Epílogo
Por Marcos Ferreira
Passaram-se quinze dias até que Jaime entregou a Luciano Aires as chaves do apartamento em Vila Negra. Foi quando ele retornou às pressas a Mondrongo motivado por uma ótima novidade. Ao menos para ele: Mauro Mosca, o Rato Branco, fora assassinado quando deixava uma badalada casa de prostituição no bairro Nova Betânia. Logo que entrou no seu luxuoso sedã vermelho, o veículo de Rato Branco foi metralhado por dois sujeitos armados com fuzis de grosso calibre.
O para-brisa e o vidro da janela do motorista, que não eram blindados, ficaram totalmente destruídos. Entre outras partes, Rato Branco sofreu várias perfurações no peito, nos braços e na cabeça. Ele não teve tempo sequer de colocar o cinto de segurança nem ligar o veículo. Os matadores estavam de campana e agiram rapidamente. Em seguida se evadiram do local, segundo o porteiro do bordel, em um Jipe branco que estava estacionado do outro lado da rua. Apesar da violência do sinistro, os pistoleiros deixaram a cena do crime como se nada houvesse acontecido. Tal notícia se espalhou com grande velocidade e foi levada ao conhecimento de Jaime, via telefone, tanto por Reginaldo Marinho, por Luciano Aires quanto por Laura. Pelo celular, aliviada, Laura não conseguiu esconder a sua satisfação diante daquele desfecho.
Na manhã e na tarde seguintes, não resistindo à tentação de se certificar de que o seu arqui-inimigo estava num paletó de madeira, devidamente ornado para ser conduzido ao campo-santo, Jaime compareceu a um centro de velório defronte ao cemitério e, por volta das quatros da tarde, mantendo certa distância, acompanhou o sepultamento no São Sebastião. Nos dois momentos estava com Luciano. Trajavam roupas escuras e usavam chapéus pretos comprados de última ora por Luciano. Desejavam não ser identificados por nenhum apaniguado ou puxa-saco do empresário
O prazer de Jaime era algo inefável. Seus olhos brilhavam de júbilo. Quanto aos acessórios, não só o literato e Luciano usavam tais adereços. Outras cabeças exibiam chapéus pretos e de outras marcas, estilos e formatos. Em meio a figurões e subautoridades, compareceram ao enterro elementos como o prefeito Wallace Batista, o capcioso vereador Leonardo Jardim, o sibilante Ernesto Feitosa, longevo presidente da Academia Mondronguense de Letras, ele que se encontrava ladeado por uma turma de imortais já com os pés na cova; Lupicínio Calisto, batráquio dirigente da Câmara dos Lojistas, o Bispo Dom Cipriano Mendonça, um punhado de maçons, políticos governistas e de oposição, familiares distantes do falecido, pois este não mais tinha pai nem mãe e muito menos engendrara filhos. Não faltou, claro, o sebista Antoniel Silva.
— Esse aí já vai tarde — proferiu Luciano.
— Concordo. Seja quem for o mandante, meu amigo, o trabalho foi bem feito. Você por acaso tem alguma coisa a ver com isso?
— E se fosse obra minha, porventura me condenaria ou agradeceria? Afinal de contas, Jaime, esse cara lhe queria mortinho da silva.
— Não me importa; só tenho que agradecer.
— Talvez seja coisa do seu amigo Claudione.
— Não. Ele está fora de combate. Foi preso.
— Então um anjo da guarda interveio em seu favor. Pois é provável que Rato Branco tivesse outros desafetos barra-pesada por aí.
— Não faço a mínima. O bom é que agora ele vai estudar a geologia dos campos-santos, como escreveu Machado em Dom Casmurro.
— Não só você estava correndo risco. Eu também, devido à nossa afinidade, fiquei sob a mira de Mauro Mosca e dos comparsas dele. Aliás, convenhamos, todas as pessoas próximas a você corriam algum perigo. Sua esposa, Laura, e Reginaldo Marinho possivelmente eram os mais visados. Quando eu lhe deixei no apartamento em Villa Negra, você me revelou que temia por Laura, receava que Mauro Mosca atentasse contra ela, sobretudo a fim de que ela, possivelmente sob tortura, revelasse o seu paradeiro. Está lembrado disso? A morte desse espírito de porco, que Deus me perdoe, é uma bênção, um grande sossego para nós e para quem ele perseguiu e atentou contra as nossas vidas. Ainda assim veja quanto prestígio ele tinha nesta sociedade podre de Mondrongo. Tanto o velório quanto o sepultamento foram concorridos.
— Vamos embora. Já lançaram a última pá de terra sobre o caixão. Daí ele não mais sairá para nos perseguir de maneira alguma.
— Daí vai para as profundezas do Inferno.
Jaime e Luciano, um pouco antes que a maioria das pessoas começasse a deixar o São Sebastião, posicionaram os seus chapéus para encobrir um tanto mais os olhos e saíram à francesa. O sol já começava a se pôr por trás dos túmulos e mausoléus, morcegos e andorinhas riscavam o espaço e aquela atmosfera mortuária. Apenas os coveiros ficaram em volta da sepultura de Rato Branco realizando os últimos retoques com as suas pás um tanto enfeadas e carcomidas pela ferrugem.
Do outro lado da alameda, a uma distância de uns quinze ou vinte metros, Jaime avistou o prefeito Wallace Batista e o vereador Leonardo Jardim também deixando o local. Leonardo Jardim fumava um cigarro e lançava a fumaça pela boca e pelas narinas. Era impossível ouvir o que eles conversavam, entretanto Jaime intuiu que pudesse ser a respeito do assassinato de Mauro Mosca. Afinal de contas, de modo absconso, eles tinham um vínculo antigo e comprometedor. Apressando os passos, então, o escritor e seu amigo advogado conseguiram ultrapassar o portal do cemitério antes de Wallace e Leonardo, compadres e aliados situacionistas. Outros vereadores de menor estatura dentro do governismo faziam parte das panelinhas do senhor prefeito e de Leonardo Jardim, presidente da Câmara atuando já em dois mandatos seguidos.
Com a picape na oficina para tentar consertar os buracos de bala ocasionados pelo recente atentado dos pistoleiros de Rato Branco, agora Luciano Aires pilotava um Renault Duster de cor alaranjada. Ele rumava para a residência de Jaime, no Conjunto Walfredo Gurgel. Nesse momento o celular do escritor começou a tocar no bolso da calça. Jaime viu o número desconhecido com a indicação apenas de que era de São Paulo, e atendeu com certa empolgação, confirmando o próprio nome:
— Pois não. Aqui é Jaime Peçanha quem fala.
Era um representante da Verboletras, uma das maiores editoras do Brasil. Jaime foi informado de que eles tinham interesse em publicar o romance dele. Então, depois de tantos percalços e derrotismo por parte de algumas pessoas, a exemplo do sebista Antoniel Silva, eis que A Cidade que Nunca leu um Livro finamente encontrara uma editora de prestígio e uma das gigantes do segmento literário.
— Meus parabéns, amigo! — disse Luciano.
— Hoje nós temos muito o que comemorar.
Jaime não cabia em si de tanto regozijo. Pois se livrara da perseguição de Rato Branco e teria seu romance lançado por uma grande editora paulista. Já imaginava o estrago que A Cidade que Nunca leu um Livro causaria em Mondrongo. Especialmente no tocante a indivíduos como o prefeito e o presidente da Câmara de Vereadores. Isto sem mencionar todo o despeito do sebista Antoniel Silva.
Eis, enfim, a saga do escritor Jaime Peçanha.
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Marcos Ferreira é escritor
Durante vários domingos, o nosso querido escritor Marcos Ferreira nos brindou com os capítulos do seu livro e, agora, chegamos ao final. Do início ao fim, escreveu com maestria.
Parabéns, amigo. Você merece todo reconhecimento.
Um forte abraço.
E sucesso.
Uma surpresa boa o desfecho desse enredo! Veja o que uma morte pode trazer de alívio a um perseguido… tem gente que parece que só dará sossego se morrer(muito ruim constatar isso). Mas é o que ocorre muitas vezes! E olhe que não sou a favor de violência! A verdade é que a história surpreendeu do começo ao fim e eu sentirei falta, aos domingos! Parabéns, Marcos Ferreira!!! Comece logo outra história! Cada um é responsável por aquilo que cativa (Pequeno Príncipe – Saint Exupery). Abraço!!!
Excelente romance!
Espero, em breve, poder desfrutar de novas obras.
Parabéns!!!!
Parabéns amigo, um Gran Finale! Ficarei com o doce sabor de quero mais.)
Querido Marcos
Ansiosa para saber o desfecho desta trama que nos viciou aos Domingos! Enredo que nos surpreendeu do começo ao fim!
Parabéns! Gran Finale!
Um grande abraço!
Simone
Parabéns caro amigo poeta e escritor Marcos Ferreira por esse trabalho… Que suas histórias e romances possam brilhar além fronteiras dessa província! Abraços
Parabéns, nobre escritor!
Sua escrita tem um sabor de continuidade… sensacional a trama que vai prendendo o leitor, num vício que preenche os nossos domingos. Espetacular o final! Abraços das terras do Norte! 👏👏👏👏👏
Parabéns, Marcos. Mais um pra conta. Agora, o livro, espero.