova Iorque, Tóquio, Cidade do México…

Nada diferente, em menor escala, em cada pequena cidade?

Digo-lhe adeus.

Fico parado observando sua imagem se desvanecer aos poucos enquanto caminha no rumo da Praça da República. Enquanto observo, imagens do passado insistem em surgir. Nelas, uma mulher esguia, morena, de cabelos longos, dança na praia de Genipabu, os pés chapinhando na água, pleno pôr-do-sol, encantada com tanta beleza e contraste com sua terra natal.

Mas não há dor, há vazio. Aliás, há a dor do vazio.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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sexta-feira - 12/10/2012 - 07:38h
Às crianças

Os meninos cresceram, foi?

Ao telefone, pergunto: “Cadê os meninos?”

Nem percebo: eles cresceram. São timoneiros da própria vida.

Mas mesmo assim, meninos. São meninos.

As crianças pichototinhas estão esticadas, situadas como gente adulta nesse mundo que herdam de nós, repleto de novidades, mas cheio de armadilhas.

Ainda estão sob minha proteção, mesmo que não percebam. Cuido delas, compartilho de seus sonhos, norteio seus passos, sou leão-de-chácara e também menino.

O que desejo de verdade, como antes, lá bem atrás no tempo, é que sejam felizes.

Os meninos cresceram, foi?

Brincadeira. Quem disse que filhos crescem? Continuam nossos pequeninos.

O que seria de mim se eles crescessem? Continuo um Gullliver, no meio daquela algazarra na ilha de Lilliput.

* Minha homenagem a todas as crianças em seu dia, que se renova a cada dia, à eternidade.

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Categoria(s): Crônica
quinta-feira - 27/09/2012 - 08:55h
À reflexão

Um “não”, lá atrás, contra a intolerância de hoje

A Rui Nascimento e tantos outros webleitores deste Blog,

Meu caro Rui, sei de casos de amizades de infância-adolescência desfeitas após décadas, devido baixarias, ressentimentos e o besteirol de provocações na atual campanha eleitoral.

Quanta intolerância. Quanta insensatez.

Sei de casal que trocou tapas num shopping, com plateia à vista, também devido a radicalização dessa campanha em Mossoró. A família em xeque, por nada.

Meu Blog é um termômetro disso.

Diariamente chegam postagens – boa parte com nomes falsos – promovendo agressões etc. Muitas são feitas contra mim e até familiares meus. Lamentável.

Gente incapaz de ouvir, geralmente não fala: rosna e late. Pode morder também.

Quem não tem argumentos costuma atacar o argumentador. Como o leão, não para de rugir para intimidar, na crença de que tem razão sempre, por parecer que tem a força para sempre.

Pobres diabos!

A sabedoria que vem da África, atravessa o Atlântico, para nos auxiliar na compreensão ou no entendimento de tanta estupidez.

Meu pai sempre dizia: não levante a sua voz, melhore seus argumentos (Bispo Desmond Tutu, Nobel da Paz, uma voz em defesa da igualdade, contra o apartheid na África do Sul).

Recordo que há vários anos eu circulava entre gôndolas de um supermercado, em Mossoró, e vi uma criança de no máximo dois a três anos dando um espetáculo de choro, espichada ao chão. Contorcia-se, avermelhada, à cata de atenção da mãe. Ela ignorava-a.

De repente, vendo que não teria o iogurte pedido em tom de pressão emocional, pura chantagem, a criança emudeceu. Beicinho desfeito, pegou novamente a mão de sua mãe e continuou o périplo de compras.

Pensei comigo: essa menininha crescerá entendendo o que é “limite”; saberá bem o significado do “não”; será tolerante.

A mãe, orgulhosa, vai afirmar: “Essa é minha filha!”

Boa parte de tanta virulência tem explicações no passado. Os intolerantes – quase sem exceção – cresceram acreditando que podem tudo, que merecem tudo, que nada pode lhes barrar. Não aceitam ser contrariados.

Um “não”, lá atrás, poderia nos poupar de muita agressividade que testemunhamos hoje. Preservaria amizades, por exemplo.

Ah, por favor, não me venha com aquele raciocínio: “Fulano faz isso porque tem um cargo; tem o que perder…!”

Existem dezenas e centenas de pessoas com cargos comissionados, com privilégios, fartas vantagens em jogo, mas nem todas – ou a grande maioria – não desce ao lamaçal, mesmo tendo o que perder.

O problema não é o que se tem a perder, mas o que não se conquistou antes: a capacidade de ouvir.

Um “não”, lá atrás, poderia nos poupar das agressões.

Agressão não se rebate. Revida-se. Ou não.

No meu caso, o silêncio e a indiferença são infalíveis diante dos que espumam de ódio e vassalagem doentia. Como aquela criancinha, o indivíduo hidrófobo deseja chamar a atenção. Quer notoriedade, para que lhe façam os gostos. O gosto de ser visto e paparicado como algo melhor e superior.

Ao me calar, não manifesto consentimento. Digo, sem voz, que não troco juízo com estúpidos.

Continuarão esperneando, esparramados no pântano em que vivem há tempos, como vermículos. Esse é seu ambiente. Lá ficarão.

É isso, Rui e demais amigos webleitores.

Abração.

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Categoria(s): Crônica / Eleições 2012
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domingo - 16/09/2012 - 10:51h

Dormindo sempre juntos, na mesma hora

Por Fabrício Carpinejar

Quando sua companhia se levanta, rola para cheirar o travesseiro dela? Você é apaixonado por dividir, desculpe informar. É constrangedor confessar a dependência, mas não resta alternativa.

Nunca será mais sozinho. É uma simbiose amorosa por dentro das lembranças, dos hábitos, que surge no modo de repartir uma tangerina e por o açúcar no café.

Uma necessidade de primeiro servir para depois saciar as próprias ansiedades.

Entregou os pontos ao abandonar seu horário para dormir. Renunciou ao livre-arbítrio no momento de atender ao chamado sedutor de sua esposa.

– É tarde, te espero?

Aquela desistência foi fatal. Pode ter classificado o gesto como uma exceção, só que gostou de verdade, gostou imensamente de adormecer com sua mulher. Ambos apagando o abajur em igual instante, depois de ler, de rir, de brincar.

Sincronizaram o relógio dos batimentos cardíacos e nunca houve mais atraso de beijo. Amor eterno é quando um não consegue mais dormir sem o outro. Simples assim.

Deseja descansar, convoca sua mulher na sala.

– Vem, tá na hora!

E ela, que estava envolvida com um filme ou um programa de tevê, nem reclama, nem diz mais um minutinho, ajeita os ombros no cobertor do seu abraço e segue junto. Lado a lado no espelho do banheiro, escovam os dentes, ajeitam o rosto, colocam roupas folgadas.

Reina uma sincronia dos movimentos, uma disciplina na admiração. Alguns até confundem com tédio, porém, é intimidade: não precisa falar para se entender.

Se silêncio com ódio é submissão, silêncio com ternura é concordância.

Escoteiros do casamento, entram no mar branco dos lençóis cada um do seu lado: ela pela margem esquerda, ele pela margem direita. E centram os corpos para fazer conchinhas encostando as cabeças. Um casal apaixonado ocupa menos do que uma cama de solteiro: terminam agarrados, sobrepostos.

Você se dá conta de que não deita mais sozinho há décadas. É uma compulsão olfativa. Está no escritório trabalhando de madrugada e ela abre a porta para convidá-lo:

– Vem, tá na hora!

E não estranha a ordem, obedece, sequer medita sobre o motivo da adesão. Vai sem preguiça alguma, sem aviso de bocejo, ainda que não esteja com vontade, ainda que tenha uma porção de tarefas e problemas a resolver.

Larga as urgências pela metade e se prontifica a acompanhá-la.

Casal quando se ama dorme na mesma hora. E não suportará morrer longe. O sonho é também morrer na mesma hora. Com as respirações próximas.

Fabrício Carpinejar é cronista, escritor e professor

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Categoria(s): Crônica / Grandes Autores e Pensadores
domingo - 09/09/2012 - 01:45h

Carta a Diógenes de Abdera

Por Francisco Edilson Leite Pinto Junior

Meu estimado filósofo,

Veja só o que me aconteceu, outro dia. Ao querer imitá-lo – saindo em plena luz do meio dia com uma lanterna, a procura de um homem honesto-, sabe o que me aconteceu?! Fui assaltado: levaram a minha lanterna!… Tudo bem eu sei que foi um típico caso de ladrão que rouba ladrão, afinal não sou mesmo um “ladrão de citações”?

Pois é, meu caro Diógenes, feliz era você, que mesmo convivendo com uma sociedade corrupta, ainda podia sair nas ruas da Grécia antiga, e não ser assaltado. Podia morar num barril, apenas com um alforje, um bastão e uma tigela, e ninguém ousava tirá-las de você. Hoje, com a modernidade, no mundo das conexões rápidas, dos chips, das máquinas, da robótica, o chique é ser desonesto em todos os lugares…

Outro dia, estava em São Paulo, num encontro de medicina e a noite sai para jantar com um amigo. A comida que sobrou, resolvemos colocar numa quentinha e entregar ao primeiro mendigo que encontrássemos. Ao descermos do taxi, havia um deitado, dormindo, debaixo de uma marquise. Coloquei a comida ao seu lado, na esperança de que ao acordar, ele teria algo para comer. Aí um pipoqueiro que estava próximo me alertou: “Senhor, não deixe ai não, pois vão roubá-lo!”.

Foi impossível não me lembrar do seu companheiro de profissão, o filósofo Jean-Yves Leloup e o seu comovente relato, no magnífico livro “O absurdo e a graça”, que conta a vida dele perambulando pelas ruas da França, a procura de paz: “Aconteceu que uma noite não encontrei mais minha mochila, devem tê-la tirado de mim, em um segundo, enquanto eu cochilava.

Isso para mim foi um sofrimento real, eu me havia identificado tanto com aqueles pedaços de frases que sem eles minha vida não tinha mais sentido. Não chorava pelos meus documentos de identidade; chorava pelos meus poemas, chorava também pela miséria, pela injustiça… como é que um pobre pode roubar outro pobre? Não havia um tostão em minha mochila, lá só estava o meu tesouro, o brilho de duas ou três palav ras que, quando juntas, produzem um efeito de música ou de sentido”.

Meu caro Diógenes, toda vez que leio esse relato, confesso que meus olhos ficam marejados de lágrimas. E logo me vem à mente: “Por que o mal existe?”. Difícil essa pergunta, não?! São Tomaz de Aquino talvez tentando respondê-la, dizia:

– Se o mal existe, Deus existe.

E eu não tenho dúvida que todas as pessoas nascem boas, pois como ensinou, recentemente, o grande professor de pediatria, Dr. Heriberto Bezerra: “O jovem é puro… se deteriora no caminhar da vida, às vezes por necessidade ou por fraqueza; ou pelas duas coisas!”.

E quando eu falo em homem desonesto, meu caro Diógenes, nem estou mais só falando daqueles que roubam dinheiro, pois como disse no inicio desta carta: o chique agora é ser desonesto em todos os lugares (até nos tribunais éticos, a corrupção é generalizada)…

Falo daqueles que roubam nossos sonhos, que destroem as velhas amizades, que são desonestos com a sua própria consciência.

Sócrates dizia que uma vida não reflexiva não valia a pena ser vivida. Afinal, temos dentro de nós o maior de todos os juízes – aquele que trabalha dentro de um tribunal, onde não há como recorrer, nem fazer habeas corpus preventivo, nem delação premiada…

Um tribunal cuja sentença é inapelável: a nossa consciência, que nada mais é do que “uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe de nossa razão. É a voz secreta da alma, que habita em nosso interior e que nos orienta para o caminho do bem”.

Então, meu caro Diógenes, não há nada de errado em fazer as seguintes perguntas: “Estou em um caminho de sucesso? Estou em um caminho de santidade? Ou estou em um caminho de autodestruição?”.

É fundamental responder a essas questões. Qualquer caminho para o índio Don Juan, do escritor Carlos Castaneda, é apenas um caminho. “E não constitui insulto algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo. Quando assim ordena o coração (…) olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias… Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma”…

Meu caro Diógenes, como tenho utilizado o meu coração nestes dias.

Fiz – com um profissional que se “queixava” de ser médico (nem um robô seria tão frio! Agradeci a Deus ao sair do exame, por saber que ele não tinha sido meu aluno: menos uma culpa para carregar nas costas)-, até um teste de esforço para avaliá-lo. Tudo isso para poder utilizar esse órgão – que bate muitas vezes descompassado pelas incompreensões, pelas ingratidões, pelas críticas muitas vezes infundadas e motivadas sei lá porque, etc. etc. -, de forma a julgar melhor e perdoar: “Pai, eles não sabem o que fazem!”.

Tenho utilizado esse meu miocárdio, para ver melhor aqueles que um dia idealizei como exemplos de ética e retidão moral e que olhando um pouco mais de perto, não passam daquela imagem sonhada por Nabucodonosor, com os enormes pés de barro, e que basta jogar um pouco de água para eles se transformarem num mar de lama… é preciso olhá-los com o coração, para entendê-los e poder colocar em pratica a caridade, pois sem ela não há salvação!

Portanto, permita-me terminar essa carta, meu caro Diógenes, com a seguinte oração:

– Devemos igualmente amar nossos inimigos. Se ajudei a alguém o melhor que pude e se essa pessoa me ofende da maneira mais ignóbil, possa eu olhar essas pessoas como meus maiores mestres, pois eles nos permitem testar nossa força, nossa tolerância, nosso respeito aos outros… Compaixão e felicidade são a mesma coisa!

Um forte abraço! Até um dia, meu caro Diógenes!

Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor.

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Categoria(s): Crônica
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