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domingo - 27/12/2009 - 11:30h

A cura indesejada

"Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure" (Vinícius de Morais)

Penso que São Paulo se equivocou ao dizer que o amor tudo crê, tudo espera e tudo suporta. Não é bem assim. 

Afinal, o amor, como alertava Drummond, é bicho instruído. Portanto, ele pode pular o muro, subir na árvore em tempo de se estrepar: “Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo o sangue que escore do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca/ às vezes sara amanhã”. 

E o danado é que às vezes sara mesmo. Mas, e o amor é doença para sarar? Claro que é. Se não fosse, Camões não teria dito: “Amor é fogo que arde sem se ver, É ferida que dói, e não se sente”. 

Padre Antônio Vieira (duvido que alguém escreva melhor do que ele) também considerava o amor uma doença – que deveria ser incurável, mas, infelizmente, tem cura. E quais são os remédios do amor, segundo Padre Vieira? São apenas quatro, mas com um poder de curar extremamente potente…

O primeiro remédio é o tempo. Por isso que Cupido, deus do amor, é pintado como criança, pois “não há amor tão robusto que chegue a ser velho”. O passar das horas faz com que as flechas de Cupido percam a potência; que o amor que é cego passe a enxergar; que suas asas cresçam e ele voe para bem longe… o tempo gasta o ferro com o uso, diz Vieira, que dirá o amor! “O tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto…”.

O segundo remédio, para curar o amor, é a ausência. Ora, se com a proximidade as flechas de Cupido correm o risco de não nos atingirem, que dirá com a distância… “A ausência tem os efeitos da morte: aparta, e depois esfria… tudo esquecido, tudo frieza”. E o fogo que arde sem se ver, com a distância, vira um deserto polar.

O terceiro remédio é ainda muito mais poderoso do que os dois anteriores. O seu poder de ação é quase instantâneo: a ingratidão é mortal para o amor. “Se o tempo tira do amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo”.

E o danado é que só os amigos são ingratos. Era por isso que Nelson Rodrigues dizia que “só os inimigos são fiéis”, já que estes nunca serão ingratos e nem nos trairão. Não foi a toa que Cristo se queixava de que semeando grandes benefícios nos corações dos homens, se colhia maiores ingratidões…

Por fim, se o amor foi capaz de resistir até aqui – embora duvido que exista amor que consiga vencer: o tempo, a ausência e a ingratidão-, chegou a vez do mais eficaz de todos os remédios, o que até hoje, ninguém deixou de sarar: o melhorar de objeto, que nada mais é do que conseguir um outro amor.

“Dizem que um amor com um outro se paga”, alerta Vieira, “mas o certo é que um amor com um outro se apaga”… as estrelas conseguem brilhar nas trevas, no entanto, numa luz ainda maior que é o Sol, elas desaparecem, deixam de brilhar…

Infelizmente, o mundo está se curando do amor.

Hoje, os relacionamentos são pelos celulares e internet, ou seja, ausentes e distantes. E com o passar do tempo serão tão frios que as terminações nervosas, que os unem, ficarão anestesiadas, e “o amor que não é intenso”, adverte Vieira, “não é amor”…

Triste humanidade que não consegue debelar um vírus de uma gripe suína, mas que é extremamente “competente” para destruir o vírus do amor… 

Edilson Pinto é escritor, médico e professor

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Luiz diz:

    Bela análise sobre as diversas formas de amar, do AMOR.

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