Um tiro certeiro
Por Marcos Ferreira
Assustado, com receio de ser morto até dentro da própria casa, Jaime passava o tempo inteiro recluso e sem tirar o tresoitão do cós da bermuda. Vez por outra espiava a rua por uma fresta da janela. Durante um tempo, mesmo refugiado no seu domicílio, acalentou a possibilidade de realizar um revide contra os homens que o balearam há duas noites na Rua Padre Mota, a poucos metros de sua residência.
No entendimento dele, os atiradores não eram outros senão capangas de Mauro Mosca, vulgo Rato Branco. Para isso, portanto, Jaime considerou que o amigo João Claudione o ajudaria em tal empreitada, tendo em vista que, não muito antes, o próprio Claudione afirmara que os comparsas de Rato Brancos seriam eliminados um após o outro.
O problema é que Jaime não sabia que Claudione enfim caíra nas garras da polícia, que fez um pente-fino na sua propriedade rural e apreendeu todo o arsenal bélico do fora da lei e destruiu suas instalações de armazenamento e refino de cocaína. A prisão de Claudione foi determinada por um juiz federal da 13ª Vara de Mondrongo. A ação contou com a participação das polícias civil, militar e federal.
Antes de ser apanhado, todavia, João Claudione teve tempo de destruir o chip do telefone e jogar o aparelho fora, pois uns cinco minutos antes ele recebera um telefonema de um policial militar que fazia parte de sua folha de pagamento. O informante de Claudione tomou conhecimento da ação de última hora e avisou o contraventor imediatamente, salientando que ele destruísse o chip e se livrasse do celular. Assim foi feito. Tal evento explica porque Jaime ligou diversas vezes para o amigo criminoso e as chamadas sempre caíam na caixa de mensagens. Ele também cogitou acionar Reginaldo Marinho para ir com ele até a propriedade de Claudione, mas achou melhor não botar a cara na rua naquele momento. Esperaria o cheiro da pólvora se dissipar.
Diante da inexplicável falta de contato com Claudione, Jaime desistiu de investir contra o empresário e ex-jornalista Rato Branco e os seus inseparáveis comparsas. Sentindo-se encurralado, ainda usando o colete à prova de balas e com o pau de fogo na cintura, preferiu se contentar com a promessa que Luciano Aires lhe fizera, a de levá-lo até o vizinho município de Vila Negra e abrigá-lo em seu apartamento no elitizado Condomínio Anatólia, em área nobre daquele município.
Cerca de vinte e quatro horas depois, entre as duas e três da madrugada, Luciano parou a Toyota Hilux diante da casa de Jaime e deu uma leve buzinada. O escritor pôs os pés na rua olhando para os lados a todo instante. Na soleira da porta, de braços cruzados, Laura recebeu um beijinho rápido e assistiu ao marido debandar com duas mochilas, uma nas costas e a outra presa por uma das alças num só lado do ombro.
Ele acenou para ela da janela do veículo e, após colocar o cinto de segurança, imediatamente fechou o vidro da caminhonete. Nesse instante, talvez um tanto paranoico, Jaime considerou o quanto seria apropriado se o carro de Luciano Aires, a exemplo de seu milagroso colete, também contasse com uma boa blindagem à prova de balas.
Na calada da noite, então, armado com um trinta e oito de grosso calibre, trajando outra jaqueta jeans que ocultava o resistente colete, o autor de A Cidade que Nunca leu um Livro deixou Mondrongo a fim de acalmar os pensamentos e postar seu romance nos Correios de Vila Negra o mais depressa possível. Em uma das mochilas se encontravam as três cópias da referida obra devidamente encadernadas. Pois naquela mesma noite o seu amigo Raimundo Gilmar lhe entregara o material.
Alguns quilômetros depois, logo que ultrapassaram o viaduto da Rodovia 315, Jaime e Luciano perceberam que estavam sendo seguidos possivelmente por uma picape de cor cinza. Luciano, que também se encontrava armado com uma pistola, mantinha um olho no retrovisor e o outro na estrada. Jaime, contudo, de quando em quando girava o pescoço e olhava para trás. Durante dez ou vinte quilômetros a picape se manteve a uma distância estratégica da Hilux de Luciano. Jaime retirou o revólver da cintura e ficou com ele pronto para qualquer investida dos prováveis capangas de Rato Branco. Isto porque os homens de Mauro Mosca haviam ido ao cemitério na manhã e na tarde seguintes e não toparam com o enterro do indivíduo que eles alvejaram.
— Só pode ser eles, Luciano! — afirmou Jaime.
— É bem possível. Baixe seu vidro e fique pronto.
— Quer que eu troque tiros com esses bandidos?
— Você deve acertar apenas o motorista, Jaime.
— Entendi. Mas isso não é tão simples, amigo.
— É a melhor maneira de nos livrarmos deles.
— Você sabe que os outros vão atirar na gente.
— É como eu falei: acerte o motorista e pronto.
— Ora! Não sou um atirador de elite, Luciano.
— Bom, terá que ser. Acerte o cara na cabeça.
— Você está armado. Consegue atirar também?
— Pode confiar que sim. Eu já fiz aulas de tiro.
— Prepare-se! Eles estão se aproximando rápido.
— Não se esqueça. Atire somente no motorista.
— Você consegue dar conta dos outros sozinho?
— Vou tentar. Não temos outra opção, Jaime.
Antes que eles emparelhassem, os homens da picape começaram a disparar contra o veículo de Luciano. Um dos projéteis estilhaçou o vidro traseiro, fazendo com que os dois ocupantes da Hilux se abaixassem instintivamente. Daí a pouco, em alta velocidade, estavam emparelhados. Jaime apoiou a arma na porta e mirou no motorista. Errou os três primeiros disparos, contudo acertou o alvo na cabeça no quarto balaço. Descontrolada, a picape desceu a ribanceira e explodiu. Luciano freou o carro devagarinho, deu marcha a ré e se certificou do fim dos inimigos, três pistoleiros de Rato Branco. Enquanto isso Jaime tinha as mãos trêmulas, porém suspirou aliviado. Alguns motoristas foram parando para ver o carro em chamas e Luciano deixou o local.
— Você acertou na mosca, rapaz — disse Luciano com uma ponta de riso. — Não fosse por isso talvez agora nós estivéssemos mortos.
— Não tivemos outra opção. Era nós ou eles.
— Seu tiro pareceu o de um atirador de elite.
— Isso foi apenas sorte. Sorte de principiante.
Nesse tiroteio Jaime e Luciano saíram ilesos.
Duas horas depois chegaram em Vila Negra.
ACOMPANHE
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Marcos Ferreira é escritor
Jaime seguiu os “conselhos” do tio do dono da copiadora, que costumava dizer ao sobrinho: “meu filho, entre matar e morrer, é melhor matar”.
Pô! Até eu fiquei com medo.
Muito bom mesmo.
Um abraçaço poeta!
De início eu pensei que Jaime estava no mato sem cachorro com a prisão de Claudione. Na sequência, a gente percebe que Jaime está tomando um caminho sem retorno… a sorte não costuma ser companheira eterna! Que guinada deu a vida desse cidadão! É assim o caminhar dos viventes: vão tomando decisões que mudam a rota a todo momento! Saudade dos capítulos iniciais bem mais divertidos; mas a vida não é só diversão! Parabéns, Marcos Ferreira!!! 👏👏👏
Olha, a pena vai ter que funcionar muito para poder dar um rumo ao personagem. O cabra só se enrola e está deixando de lado o seu objetivo. Na verdade, ele vai ter que prestar um monte de contas. Aja cuca…