domingo - 11/10/2020 - 09:52h

Deepfake (falsificação profunda) e campanha eleitoral

Por Odemirton Filho

Nos últimos tempos as redes sociais têm sido o palco para o embate político-eleitoral. As ruas não são mais o centro da disputa. Pelo menos, nas grandes cidades, os comícios já não arregimentam multidões.

Deepfake com o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula joga humor, mas às vezes simula algo original (Reprodução)

É no mundo da internet que os candidatos e seus partidários disputam simpatizantes para as suas ideias e o voto do eleitor. Entretanto, as fake news ganharam força. As notícias falsas são compartilhadas em uma velocidade que é difícil conter.

Todavia, uma nova modalidade de desinformação vem ganhando espaço. São as deepfake, ou seja – a falsificação profunda – conforme tradução livre.

A falsificação profunda significa uma forma de propagação da desinformação, através de vídeos, no quais a imagem e o áudio são adulterados. Isto é, tem-se um vídeo e é possível editar a imagem e a voz de determinada pessoa, manipulando a verdade.

Com isso, através dessa fraude, se criam mensagens e imagens falsas de um determinado candidato, por exemplo.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), explicando o tema, diz que “a tecnologia utiliza a inteligência artificial para criar vídeos falsos que parecem verdadeiros. Assim, a deepfake pode ser considerada uma nova forma de desinformação”.

Imagine o uso dessa falsidade em tempos de eleições? Quantas mensagens inverídicas podem ser repassadas?

Sobre o tema, o professor Diogo Rais afirma:

“Importante refletir sobre o impacto das deepfakes em ambiente eleitoral e, especialmente, com relação a pronunciamentos importantes em vésperas de eleições, podendo inclusive impossibilitar o candidato ofendido de esclarecer os fatos a seus eleitores ou de conseguir esclarecer o fato, por não haver tempo hábil de que o vídeo-resposta se propague e tenha a mesma escalabilidade do vídeo falso”.

Além disso, é possível a edição de áudios, adulterando uma voz, fazendo-a quase idêntica ao do candidato que se quer prejudicar, causando-lhe enormes prejuízos eleitorais.

De se ressaltar que, conforme a legislação eleitoral, a livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender à honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

Ademais, segundo a Resolução que trata da propaganda eleitoral (n. 23.610/19), com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, em recente entrevista, afirmou:

“Eu tenho a teoria de que a integridade vem antes da ideologia. Portanto, em primeiro lugar, as pessoas têm o dever de serem corretas, honestas. No enfrentamento da corrupção, eu mesmo digo que não tem corrupção de direita ou de esquerda, porque a integridade vem antes dessas escolhas ideológicas”.

E acrescenta:

“E evidentemente isso vale também para campanhas fraudulentas. Uma das campanhas que o TSE pretende fazer é justamente para pessoas não disseminarem notícias fraudulentas ou notícias sem checar a autenticidade”.

Como se percebe, a Justiça Eleitoral tem se esforçado para coibir à desinformação no processo eleitoral. Contudo, diante da imensidão do mundo virtual e da rapidez do que é compartilhado, torna-se uma tarefa complexa.

Assim, espera-se que os atores do processo eleitoral, partidos políticos, candidatos e eleitores, conduzam-se dentro das regras do jogo, evitando-se o compartilhamento de fake news e/ou deepfakes.

Difícil? Sem dúvida. O jogo, infelizmente, sempre foi desleal.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
domingo - 04/10/2020 - 07:28h

Elegibilidade e inelegibilidade

Por Odemirton Filho

Para que o cidadão possa se candidatar a um cargo eletivo é necessário, segundo a Constituição Federal, preencher as condições de elegibilidade. (Art. 14, § 3º).

São condições de elegibilidade: a nacionalidade brasileira; o pleno exercício dos direitos políticos; o alistamento eleitoral; o domicílio eleitoral na circunscrição; a filiação partidária e a idade mínima para o cargo que se pretende disputar.Em um ano de eleição é comum se indagar se determinada pessoa poderá se candidatar, seja porque tem algum parentesco com o prefeito ou porque tem alguma condenação que o impeça de disputar a eleição.

Entende-se como elegibilidade o direito público subjetivo atribuído ao cidadão de disputar cargo público eletivo.

Por outro lado, a inelegibilidade é o impedimento temporário da capacidade eleitoral passiva do cidadão, isto é, do direito de ser votado, em razão do seu enquadramento em alguma das hipóteses previstas na Constituição Federal ou na Lei Complementar (LC) nº 64/1990.

Esclareça-se, entretanto, que o cidadão não poderá ser votado, mas poderá votar.

Ao contrário, quando se diz que o cidadão está com os seus direitos políticos suspensos, significa que não poderá ser votado e votar por um determinado prazo (por exemplo, aquele foi condenado pela prática de um crime, após todos os recursos, enquanto durar o cumprimento da pena).

Desse modo, além de preencher as condições de elegibilidade é preciso que o candidato não incorra em nenhuma das hipóteses de inelegibilidade, previstas na Constituição Federal ou na LC 64/90.

Vejamos alguns exemplos de inelegibilidade.

A Constituição Federal diz que são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (Art. 14, § 7º).

Parentes por consanguinidade são os avós, pais, filhos, irmãos, tios, por exemplo. Já os parentes por afinidade seriam o sogro e a sogra, genro, nora e cunhados.

A regra diz que parentes até o segundo grau, ou seja, avós, pais, filhos e irmãos do prefeito são inelegíveis, bem como o sogro e a sogra, genro, nora e cunhado, além do cônjuge, claro.

O irmão ou cunhado do prefeito, se não for titular de mandato eletivo (vereador), não poderá ser candidato. Entretanto, se o prefeito ainda não foi reeleito e renunciar ao mandato no prazo exigido poderá o seu parente se candidatar.

O primo do prefeito é parente em quarto grau e, por isso, não há impedimento à candidatura. Já o cunhado do prefeito não poderá ser candidato, pois é parente afim em segundo grau.

Ademais, o cidadão que se enquadrar em uma das hipóteses de inelegibilidade da Lei Complementar 64/90, com trânsito em julgado (não cabe mais recurso) ou julgamento por órgão colegiado (Tribunal), também estará inelegível para disputar qualquer cargo eletivo, bem como os inalistáveis (estrangeiros) e os analfabetos.

Há, desse modo, inúmeras hipóteses de inelegibilidades que, somente diante do caso concreto, a Justiça Eleitoral poderá se manifestar, aplicando a norma.

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes (posterior) ao registro que afastem a inelegibilidade. (Art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97).

Acrescente-se que é cabível a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) para se discutir a ausência de uma condição de elegibilidade ou a ocorrência de uma hipótese de inelegibilidade, podendo ser proposta pelo Ministério Público Eleitoral, coligações, partidos políticos e candidatos.

Por fim, o candidato cujo pedido de registro esteja sub judice (em julgamento) ou que, protocolado no prazo legal, ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral poderá efetuar todos os atos relativos à sua campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito, para sua propaganda, na rádio e na televisão, conforme a Resolução n. 23.610/19 do Tribunal Superior Eleitoral.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 27/09/2020 - 08:20h

A propaganda eleitoral vai começar (prepare-se!)

Por Odemirton Filho

“Denomina-se propaganda eleitoral a elaborada por partidos políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público-eletivo”. (José Jairo Gomes)

Os candidatos, a partir de hoje, podem colocar o “bloco” nas ruas. Mais uma vez é hora de ouvir as propostas dos candidatos a prefeito e a vereador.

A propaganda eleitoral é disciplinada pela Lei das Eleições (n. 9.504/97) e pela Resolução n. 23.610/19 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Vale dizer que independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outros impressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido, Coligação ou candidato.

Além disso, a realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

Nos veículos é proibido colar propaganda eleitoral, salvo adesivos microperfurados até a extensão total do para-brisa traseiro e, em outras posições, adesivos que não excedam a 0,5m (meio metro quadrado).

Também é permitida a colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos.

Por falar em trânsito, cabe lembrar que o Código de Trânsito não deixa de valer no período da campanha. Assim, nas carreatas, dirigir sem o cinto de segurança, pilotar sem o capacete e sob a influência de álcool continuam a ser infração.

Passeatas e comícios poderão ser realizados. Contudo, em tempos de pandemia (ainda não acabou, mas alguns acham que sim), as normas sanitárias devem ser observadas, de acordo com as determinações das autoridades de Saúde.

É bom ressaltar que nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios, não é permitida a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza, mesmo que não lhes cause danos.

Não será possível, na campanha eleitoral, a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.

Caso ocorra, responderá o candidato infrator, conforme o caso, pela prática de captação ilícita de sufrágio (a velha compra de votos). Qualquer vantagem. Um milheiro de tijolo, de telha, cimento, cestas básicas, o pagamento da conta de luz, uma carteira de habilitação etc. Não esqueça que quem vende o voto, também, pratica o crime.

Nesse sentido, o TSE já decidiu:

(…) “O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma”. (Ac. de 9.5.2019 no REspe nº 40898, rel. Min. Edson Fachin.)

Em relação à propaganda eleitoral na internet é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, assegurado o direito de resposta, sendo permitido, ainda, a manifestação por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

Os candidatos devem redobrar o cuidado para que não haja a divulgação e o compartilhamento de fake news, pois, certamente, será um ponto que a Justiça Eleitoral ficará de olhos bem abertos.

Tanto é que a utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiros, pressupõe que o candidato, o partido ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sob pena de eventual responsabilidade penal.

O abuso de poder, em uma de suas modalidades – econômico, político e pelos meios de comunicação – mesmo que antes do início do período da campanha eleitoral, poderá ser objeto da Ação de Investigação Judicial, com as sanções previstas.

Acrescente-se, ainda, que a propaganda no rádio e na televisão começará a ser veiculada a partir do dia 09 (nove) de outubro se estendendo até o dia 12 (doze) de novembro.

Enfim, prepare-se. Aguardemos as “novidades” da propaganda eleitoral.

Sabe aquelas promessas de melhorias na saúde, na educação, o saneamento e a pavimentação da sua rua?

Pois é. Deverá ser nesse sentido. Como sempre.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
domingo - 20/09/2020 - 06:12h

O Velho Alcaide e a campanha eleitoral de 1992

Laíre Rosado, Frederico Rosado, Sandra Rosado, Dix-huit e Vingt em 1992 (Foto: arquivo)

Por Odemirton Filho

Segundo a história, o alcaide era o governador de uma cidade ou vila fortificada durante a Idade Média. Posteriormente, o título designou vários cargos administrativos e, em alguns países, a denominação é atribuída a autoridade máxima de um município.

Mossoró, de igual modo, teve o seu alcaide, como Jerônimo Dix-Huit Rosado Maia, às vezes, denominava-se.

Dix-huit foi eleito prefeito de Mossoró em 1972, 1982 e 1992. Porém, antes de ser prefeito, elegeu-se em 1947 deputado à Assembleia Constituinte do Rio Grande do Norte. No pleito de outubro de 1950 se elegeu deputado federal e em 1958 foi eleito senador.

Lembro-me da campanha de 1992, na qual o Velho Alcaide, então com oitenta anos, disputou a prefeitura contra o candidato da prefeita Rosalba Ciarlini, Luiz Pinto, que era o vice-prefeito, o advogado Paulo Linhares e o professor Luiz Carlos Martins.

Em 1992, estando Dix-huit com idade avançada para aguentar o ritmo de uma campanha eleitoral, não se acreditava em sua vitória. A campanha foi difícil. Uma luta renhida para vencer o pleito.

Em Mossoró de outros tempos, como em qualquer cidade do interior, os ânimos ficavam exaltados. Os comícios, passeatas e carreatas sempre fizeram parte das campanhas eleitorais.

“Curiar” o comício do adversário era costume pra ver onde tinha mais gente. A vigília na véspera da eleição “varava” a madrugada, “pastorando” os correligionários do outro candidato. Talvez em algumas cidades ainda seja assim.

Se o comício era grande, realizava-se no largo do “Jumbo”, atual Ginásio de Esportes Pedro Ciarlini Neto, e no largo da Cobal. Muitas vezes, é claro, depois da tradicional descida do grande alto de São Manoel.

À época eram permitidos os showmícios. Assim, para atrair multidões, os candidatos traziam cantores ou bandas de renome nacional. Uma verdadeira festa. E das boas. Bebida à vontade.

Certa vez, ouvi um discurso do Velho Alcaide. Um orador de primeira. Disse na ocasião que se pudesse, traria algodão para cobrir o chão de Mossoró, para pisar e não machucar a terra que tanto amava. A multidão presente ao comício foi ao delírio.

São conhecidas as suas frases. Gostava de dizer que o que sentia por Mossoró não era amor, não era paixão, era obsessão. E que quem não faz um pouco mais por sua terra, não fará nada pela terra de ninguém.

Naquela campanha, percorrer os bairros e a ruas de Mossoró não era tarefa fácil. Os seus correligionários tinham que se desdobrar, diante da natural dificuldade do candidato a prefeito.

Por outro lado, a campanha eleitoral de Luiz Pinto era só alegria. “É o pinto, é o pinto”, dizia a letra da música. As pesquisas divulgadas, internamente, davam como certa a vitória do candidato da prefeita.

Prego batido, ponta virada, pensavam os seus eleitores.

Que nada! Abertas as urnas, o velho mostrou toda a sua força, conforme mostra o resultado abaixo:

Eleições de 1992 (Fonte: Blog Carlos Santos):

– Dix-huit Rosado (PDT) – 37.188 (47,79%);
– Luiz Pinto (PFL) – 32.795 (42,15%);
– Luiz Carlos Martins (PT)– 6.557 (8,43%);
– Paulo Linhares (PSB) – 1.273 (1,64%);
– Brancos – 5.669 (6,49%);
– Nulos – 3.913 (4,48%);
– Maioria pró-Dix-huit Rosado – 4.393 (5,64%).

Daquela época, ainda ecoam na mente as músicas que embalavam a passeata, ao passar, de madrugada, próximo à minha casa, rumo ao comício da vitória. 

“É o velho, é o velho”, gritavam entusiasmados os seus eleitores. Não era para menos.

Foi, sem dúvida, a coroação de uma carreira política vitoriosa.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 13/09/2020 - 08:58h

O que vale a pena

Por Odemirton Filho

Tudo vale a pena, se alma não é pequena”.

(Fernando Pessoa)

 

Caminhavam na areia com a brisa tocando os seus rostos, como se fosse um beijo suave. Diariamente, à tardinha, gostavam de andar na beira da praia, com o mar molhando os pés.

Há anos tinham largado a cidade grande. Mudaram-se para a comunidade-praia e desfrutavam a paz do local. Buscavam sossego, pois já estavam aposentados.

A rotina raramente mudava. O marido acordava cedo, o sol nunca o encontrou dormindo, como diria Rui Barbosa. Preparava um café coado e tapiocas. A mulher se levantava um pouco mais tarde. Conversavam sentados à mesa, sem pressa. Depois cumpriam as tarefas da casa e faziam o almoço.

Algumas vezes, pela manhã, esperavam uma jangada vindo do alto mar e compravam peixes, já eram conhecidos dos pescadores e moradores da pequena localidade. As compras da casa eram realizadas na mercearia de Zé de Niel, que ficava próximo, ainda no sistema da “caderneta”.

Antes do almoço o marido gostava de tomar uma “pra lavar”.  Depois, deitavam-se nas redes e iam curtir a “sesta”. No meio da tarde tomavam um “pingado”, acompanhado com pães e bolo.

À noite, após o jantar, deitavam-se juntos no alpendre com o vento balançando a rede, embalando os momentos mais íntimos.

Tinham um filho e dois netos que os visitavam uma vez por ano, nas férias, pois moravam longe, lá pelas bandas do sul do país. Para não ficarem incomunicáveis possuíam um telefone celular.  Assistiam a televisão, de vez em quando, para verem o noticiário.

Liam muito. Sobretudo, os romances, contos e as crônicas do bruxo do Cosme Velho. A sós, conversavam sobre a vida. Lamentavam-se. Eram para ter dançado mais. Viajado mais.

Entretanto, a correria do dia a dia e o trabalho fizeram com que consumissem boa parte da vida. O tempo passou depressa. Os anos avançaram e olhavam para trás, com saudade, principalmente, daquilo que não viveram. Agora, já não tinham o viço da mocidade.

Somente o tempo nos faz amadurecer. Os valores da vida são repensados. Valeu a pena correr tanto em busca de bens materiais? Perguntavam-se. Vivemos tempos da economia do desejo, não da necessidade.

Infelizmente, ou felizmente, ninguém transfere sua experiência ao outro. Erros e acertos precisam fazer parte da vida de cada um. Se pudessem voltariam no tempo e viveriam de outra forma. Mais leves. Mais soltos.

Final da tarde. Era hora de ir à praia, caminhar na areia e sentir a brisa. Juntos, viram o pôr do sol refletir sobre as águas do mar.

Descobriram que nunca é tarde para viver o que vale a pena.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 06/09/2020 - 09:34h

O Touro e o Capim

Por Odemirton Filho

“Não sei por quantos votos, mas vamos ganhar a eleição”. (Aluízio Alves)

Diz o jornalista Zuenir Ventura, em seu livro “1968: O ano que não terminou”, que naquele ano o mundo pegou fogo. Foi um ano que incendiou corações e mentes, explodiu em canções, filmes, passeatas, revoluções e guerras.

Toinho: vitória apertada (Foto: arquivo)

No “país” de Mossoró não foi diferente. Em 1968 a disputa eleitoral a prefeitura entre Jerônimo Vingt-un Rosado Maia e Antônio Rodrigues de Carvalho “pegou fogo”.

De um lado, Vingt- un Rosado (vinte e um em francês), homem das letras e de família tradicional na política. No jogo do bicho, o número vinte e um é o do “touro”, daí o surgimento do apelido na campanha eleitoral.

Já Antônio Rodrigues de Carvalho era do sítio Capim Grosso, município de Upanema, por isso o chamaram, naquele pleito, “Toinho do Capim”.

Vamos aos fatos, de acordo com as reminiscências de Aluízio Alves.

Segundo Aluízio, Mota Neto, político de Mossoró, o procurou, pois queria impor uma derrota aos Rosados na campanha eleitoral, achando que Antônio Rodrigues de Carvalho era o candidato certo.

Aluízio não se opusera, porém quis consultar as “senadoras”, um grupo de mulheres de Mossoró que dava sustentação ao seu projeto político. Elas insistiam que o nome deveria ser do próprio sistema, com preferência por Cid Duarte, rebento do senador Duarte Filho.

O candidato foi Toinho, que já tinha sido eleito em 1957 à prefeitura, com apoio dos Rosados.

Duarte ficou longe da campanha. Numa carta a Aluízio assumiu essa posição e avisou que votaria em Vingt-un.

No início da campanha tudo caminhava para a vitória do “Touro”. As pesquisas encomendadas pelo grupo de Aluízio apontavam que o “Capim” perderia por número esmagador.

Entretanto, o grupo do “capim” foi à luta. As “senadoras” organizaram uma passeata de 72 horas no “Caminhão da Esperança”, com parada de meia em meia hora, na quais o “cigano feiticeiro” pudesse discursar.

Sob o sol escaldante de Mossoró, Aluízio começou a maratona eleitoral. No decorrer das 72 horas muitos fatos ocorreram. Assim, era comum que, ao término das aulas, os estudantes e professores seguissem a passeata.

As empregadas domésticas foram convidadas a participar, largando as cozinhas e as casas, trazendo nas mãos uma colher como símbolo de identificação, às vezes, gritando o nome de suas patroas.

A passeata, também, passou pelo comércio de Mossoró, fazendo com que parte dos comerciantes fechasse as lojas, pois clientes e empregados começaram a segui-la.

Ou seja, uma multidão começou a acompanhar a passeata no decorrer das 72 horas. Algumas pessoas carregavam um ramo verde nas mãos. Uma “floresta ambulante”, lembra Aluízio.

Alves, de igual, modo percorreu parte da zona rural do município de Mossoró, até a divisa com o Ceará, levando o nome de seu candidato.

Começara a virada.

Após uma desgastante campanha eleitoral, fechadas as urnas, era o momento de aguardar a contagem dos votos.

Quando começou a apuração o “touro” saiu à frente. As urnas sendo apuradas e Vingt-un ganhando. Alguns de seus correligionários, no calor, apostavam dinheiro na vitória e soltavam fogos de artifícios.

Contudo, Aluízio acalmava os eleitores do “capim” que estavam desolados com a perspectiva da derrota. As nossas urnas vão chegar, dizia.

E chegaram.

No final da apuração, Antônio Rodrigues de Carvalho, “Toinho do capim”, ganhou a eleição para prefeito de Mossoró por 98 votos de maioria sobre Vingt-un Rosado, o “ Touro”.

Foi uma festa. Das grandes. “É o capim, meu filho”!

Há, ainda, um “causo” hilário, contou-me meu pai.

Vingt-un, com sua comitiva, em andanças na campanha eleitoral pelos lados da cidade de Baraúna, foi visitar a bodega que pertencia a uma pessoa da região, conhecida por “Priminho”. O vereador Expedido Bolão, seu correligionário, era o guia nessas visitas.

Lá estando, sentou-se à mesa e começou a comer o que o dono do estabelecimento lhe oferecia.

“Priminho” estava feliz da vida, pensava que venderia muito, pois era uma ruma de gente que acompanhava o candidato. “Mais um “queijim”, Dr. Vingt-un”“Aceito, é bom”. E o “Touro” continuava a comer.

Lá pra tantas Vingt-un se levantou e, pensando que o lanche era uma cortesia de “priminho”, apertou a sua mão, agradeceu e foi embora sem pagar.

Eleições de 1968 (Fonte:  Vingt-un Rosado, Coleção Mossoroense):

– Antônio Rodrigues (Aena 2/verde) – 11.132 votos;
– Vingt-un Rosado (Arena 1/vermelho) – 11.034 votos;
– Maioria – 98 votos a favor de Antônio Rodrigues.

“Priminho”, cabisbaixo por causa do prejuízo, chamou uma das pessoas que acompanhava Vingt-un e implorou, quase chorando: “por favor, nunca mais traga esse “touro” aqui”.

Se é verdade, não sei, mas é mais uma das muitas histórias que ilustraram aquela memorável campanha.

Pois é. Realmente 1968 foi um ano atípico em todo o mundo. E dizem, cá por estas bandas, que a disputa entre o “touro” e o “capim” foi a mais bela campanha eleitoral que Mossoró já viu.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 30/08/2020 - 07:38h

Uma pré-campanha imprescindível, mas com cautela

Por Odemirton Filho

“A veiculação de expressões e frases com clara intenção de promover a reeleição de candidato, mas sem pedido explícito de votos, não encontra vedação na norma”. (Min. Tarcísio Vieira, TSE – REsp n. 2564 ).

A pré-campanha eleitoral se encontra a todo vapor. As redes sociais estão repletas de pretensos candidatos, todos se apresentando aos eleitores com largos sorrisos e, claro, promessas de mudança.

Por força da Emenda Constitucional n. 107/2020, a propaganda eleitoral começará, inclusive na internet, a partir do dia 27 de setembro e as eleições acontecerão, em primeiro turno, no dia 15 de novembro e o segundo turno, onde houver, em 29 de novembro.Destaque-se, porém, que no caso de as condições sanitárias de um Estado ou Município não permitirem a realização das eleições nas datas previstas, o Congresso Nacional, por provocação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), instruída com manifestação da autoridade sanitária nacional, e após parecer da Comissão Mista, poderá editar decreto legislativo a fim de designar novas datas para a realização do pleito, observada como data-limite o dia 27 de dezembro de 2020, e caberá ao Tribunal Superior Eleitoral dispor sobre as medidas necessárias à conclusão do processo eleitoral.

O fato é que neste período de pré-campanha eleitoral o futuro candidato pode fazer quase tudo. Ou seja, pode fazer menção à pretensa candidatura, exaltar as suas qualidades pessoais, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos que pretende realizar, além de outros atos que podem ser realizados.

É comum ver alguns pré-candidatos nas redes sociais, o que não é vedado, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abaixo descrito:

“Propaganda antecipada. Art. 36-A da Lei 9.504/97. Facebook. Fotos com o número e sigla do partido. Divulgação. Pré-candidatura. Possibilidade. Pedido explícito de voto. Ausência. Mera divulgação de fotos em rede social de pessoas junto ao pré-candidato, portando cartazes com o número e a sigla do partido por meio do qual viria a se candidatar, configura apenas divulgação de pré-candidatura, o que é admitido pela norma de regência e encontra amparo no vigente entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema”. (Min. Jorge Mussi, Respe. 13969).

Entretanto, não se pode pedir votos de forma explícita. Assim, expressões como: “conto com o seu voto”, entre outras, podem ser consideradas propaganda irregular, diante da análise do caso concreto.

Em razão disso, o período de pré-campanha eleitoral tem papel relevante, pois parcela dos pré-candidatos não é conhecida dos eleitores.

Desse modo, para que haja a massificação do seu nome, o pretenso candidato pode usar as redes sociais, apresentando o seu nome e propostas.

Com a diminuição do período de campanha eleitoral é preciso focar nas redes sociais, dando visibilidade ao futuro candidato e, para isso, a pré-campanha é de fundamental importância. “Quem é coxo parte cedo”, diz o ditado popular.

Como se sabe, as eleições atualmente são decididas, ou tem como palco principal, as redes sociais. Quem não souber usá-las, provavelmente, não conseguirá se fazer conhecido, dificultando a sua (re)eleição.

É bom lembrar que a campanha eleitoral deste ano não será como as outras. A depender da situação sanitária que estaremos enfrentando, poucos comícios serão realizados e, talvez, com algumas restrições.

Como as aglomerações não deverão ser permitidas, o corpo a corpo, importante para o contato entre o candidato e o eleitor, será feito de forma comedida.

Por consequência, as redes sociais, a propaganda eleitoral no rádio e na televisão e as carreatas deverão ser os meios mais usados pelos candidatos em busca do voto do eleitor.

Cabe esclarecer que os atos de propaganda eleitoral não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional.

Portanto, o atual período de pré-campanha eleitoral se revela imprescindível para o futuro candidato, contudo, deverá se comportar com cautela, a fim de não infringir à legislação eleitoral.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
domingo - 23/08/2020 - 11:25h

Chuvas e enchentes do rio Mossoró

Por Odemirton Filho

“Se chove, tenho saudades do sol, se faz calor, tenho saudades da chuva”. (José Lins do Rego)

Em 1985, há exatos trinta e cinco anos, presenciei uma das enchentes do rio Mossoró. À época parte do centro da cidade ficou alagado.

Com alguns amigos de infância percorri todas as ruas com o nível da água atingindo a cintura. Foi a diversão daqueles dias. Não estávamos preocupados se iríamos adoecer. Às escondidas dos nossos pais passávamos a maior parte do dia vendo aquela enxurrada d´água. 

Não se falava na tricomitização do rio ou, se falavam, não sabíamos de que se tratava.

As águas avançavam na rua lateral, entre as lojas Riachuelo e o Cine Pax, hoje lojas Marisa. Para nós as consequências da enchente e os transtornos não interessavam. Os prejuízos para o comércio local foram, certamente, imensos, mas estávamos preocupados com as sessões de filmes do Cine Pax.

Não estávamos sozinhos. Dezenas de pessoas percorriam as ruas alagadas, fosse por curiosidade ou para salvar objetos e mercadorias das lojas que ficavam nos arredores.

Sob a chuva torrencial, saíamos a andar, sem pensar em raios ou trovões. A infância, como se sabe, não conhece o medo.  Aproveitávamos cada uma das bicas das casas e dos prédios. A água gelada quando batia doía nos “couros”. As mãos e os pés ficavam “engiados”. Tempo bom.

Dávamos voltas e mais voltas no quarteirão do antigo Banco do Estado do Rio Grande do Norte (BANDERN) e onde ficava a padaria que pertencia ao meu pai. Ao final da tarde, com o chão encharcado, ficávamos na padaria comendo pão e bolacha “sete capas”, ouvindo a conversa dos mais velhos sobre as chuvas.

De tanto brincar sob a chuva era natural que ficássemos resfriados. Mas, naquele tempo, qual criança não queria ficar doente para beber guaraná e comer bolacha “creme craque”? Era um santo remédio.

Hoje em dia, aqui ou acolá, quando cai um “toró” d´água, lembro-me de 1985. Bate uma saudade danada.

Da enchente? Claro que não.

Dos banhos de chuva que alegravam e molhavam a infância.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 16/08/2020 - 09:46h

O Cigano Feiticeiro e o Homem do Carneiro Verde

Por Odemirton Filho

“Pau dos Ferros, o cigano chegou”. (Aluízio Alves, em discurso)

As campanhas eleitorais de Aluízio Alves, nos idos de 1960, são memoráveis, conforme aqueles que viram e ouviram o “cigano feiticeiro”. Por onde ele passava arregimentava multidões. Era a Cruzada da Esperança.

Mas por que o apelido de “cigano”? Porque, segundo o próprio Aluízio, o seu adversário afirmou que Aluízio passava o dia pelas estradas, não almoçava nem jantava na casa de líderes políticos que o apoiavam e, se dormia, era nas estradas. Aluízio, então, adotou a alcunha e, depois, acrescentou o “feiticeiro”, de acordo com uma música composta para ele.

Assim, em quase toda cidade, havia aqueles eleitores que acompanhava o “cigano feiticeiro”, como todo partidário apaixonado por política e pelo seu líder.Em Mossoró não poderia ser diferente. Seu Pedro, conhecido como “o homem do carneiro verde”, era um desses fiéis eleitores. Todos os dias o carneiro ficava amarrado ao tronco de um pé de castanhola que fazia sombra na frente da residência.

Ali o carneiro ficava à exposição das pessoas. O animal recebia um banho de verde da marca xadrez e ficava preso em um cabresto, quando acompanhava as caminhadas e as passeatas de Aluízio Alves.

Era comum, quando chegava a Mossoró, Aluízio Alves ir à casa do “homem do carneiro verde”, que ficava na rua Felipe Camarão, para tomar um café e prosear sobre política.

À noite havia o grande comício na praça do Codó, a qual ficava lotada até altas horas da madrugada. O povo ia aos comícios segurando nas mãos um lenço verde ou um galho de árvore. As músicas da campanha, “Marcha da esperança”, “Frevo da Gentinha”, entre outras, eram entoadas pelos adultos e crianças.

Em seu livro, O que eu não esqueci, Aluízio Alves nos conta que: “os comícios e passeatas atravessavam a noite e a madrugada. No começo, de 20 horas até 6 horas da manhã. (…) Dia e noites inteiras, o povo cantando e famílias esperando nas estradas, para receber um lenço que eu atirava de cima do caminhão da esperança”.

E acrescenta o cigano feiticeiro:

“Foi a primeira vez na história da República que a campanha política deixou de ser um encontro de chefes e os ajuntamentos da cidade, para invadir todos os bairros, os sítios, o povo nas estradas só para receber um cumprimento ou um lenço” (…)

Não era nascido à época. Aliás, lembro-me somente a partir da campanha eleitoral de 1982. Infelizmente não cheguei a conhecer Seu Pedro e o famoso “carneiro verde”. Assim, perdoe-me o leitor eventuais omissões e erros na narrativa.

Para escrever esta crônica me socorri da leitura das reminiscências de Aluízio Alves e do amigo Rocha Neto, do Restaurante Prato de Ouro, que me passou valorosas informações.

Me disse Rocha Neto que “nos comícios todos ficavam esperando pela grande preleção política do gênio chamado Aluízio Alves, que era tão amado e odiado pelos que habitavam a terra de Santa Luzia”.

Enfim, “o homem do carneiro verde”, sem dúvida, faz parte da história das campanhas eleitorais de Mossoró. E Aluízio Alves, “o cigano feiticeiro”? Foi um dos grandes líderes políticos do Estado, admire-se ou não a sua trajetória política e de homem público.

Ah, e “veio do sertão lá do Cabugi”. . .

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

* Fotos cedidas pela página Relembrando Mossoró (Lindomarcos Faustino)

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 09/08/2020 - 07:30h

Figuras humanas de Mossoró

Por Odemirton Filho

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.(Antoine de Saint Exupéry)

Quando era adolescente costumava ir à praça Bento Praxedes, por trás do antigo Cine Pax, pois era próximo a minha casa. Por lá, muitos jovens, como eu. Íamos brincar e jogar conversa fora.

A praça Bento Praxedes, para quem não sabe, é a Praça do Codó ou do Relógio. Para mim, sempre será a Praça do Codó.

Com o recente falecimento de Tarcísio Alves, lembrei-me de algumas pessoas. Tarcísio sempre “pintava” pela praça. Era bastante conhecido.

Além dele, vieram-me à mente outras figuras humanas que marcaram minha geração e, com certeza, a de outras pessoas.Era comum, após o término da sessão dos filmes de caratê, os meninos saírem dando “socos” no ar, imitando Bruce Lee. Comigo não foi diferente.

Lembro-me de “Shaolin” (acho que era esse o apelido) que trabalhava ou sempre ficava pelos arredores do Cine Pax. Um dia, “Shaolin” me deu um golpe nas costas, pois não era de aguentar brincadeira de menino metido a lutador.

Havia um senhor que sempre se fazia presente nas festas de aniversário ou casamento, muitas vezes sem ser convidado, e, ao chegar, dizia solenemente: “vim prestigiar”. Era William Gurgel, conhecido por todos e curtia a festa como os outros convidados

Me lembro, ainda, de Murilo Ludgero, sempre vestido com roupas brancas, homem fervoroso na fé, que sempre me perguntava se eu já tinha ido à missa e feito o sinal da cruz ao passar em frente à Catedral.

Zé Maria da banca de jornal, que adorava falar sobre política e futebol. Ele às vezes se exaltava, ficava “brabo”, mas logo a conversa continuava.

Tinha um rapaz que era apaixonado por fusca – César. Eu tive um fusca. Um dia, para meu azar, ele o “pegou”. Coitado do fusquinha.

Existia, de igual modo, um senhor que acompanhava todos os enterros da cidade. Morreu alguém? Podia apostar, o senhor estaria presente.

No dia de finados ou na procissão de Santa Luzia quem não ouviu a pregação de um senhor vestido com um hábito de Franciscano? Ou a voz de Monsenhor Américo: “Mossoró com alegria, saúda Santa Luzia”!

A hora da coalhada, programa de Seu Mané, na Rádio Rural, quem escutou? E Erasmo fotógrafo, quem bateu uma “chapa” com ele?

Após as festas, ir à Cobal lanchar em Zé Leão ou na lanchonete de Zecão, que ficava no alto de São Manoel. Comer uma panelada, lá em Neto, no Mercado Central.

Quem já não viu “Paulo doido” andando pra lá e pra cá pelas ruas de Mossoró?

Pois é. Toda cidade tem as suas figuras humanas. Pessoas simples que ilustram a cena urbana e que merecem respeito. As que mencionei são, apenas, algumas. O amigo leitor, sem dúvida, conhece outras que marcaram sua geração.

Enfim, não quis dizer que essas pessoas fazem parte da geografia humana e da história de Mossoró.

Seria um clichê.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 02/08/2020 - 10:44h

Tibau, sempre Tibau

Por Odemirton Filho

“Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. 

Só para viver”. (Clarice Lispector)             

Dia desses me bateu uma vontade danada de quebrar o isolamento social. Queria ir à cidade-praia de Tibau. Estava entediado de tanto ficar em casa.  

Há vários lugares que poderia ir. Areia Branca, na bela Ponta do Mel. À serra de Martins, curtir um frio gostoso. Quem sabe, Canoa Quebrada. Mas, por que Tibau? 

Porque Tibau faz parte de um passado que insiste em voltar à lembrança. Saudade de tomar banho de mar, às vezes sob a chuva. De atravessar a pedra do chapéu com o mar “cheio”. De nadar até os barcos ancorados. De brincar com os primos no morro do “labirinto”.

Saudade das festas do Creda e do Álibi. Das escadarias de Zé Félix. Do bar “de propósito”. Do campeonato de surf de “Bitonho”. Aliás, momentos que já relatei em outras oportunidades, mas que, volta e meia, visita-me a alma.

E mais: descer a ladeira da praia do Ceará, visualizando a bela paisagem dos coqueirais. Caminhar um pouco na areia. Sentir a água do mar bater nos meus pés e, no rosto, o carinho da brisa.

Depois, ir lá pelas bandas das praias das Emanuelas e de Gado Bravo, bem como a Barra, em Grossos. Na volta para casa, se não tiver fila, comprar pão na Padaria Jéssica.

Tentaria evitar, é claro, contato com as pessoas, pois nessa época de pandemia, temos que manter o distanciamento social. São tempos Difíceis.

Entretanto, queria apenas andar. Respirar o ar puro. E, em harmonia com a natureza, rogar a Deus que tenhamos dias melhores.

Não, não fui. O sentimento de responsabilidade social falou mais alto. Acredito que não me custa ficar um pouco mais em casa, em respeito à vida e à saúde das pessoas.

Vou esperar mais. Por mim e por todos. Vai passar.

Enfim, todos têm aquele lugar que nos faz bem. O meu é Tibau, sempre Tibau.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 19/07/2020 - 10:18h

Sobre escrever

Por Odemirton Filho

Há mais de 02 (dois) anos escrevo, semanalmente, para o Blog Carlos Santos, ou para o “Nosso Blog”, como carinhosamente chamamos.

Escolher um tema atual, conseguir prender a atenção dos leitores e se fazer entender não é tarefa fácil.

Discorrer sobre diversos assuntos em artigos e crônicas é desafiador. Os temas jurídicos, por exemplo, precisam ser repassados de forma clara, sem o “juridiquês” tão comum nos artigos sobre Direito.De nada adianta um texto incompreensível e extenso. Apesar do discernimento dos leitores, é preciso enxugar o artigo ou a crônica, fazendo-os simples.

Poucos conseguem conciliar objetividade e clareza nas ideias. Para isso é preciso tempo e prática.

Tenho a honra de dividir este espaço com François Silvestre, Honório de Medeiros e o editor deste Blog, Carlos Santos, que conseguem, com precisão, transmitir as suas mensagens.

Sem esquecer, é claro, dos meus professores do curso de Direito, Paulo Linhares e Marcos Araújo. Além dos artigos de Josivan Barbosa, das crônicas de Paulo Menezes e dos textos de colaboradores eventuais. Com todos, sem exceção, aprendo.

Entretanto, faz-me falta os escritos do estimado Inácio Augusto de Almeida que, por motivos pessoais, não escreve mais neste espaço. Recebi valorosos ensinamentos de sua parte, mostrando-me, principalmente, que a beleza do texto está na simplicidade. A ele um agradecimento especial.

Há, ainda, os inúmeros comentários que são importantes para amadurecer o entendimento sobre um determinado assunto, concordando ou não com o que escrevemos, pois, a divergência de ideias, de forma respeitosa, é sempre salutar. Existem aqueles comentaristas que qualificam o texto, como diz, de forma acertada, Honório de Medeiros.

Em um país que a intolerância e o ódio estão a fazer parte do cotidiano é preciso coragem para escrever e expor o que pensamos. Ainda bem que este Blog tem como linha editorial fazer Jornalismo com Opinião (não só do seu editor, mas de todos e qualquer um).

Porém, faltava agradecer a companhia e a paciência dos leitores. Não o fiz antes, mas o faço agora, acompanhado de um singelo pedido de desculpas por eventuais erros e desagrados.

Vamos em frente. Até a próxima, se Deus quiser.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 05/07/2020 - 11:20h

O silêncio, oportuno, do capitão

Por Odemirton Filho

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou o tom do seu discurso. Há dias que vem mantendo um clima político ameno, sem a corriqueira beligerância que caracteriza o seu mandato.

O ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, resolve administrar a própria língua (Foto: G1)

Não sabemos o motivo do silêncio e da mudança de comportamento do presidente. Será que é o receio de uma possível delação do Fabrício Queiroz? Das ações eleitorais que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que podem cassar o seu mandato? Dos inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF)?

Apenas um recuo político estratégico? Ou, finalmente, entendeu que em uma democracia não se governa sem diálogo?

Enfim, algo aconteceu que fez Bolsonaro mudar de postura, pelo menos, até o momento em que escrevo este artigo.

Ademais, não podemos esquecer que o presidente precisou buscar apoio junto aos partidos políticos do “Centrão”. Sem uma base política no Congresso Nacional seria difícil se manter no Poder e fazer as reformas que pretende. Bolsonaro, com a experiência parlamentar que possui, sabe muito bem disso. Sem esquecer, é claro, que há sempre um eventual processo de impeachment à espreita.

Seja qual for o motivo, o presidente arrefeceu os ânimos e, diga-se, no momento oportuno. Sabe que terá que enfrentar uma grave crise social e econômica, agudizada pela pandemia do coronavírus. Será preciso mais do que a retórica neoliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, para colocar o Brasil nos eixos.

O Estado brasileiro, dizem alguns economistas, precisa ser o indutor da retomada do crescimento econômico. O problema é que a capacidade de investimento do país já era ruim, pós-pandemia, será pior. Como manter as empresas funcionando e preservar milhões de empregos?

A PANDEMIA do coronavírus atingiu, de forma pesada, a economia. O setor público apresentou déficit primário de R$ 131,438 bilhões em maio, conforme divulgou o Banco Central. Além disso, estima-se que o rombo nas contas públicas poderá chegar a R$ 828 bilhões em 2020 e a dívida pública até 100% do Produto Interno Bruto (PIB) no pós-crise.

Para se ter uma ideia, conversando com o gerente de um restaurante da cidade, esse me disse que o serviço de “delivery” não chega a 30% do faturamento que tinha antes da pandemia. Ou seja, é insuficiente para pagar as despesas do estabelecimento e manutenção de todos os empregos. Realidade, aliás, que deve ser a de milhares de bares e restaurantes Brasil afora.

Assim, não é com o dedo em riste e em uma eterna disputa político-eleitoral, que o presidente conseguirá colocar a casa em ordem. De igual modo, a oposição precisa fazer a sua “mea-culpa”. Se é certo que é preciso cobrar ações e fiscalizar o governo, é imprescindível que se apresente de forma propositiva e se disponha a ajudar o Brasil a enfrentar a crise. Mesmo porque, nessa luta entre situação e oposição, sabemos quem sempre perde.

Acrescente-se, por relevante, que mais de sessenta mil brasileiros já perderam a vida e não se sabe quantos ainda morrerão. Desse modo, é preciso uma ação coordenada entre todas as esferas governamentais e a sociedade. Compatibilizar a retomada da atividade econômica e preservar a vida e a saúde das pessoas é o principal desafio de governadores e prefeitos.

Portanto, o diálogo institucional e republicano deve ser a tônica em uma democracia. Esperemos que o presidente possa continuar mantendo essa postura, falando menos e governando mais, buscando harmonia (sem fisiologismo) entre os Poderes da República, a fim de tentar resolver os nossos inúmeros problemas.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
domingo - 28/06/2020 - 08:00h

Desigualdade e isolamento social

Por Odemirton Filho

Pensava com tristeza na vida. As contas estavam atrasadas, sem data para pagamento. As perspectivas não eram das melhores.

Como trabalhava na informalidade vendendo espetinhos de “gato” e bebidas, por causa do isolamento social não podia exercer a sua atividade. Em tempos normais dava para livrar quase dois salários mínimos por mês.

A mulher e os quatro filhos olhavam-no de soslaio, à espera que resolvesse os problemas. Era arrimo de família. A companheira não trabalhava, apenas cuidava dos afazeres do lar. Mulher minha não trabalha! Gostava de alardear.Os filhos, ainda pequenos, não estavam indo à escola pois, em razão do vírus, as aulas foram suspensas. As professoras diziam que talvez as aulas fossem pela internet. Como se o único celular que possuía era “lanterninha” e não tinha computador em casa?

Com o auxílio emergencial que recebeu do Governo Federal fez uma feira que daria para mais ou menos um mês, somente do “grosso”, ainda era preciso comprar a “mistura”. Os biscates, quando fazia, dava apenas para comprar alguns pães, frutas e verduras.

Tivera sorte. Alguns conhecidos ainda não conseguiram a aprovação para receber o auxílio do governo. Eram os chamados “invisíveis” da sociedade. Para quem realmente necessita tudo é mais difícil.

Dizem que milhares de pessoas que não tem direito ao auxilio emergencial se inscreveram e conseguiram receber, alguns por má-fé, outros porque alguém usou de forma fraudulenta os seus nomes. Um crime! Mas para alguns é o “jeitinho brasileiro”.

Como a vida é desigual, pensou. Ficar em casa é bom para quem pode garantir as suas necessidades básicas. Contudo, para quem precisar ganhar o pão de cada dia é angustiante.

Fique em casa! Dizia o prefeito. Ora! O isolamento social que está sendo feito é “meia boca”, estava cansado de ver pessoas andando pelas ruas e conversando nas calçadas, algumas até sem máscaras.

Alertavam que os hospitais estão superlotados, não há vagas para todos que adoecerem. E quando foi que houve atendimento decente? Pois até para marcar um simples exame sempre foi complicado.

O prefeito dizia que logo iria autorizar o retorno da vida normal da cidade e, finalmente, poderia voltar a trabalhar.  Ao mesmo tempo, porém, tinha medo de “pegar” o vírus e passar para a mulher e os meninos. “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

Enfim, para ele, e milhões de pessoas, era ficar trancado em casa, à espera da ajuda do Governo ou da solidariedade de familiares e amigos. Para outros, o isolamento social era com a despensa e a geladeira cheias e as contas religiosamente pagas.

Apesar de tudo, rogava a Deus que essa pandemia passasse. Era homem de fé.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 21/06/2020 - 09:28h

Liberdade de expressão e crimes contra a honra

Por Odemirton Filho

A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais mais caros em uma democracia. Através dela o cidadão pode expor a sua opinião e ideias sem receio que sofrerá qualquer sorte de censura.

A Constituição Federal garante que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Sendo assim, podemos expor a nossa opinião e tecer críticas a quem quer que seja, inclusive aos nossos governantes e às Instituições.

Entretanto, nenhum direito é absoluto. Nenhum!

Podemos fazer críticas, é certo, mas, sem esquecer, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Ao exercer a liberdade de expressão o cidadão poderá atingir, de igual modo, outro direito fundamental, a honra e a imagem das pessoas, havendo, nesse caso, colisão entre direitos fundamentais. Sobre o assunto, ensina Norberto Bobbio:

“Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem, ao contrário, ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem, e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante. Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro”.

Assim, a despeito de exercer a liberdade de expressão, o cidadão poderá incidir nos crimes contra a honra previstos no Código Penal, ou seja, a calúnia (Art.138), a difamação (Art. 139) e a injúria (Art. 140).

A calúnia atinge a honra objetiva da vítima, ou seja, o conceito que ela goza perante a sociedade. São três características para se configurar o crime de calúnia: a imputação de um fato, esse fato deve ser falso e, além de falso, o fato deve ser considerado como crime. Por exemplo, afirmar que o gestor público desviou uma verba destinada para a construção de uma praça.

Já o crime de difamação ocorre quando há uma imputação de fatos determinados, sejam falsos ou verdadeiros, à pessoa determinada, ou pessoas. A difamação tem o objetivo de macular a reputação da vítima, ou seja, a sua honra objetiva. Tome-se, como exemplo, divulgar pela cidade um fato desonroso contra o prefeito.

Por outro lado, o crime de injúria, ao contrário dos crimes de calúnia e difamação, atinge a honra subjetiva, isto é, o conceito que a vítima tem de si mesmo. Na injúria, como ensina o professor Rogério Greco, não existe imputação de fatos, mas sim, de atributos pejorativos à pessoa. Caracteriza-se, à guisa de exemplo, chamar alguém de idiota.

Como se observa, o exercício da liberdade de expressão, apesar de ser um direito fundamental, poderá ter consequência. Ou seja, ao exercê-la, sem pesar as suas palavras, o cidadão estará sujeito a ser processado civil e criminalmente por aquele que se sentiu ofendido.

O que presenciamos hoje em dia nas redes sociais é ataque um sistemático às pessoas e às Instituições, muitos dizem o que lhe vem à cabeça, sem analisar a consequência do seu ato. Não há limite prévio à liberdade de expressão, o que seria censura, mas poderá haver consequência.

Ressalte-se que a internet não é um território sem lei, na qual se pode ofender a torto e a direito. É comum ver nas redes sociais, “amigos” e familiares agredindo uns aos outros, sem medir as palavras.

A disciplina do uso da internet no Brasil – Lei n. 12.965/13 – tem como um dos princípios a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

Diz, ainda, que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados, entre outros, o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação

No voto que proferiu no julgamento que validou a continuidade do Inquérito das fake news, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, afirmou que a “liberdade de expressão não pode ser biombo para a criminalidade.”

No mesmo sentido, o ministro Luís Roberto Barroso asseverou: “A democracia comporta militância progressista, militância conservadora. Agora, quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante. Primeiro é mercenário, recebe dinheiro para a causa. Depois é criminoso, porque atacar pessoas com ódio, com violência, com ameaças, não é coisa de gente de bem, é gente capturada pelo mal”.

Assim, cobrar dos gestores uma conduta proba, apontar seus erros na administração da coisa pública e reivindicar soluções para os problemas da sociedade fazem parte da liberdade de expressão e do exercício da cidadania.

Além disso, discordar do posicionamento político-ideológico do outro é imprescindível para o debate, ajudando a formar o entendimento sobre determinado assunto.

Todavia, a liberdade de expressão poderá configurar crime contra a honra e crime de ameaça, ambos passíveis de punição pelo Estado-juiz, a depender das palavras proferidas.

E mais, o confronto já não está somente nas redes sociais, começa a ganhar as ruas, nas quais alguns se aproveitam para vandalizar, como se depredar prédios, agredir e ameaçar pessoas fossem atos democráticos, e não crimes.

Acrescente-se que tais atos podem ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional, pois tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito é considerado crime.

É esse, infelizmente, o grau de intolerância e ódio que atravessa o Brasil, no qual a ausência de civilidade democrática tem acirrado os ânimos, ajudando a tornar instável a harmonia entre os Poderes da República.

Portanto, no Brasil contemporâneo, a liberdade de expressão se tornou sinônimo de ofensa e ameaça, pois no terreno arenoso da polarização não há espaço para a convivência dos contrários e o bom senso.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

* Vídeo constante da postagem é de manifestação ocorrida em Brasília, em frente ao STF, à noite do sábado (13 de Junho de 2020)

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
domingo - 14/06/2020 - 08:22h

Antirracismo – uma luta de todos

Por Odemirton Filho

O silêncio é cúmplice da violência!

Nos últimos dias uma onda de manifestações em razão da morte do cidadão americano, George Floyd, pelo policial Derek Chauvin tem se espraiado nos Estados Unidos. No Brasil, a morte do jovem João Pedro pela polícia também causou indignação em parte da sociedade.

Os fatídicos episódios reacenderam a chama da luta contra o racismo. Nunca é demais lembrar que, tanto nos Estados Unidos, como no Brasil, porque não dizer no mundo, a história mostrou que a divisão entre as raças sempre foi uma triste página da humanidade.

No Brasil, em particular, a escravidão mostrou toda a face odienta da humanidade, na qual subjugar seus semelhantes pela cor da pele foi uma triste realidade. Mesmo a Lei Áurea, em 1888, que “libertou” os escravos, não deixou como legado a igualdade de oportunidades entre brancos e negros.

Conforme o historiador Marcos Rezende” “a abolição formal e inacabada do escravismo no Brasil fincou-se no abandono socioeconômico da população negra liberta. (…) o citado pós-abolicionismo sem garantias de direitos criou um abismo entre a população negra e a igualdade, que a democracia deveria garantir como básico”.

Assim, o racismo, apesar da multiplicidade de conceitos, é toda forma de exclusão que visa a afastar direitos e garantias, pois exclui, oprime, ofende, maltrata.

É, portanto, um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato da vontade de um indivíduo, diz Djamila Ribeiro.

Por mais que neguemos o nosso viés racista é inegável que ainda o somos. Piadas e palavras depreciativas são vistas como simples “brincadeiras”. “Ela é negra, mas é bonita”.

O professor da Universidade de São Paulo, Kabengele Munanga, diz que: “todos os racismos são abomináveis e cada um faz as vítimas do seu modo. O brasileiro não é pior, nem o melhor, mas ele tem as suas peculiaridades, entre as quais o silêncio, o não dito, que confunde todos os brasileiros e brasileiras, vítimas e não vítimas do racismo”.

Há, desse modo, o que se chama de racismo estrutural, isto é, um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas embutido em nossos costumes e que promove, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial.

Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro criminaliza o racismo.  A Constituição Federal diz que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Cabe, por oportuno, diferenciar o crime de injúria racial, previsto no 140 do Código Penal, e o crime de racismo tipificado na Lei n. 7.716/89. O crime de injúria racial consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Por exemplo, chamar alguém de “macaco”.

Por outro lado, o crime de racismo é aquele que implica em conduta dirigida a um determinado grupo ou coletividade, são crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Mas não basta normatizar e penalizar. É preciso políticas públicas que orientem e implementem práticas antirracistas que promovam a igualdade de forma material e não somente formal. Ou seja, não basta estar no papel é preciso ações concretas.

As ações afirmativas são fundamentais na busca da isonomia racial. Na busca desse objetivo o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da Lei n. 12.990/14 que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Sobre o assunto o decano da Corte, ministro Celso de Mello, assim se manifestou:

“Sem se reconhecer a realidade de que a Constituição impõe ao Estado o dever de atribuir a todos os que se situam à margem do sistema de conquistas em nosso país a condição essencial de titulares do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade nem realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária, frustrando assim um dos objetivos fundamentais da República, a que alude o inciso I do artigo 3º da Carta Política”.

Assim, o que se almeja é que o Estado brasileiro possa minimizar os impactos deletérios do racismo que desde sempre faz parte de nossa sociedade.

Desse modo, a bandeira do antirracismo tem que ser constantemente empunhada. É uma batalha que não admite trégua, nem silêncio. É uma luta de todos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 07/06/2020 - 08:52h

Pré-campanha eleitoral e propaganda antecipada

Por Odemirton Filho

A propaganda eleitoral, conforme a Lei das Eleições, somente é permitida a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição. Antes desse prazo, poderá ser considerada como propaganda antecipada ou extemporânea.

Sabe-se que, ao postulante a cargo eletivo, é permitida a menção à pretensa candidatura antes desse período, exaltando as suas qualidades pessoais, desde que não haja pedido explícito de votos.

São permitidos, ainda, o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas, e das que se pretende desenvolver, conforme a Resolução n. 23.610/19 que disciplina a propaganda eleitoral.Entretanto, a realização de propaganda eleitoral antecipada sujeitará o responsável pela divulgação e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

Cabe destacar que a mera promoção pessoal não configura propaganda antecipada, a teor do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme decisão abaixo:

“Este Tribunal, no julgamento conjunto da RP 0601161–94, rel. Min. Admar Gonzaga, e da RP 0601143–73, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 20.3.2018, ambos os feitos relativos à campanha eleitoral de 2018, consignou que o mero ato de promoção pessoal, sem pedido explícito de voto, não caracteriza a propaganda eleitoral antecipada”. (RESPE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 060759889 – Rio de Janeiro – RJ. Acórdão de 01/10/2019).

Por outro lado, é comum ver nas redes sociais pré-candidatos promovendo atos que podem configurar propaganda eleitoral antecipada, como a distribuição de benesses em comunidades de menor poder aquisitivo.

Como sabido, no período da campanha eleitoral, é vedada a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.

Mas esses atos, antes do período eleitoral, podem se configurar propaganda antecipada?

Com efeito, não se pode atribuir a todo ato praticado pelo pré-candidato a pecha de propaganda eleitoral antecipada.

É imprescindível provar que o pré-candidato, aproveitando-se desses tempos de pandemia, mascara a sua intenção de se capitalizar eleitoralmente, como se fosse mero altruísmo.

Nesse sentido, recentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte julgou um recurso no qual entendeu que a distribuição de kits com sabão, álcool gel e panfleto com orientações para a prevenção da Covid-19, configurou-se propaganda antecipada, aplicando uma multa de cinco mil reais.

Por outro lado, o TSE já prolatou a seguinte decisão:

“O TSE reconhece dois parâmetros para afastar a caracterização de propaganda eleitoral antecipada: (i) a ausência de pedido explícito de voto; e (ii) a ausência de violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos. Em relação ao primeiro parâmetro, esta Corte fixou a tese de que, para a configuração de propaganda eleitoral antecipada, o pedido de votos deve ser, de fato, explícito, vedada a extração desse elemento a partir de cotejo do teor da mensagem e do contexto em que veiculada”.

E continua:

“No caso, extrai-se da moldura fática delineada no acórdão regional que houve a distribuição de lanches e brindes por pré-candidato, com posterior divulgação em sua página no Facebook, desacompanhada de pedido explícito de votos ou mesmo qualquer menção ao pleito vindouro. Essa circunstância afasta a caracterização de propaganda antecipada, nos termos do art. 36-A”. (RESPE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 6809 – Bom Jardim – PE)

Não se pode negar, é certo, que existem aqueles que se aproveitam do momento para auferir vantagem político-eleitoral. Todavia, somente a análise do caso concreto poderá aferir se houve propaganda eleitoral antecipada, após a apreciação dos fatos e das provas.

Desse modo, os pré-candidatos devem agir com cautela, dentro dos limites que permite à legislação eleitoral, evitando-se que seja ajuizada em seu desfavor uma Representação por propaganda antecipada e, caso julgada procedente, condenando-o ao pagamento de uma multa.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo / Política
domingo - 31/05/2020 - 12:22h

Crise e corrupção

Por Odemirton Filho

O brasileiro, há tempos, está acostumado a presenciar escândalos de corrupção e atravessar crises. Existem para todos os gostos e desgostos.

A corrupção do momento, conforme divulgado pela mídia, é relativa a alguns gestores que estão se aproveitando do estado de calamidade pública para meter a mão suja no dinheiro da sociedade, cometendo fraude ou superfaturando a compra de insumos essenciais no combate à Covid-19. Ou seja, aproveitam-se da desgraça alheia e das hipóteses de dispensa de licitação, previstas no Art. 24 da Lei de Licitação e Contratos (n. 8.666/93), para se locupletarem.

É claro que se está na fase de investigação e todos são inocentes até que se prove o contrário. Mas, pelo histórico de corrupção do país, não será surpresa se após o devido processo legal os fatos forem provados.

Por outro lado, com a pandemia, a desigualdade social ficou escancarada. Uns estão em casa, à sombra. Outros, ao contrário, ficam sob o sol, à espera do auxílio emergencial do governo.

É um verdadeiro salve-se quem puder.

Quase sessenta milhões de brasileiros precisam de ajuda financeira, repita-se, sessenta milhões! Afora outros milhões que, por motivos diversos, ainda não conseguiram receber.

Além disso, milhares de empresas não conseguem crédito para manter os seus negócios, resultando em quebradeira e desemprego. Segundo o IBGE, a economia brasileira apresentou queda de 1,5% no primeiro trimestre de 2020 na comparação com o quarto trimestre de 2019 e o desemprego atingiu 12,8 milhões no trimestre encerrado em abril.

Como sabemos, atravessamos, no momento, várias crises: sanitária, econômica, social e política. O que já estava ruim, ficou pior.

É certo que o mundo está travando uma guerra contra a pandemia, mas no Brasil as crises são agravadas pela falta de harmonia entre os Poderes da República e por uma disputa eleitoral que não tem fim. Governantes ficam se digladiando na mídia e nas redes sociais procurando holofotes.

Tudo em busca do poder, enquanto milhares de pessoas já morreram e outras tantas, infelizmente, morrerão. Sem esquecer do posicionamento extremista e das fake news que são compartilhadas pelos partidários de todas as tendências políticas, dificultando o combate ao inimigo comum: o coronavírus.

Assim, no Brasil, a corrupção e as crises andam de mãos dadas. É uma triste e infeliz realidade.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
  • Repet
domingo - 24/05/2020 - 12:36h

Eleições adiadas, eleições não adiadas, eleições…2020

Por Odemirton Filho

Conforme a Resolução n. 23.606/19 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplina o Calendário para as eleições municipais a prefeito, vice-prefeito e vereador, o pleito deverá acontecer no dia 04 de outubro do corrente ano, em primeiro turno.

Aliás, data de acordo com o comando da Constituição Federal (CF), pois as eleições municipais devem acontecer no primeiro domingo do mês de outubro ao ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder. (Art. 29, II).

Entretanto, em razão da pandemia do coronavírus, há discussão sobre a possibilidade de as eleições municipais serem adiadas, diante da imprevisibilidade do que acontecerá.

Existem vozes dissonantes sobre o assunto. Há aqueles que defendem que as eleições devem ser marcadas para uma data posterior, mas ainda no ano de 2020.Outros, ao contrário, aventam a possibilidade de se estender o atual mandato dos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores até 2022, coincidindo-se com a eleições gerais.

Sobre o assunto, acredito que a prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores soa como uma opção razoável, pois teríamos a possibilidade de unificar as eleições.

Assim, a partir de 2022, os eleitores teriam a oportunidade de renovar, de uma única vez, todos os seus representantes.

Poderia ser o momento de, além de unificar as eleições, extinguir a possibilidade de reeleição para cargos do Executivo, realizando-se eleições gerais a cada quatro ou cinco anos, com uma economia significativa para cofres públicos.

Por outro lado, há quem defenda que as eleições ainda sejam realizadas este ano, sob a alegação de que prorrogar o mandato dos atuais prefeitos e vereadores seria ofender o princípio republicano de alternância do poder, vez que aqueles foram eleitos para mandato de 04 (quatro) anos, e de não 06 (seis) anos.

Contudo, cabe lembrar que, embora as eleições estejam marcadas para outubro, outras fases do processo eleitoral devem acontecem no mês de julho e agosto, como as convenções partidárias para escolha dos candidatos e a propaganda eleitoral.

Desse modo, eventos como carreatas, passeatas e comícios, que aglomeram uma grande quantidade de pessoas, serão realizados.

Ademais, não se pode esquecer que no dia da eleição haverá eleitores, representantes dos partidos políticos e mesários nas seções eleitorais em considerável número.

O próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, admitiu a possibilidade de adiamento das eleições municipais. De acordo com o ministro, se houver mudança, a data limite deveria ser a primeira semana de dezembro.

Conforme Barroso, a decisão deve ser analisada de acordo com parâmetros sanitários e não políticos, apesar de precisar da aprovação do Congresso Nacional. “Por minha vontade, nada seria modificado porque as eleições são um rito vital para a democracia, porém, há um risco real”, afirmou.

NO MESMO SENTIDO, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), que é contra a prorrogação dos mandatos, informou que será formada uma comissão mista de deputados e senadores com o objetivo de discutir o assunto. Segundo ele, o primeiro turno das eleições poderá ser adiado para o dia 15 de novembro ou 06 de dezembro do corrente ano.

Importa destacar que, diante da realidade que estamos enfrentando, é possível haver um aumento da abstenção por parte dos eleitores se o pleito se realizar este ano, por receio de comparecer às urnas.

O fato é que, havendo alteração da data das eleições, ainda para este ano ou somente para 2022, a mudança terá que ser aprovada pelo Congresso Nacional, através de proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada por um dos legitimados.

Ou seja, deverá ser apresentada por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, pelo Presidente da República ou por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (Art. 60 da CF).

Por conseguinte, se houver mudança, o TSE terá que fazer alteração no Calendário, adequando as fases do processo eleitoral a nova data das eleições.

Até o momento, todavia, a data da eleição municipal está mantida para o dia 04 de outubro deste ano, em primeiro turno.

Portanto, tudo dependerá da situação sanitária que estaremos enfrentando daqui a algumas semanas, em razão da pandemia do novo coronavírus e da disposição do Congresso Nacional para enfrentar o tema.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo / Política
domingo - 17/05/2020 - 09:38h

Lockdown e direito de ir e vir

Por Odemirton Filho

A disseminação do novo coronavírus em todo o país fez alguns gestores de estados e municípios decretarem o chamado lockdown (bloqueio total), isto é, a proibição das pessoas circularem, salvo por imperiosa necessidade, e o fechamento do comércio e atividades não essenciais.

Diante desse bloqueio total, há uma discussão no meio jurídico se os decretos que impedem a livre circulação de pessoas afrontam o direito de ir e vir, assegurado constitucionalmente.

Segundo a Constituição Federal (CF) é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. (Art. 5º, XV).Assim, há quem sustente que a proibição de circulação das pessoas somente pode ser decretada diante do estado de defesa ou do estado de sítio, medidas previstas na CF, e que podem ser editadas pelo presidente da República, após autorização do Congresso Nacional.

Expliquemos, em linhas gerais, os dois institutos jurídicos.

O estado de defesa poderá ser decretado com restrições aos direitos de: reunião, ainda que exercida no seio das associações; sigilo de correspondência; sigilo de comunicação telegráfica e telefônica e ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes. (Art.136).

Já o estado de sítio poderá ser decretado nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, havendo restrições a alguns direitos, entre eles, a obrigação de permanência em localidade determinada. (Art. 137).

Perceba-se que o estado de defesa e estado de sítio são medidas extremas, configurando-se um verdadeiro estado de exceção, uma vez que suprime, mesmo que temporariamente, direitos e garantias fundamentais.

Por outro lado, os decretos editados por alguns governantes têm o objetivo de evitar a aglomeração e a circulação de pessoas, bem como o não funcionamento de atividades não essenciais, a fim de diminuir a propagação do vírus.

Ressalte-se que, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para cuidar da saúde, tendo os decretos por esses editados plena validade. (Art. 23, II da CF).

Sobre o bloqueio total, o professor Pedro Serrano afirmou que: “embora a Constituição só autorize expressamente a restrição dos direitos de ir e vir e de reunião nos estados de defesa e de sítio, não é necessário decretar um deles para instituir o lockdown, porque tais regimes excepcionais se aplicam melhor a situações de violência e comprometimento da ordem pública, e não são necessários em crises sanitárias”.

Segundo o professor, estaríamos diante de uma “legalidade extraordinária”, que não se confunde com o estado de exceção.

No mesmo sentido, o jurista Lenio Streck assevera que “restrições a direitos são próprias e comuns das e nas democracias. Liberdades de ir e vir são a todo momento restringidas. Eventos cívicos, desportivos e coisas do gênero fazem com que as pessoas possam ser impedidas de circular por determinados lugares”.

De se notar que nenhum direito é absoluto e, no caso específico, colocando-se na balança o direito à vida e à saúde e o direito de ir e vir, deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade quando há dois valores em conflito, decidindo qual deverá prevalecer nesse momento de pandemia.

Ou seja, deve-se levar em conta o fato de milhões de pessoas precisarem sair, diariamente, para trabalhar, a fim de garantir o seu sustento e de sua família. Por outro lado, é de considerar as mortes que estão ocorrendo no Brasil em razão da Covid-19, além do iminente colapso do sistema de saúde, conforme afirmam os especialistas.

Portanto, apesar de existir divergência doutrinária acerca da constitucionalidade do bloqueio total, os governadores e prefeitos são competentes para decretar o lockdown, conforme entendimento do STF, de acordo com os critérios que entendam pertinentes, aptos a justificarem a edição do ato.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
  • San Valle Rodape GIF
domingo - 10/05/2020 - 09:10h

Almoço do Dia das Mães

Por Odemirton Filho

Pedro Jairo estava sentado à mesa, pensando na sua mãe que residia no interior do estado. Queria estar ao lado da sua família, celebrando o dia das mães.

Lembrou-se das inúmeras ocasiões que poderia estar presente e não esteve. Preferiu, muitas vezes, ficar com os amigos, na “farra”.

Agora, diante da pandemia do novo coronavírus, e por sua mãe ser do grupo de risco, era prudente não ir abraçá-la e sentir o seu cheiro maternal. Uma cautela necessária, por amor.Cabisbaixo, rememorou o passado. Poucos foram os almoços em comemoração ao dia das mães que esteve presente.

Eram momentos agradáveis, livres, leves e soltos. Falavam sobre tudo e todos.

O tempero da mãe não tinha “parea”. Feijão verde, arroz da terra e galinha à cabidela. Além, é claro, daquela pinga, que descia queimando a garganta.

Eram pessoas simples, mas “barriga cheia”, como se diz.

Ainda jovem teve que ir morar na capital, em busca de emprego e dias melhores.

Era pedreiro, dos bons. Entretanto, em razão da crise de econômica e da pandemia da Covid-19, a construtora que trabalhava o demitiu. Ele e mais uma “ruma” de colegas.

Recebeu o Auxílio Emergencial do governo Federal de seiscentos reais. Era uma ajuda, daria para fazer uma feira e ir ao sítio ver os pais e os irmãos.

Tomou mais uma, o coração estava apertado. Morava sozinho, o relacionamento com sua ex-mulher durou pouco, incompatibilidade de gênios, como dizia um amigo advogado.

Na solidão, ouvia a música de seu cantor preferido, Belchior: “pai na cabeceira: é hora do almoço minha mãe me chama, é hora do almoço, minha irmã mais nova, negra cabeleira, minha avó me reclama: é hora do almoço”!

Estava com uma saudade danada. Das grandes. Sozinho à mesa, chorou.

Prometeu a si mesmo que, daqui para frente, não perderia mais nenhum almoço em comemoração ao dia das mães.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica
domingo - 03/05/2020 - 09:20h

Seremos melhores?

Por Odemirton Filho

“Guerra, revolução e epidemia fazem a história acelerar”. (Leandro Karnal).

Dizem que após a pandemia do novo coronavírus a humanidade deverá iniciar uma nova era.

Outros paradigmas serão observados e as relações pessoais, econômicas e sociais ganharão diferentes contornos.

Sem dúvida, no meio de tanta dor e tristeza procuramos um alento para a nossa alma.Cabe-nos, entretanto, reconhecer que a humanidade já passou por inúmeras catástrofes, sejam naturais ou pela própria belicosidade do homem.

Será que melhoramos em algum aspecto? Será que, daqui para frente, seremos mais solidários, menos egoístas e menos vaidosos?

Thomas Hobbes dizia que o homem nasce mau. Rousseau, ao contrário, afirmava que o homem nascia bom, mas a sociedade o corrompia. Observavam o homem por perspectivas diversas.

Há, atualmente, quem seja cético em relação a qualquer mudança no comportamento humano pós-pandemia, pois estamos diante de um mero instinto de sobrevivência.

Luigi Ferrajoli afirma que cada um dos homens vive por conta própria e lhes é estranho o destino de todos ou outros, os filhos e os amigos constituem para eles toda a raça humana. Quanto ao aos demais cidadãos, eles vivem ao lado deles, mas não os veem; tocam-lhes, mas não os sentem.

Se novos valores serão cultivados pelo homem, não se pode afirmar. Previsões apocalípticas não faltam. Fim dos tempos? A fé de cada um responderá.

Infelizmente, centenas de pessoas morrem diariamente ao redor do mundo, deixando-nos cada vez mais cientes da nossa fragilidade humana.

Por outro lado, é de se louvar os milhares de profissionais da saúde que estão no front de batalha, bem como pessoas físicas e jurídicas que se voluntariam para ajudar o próximo, em um belo exemplo de solidariedade.

Esperemos que valores sejam repensados, atitudes sejam benfazejas e que o homem possa evoluir em sua natureza.

Não se pode prevê quando a pandemia passará e quantas vidas serão ceifadas.

Talvez estejamos em um momento de crescimento humano que poderá tornar a sociedade melhor.

Quem sabe, ao final desses dias, tenhamos aprendido alguma lição.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo
Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.