domingo - 26/04/2020 - 08:40h

Parlamentarismo branco e disputa pelo poder

Por Odemirton Filho

Os sistemas de governo mais comuns nas sociedades contemporâneas são o presidencialismo e o parlamentarismo.

No presidencialismo o presidente da República é, ao mesmo tempo, chefe de Estado, representando-o perante a comunidade internacional, e chefe de Governo, administrando internamente o seu país.

No parlamentarismo, ao contrário, as funções de chefe de Estado e chefe de Governo são divididas entre o presidente ou monarca, que detém a chefia do Estado, e por um primeiro ministro, que tem a chefia do Governo.No Brasil, por força da Constituição Federal e ratificado por um plebiscito, o nosso sistema é o presidencialista. Ou, como preferem alguns, um presidencialismo de coalizão.

Atualmente, fala-se no Brasil sobre um parlamentarismo branco.

Isto é, o Congresso Nacional querendo assumir o protagonismo dos projetos e das reformas que o Brasil necessita, deixa o Poder Executivo com o papel secundário.

Em bom português: há uma disputa pelo poder. Cada um querendo conduzir os rumos do Brasil e, claro, defender os seus interesses, tentando aparecer “bem na fita” perante a sociedade.

Aliás, é o que vem acontecendo nos últimos dias entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional sobre as ações que devem ser implementadas no combate a pandemia do novo coronavírus, como o orçamento de guerra e a recomposição das receitas do ICMS e ISS aos Estados e municípios, diante da queda de arrecadação.

Acrescente-se que quando essa disputa pelo poder acontece, temos o chamado sistema de freios e contrapesos, que tem o objetivo de impor freio aos ímpetos dos Poderes.

Assim, quando um Poder exorbita de sua competência constitucional o outro impõe limite.

A condução da coisa pública é realizada pelos representantes do povo, chefes do poder Executivo e membros do Parlamento.

Um Executivo que tenha simpatia por centralizar o poder precisa ser barrado pelo Legislativo e, às vezes, pelo Poder Judiciário.

A harmonia e a independência entre os Poderes republicanos devem ser observadas, cada um exercendo sua função delimitada pela Constituição Federal.

O poder, em uma democracia, precisa ser diluído, evitando-se arroubos autocráticos.

Mas, do que adianta um Legislativo submisso ao Executivo? Um mero carimbador da vontade do presidente da República, do governador ou do prefeito?

Doutro lado, o Legislativo também não deve, a pretexto de exercer a sua atividade legiferante e de fiscalizar os atos do Executivo, barganhar vantagens indevidas. O velho toma lá, dá cá.

A manutenção ou a derrubada dos vetos do presidente, por exemplo, faz parte da atividade típica do Parlamento, desde que não haja fisiologismo.

Difícil?

Sem dúvida. No Brasil essa prática nada republicana, para não atribuir outro adjetivo, vem há muito sendo exercida, apesar de bons quadros que pugnam pelo bem comum.

Por fim, cabe-nos indagar: quem sempre perde com essa disputa pelo poder?

Não será difícil responder.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 19/04/2020 - 07:36h

Programa Emergencial e medidas trabalhistas

Por Odemirton Filho

Com o objetivo de enfrentamento do Estado de calamidade pública, em razão da pandemia do coronavírus (Covid-19), o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) n. 936 instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e medidas trabalhistas.

Trata-se de Programa que visa a minimizar os impactos negativos da pandemia no emprego e na renda do trabalhador brasileiro, tendo como escopo: preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Para isso, a referida MP previu o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda no caso de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e da suspensão temporária do contrato de trabalho.

Vale salientar que o Benefício emergencial de preservação do emprego e da renda será custeado com recursos da União.

O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será de prestação mensal e devido a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, devendo o empregador comunicar ao Ministério da Economia, no prazo de dez dias, quando da celebração do acordo.

O Benefício Emergencial será pago exclusivamente enquanto durar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho.

O valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, observando-se alguns critérios disciplinados na MP.

Cabe esclarecer que o empregado não terá direito ao Benefício se estiver ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo, em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, do seguro desemprego e de bolsa de qualificação profissional.

Redução Proporcional da Jornada de Trabalho e do Salário

No tocante à redução proporcional da jornada de trabalho e do salário, que poderá ser de até noventa dias, deve-se observar a preservação do valor do salário-hora de trabalho e a pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.

A redução da jornada de trabalho e do salário atenderá, exclusivamente, aos percentuais de vinte cinco, cinquenta ou setenta por cento.

A jornada de trabalho e o salário voltarão ao normal com a decretação do fim do estado de  calamidade pública, da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e redução pactuado e da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado.

Suspensão temporária do contrato de trabalho

Em relação à suspensão temporária do contrato de trabalho temos que o prazo de suspensão poderá ser de até sessenta dias.

A suspensão temporária do contrato de trabalho será pactuada por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.

Durante o período de suspensão temporária do contrato, o empregado fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados, ficando autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo.

Se durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho o empregado mantiver as atividades de trabalho, ainda que parcialmente, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância, ficará descaracterizada a suspensão temporária do contrato de trabalho.

De igual modo, o contrato de trabalho que foi suspenso será restabelecido nas mesmas hipóteses da medida de redução proporcional da jornada de trabalho e de salário, como dito acima.

Além disso, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata a Medida Provisória.

De se destacar que os ministros Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, em sessão por videoconferência na última sexta feira, decidiram que acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho serão válidos mesmo sem a chancela dos respectivos sindicatos dos trabalhadores, o que poderia ocasionar insegurança jurídica e desemprego.

Dessa forma, em linhas gerais, essas são algumas medidas que podem ser adotadas a fim de proteger o emprego e a renda do trabalhador brasileiro, em razão do estado de calamidade pública ocasionado pelo novo coronavírus.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 12/04/2020 - 12:48h

Decretos do Executivo e conflito de competência

Por Odemirton Filho

O poder normativo é o poder da Administração Pública de expedir atos para a complementação ou regulamentação de uma lei.

De acordo com o art. 84 da Constituição Federal (CF) o Chefe do Executivo poderá editar dois tipos de decretos: o decreto regulamentar ou de execução e o decreto autônomo ou independente.

O primeiro, como se percebe, tem o objetivo de regulamentar a aplicação de uma lei. O segundo, ao contrário, independe de norma legal anterior que exija regulamentação.

O decreto é ato privativo dos chefes do Poder Executivo, isto é, presidente da República, governadores e prefeitos.Diante da pandemia do coronavírus os governos Federal, estaduais e municipais têm editado decretos no intuito de regulamentar leis ou disciplinar determinada situação, com o escopo de atender ao atual estado de calamidade pública.

Mas diante de um conflito de competência entre os decretos de esferas diversas qual deverá ser obedecido?

Na verdade, todos os decretos devem observar os limites de sua competência, pois a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição. (Art. 18 da CF).

A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados, bem como inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Compete aos municípios, conforme o Art. 30 da CF, legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, entre outras competências.

No caso de abertura do comércio a súmula vinculante n. 38 do Supremo Tribunal Federal (STF) assevera que é competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

Entretanto, a juíza Gilvana Mastrandéa de Souza, da comarca de Buri (SP), determinou a suspensão de um decreto municipal que autorizava a reabertura do comércio não essencial na cidade durante a pandemia do coronavírus.

Em sua decisão diz que “entender o contrário, ao menos por ora, enquanto ainda está vigente o decreto estadual, significaria submeter o povo paulista a conviver com diversas disciplinas normativas (uma para cada município) sobre tema de relevante interesse público”.

Por outro lado, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), Amilcar Maia – veja AQUI, concedeu liminar autorizando o funcionamento de um supermercado, mesmo diante de um Decreto estadual que proibia a abertura de alguns estabelecimentos comerciais em um determinado período e alguns prefeitos do Estado editaram decretos em sentido oposto ao estadual.

Observa-se, assim, que cada ente da federação observa a realidade local para expedir os seus decretos.

Vale salientar que o ministro Alexandre de Morais do STF, em ação ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi contra um eventual decreto a ser expedido pelo presidente Bolsonaro.

Decidiu que “não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas”(…).

Portanto, cada ente da federação, ou seja, União, Estados e Municípios têm competência para editar decretos atendendo aos limites determinados pela CF, contudo, diante de um conflito de competência, caberá ao Judiciário a palavra final.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 05/04/2020 - 08:44h

A teimosia em tempos de Covid-19

Por Odemirton Filho

O meu pai anda entediado e chateado. Diz que depois de idoso os filhos querem mandar em sua vida e lhe dizer quando poderá sair de casa.

A sua rotina, segundo me disse, é ficar vendo a TV, lendo, aguando as plantas, limpando a casa do cachorro e, de vez em quando, acessando a internet, uma vez que não é afeito às redes sociais.

Para ele, esse isolamento social é um verdadeiro tormento. Minha mãe não o deixa quieto. Sempre pedindo de forma “carinhosa” para que faça algum serviço doméstico.Reclama, ainda, que ao ver o noticiário não sabe em quem confiar. Há opiniões contraditórias sobre o distanciamento social, se deverá observar o isolamento vertical ou o horizontal.

A saída de casa, às vezes, é para ir à padaria comprar pão. Até a feira é por delivery, veja só.

Segundo ele, ainda tem o noticiário diário batendo na mesma tecla: ficar em casa, usar máscara, lavar bem as mãos e usar álcool gel 70, enfim, o que todos devemos fazer para impedir a disseminação do coronavírus.

Como começou a trabalhar ainda criança, ajudando na mercearia de Pedro Pereira da Costa que no ficava mercado central de Mossoró, acha que deixar de trabalhar é um exagero.

O pior não é ficar em casa, o pior é ter que aguentar a sua mãe chamando constantemente para reclamar ou mandar fazer algo. Nessa idade ficar levando “batido”!

Tento convencê-lo, por telefone, que o isolamento social é imprescindível, conforme os especialistas.

Seja qual for o isolamento social indicado, como ele faz parte do grupo de risco, com isso mais vulnerável à Covid-19, é recomendável que permaneça em sua residência.

Apesar de continuar a reclamar, entende a gravidade da situação e, por enquanto, encontra-se sem “arredar” o pé de casa.

Ô velho teimoso.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 29/03/2020 - 12:20h

Momento de união

Por Odemirton Filho

Creio que poucos esperavam viver o que estamos enfrentando. O cenário atual que estamos atravessando no mundo somente era possível na literatura e em filmes que lembram a distopia.

Quem pode, está se impondo um isolamento social. Precaução mais do que necessária para minimizar a disseminação do coronavírus, conforme especialistas, muito embora o presidente da República venha defendendo um isolamento vertical.

A pandemia alterou, de forma abrupta, o nosso dia a dia. Alguns, é claro, seja por não acreditar no que é divulgado pela imprensa, seja pelo trabalho que exige a sua presença, ou mesmo para manter a subsistência, estão se expondo.O contato interpessoal quase não existe. Um simples aperto de mão ou abraço tornaram-se atitudes proibidas.

O que será daqui para frente? Quantos dias passaremos isolados?

Conforme os técnicos do Ministério da Saúde teremos dois ou três meses de pico e, depois, a curva começa a decrescer.

Os profissionais da saúde estão enfrentando uma luta hercúlea, na linha de frente no combate à doença.

E mais, como ficarão as pessoas que precisam sair às ruas para ganhar o pão de cada dia? Como as empresas manterão os empregos de seus colaboradores? E os moradores de rua?

A cadeia produtiva foi quebrada em um país que ainda se encontra em grave crise social e econômica.

O Governo Federal vem anunciando medidas para diminuir o impacto financeiro nos Estados, municípios e empresas, bem como uma ajuda aos mais vulneráveis economicamente, mas não sabemos se serão suficientes.

Preservar a saúde e a vida das pessoas e, ao mesmo tempo, manter a sustentabilidade do emprego e da renda, é uma equação difícil de resolver.

Dessa forma, somente um conjunto articulado de ações por parte dos entes federativos e da sociedade, deixando de lado os interesses político-eleitoral, talvez seja o melhor caminho.

É momento de união.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 01/03/2020 - 08:00h

Liberdade de manifestação e crime de responsabilidade

Por Odemirton Filho

“Nem mesmo a Constituição está a salvo da ampla, livre e aberta discussão dos seus defeitos e das suas virtudes, desde que sejam obedecidas as condicionantes ao direito constitucional de reunião, tal como a prévia comunicação às autoridades competentes”.

(Carlos Ayres Britto, em 2012, no julgamento que proibiu restrições à Marcha da Maconha). (O Antagonista).

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua com os seus rompantes, verbalizando tudo que lhe vem à cabeça, sem sopesar as consequências de suas declarações e atitudes.

A sua vida parlamentar, como se sabe, foi marcada por declarações polêmicas e, não muito diferente, segue a mesma toada à frente da Presidência da República.

É recorrente em suas entrevistas direcionar o seu destempero verbal a quem quer que lhe faça perguntas que o desagrade, tendo como alvo predileto os jornalistas.Recentemente, somente para pontuar dois exemplos, fez o gesto de “dar banana” para alguns membros da imprensa e, indiretamente, usou uma expressão de cunho sexual contra uma repórter.

Além disso, conforme noticiado, compartilhou um vídeo convocando seus apoiadores para um ato contra o Congresso Nacional no dia quinze de março próximo.

Assim, ante as atitudes do presidente, houve o cometimento de crime de responsabilidade previsto no Art. 85 da Constituição Federal e na Lei n. 1.079/50?

Segundo o texto constitucional e a mencionada norma são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra a probidade na administração, quando proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

De igual modo, são crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes Legislativo e Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados, tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras.

Com efeito, dignidade, honra e decoro são conceitos abertos, subjetivos, que precisam se amoldar ao caso concreto para se verificar a sua ocorrência.

E a liberdade de expressão também não é assegurada ao presidente? Ou diante da liturgia do cargo (expressão da moda) o presidente tem que ser comedido em suas palavras?

Não se pode negar que o mais alto mandatário do país precisa conter os seus arroubos, uma vez que, a depender do teor de suas declarações, poderá estremecer as relações com o Parlamento e trazer instabilidade ao mercado financeiro, conforme analistas.

Por outro lado, é cediço que o presidente sofre diariamente duras críticas e acusações por parte da oposição e da imprensa.

Todavia, não é demais lembrar, que aqueles que exercem uma função pública são passíveis de críticas e questionamentos por todos os setores da sociedade.

Destaque-se que os crimes praticados contra a honra do presidente (calúnia, injúria e difamação) somente se procede mediante requisição do ministro da Justiça, conforme prevê o Código Penal.

Na verdade, manter a beligerância, alimentando a polarização, parece ser o motivo pelo qual o presidente sempre esteja com o dedo em riste e envolvendo-se em polêmicas.

Sobre as declarações do presidente, conforme juristas de alta envergadura, à exemplo de Miguel Reale Júnior, “Bolsonaro desrespeitou a jornalista, a mulher e o ser humano. É algo que ofende mais profundamente a dignidade humana, e não só o decoro. Sem dúvida, isso se enquadra como crime de responsabilidade”.

Entrementes, há quem entenda que a declaração do presidente está amparada pela liberdade de expressão e, portanto, não há que se falar em crime de responsabilidade.

No mesmo sentido, a convocação e a reunião pacífica por parte de cidadãos para protestar contra os Poderes Constituídos, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF), faz parte de uma legítima manifestação popular, pois nenhum Poder da República está imune à crítica em um Estado democrático de Direito.

Entretanto, o que se discute, é se o presidente, ao compartilhar o aludido vídeo, foi além da crítica ao Congresso Nacional e que, mesmo de forma reflexa, houve alusão ao fechamento dos Poderes ou o seu livre funcionamento, o que, sem dúvida, configuraria o crime de responsabilidade.

De acordo com ex-ministro do STF, Ayres Britto, Bolsonaro foi coautor, isto é, agiu como uma espécie de paternidade compartilhada, com patente endosso à manifestação.

Na mesma linha, o ministro do STF, Celso de Mello, asseverou em relação ao compartilhamento do vídeo que:

“(…) O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”.

Percebe-se, desse modo, que a celeuma reside em saber se o fato do presidente ter compartilhado o vídeo desbordou das balizas constitucionais e legais que delimitam a sua conduta enquanto Chefe de Estado e de Governo.

Ressalte-se, por fim, que em razão dos processos dos crimes de responsabilidade terem natureza político-jurídico creio que, no momento, dificilmente o presidente sofrerá um impeachment em consequências de suas declarações e atitudes.

Contudo, fragilizará, mais ainda, a sua relação com o Parlamento e a imprensa, além de aprofundar o fosso da discórdia político-eleitoral do país.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 23/02/2020 - 07:48h

Urso de Carnaval

Por Odemirton Filho

São apenas crianças e adolescentes que saem às ruas a procura de diversão.

Alguns andam com os pés descalços, roupas rasgadas e fantasiados com qualquer retalho de pano.

Às escondidas, longe do olhar dos pais, percorrem as ruas e avenidas das cidades, sem hora para voltar para casa, sendo costumeiro adentrar em alguns estabelecimentos comerciais.

O que querem é brincar e, quem sabe, conseguir algum dinheiro para comprar alguma “besteira”.

Há, talvez, os mais afoitos que levam escondido um pouco de bebida alcoólica.

Muitas vezes voltam para casa sob “chineladas” dos pais que não gostam da brincadeira.

À frente da trupe, se é que se pode chamar assim, sempre existe aquele mais desinibido, que não se preocupa em sair pulando e cantando, com as mãos estendidas, pedindo algum trocado.

É o “urso”, que causa medo em algumas crianças de tenra idade.

Não é incomum que muitos faltem à escola ou “gazeiem” as aulas a fim de, juntamente com os amigos, “desfilarem” pelas ruas e avenidas da cidade.

Gostemos ou não da “zoada” de seus instrumentos musicais improvisados, na maioria das vezes latas vazias, os ursos fazem parte do cotidiano carnavalesco.

Dizem os historiadores que a brincadeira surgiu pelas bandas do estado de Pernambuco, tendo origem nos ciganos da Europa que percorriam a cidade com seus animais presos numa corrente, que dançavam de porta em porta em troca de algumas moedas.

O fato que nada é mais característico no período que antecede os dias de carnaval do que a presença dos ursos nas ruas.

Contudo, nos dias de hoje, poucos são os ursos que vemos pela cidade, como outrora.

Atualmente o carnaval é uma mistura de sons e ritmos.

Os mais saudosos dizem que em tempos passados o carnaval era melhor, pois eram realizados nos clubes, ao som das marchinhas, essas, verdadeiramente, típicas do período momesco.

Hoje, ao contrário, brinca-se o carnaval ao som de vários ritmos, seja lá qual for.

Não importa.

Cada época e fase da vida tem seu brilho e alegria.

Que o folião brinque à sua maneira, inclusive no balanço da rede “solasol”.

Um carnaval de paz, caro leitor.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 16/02/2020 - 07:28h

Efetivação do princípio da fraternidade

Por Odemirton Filho

“Assim, toda república utopiana é como uma única e mesma família”.

(A Utopia, de Thomas Morus).

O preâmbulo da Constituição Federal diz que:

Para “Instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, promulgou-se a Carta Maior.

Nesse sentido, em sua tese de doutorado, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Reynaldo Soares da Fonseca, ressalta o princípio da fraternidade como objetivo a ser perseguido pelo Brasil na construção de uma sociedade fraterna.

Ademais, ressalta o caráter humanitário no acolhimento dos imigrantes e comenta sobre a Justiça Restaurativa, como formas de efetivar o aludido princípio.Com efeito, indiscutivelmente, os valores que são contemplados no preâmbulo da Constituição são fundamentais para a construção de um Estado Democrático de Direito.

Abordemos, todavia, o entendimento do ministro no aspecto penal.

Disserta o magistrado que é preciso distinguir o que é criminalidade comum e  macrocriminalidade.

Isto é, a criminalidade de somenos importância daquelas que, efetivamente, causam um mal maior à sociedade, afirmando, ainda, que a valorização do princípio da fraternidade não significa conivência ou impunidade.

Entretanto, como efetivar o princípio da fraternidade no âmbito do crime?

Conforme o ministro, “trabalhando de imediato com a criminalidade comum no sentido da educação, da arte e da produção. Da reinserção na comunidade, estimulando todo o mecanismo de remissão, ou seja, de compensação da pena”.

É inegável que a ideia é louvável. Mas somente teorias acadêmicas não são eficazes no combate à criminalidade. Aliar teoria e prática é o problema, ou melhor, a solução.

Como diminuir, de verdade, os alarmantes índices de homicídios, furtos e roubos que vivenciamos há um bom tempo em todo o Brasil?

São questões que precisam ser enfrentadas de acordo com a realidade.

Não é fácil reinserir na sociedade milhares de pessoas que fazem do ilícito o seu modo de viver.

Há todo um aspecto social e econômico que deve ser analisado e levado em conta. Mas, como é certo, existe o cometimento de crime nas classes mais abastadas, a exemplo da corrupção sistêmica que grassa em quase todos os quadrantes da República.

Em português direto e claro: o que o cidadão quer, de verdade, e para logo, são medidas eficazes que possam garantir o seu direito de ir e vir. Que possa sentar-se em sua cadeira na calçada, que possa sair e entrar em sua residência, sem medo de ser abordado no portão.

Assim, é imprescindível viver e discutir a realidade. A adoção de um conjunto de medidas, como o trabalho de inteligência, atuação ostensiva e repressiva da polícia inibem e combatem à criminalidade, dizem os especialistas na área de segurança pública.

Ressalte-se que não se trata de violar direitos e garantias individuais. O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório devem ser assegurados a todos.

Desse modo, apesar de ser utópico a construção de uma sociedade fraterna, à exemplo da ilha imaginária, somente medidas efetivas é que podem garantir o mínimo de paz social ao cidadão brasileiro.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 09/02/2020 - 06:48h

(Pré) campanha eleitoral e redes sociais

Por Odemirton Filho

Não é novidade que a campanha eleitoral deste ano, como vem acontecendo nos últimos pleitos, terá como palco principal as redes sociais.

Todavia, na atual fase de pré-campanha eleitoral, o que se observa nas redes “insociáveis” é um desfile de agressões de lado a lado, cada um defendendo, com vigor, seus políticos de estimação.

Desqualificar o pré-candidato opositor, atribuindo-lhe defeitos e vícios dos mais variados tipos se tornou corriqueiro.Ou seja, a gestão administrativa ou as atitudes do meu político de estimação são sempre corretas.

Ao contrário, qualquer ato do adversário, mesmo que manifestamente digno de uma boa gestão, é criticado.

Não há o mínimo de razoabilidade ou respeito entre os contendores.

As milícias virtuais estão a todo vapor. Alguns ocupantes de funções comissionadas compartilham tudo o que for determinado para agradar o superior hierárquico e garantir o emprego.

Assim, o discurso de ódio (hate speech) e, sobretudo, as notícias falsas (fake news) são a tática da disputa no momento.

O objetivo é, tão somente, macular a honra do adversário.

Nesse sentido, a Resolução que disciplinará a propaganda eleitoral na próxima eleição (n. 23.610/19) diz que a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático.

Além disso, preceitua a sobredita Resolução, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Observa-se, desse modo, que o intuito é garantir a liberdade de expressão, como direito fundamental previsto constitucionalmente, mas sem descurar de punir aqueles que ultrapassam o limite do razoável.

Isto é, a livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, diz a norma.

Será, sem dúvida, uma tarefa hercúlea para a Justiça Eleitoral coibir os conteúdos que circulam na internet que ofendam a honra e a imagem dos integrantes da disputa.

Com isso, os candidatos, partidos políticos e coligações terão que se desdobrar para conseguir vencer a (pré) campanha eleitoral virtual.

Notícias falsas e notas depreciativas em relação ao adversário serão o mote da campanha eleitoral de 2020 e, certamente, os candidatos que não conseguirem minimizar os efeitos deletérios do ambiente virtual estarão suscetíveis ao insucesso.

Cabe acrescentar que o abuso de poder na propaganda eleitoral é passível de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e, por consequência, de anular o pleito, cassando o registro de candidatura ou o mandato eletivo do eleito, além da devida responsabilização cível e criminal.

Em razão do exposto, os candidatos e partidos políticos, mais do que nunca, deverão constituir uma assessoria de marketing e jurídica que possam atuar, com expertise, na era das campanhas eleitorais virtuais.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 02/02/2020 - 07:28h

(In) constitucionalidade do juiz das garantias

Por Odemirton Filho

A entrada em vigor do chamado pacote Anticrime trouxe em seu bojo algumas mudanças no tocante ao Direito Penal e Processual brasileiro.

Entre elas destaca-se o chamado juiz das garantias que tem a seguinte definição:

“O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente” (…) (Art. 3-B do Código de Processo Penal).Existem várias atribuições que foram configuradas a essa nova figura jurídica, as quais podemos destacar: receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal; zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo; decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar.

O juiz das garantias, em suma, terá o condão de averiguar a legalidade do procedimento de investigação, zelando para que o indiciado tenha preservada as garantias previstas na Constituição Federal.

A sua atribuição seria na fase da investigação, pois, recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.

Haveria, assim, dois juízes. Um na fase de investigação criminal – juiz das garantias – e outro no processo, o juiz da instrução e julgamento.

Entretanto, a maior celeuma entre os operadores do direito gira em torno da constitucionalidade ou não do novo instituto jurídico.

Associações de Magistrados e de Procuradores afirmaram que o juiz das garantias é inconstitucional, por violar o pacto federativo, a autonomia dos Tribunais e o juiz natural, entre outros argumentos.

Por outro lado, juristas da melhor qualidade defendem o novo instituto.

Segundo Lenio Streck: “o juiz das garantias apenas assegura mais garantias ao indiciado, isto é, juiz natural é princípio protetor, sendo que o juiz das garantias é um grande avanço inclusive em relação ao juiz natural, além do fato de que o juiz das garantias é apenas uma função a mais da e na magistratura” e não um “usurpador”.

Na realidade, em um país que a violência está descontrolada, o cidadão vê no juiz das garantias mais um instrumento para “defender bandido”, ocasionando mais impunidade e descrédito à Justiça brasileira.

Contudo, respeitando os contrários, filio-me a corrente que defende a constitucionalidade do juiz das garantias, por entender, entre outras razões, que assegura os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição.

Ainda sobre o tema, a Advocacia Geral da União argumenta que a medida “prestigia a imparcialidade” do julgador, não viola a Constituição nem traz impacto financeiro e orçamentário.

Há de se destacar, porém, que a operacionalização do instituto não será tarefa fácil, haja vista que toda mudança requer cautela e estudo para a sua implementação.

Por fim, como se sabe, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, suspendeu a aplicabilidade do juiz das garantias até decisão do plenário da Corte sobre a sua constitucionalidade, não tendo prazo definido para que os ministros enfrentem o tema.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 26/01/2020 - 09:10h

Classe média e a defesa do seu quinhão

Por Odemirton Filho

A onda conservadora que se espraia por boa parte do mundo, a exemplo dos Estados Unidos da América, alguns países da Europa e por essas terras tupiniquins, tem razão de ser.

O populismo à direita, ou à extrema-direita, que preside o momento atual, tem como líderes alguns que usam a máscara da mudança.

Assim, a pauta que se quer resgatar, a exemplo do conservadorismo nos costumes, nacionalismo e protecionismo encontra eco em uma das camadas do estrato social: a classe média.Essa, aspirando ascender a elite, procura defender seu nicho econômico, seja porque sabe que, dificilmente, alcançará o topo da pirâmide, seja porque tem receio que possa descer um degrau na escala social.

Não que nas classes sociais mais elevadas ou no andar de baixo não se cultivem os valores alardeados pela classe média, mas essa, com efeito, estar à frente desse propósito.

Apesar de deter o capital cultural, isto é, o conhecimento, com larga entrada no meio acadêmico e entre os profissionais liberais, a classe média fica à mercê da elite que sabe usar de artifícios para manipular os seus obtusos desejos.

A sua pauta encontra respaldo no conservadorismo dos valores cristãos, bem como no repúdio aos grupos minoritários.

Em defesa de seus valores passa a atacar, por exemplo, qualquer configuração familiar que destoe do modelo que entende correto.

Nesse sentido, muitos se encontravam à espera de um líder que refletisse os seus valores, para demonstrar o que realmente são (os adjetivos ficam por conta do leitor).

Desse modo, empunhado a bandeira do nacionalismo procuram exaltar os símbolos e os valores nacionais.

Aliás, aspectos abordados pelo escritor Jessé Souza, no seu livro A Elite do Atraso.

Destaque-se que, para justificar seu objetivo, tem-se no positivismo de Augusto Comte seu arrimo, isto é, “o amor por princípio e a Ordem por base; o progresso por fim”, resumido na expressão Ordem e Progresso que tremula na bandeira nacional.

A Ordem finca raízes no respeito à Constituição da República, às leis e às instituições.

Com efeito, diante da realidade que vivenciamos, carência na prestação de serviços públicos e corrupção, não se nega que é preciso pôr ordem na casa.

Entrementes, é imprescindível que, a despeito da firmeza no agir, assegurem-se os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal.

O justiçamento não deve acontecer, a Justiça sim.

Por outro lado, o progresso tem sido para poucos. A concentração da riqueza está nas mãos de uma ínfima parcela que compõe o capital financeiro.

Não por acaso o fosso da desigualdade entre ricos e pobres aumentou, conforme recentes dados do IBGE, de toda renda do país, 40% estão concentrados nas mãos de 10% da população.

Destarte, em razão desse, e outros aspectos, a classe média, surfando na onda conservadora, tenta se manter em pé, entendendo que a defesa desses valores é a salvação de seu quinhão.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 19/01/2020 - 08:28h

Respeito às famílias

Por Odemirton Filho

Com sabido, em cada época e lugar, a sociedade se baseia em relações sociais e costumes peculiares.

Assim, em outras eras, o modelo patriarcal, formado pelo pai, mãe e filhos constituía a configuração “perfeita” da família.

Fugir desse arquétipo era ir de encontro aos valores que dita sociedade cultivava.Mas há um modelo ideal de família?

Atualmente, existem vários tipos de família que, destoando daquilo que algumas pensam, também possui as características da solidariedade e, principalmente, do afeto, características que devem permear um ambiente familiar.

A Lei n. 11.340/06 compreende a família como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

Conforme a professora Maria Berenice Dias:

“A formatação da família não decorre exclusivamente dos sagrados laços do matrimônio. Pode surgir do vínculo de convívio e não ter conotação de ordem sexual entre seus integrantes. Tanto é assim que a Constituição Federal esgarçou o conceito de entidade familiar para albergar não só o casamento, mas também a união estável e a que se passou a ser chamada de família monoparental: um dos pais com a sua prole”.

Destarte, a família pode se constituir tanto de um pai, de uma mãe e de seus filhos, bem como de um dos genitores e seus filhos. Aliás, essa configuração monoparental é, hodiernamente, uma realidade que não se pode esconder.

Nesse sentido, a Constituição Federal entende, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Ademais, existem milhares de famílias formada pela união de pessoas do mesmo sexo, com filhos ou não e, de igual modo, são famílias.

O conceito de família é plural, não se concebendo que governos ou mesmo a sociedade tentem impor valores que entendem corretos.

Há, desse modo, famílias e não família.

A dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República, deve presidir as relações sociais. Não há dignidade se não há respeito. O Estado deve ser o primeiro a fomentar a salutar convivência e o respeito entre os cidadãos.

O respeito à diversidade deve ser uma constante em qualquer governo que foi eleito democraticamente.

Portanto, não existe essa ou aquela família. Existem famílias e valores que devem coexistir de forma respeitosa, cada um pensando e vivendo à sua maneira.

Simples assim.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 12/01/2020 - 08:18h

Ano novo, velhas promessas

Por Odemirton Filho

Desde que me entendo por gente escuto a mesma cantilena político-eleitoral.

Entra ano e sai ano e as promessas são as de sempre.

Quais?

Os professores serão valorizados, terão dignas condições de trabalho e os salários serão melhores.

Na saúde não faltarão remédios, leitos hospitalares e insumos básicos para atender bem a população.

A segurança pública será dotada de equipamentos e armamentos para que possa desenvolver a contento o patrulhamento ostensivo e repressivo.

Eis, somente, algumas promessas.

Assim, já sabemos de cor e salteado, para usar uma linguagem coloquial, a retórica de alguns candidatos no próximo ano: irei lutar por saúde, educação e segurança. É a gravação no mesmo disco de vinil.

Não se observa qualquer mudança. É algo cansativo. Enfadonho.

Há tempos que a sociedade brasileira escuta a mesma conversa fiada. Todavia, não se vislumbra, de forma efetiva, qualquer mudança significativa.

São os mesmos vícios e as mesmas práticas. E a culpa, diga-se, não é somente dos políticos.

É, de igual modo, de alguns agentes públicos e do cidadão/eleitor.

Com efeito, o que se presencia, dia a dia, são escândalos de corrupção, em todos os níveis do Poder.

Não se pode negar que existem aqueles que têm bons propósitos, mas são engolfados por um sistema devidamente estruturado para manter o status quo.

O objetivo é levar vantagem. O jeitinho brasileiro é lugar-comum. Neste país ser “esperto” é a atitude correta. Quem assim não age é tachado de bobo ou de querer ser “santo”.

Quanto tempo ainda vamos presenciar a incompetência administrativa e a corrupção?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 05/01/2020 - 10:26h

Morros de areias coloridas

Por Odemirton Filho

Tibau não é somente uma praia. É muito mais. É, para mim, e certamente para outros, a inocência da infância, os arroubos da juventude e a maturidade da vida adulta.

É passado, presente e desejo de futuro.

Em tempos de outrora, era-me comum ir aos morros de areias coloridas brincar no famoso “labirinto”, no qual a infância não encontrava medo.A “guerra” com pedras de areia entre os amigos e primos era a diversão. Um verdadeiro salve-se quem puder, pois a pontaria poderia acertar qualquer parte do corpo.

Cadê o morro? O labirinto?

Foram destruídos para dar lugar a modernidade atual.

Cedinho ou à tardinha, as jangadas com suas velas brancas traziam peixes aos montes, em um espetáculo que somente a natureza pode nos ofertar.

As ruas eram sem calçamento, onde andávamos a esmo, descalços, sem nenhum compromisso com a formalidade, com os pés sujos do barro vermelho das ruas.

Éramos crianças livres.

Armar redes e dormir à noite nos alpendres das casas, sem medo da violência, já que violência só conhecíamos nos filmes.

Nada de ficar grudado com o rosto na tela de um aparelho celular. À época se tinha, no centro da cidade, um posto telefônico, no qual, somente se necessário, faziam-se ligações.

Dia sim, outro também, faltava energia. E na escuridão da noite as histórias de assombração faziam com que as crianças ficassem quietas.

Pela manhã ir à praia. O almoço poderia ser servido a qualquer hora. À tarde esperar o “grude” para sorver um café. À noite, o jantar com os pais que passavam o dia em Mossoró, trabalhando.

Mas, e os morros das areias coloridas?

Estão, sem dúvida, preservados no melhor recanto das saudades.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficia de Justiça

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domingo - 22/12/2019 - 08:22h

O ICMS e a criminalização de quem produz

Por Odemirton Filho

O Estado, para fazer frente às suas despesas, necessita de dinheiro como qualquer pessoa física ou jurídica.

Para isso, institui tributos, dos mais variados tipos, a fim de obter recursos para manter a sua estrutura administrativa e implementar políticas públicas em favor da sociedade.

O Tributo, segundo definição do Código Tributário Nacional (CTN), “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.Consoante o CTN os tributos dividem-se em impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Cada ente federativo tem competência para instituir e cobrar seus tributos, nos limites definidos pela Constituição Federal.

Assim, entre outros impostos, cabe à União instituir impostos sobre a importação de produtos estrangeiros e o imposto de renda. Aos Estados-membros e Distrito Federal a instituição do imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA) e sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Aos municípios o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre Serviços (ISS).

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na última semana que o não recolhimento do ICMS, imposto estadual, declarado e não pago pelo contribuinte poderá ser considerado crime de apropriação indébita.

Conforme o relator, ministro Luís Roberto Barroso, “o contribuinte que deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990 desde que aja com intenção de apropriação do valor do tributo a ser apurada a partir das circunstâncias objetivas factuais”.

O referido artigo preceitua que deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos, tem uma pena de detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, além da multa.

Segundo o ministro, a empresa que deixa de recolher o tributo leva vantagem em relação ao contribuinte que honra o débito, ofendendo a livre concorrência, além de causar prejuízo ao Erário que não pode contar com o valor para melhorar a vida do cidadão.

Com efeito, a decisão do STF é um mais um complicador para a atividade empresarial que, muitas vezes, não recolhe o ICMS por ausência de condições financeiras, principalmente, diante da aguda crise econômica vivenciada pelo Brasil.

Segundo o ministro Luiz Fux a criminalização é “medida extrema para o devedor contumaz, para o grande fraudador, que vive às custas do erário”.

Por outro lado, há críticas a decisão do STF.

Para Breno Dias de Paula, a interpretação representa “um retrocesso sem precedentes”. “A mera inadimplência não pode ser confundida com sonegação. A Constituição Federal veda a prisão por dívidas. Ademais, não se pode misturar corrupção com sonegação, como concluiu a maioria.”

O próprio ministro do STF, Marco Aurélio, assentou que a decisão fere, de morte, o artigo 1º do Código Penal, que preceitua que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, sob pena de estar se implantando uma política criminal arrecadatória.

Desse modo, a decisão do STF para aqueles que agem com dolo, não será uma mera inadimplência tributária, passível de uma ação de execução cível, mas uma conduta típica, ilícita e culpável, ou seja, um crime.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 15/12/2019 - 09:46h

Improbidade administrativa por parte dos agentes públicos

Por Odemirton Filho

A Administração Pública brasileira tem como princípios a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Tem-se como objetivo fazer com a máquina pública possa prestar serviços à sociedade amparada em condutas probas, corretas, por parte dos agentes públicos que estão à frente dos órgãos estatais.

Todavia, não raro, alguns agentes públicos se locupletem de vantagens indevidas, costumando confundir o público com o privado. É o velho patrimonialismo de Max Weber.

No escopo de coibir essas práticas, a Lei 8.429/92 define quais são os atos de improbidade administrativa que podem ser praticados pelos agentes públicos.Assim, são atos de improbidade administrativa aqueles que Importam enriquecimento Ilícito, que causam prejuízo ao Erário, decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício Financeiro ou Tributário e que atentam contra os princípios da Administração Pública.

À guisa de exemplo são atos de improbidade administrativa utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas na Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

Considera-se, de igual modo, ato de improbidade, a ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da sobredita norma.

Além disso, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições são atos de improbidade.

Nesse sentido, é corriqueiro que alguns agentes públicos, revestidos de má-fé, usem e abusem de sua condição, utilizando artimanhas, ou o jeitinho brasileiro, para meter a mão suja no dinheiro da sociedade. É só o que vemos, aqui e alhures.

Em consequência, qual a sanção aplicável aos agentes públicos que cometem atos de improbidade administrativa?

A mencionada Lei elenca como sanção ao agente público ímprobo as seguintes:

A perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, além da suspensão dos direitos políticos (direito de votar e ser votado) pelo prazo que determina, a depender do tipo de ato de improbidade praticado.

De salientar que, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às cominações da lei, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

Acrescente-se que, entre outras hipóteses, há um marco temporal, para que seja aplicado a sanção por ato de improbidade, isto é, até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, sob pena de prescrição.

Ressalte-se, que o Supremo Tribunal Federal fixou tese na qual são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na lei de improbidade administrativa.

Por fim, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que poderá demandar vários anos.

Para aqueles que são contra a presunção de inocência é mais um estímulo à corrupção.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 08/12/2019 - 07:42h

Eficácia da norma e estabilidade social

Por Odemirton Filho

Em uma sociedade é fundamental que existam leis que disciplinem as relações sociais com um mínimo de eficácia, garantindo-se a paz social.

Para isso, é necessário que as normas atinjam o seu objetivo para os quais foram instituídas.

Assim, “a eficácia social da norma, diz respeito ao cumprimento do direito por parte de uma sociedade, ao reconhecimento do direito pela comunidade ou aos efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento”.

No ordenamento jurídico brasileiro há um emaranhado de leis que ordenam a nossa vida, com o escopo de dar limites ao proceder de cada membro da coletividade.

Uma sociedade sem leis, sem disciplinamento, vira anomia, quando já não encontra segurança social e jurídica.“No contexto de uma situação anômica, os limites sociais se encontram frágeis ou não existem, não estando claro o que é justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo; perde assim, os indivíduos, as referências sociais. Essa situação gera um sentimento de frustração e mal-estar, parecendo que não existem normas e imperar o tudo pode”, diz o professor Cristiano Bodart.

Instabilidade social, ressalte-se, que estamos vivenciando há tempos.

Para que servem milhares de leis que não são cumpridas? E o pior, descumpridas por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a obedecer ao comando normativo?

A insegurança pública, decorrente da violência cotidiana, estar causando um clamor social.

Se por um lado existem as garantias e direitos fundamentais, que precisam ser respeitados, por outro lado há a premente necessidade de uma pronta resposta estatal aos crimes diariamente praticados.

Não bastam leis rigorosas, mas, sobretudo, que essas sejam aplicadas.

Quem é vítima de um furto, de um roubo, ou a família que perde um de seus membros, quer que se faça justiça, evitando-se o justiçamento, ou seja, a justiça com as próprias mãos.

A demora do processo judicial que, às vezes, ocasiona a prescrição da pretensão punitiva, isto é, o Estado não mais punir o infrator pelo decurso do tempo, gera insatisfação social ante a ocorrência da impunidade.

Se é certo que se deve garantir o devido processo legal, contraditório e ampla defesa aos acusados, é primordial que o réu, se condenado, cumpra a sua pena, afastando-se qualquer possibilidade de impunidade.

Nessa toada, na semana que passou a Câmara dos deputados aprovou parte do pacote anticrime que foi capitaneado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Pontos como o aumento do máximo de cumprimento da pena para 40 (quarenta) anos, possibilidade de legítima defesa para o agente de segurança que repele agressão ou risco de agressão à vítima e o fim do livramento condicional e da saidinha para condenados pela prática de crime hediondo que resulte em morte, foram aprovados.

Outros pontos, todavia, foram rejeitados, como a ampliação da excludente de ilicitude, a possibilidade de acordo entre o acusado e o Ministério Público e a prisão após condenação em segunda instância, que terá regramento à parte, levando o ministro Moro a afirmar que o Congresso poderia ter avançado mais no combate à criminalidade.

De toda sorte é aguardar o Senado Federal se posicionar sobre o assunto e acrescentar ou modificar alguns pontos aprovados pela Câmara dos deputados.

Portanto, para que um Estado tenha estabilidade social é imprescindível a existência de normas.

Ou melhor, de normas que sejam, efetivamente, cumpridas.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 01/12/2019 - 10:10h

Indulto presidencial e seu aceno (ou não) à impunidade

Por Odemirton Filho

Um dos institutos jurídicos que causa repulsa à sociedade é o Indulto presidencial, conhecido por Indulto de Natal, previsto no art. 84, inciso XII, da Constituição Federal e que, comumente, é expedido pelo Presidente da República no mês de dezembro.

Com efeito, tal instituto gera perplexidade, porquanto o condenado pelo Poder Judiciário, se atender aos requisitos exigidos no decreto presidencial que conceder o indulto, terá o perdão de sua pena.Conceitua-se o Indulto como “um instrumento de política criminal colocado à disposição do Estado para a reinserção e ressocialização dos condenados que a ele façam jus, segundo a conveniência e oportunidade das autoridades competentes”.

O Indulto é uma forma de extinção da pena, conforme o Art. 107, II, do Código penal e ainda a Lei de Execução Penal em seus artigos 187 a 193, isto é, concedido o indulto e anexada aos autos cópia do decreto, o Juiz declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação.

Consiste em ato de clemência do Poder Público, concedido privativamente pelo Presidente da República.

O condenado, após ter sido investigado pela polícia judiciária, denunciado pelo Ministério Público, devidamente processado e julgado pelo Judiciário se livra da pena e, a depender da extensão, dos seus efeitos secundários. Simples assim.

Ou seja, basta um ato do presidente da República para que todo o trabalho dos órgãos do sistema punitivo caia por terra.

É claro que o Indulto tem amparo constitucional, devendo, entrementes, ser suspenso se houver excesso por parte do presidente da República, após o Supremo Tribunal Federal (STF) aferir a sua constitucionalidade e razoabilidade.

Em dezembro de 2017 o então presidente Michel Temer (MDB) assinou um Decreto de Indulto, sendo suspenso pelo STF, após provocação da Procuradoria Geral da República.

Todavia, em maio deste ano, o STF declarou constitucional o referido Decreto, por 7 votos a 4.

Consoante o ministro Alexandre de Moraes, voto divergente que formou a maioria, “o ato está vinculado aos ditames constitucionais, mas não pode o subjetivismo do chefe do Poder Executivo ser trocado pelo subjetivismo do Poder Judiciário”.

Desse modo, se o Indulto preenche os requisitos e não desbordar do razoável, não há o que se contestar, haja vista o Chefe do Executivo Federal ter essa prerrogativa constitucional.

Entretanto, para a sociedade, fica aquela velha e conhecida sensação, ou certeza, da impunidade. Ora, o condenado teve direito ao devido processo legal, interpôs todos os recursos possíveis e, mesmo assim, poderá ter o perdão da pena imposta pelo próprio Estado que o condenou.

Ademais, embora se afirme que o Indulto não ofende a separação dos Poderes, é nítida a invasão do Poder Executivo na atividade típica do Poder Judiciário, pois aquele exime de pena quem foi devidamente condenado por esse.

Assim, em um país que clama por Justiça e está cansado da violência e da corrupção, o Indulto presidencial, para muitos, é mais um instrumento em favor da impunidade, gerando mais descrédito, aos já desacreditados, Poderes da República.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 24/11/2019 - 08:24h

Bar raiz

Por Odemirton Filho

Amâncio estava encostado no balcão para tomar umas. O bar de seu Chico de Hemetério era fétido, ou mal frequentado, como diziam os metidos a rico da cidade.

O estabelecimento tinha paredes rachadas com, apenas, uma demão de cal. Não possuía mais do que quatro ou cinco mesas com tamboretes de madeiras.

Uma prateleira ocupava toda a extensão da parede, preenchida com uma grande quantidade de cachaças em garrafas empoeiradas. A ornamentação se resumia a um chifre de boi pendurado.

Amâncio era freguês assíduo, com mais três ou quatro “papudinhos” que frequentavam diariamente o local. Uns falavam em tom alto, outros choravam por motivos diversos, principalmente, ao som das músicas de “sofrência”.Mas para Amâncio não importava o ambiente, queria mesmo era bebericar, comer tripa de porco e esquecer o desemprego.

O país há tempos estava mergulhado em uma crise econômica e, segundo os “entendidos”, por culpa da corrupção e dos desmandos administrativos da classe política.

Não era novidade para ninguém que os políticos somente apareciam em ano de eleição, com aquele sorriso amarelo e abraçando quem encontrassem pela frente, inclusive crianças com catarro escorrendo pelo nariz.

Não podia reclamar. Quantas vezes recebera tijolos, cimento e telhas para reformar a casa em troca de seu voto? Era costume dele e dos vizinhos varar a madrugada, à véspera da eleição, para esperar um agrado que sempre vinha.

Os vizinhos diziam que era a única oportunidade para receber alguma coisa, já que os políticos, em sua maioria, somente olham o próprio umbigo.

Não demoraria e era certo que a sua mulher, D. Francisca, viria buscá-lo, pois, pelo avançado da hora, sabia onde encontrá-lo. Diziam os amigos que era manicaca. Talvez o fosse, era homem de poucas palavras, não gostava de confusão.

Para completar o dia, seu Zé Rosa encostara-se no balcão para puxar prosa e falar da vida alheia. Seu Zé tinha ficado viúvo há pouco tempo, mas se achava o “Don Juan” da redondeza. Arranjara uma mulher bem mais nova, que só queria usufruir do seu “aposento”.

Zé Rosa, querendo-se fazer íntimo, indagou:

– Amâncio, ainda desempregado?

– Sim. Respondeu em tom seco.

E continuou:

– Soube de Toinho? Caiu doente, quando perdeu o emprego na fábrica de móveis.

-Não. Retorquiu sem olhar no rosto do velho.

Continuou a bebericar a dose de cana sem prestar atenção na história de Zé Rosa, que deveria ser sobre uma nova conquista amorosa.

Estava pensando nas contas que tinha a pagar. O seguro-desemprego terminara, os R$500,00 (quinhentos reais) do FGTS que recebera deram somente para quitar umas dívidas em atraso.

A mulher fazia doces e bolos para vender, mas, diante da crise, muitos brasileiros começaram a vender comida e o faturamento mal dava para pagar o básico da casa.

Pensou em procurar o prefeito, uma vez que todos os seus conhecidos assim faziam quando estavam em dificuldade. Tinham em mente que a função do prefeito era pagar as contas dos correligionários e não trabalhar pela cidade.

Contudo, o Chefe do Executivo municipal, como sempre, estava fiscalizando a reforma das praças. Aquele homem só sabe construir e reformar praças? Pensou.

E o vereador da comunidade? Será que não poderia ajudá-lo? Talvez não, deve estar participando de alguma audiência pública, é só o que sabe fazer.

Tomou mais uma. Seu Chico de Hemetério o olhava com cara de poucos amigos, pois sabia que a farra iria ser, de novo, pendurada no “prego”.

Apesar da idade ainda faltava um bom tempo para se aposentar. E pelo que viu na televisão a reforma da Previdência, depois de muito “moído”, foi aprovada. Disseram-lhe que iria “pegar” a transição, seja lá o que diabo isso significasse.

Não demorou muito e ouviu a voz da “patroa”, que veio buscá-lo. Pediu a seu Chico de Hemetério que anotasse na caderneta, que, logo, logo, viria quitar a dívida.

Para agradar o dono do bar, disse-lhe que, ali sim, era um bar de verdade, raiz, como se diz atualmente. O proprietário, entretanto, fez-se de rogado.

Saiu trôpego, sendo conduzido por D. Francisca, ouvindo impropérios.

Ainda ouviu as gargalhadas e o falatório de seu Zé Rosa e dos outros “papudinhos”:

– Ah cabra manicaca!

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 17/11/2019 - 08:02h

Precisamos de uma nova Constituição Federal?

Por Odemirton Filho

Na maioria dos países há um documento solene, devidamente elaborado e promulgado por uma Assembleia Nacional Constituinte que tem por objetivo, em linhas gerais, a organização do Estado, dos Poderes que compõe o governo, além de um rol de direitos e garantias individuais. A Constituição.

A nossa Carta republicana foi devidamente promulgada em 05 de outubro de 1988, estando ainda em busca de sua plena maturidade e consolidação. É jovem, que se diga, com apenas trinta e um anos.

Entretanto, nos últimos tempos, há uma discussão renhida sobre os limites de sua aplicabilidade e, sobretudo, como se respeitar as suas normas e princípios, uma vez que o órgão que deve defendê-la, no nosso caso o Supremo Tribunal Federal (STF), a interpreta ao sabor de sua conveniência jurídico-político.Se é certo que “os mortos não podem governar os vivos”, nas palavras do ministro Barroso, também o é que a Carta Maior não pode ficar ao alvedrio de quem quer que seja. Deve-se, com efeito, obediência ao seu comando normativo, sob pena de se solapar o seu texto.

Nos últimos dias, com a soltura do ex-presidente Lula, existe nos intramuros do poder uma discussão acerca de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou de uma norma infraconstitucional que garanta a prisão de condenados em segunda instância.

Ora, como se irá emendar à Constituição ou aprovar uma lei que, indiretamente, esvazia o conteúdo da regra que trata da presunção inocência, uma cláusula pétrea? Dizem alguns juristas. Com efeito, se aprovada, o STF será chamado a decidir.

Cabe acrescentar que a Constituição Federal diz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais, isto é, as cláusulas pétreas.

Diante dessa e outras discussões constitucionais, parcela da sociedade afirma que a atual Constituição já não atende aos anseios do povo brasileiro.

Há severas críticas aos direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição que proíbe, por exemplo, a prisão perpétua e a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada nesse último caso.

Ou seja: diante da patente insegurança pública que estamos vivenciando, além da corrupção estrutural e sistêmica, parte da sociedade é a favor de uma nova Constituição.

É bom salientar, todavia, que no texto da nossa Constituição Federal não há previsão da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para a elaboração de outra Carta Maior.

Em face disso, segundo alguns operadores do Direito, será imprescindível a aprovação de uma PEC que garanta essa possibilidade.

Nesse sentido, o governo do Chile, em razão da convulsão social dos últimos dias, convocará um plebiscito no próximo ano a fim dos eleitores decidirem sobre a elaboração ou não de uma nova Constituição para aquele país.

Contudo, no Brasil, será necessária uma nova Constituição Federal?

Antes da resposta cabe uma explicação.

Normalmente é elaborada uma nova Constituição quando, através de um golpe de Estado ou revolução, um grupo assoma ao poder. Pode-se, também, haver a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para a feitura de uma nova Carta.

Quando se elabora uma nova Constituição de um Estado-nação nasce um novo país. Não em termos geográficos, mas em termos político-jurídico.

Ou seja, pode ser elaborado um novo sistema ou forma de governo, a extinção de direitos fundamentais, por exemplo a previsão de pena de morte e prisão perpétua, além de supressão e inserção de outras normas e princípios, assim entenda o legislador da nova Carta. É o chamado poder constituinte originário.

Pois bem.

A meu ver não há necessidade de uma nova Constituição Federal, pois foi longo e doloroso o caminho para que a atual Carta Republicana assegurasse os direitos e garantias fundamentais que hoje temos. Abrir mão desses direitos é, sem dúvida, retroceder.

Se o atual Estado de Direito não atende aos anseios básicos da sociedade em relação à segurança pública, que se reformule o sistema processual vigente a fim de que haja uma maior celeridade, com um menor número de recursos, até o trânsito em julgado da decisão, fazendo com que o condenado possa cumprir o mais rápido possível a sua pena.

Não se trata de “defender bandidos”, mas assegurar que as garantias e direitos individuais, que servem para todos, não sejam aviltadas.

Portanto, uma sociedade somente amadurece quando tem na sua Lei Maior o bastião para salvaguarda de seus direitos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 10/11/2019 - 08:32h

Lula livre, mas inelegível!

Por Odemirton Filho

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade sobre a compatibilidade do art. 283 do Código de Processo Penal com a Constituição Federal que trata sobre a presunção de inocência.

Com um placar de 6 a 5, os ministros do STF (veja AQUI) entenderam que a execução da pena privativa de liberdade somente deve ocorrer após o esgotamento de todos os recursos, isto é, com o trânsito em julgado, salvo se houver fundamento que justifique a prisão cautelar no curso da investigação ou do processo, como a prisão preventiva ou temporária.

Por conseguinte, essa decisão terá o efeito automático de liberar todos aqueles que estão presos em decorrência de condenação em segundo grau, diante da guinada de entendimento do STF?

Conforme os votos de alguns ministros, não.

Cada caso deverá ser analisado individualmente. Assim, se preenchidos os requisitos da prisão preventiva, por exemplo, o condenado continuará preso.

No caso especificamente do ex-presidente Lula, com a sua soltura na última sexta-feira, é claro que a oposição ganhará fôlego, pois o seu líder maior vai esperar o trânsito em julgado do processo em liberdade, o que, convenhamos, poderá demandar algum tempo.

Entretanto, embora o ex-presidente esteja livre, continuará inelegível, pois a condenação por um órgão colegiado é motivo para que o cidadão não tenha a sua capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de ser votado.

Lula já foi condenado, como se sabe, além da primeira instância, pelo Tribunal Regional Federal da quarta Região e mantida a decisão por um terceiro grau, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de existirem outros processos em tramitação.

Com efeito, não se discutiu no julgamento a culpabilidade do ex-presidente, mesmo porque a materialidade delitiva e a autoria foram comprovadas, conforme os julgamentos em primeiro e segundo grau de jurisdição.

Todavia, a defesa do ex-presidente espera que o STF julgue um Habeas Corpus que foi impetrado, no qual sustenta que o ex-juiz Sergio Moro agiu com parcialidade, o que causará a nulidade do processo, afastando, desse modo, a inelegibilidade de Lula.

Diante de tanta celeuma, cabe-nos indagar:

Qualquer um que esteja sendo processado, tendo a possibilidade de discutir o processo em quatro instâncias, abriria mão desse direito? Creio que não.

Com isso, a demora na prestação jurisdicional não pode ser motivo para se prescindir das garantias e dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, o ministro Celso de Mello assentou em seu voto:

“A solução dessa questão, que não guarda pertinência com a presunção constitucional de inocência, há de ser encontrada na reformulação do sistema processual e na busca de meios que, adotados pelo Poder Legislativo, confiram maior coeficiente de racionalidade ao modelo recursal. Mas não, como se pretende, na inaceitável desconsideração de um dos direitos fundamentais a que fazem jus os cidadãos desta República”.

Tenho para mim que a decisão do STF resgatou o respeito à Constituição Federal. Goste ou não da decisão, é o que assegura a Carta Maior sobre a presunção de inocência. A culpa somente se forma com a preclusão máxima, ou seja, a coisa julgada.

Assim, normatividade diversa deve ser realizada através de mudança na legislação pátria.

Aliás, o Congresso Nacional já iniciou um movimento para aprovar uma Emenda à Constituição que garanta a prisão após condenação em segunda instância. Será? Tenho minhas dúvidas.

Portanto, com “Lula livre”, mesmo inelegível, a oposição ganhará força e o ambiente político-partidário tende a se acirrar. Mais ainda.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 03/11/2019 - 09:00h

O Artigo 142 da Constituição Federal e a Intervenção Militar

Por Odemirton Filho

Não, não é verdade. O Art. 142 da Constituição Federal (CF) não garante ao Presidente da República o poder de determinar o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e de dissolver o Congresso Nacional, como apregoam e desejam alguns brasileiros.

Atualmente, nas redes sociais, é comum se compartilhar áudios e notícias nesse sentido. Contudo, como se diz atualmente, é mais uma fake news, uma notícia falsa.

Vejamos o que diz o Art. 142 da CF:“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Interpretemos o mencionado artigo.

As Forças Armadas, isto é, Marinha, Exército e Aeronáutica, estão sob o comando máximo do Presidente da República. Tem como objetivo defender a Pátria, garantir os Poderes constitucionais, a defesa da Pátria, da lei e da ordem. A dicção do artigo é de uma clareza solar.

Veja que o artigo não assegura ao Chefe do Estado brasileiro a prerrogativa de decretar a extinção dos Poderes da República. Ao contrário, visa a garantir a estabilidade republicana, democrática e social.

Na verdade, o que é previsto na Constituição é uma Intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal e uma Intervenção dos Estados-membros em seus municípios, diante de alguns fatos disciplinados pela própria CF.

Nesse sentido, quais razões autorizam a Intervenção da União nos Estados?

Para “manter a integridade nacional; repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; reorganizar as finanças da unidade da Federação e prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial.

E mais:

“Assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana;  autonomia municipal e  prestação de contas da administração pública, direta e indireta”, os chamados princípios constitucionais sensíveis.

Ressalte-se, existe a possibilidade de Intervenção para assegurar o regime democrático e não para o fechamento de Poderes da República como desejam alguns simpatizantes da autocracia.

Ademais, o decreto de Intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas, conforme diz a CF.

Isto é, o Congresso Nacional precisará ratificar o Decreto de Intervenção para que esse tenha plena validade e aplicabilidade. Não é um ato isolado do Presidente da República.

Cabe acrescentar, ainda, que é possível ao Presidente da República decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), “quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem”, com base, outrossim, na Lei Complementar n. 97 que replica, no artigo primeiro, os termos do Art. 142 da Carta Republicana.

Assim, é falacioso dizer que o art. 142 da CF garante ao Chefe do Executivo Federal fechar o Congresso Nacional e o STF.

Se tal fato se configurasse, o que reputo improvável, pois as Forças Armadas sabem de suas relevantes atribuições para garantir o Estado Democrático de Direito, estaríamos diante de um golpe de Estado e não de um ato que tenha amparo constitucional

Infeliz, de igual modo, foi a declaração do filho do Presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL), ao afirmar que, se a esquerda radicalizar, poderá ser reeditado o Ato Institucional n. 05 dos tempos sombrios da ditadura, frase repudiada até mesmo pelo seu pai.

Desse modo, somente aqueles que flertam com atos ditatoriais interpretam o Art. 142 da Constituição Federal de forma enviesada e autoritária.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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