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domingo - 01/05/2022 - 05:36h

A “Geni” das profissões

Por Marcos Araújo

Embora seja uma das mais antigas e consideradas profissões, nenhuma outra mostrou-se tão polêmica ao longo dos tempos quanto a advocacia. A história registra momentos de alternância entre prestígio e perseguição aos advogados. Enaltecida ou execrada, conforme a época e as circunstâncias, a advocacia foi chamada por Marco Túlio Cícero como um “nobre e régio labor”, e por Robespierre “o amparo da inocência”.advocacia

Pouco tempo depois da Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte passou a perseguir os causídicos, costumando dizer, no melhor estilo de sua formação militar e autoritária, que “os juízes distorcem a lei e os advogados a matam”. Frederico II, da Prússia, pretendeu abolir a profissão em seu país, o que, evidentemente, não conseguiu.

Francisco Petrarca, célebre poeta medieval italiano, disse não pretender advogar para não seguir uma carreira que não deixava alternativa entre “ser desonesto ou parecer ignorante”.  De Santo Ivo, ilustre patrono da classe, advogado dos humildes e miseráveis, a quem defendia sem nada cobrar, costumava dizer-se: “Santo Ivo era bretão, Advogado, honesto, não ladrão Coisa de admiração!”.

A literatura saxônica guarda páginas desalentosas sobre os advogados, tendo o bardo Shakespeare escrito uma frase reativa à categoria: “A primeira coisa que devemos fazer é matar os advogados” (Henrique VI, Ato IV, cena 11).  Outro blague vem num insólito diálogo entre Hamlet e Horácio, perante o crânio anônimo, perfazendo um insulto ao perguntar: “Não será porventura a caveira de um advogado? Onde estão agora as suas cavilações, os seus sofismas, o seu casuísmo, as suas usurpações e as suas trapaças?” (Ato V. Cena I).

Em que pese as críticas, os valores humanitários mais defendidos, como democracia, liberdade e dignidade, são contribuições de célebres advogados. Em memória mais próxima, cabe lembrar os americanos Thomas Jefferson, George Washington, Abraham Lincoln; e na história brasileira José Bonifácio, Rui Barbosa, Sobral Pinto, Affonso Arinos, Raymundo Faoro, Seabra Fagundes.

No Brasil, a execração de advogados criminalistas é prática comum, associando-os equivocadamente aos seus clientes. O célebre Evaristo de Morais Filho foi muito atacado por ter defendido o presidente Collor;  Roberto Podval foi ameaçado, por ter aceito a defesa do casal Nardone; Márcio Thomaz Bastos morreu com a indevida pecha de ter defendido Carlinhos Cachoeira…

Nada mais perigoso para o Estado de Direito do que o vilipêndio aos profissionais que estão nas trincheiras da democracia, garantindo o direito de defesa dos acusados. Embora odiando advogados, Moro e Joaquim Barbosa se inscreveram na Ordem dos Advogados, o que parece ser um paradoxo… Aos que defenestram a advocacia, lembro Carnelutti, “a essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada, ao lado do acusado, quando todos o apontam”.

Como a “Geni” descrita por Chico Buarque, apesar de enxovalhado por muitos, ao advogado cabe “defender a cidade do Comandante do Zepelim gigante”, atendendo aos contritos pedidos feitos pelo “prefeito de joelhos, bispo de olhos vermelhos, e o banqueiro com um milhão”. Após a sua dedicação, e já afastada a ameaça, volta-se contra ele a turba a desferir-lhe impropérios de desvalia.

Tenha você, advogada e advogado, orgulho da sua profissão. Ave, advocati!

Marcos Araújo é professor e advogado

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Infelizmente ainda existem advogados prontos a participar de chicanas.
    Belo artigo.
    PARABÉNS
    ////
    IDOSO AGUARDA HÁ 74 DIAS MARCAÇÃO DE UMA CONSULTA OFTALMOLÓGICA. A REQUISIÇÃO ESTÁ NA UBS SINHARIAZINHA BORGES.

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Parabéns Caro Marcos Araujo, pelo oportuno, esclarecedor e belo artigo.

    Sem dúvida, as controvérsias, os debates e as ofensas, muitas vezes gratuitas lançadas acerca da ATUAÇÃO e da existência da profissão chamada advocacia, realmente, muito se assemelham a personagem Geni do genial Chico BUARQUE.

    Essa cultura de achincalhe, de menosprezo e de desmerecimento a atuação dos Advogados, sobretudo na órbita criminal, permeia o mundo inteiro, em especial em países cuja cultura escravista e, PORTANTO, autoritária, ainda se faz LATENTE, como é o caso do nosso Brasil.

    Como DIRIA Chico Cesar, no sumo do sumo do sumo, na verdade, além do nosso processo cultural ainda de viés bastante autoritário.

    Noutro vértice, inegavelmente, temos o fato de que majoritaria parte da POPULAÇÃO, jamais teve acesso a educação e informação de qualidade, especialmente quanto ao assunto em pauta , sua natureza especial e sua transcendental importância no paulatino exercício da DEMOCRACIA e das instituições que DIRETAMENTE representam o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

    No caso do nosso Brasil atual, vivenciamos tempos turbulentos, OBSCURANTISTAS. Autoritário s e preocupantes, sobremodo no curso de um governo que reiteradamente nega os postulados básicos da democracia e por via de consequência, põe em permanente risco o exercício pleno, inclusive da ADVOCACIA..!!!

    Um baraço
    FRANSUELDO V. DE ARAUJO
    OAB/RN. 7318

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