Por Bruno Ernesto
Observar. Só observar, tem muitas vantagens.
Apesar de gostar muito de fotografias, em especial em preto e branco, nunca fui um exímio fotógrafo.
Muito pelo contrário, estou equidistante entre o regular e o semiamadorismo. Entretanto, não me falta disposição e teimosia.
Aliás, sempre gosto de dizer que a teimosia é inegociável. Pois bem.
Além de um bom equipamento fotográfico – acredito eu -, me falta uma característica fundamental a um fotógrafo: paciência.
Não é que não tenha. Até tenho; só não muita. Se tiver calor, menos ainda.
Aliás, assim como na falta de um bom café sem açúcar, no calor, me falta é o juízo inteiro e nunca será um bom momento para resolver certos assuntos ou quizila.
Fotografar como passatempo – com é o meu caso – precisa da mesma calma, tempo, disposição, serenidade, criatividade e, sobretudo, sensibilidade exigida para se escrever um texto literário.
Muito embora tenha esse déficit fotográfico, nos últimos tempos, com o auxílio e o incentivo da minha esposa – que é exímia fotógrafa -, tenho procurado praticar e aperfeiçoar essa arte; embora, geralmente, meus registros sejam feitos despretensiosamente.
Acredito que a cada cem fotos, uma ou duas fiquem realmente apresentáveis.
Como num pleonasmo, gosto de capturar cenas do cotidiano diário; ver gente e a vida pulsante da cidade, seus personagens, lugares e, sobretudo observar o movimento frenético dessa central que se inicia ainda pela madrugada, e vai se amainando já pelo meio da manhã, como toda e qualquer central de abastecimento de alimentos em qualquer lugar do mundo.
Dia desses, passando bem cedo pelo centro da cidade – antes das seis e meia – bem em frente à central de abastecimento (Mercado da Cobal), um dos lugares – talvez – mais bem frequentados da cidade, uma cena me chamou bastante atenção.
Enquanto aguardava o sinal de trânsito abrir, escutava as notícias do rádio – sim, sou ouvinte assíduo de rádios – e tentava organizar mentalmente o meu dia quando, de dentro do carro, percebi que dois homens conversavam na esquina ali, bem ao meu lado.
Um deles – o ouvinte – tinha a barba grande e descuida; cabelos retorcidos e convulsionados; calçava havaianas e vestia camiseta e calção amarrotados, como quem tivesse há dias com a mesma roupa e sem tomar um banho;
Sentado bem ali na calçada da esquina – olhos inchados -, tinha as mãos soltas e descansadas entre as pernas.
Estava totalmente inerte e num estado indescritível de afastamento e melancólica visão perdida no infinito.
De tão profundamente perdida, não indicava qualquer conexão com o mundo, no meio daquele vai e vem de carros e, certamente, muito barulho.
Ao seu lado direito, porém não tão próximo, jaziam duas sacolas pretas, uma garrafa pequena de uma marca de água mineral conhecida. No asfalto, encostado no meio-fio, uma sacola plástica branca.
Já encostada à sua perna direita, havia uma sacola plástica branca, o que parecia ser uma garrafa plástica de refrigerante de um litro sem o rótulo e, ao alcance imediato de sua mão, duas garrafas pequenas, rechonchudas, com tampas brancas enroscadas, como se dois pequenos barris fossem.
No rótulo dessas duas pequenas garrafas em formato de barril – depois pude ver – havia uma silhueta feminina em pose sensual.
Paradoxalmente à postura daquele homem ali sentado e intrigantemente inerte, outro – bem aparentado, de tênis e boné -, se postava de pé bem diante dele e, gesticulando os braços, com veemência e vigorosamente, aparentemente vociferava aos brados e colericamente, como se o tentasse convencer de algo. Talvez um conselho.
Dez segundos se passaram entre eu parar o carro e o sinal abrir. Consegui uma sequência de quatro fotos e precisei seguir.
Trinta minutos após meu compromisso, na volta, passei pela mesma esquina – agora no outro sentido da via – e lá ficaram apenas a garrafa pequena de uma marca de água mineral conhecida e a garrafa plástica de refrigerante de um litro sem o rótulo.
Aparentemente, o homem de boné não o convenceu.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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