domingo - 27/10/2019 - 06:22h

O que esperar da Reforma da Previdência?

Por Odemirton Filho

O Congresso Nacional concluiu a votação da reforma da Previdência. Após meses de tramitação nas Comissões e no plenário das duas Casas legislativas a Proposta de Emenda à Constituição será promulgada daqui a alguns dias para que possa começar a viger.

Há tempos que uma reforma da Previdência era colocada na pauta política e econômica como fundamental para impulsionar o crescimento da economia que vem combalido há anos.

Conforme assevera Delfim Netto, “a reforma promoverá uma redução da ordem de 800 bilhões de reais nos próximos dez anos (2019-2029), insuficiente, por sua parametrização, para anular a dinâmica demográfica já dada para o período”.Com efeito, conforme especialistas no assunto, o atual sistema da Previdência precisava ser revisto, como forma de minimizar os sucessivos déficits, impedindo o calote da dívida pública e resgatando a credibilidade do Governo para que o capital financeiro possa aportar seus investimentos.

“Em parte, nosso investimento é baixo porque nossa poupança nacional é pequena. Como os gastos do Estado brasileiro são elevados; o governo, por meio da emissão de títulos públicos e alta carga tributária, suga a poupança privada para fechar as suas contas. O pior é que a poupança do setor privado não está sendo utilizada para financiar investimentos em capital produtivo, mas, gastos correntes, dos quais a previdência faz parte”.

Doutro lado, há quem entenda que a aprovação da reforma previdenciária não terá o condão de estimular o crescimento econômico, porquanto é imprescindível que outras reformas de igual envergadura sejam implementadas a fim de surtir o efeito desejado.

Nesse sentido, Affonso Celso Pastore afirma que “ o crescimento econômico requer outras reformas. Também precisamos abrir a economia para o setor externo, aumentar a competitividade da nossa indústria e fazer um forte investimento em infraestrutura”.

Mas o que esperar da reforma?

Sabe-se que a retomada do crescimento não será tarefa fácil.

A economia brasileira tem como tripé as commodities (matéria-prima, produzidos em escala e que podem ser estocados sem perda de qualidade, como petróleo, suco de laranja congelado, boi gordo, café, soja e ouro etc), o consumo das famílias e o investimento do governo em obras de infraestrutura, a exemplo da habitação.

As commodities são determinadas pelo mercado mundial, pela lei da oferta e da procura e, por isso, instáveis. O consumo das famílias brasileiras se encontra em níveis baixos, tendo em vista o alto grau de endividamento, o desemprego e a informalidade.

Já o setor público, seja federal, estadual e municipal está com ínfima capacidade de investimento em obras, diante crise fiscal que atinge grande partes dos entes federados.

Assim, a retomada do crescimento se torna de difícil recuperação. É preciso, conforme alguns economistas, um conjunto de fatores que fomente a economia tendo o Estado como principal indutor desse crescimento.

Na busca desse crescimento econômico sustentável, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que envidará esforços, a partir de agora, na aprovação do pacto federativo, abrangendo uma ampla reforma administrativa e a descentralização de recursos, além é claro da Reforma Tributária que também está na pauta do Executivo Federal.

Existe, ainda, a expectativa da aprovação da reforma da Previdência para que os estados e os municípios possam reequilibrar suas finanças.

De toda sorte, é bom lembrar, que a reforma trabalhista foi vendida como a panaceia para se resolver o desemprego no país, fato que, até o momento, não ocorreu. Ainda temos quase treze milhões de desempregados, além de outros milhões de desalentados e subocupados.

A oposição, ressalte-se, alegou que a reforma da Previdência somente agravará a desigualdade social, afirmando que o governo deveria era tributar o capital financeiro e observar as políticas de desonerações fiscais, além de adotar outras medidas de cunho social.

Dessa forma, a reforma da Previdência, apesar da alardeada importância para a questão fiscal das contas públicas, não deverá ser a solução para a grave crise econômica e social que enfrentamos.

É esperar para ver.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 20/10/2019 - 07:46h

Reflexão sobre prisão após condenação em segunda instância

Por Odemirton Filho

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, propostas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Nas mencionadas ações as partes autoras pedem que o STF analise a possibilidade do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso).Como se sabe, desde 2016 o STF firmou o entendimento que, após o julgamento em segunda instância, o condenado poderá iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade, isto é, a prisão.

As ações, em resumo, pedem que sejam declaradas constitucional o Art. 283 do Código de Processo Penal que assevera:

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

A referida norma é espelhada na Constituição Federal que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Com efeito, a celeuma reside no fato de antecipar a pena daquele condenado que não usou todos os meios legais disponíveis para tentar sua absolvição, quando há ainda mecanismos processuais a serem apresentados.

No sistema processual brasileiro existem inúmeros recursos que podem ser interpostos pela parte ré o que, inevitavelmente, procrastina o trânsito em julgado.

O STF, conforme o último julgamento que firmou a atual jurisprudência, está dividido.

Entretanto, há uma tendência que alguns ministros mudem seu voto e passem a observar a literalidade do que prescreve a Carta Republicana quando prevê que a culpabilidade somente pode ser confirmada quando não couber mais recurso.

Aqueles que defendem o cumprimento da pena, já com o julgamento em segunda instância, afirmam que esperar o último recurso é uma forma de privilegiar a impunidade, sobretudo, daqueles que cometem crimes de colarinho branco.

Por outro lado, os garantistas argumentam que relativizar os direitos e garantias é fragilizar o Estado Democrático de Direito, em um patente retrocesso civilizatório, porquanto o Brasil demorou muitos anos para consagrar uma Constituição que atendesse os direitos fundamentais.

Destaque-se, que existe a possibilidade de a Corte Maior adotar um terceiro entendimento, definindo que a prisão antes do trânsito em julgado poderá ser com a condenação em terceiro grau, ou seja, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Aliás, nas sustentações orais por parte de alguns advogados na última sessão do Supremo, enfatizou-se que a mudança de interpretação em relação à prisão antes do trânsito em julgado não terá o condão de “liberar geral”.

Os processos serão analisados caso a caso, observando-se os pressupostos da prisão preventiva, quais sejam, garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Por fim, respeitando os contrários, reputo que a prisão antes do trânsito em julgado representa um manifesto desrespeito às garantias e direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal, principalmente, a presunção de inocência.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 13/10/2019 - 17:20h

Candidatura avulsa

Por Odemirton Filho

No Brasil para se candidatar a um cargo eletivo é necessário que o cidadão atenda as condições de elegibilidade previstas na Constituição Federal.

O art. 14, parágrafo terceiro da Carta Maior diz que são condições de elegibilidade: a nacionalidade brasileira; o pleno exercício dos direitos políticos; o alistamento eleitoral; o domicílio eleitoral na circunscrição; a filiação partidária e a idade mínima para o cargo.

Desse modo, para que alguém possa disputar um mandato eletivo é preciso que esteja filiado a um partido político, além de outras condições.

Conforme a Lei n. 9.096/95 o partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

Entretanto, embora o partido político seja constituído com base em uma determinada ideologia, poucas pessoas seguem o comando teórico que o informa. Aliás, a maioria dos filiados sequer conhece os propósitos de sua legenda.

Doutro lado, a democracia partidária é mitigada em alguns partidos, pois os “caciques” não dão vez a quem não reza na sua cartilha, sendo comum que, internamente, tenham várias tendências políticas em disputa pelo comando da agremiação.

Noutra ponta, o eleitor, em sua maioria, vota no candidato de sua preferência, não levando em conta o partido ao qual esteja filiado. Tem-se, à guisa de exemplo, o ex-presidente Fernando Collor e o presidente Jair Bolsonaro que disputaram as eleições filiados a partidos de diminuta expressão nacional.

Não se pode negar a relevância dos partidos políticos, pois, em tese, é uma união de pessoas que abraçam um sentimento comum na disputa pelo poder, tentando implantar o seu modo de governar e representando o que pensa uma parcela da coletividade.

Acrescentam os defensores dos partidos políticos que na candidatura avulsa poderiam surgir líderes populistas, sem ter o filtro partidário. Contudo, esse argumento me parece frágil, porquanto líderes populistas, às vezes, são forjados dentro das próprias siglas.

Com efeito, o que se observa é, simplesmente, uma conveniência político-partidária para se disputar uma eleição, indo às favas com a ideologia.

Nas eleições de 2018 foram requeridos junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedidos de registro de candidatura avulsa, mas a Corte indeferiu, com fundamento no dispositivo constitucional acima referido.

Sobre o tema o ministro Celso de Mello asseverou que “a exigência constitucional de filiação partidária – que se projeta no âmbito do ordenamento positivo doméstico (Código Eleitoral, art. 87; Lei nº 9.504/97, art. 11, § 14, na redação dada pela Lei nº 13.488/2017) – não pode ser contrariada pelo que dispõe o Pacto de São José da Costa Rica, que configura instrumento normativo qualificado, juridicamente, como diploma de caráter supralegal, porém de natureza infraconstitucional”.

É imprescindível, assim, uma emenda Constitucional a fim de que a filiação partidária para disputar uma eleição não seja exigida. Entrementes, não se observa qualquer interesse nesse sentido, sobretudo, por parte daqueles que estão à frente dos partidos políticos.

Por fim, se um dia for realizada a reforma política, quem sabe possa prevê, pelo menos, a faculdade do candidato se filiar ou não a um partido político para disputar uma eleição.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 06/10/2019 - 09:26h

Unificação das eleições no Brasil e fim das reeleições

Por Odemirton Filho

Há tempos que uma reforma política vem sendo discutida para se reconfigurar e consolidar a democracia brasileira.

Consoante parte da comunidade política e jurídica uma nova formatação seria de grande valia para acabar ou, pelo menos, minimizar práticas nada republicanas que acontecem no processo eleitoral e no decorrer do mandato eletivo.

Assim, existem várias Propostas de Emenda à Constituição (PEC) tramitando no Congresso Nacional no escopo de aperfeiçoar a nossa incipiente democracia.

Entretanto, passando à margem das diversas propostas, debruço-me, unicamente, sobre a Proposta de Emenda à Constituição n. 56/19 que tem a seguinte ementa:“Acrescenta o art. 115 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -ADCT, para prorrogar os mandatos dos atuais Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores, unificando as eleições gerais e as eleições municipais”.

A mencionada PEC é de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC).

Segundo o deputado a proposta vai ao encontro do interesse público e apresenta diversas vantagens, entre elas, a economia dos recursos públicos com gastos em eleições.

A priori, a prorrogação de mandatos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores soa absurda, pois esses ganhariam mais dois anos para os quais não teriam sido eleitos, em manifesta ofensa à soberania popular.

Todavia, vislumbra-se a possibilidade do fim da reeleição, afastando um instituto que não é salutar para a nossa democracia, porquanto a República tem como um dos princípios a alternância no poder.

Alguns, despiciendo dizer, sentem-se proprietários do público e gostam de confundir com o privado.

Ademais, a unificação das eleições, a cada cinco anos, elegendo-se do vereador ao Presidente da República, traria uma enorme economia aos cofres públicos, já que, atualmente, temos eleição a cada dois anos.

Por outro lado, questiona-se que haveria um expressivo número de votos nulos, haja vista ter que se votar em vários candidatos em uma só eleição (Presidente, Governador, Prefeito, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e vereador).

Acredito, porém, que o horário de votação sendo estendido até às 18 horas, além de uma ampla campanha educativa por parte da Justiça Eleitoral, ajudariam a diminuir a incidência de votos nulos.

Acrescente-se, por oportuno, que na semana passada o Congresso Nacional não apreciou os vetos apresentados pelo presidente da República à minirreforma eleitoral aprovada recentemente.

Contudo, de acordo com o presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre, não haverá ofensa ao princípio da anualidade, e algumas regras, mesmo faltando menos de um ano para eleição, se aplicariam no próximo ano, pois tratam-se de questões partidárias e não de mudanças no processo eleitoral.

Porém, para aqueles pré-candidatos fichas-sujas que esperavam concorrer às eleições de 2020 terão que esperar 2022 para que possam reaver a sua capacidade eleitoral passiva, isto é, o direito de ser votado.

Portanto, não se nega que há fundamentos plausíveis contra a aprovação da PEC 56/19, uma vez que prefeitos e vereadores ganhariam mais dois anos de mandato, subtraindo esse período complementar da soberana vontade do eleitor.

Mas, para se ter uma eleição unificada e, sobretudo, o fim da reeleição, não valeria a pena?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 29/09/2019 - 07:38h

A sereia do Cristovão

Por Odemirton Filho

Em alto-mar a solidão era uma constante. Dias e noites com dois ou três companheiros que, como Zé Pequeno, faziam da pesca o ganha pão, ou peixe, como queiram.

Aprendera com o pai a profissão. Desde cedo acompanhava-o na “lida” em uma pequena jangada que içava suas velas brancas e singrava mar adentro.Com o tempo, o trabalho exigira uma embarcação maior, a motor.

Partindo de Tibau, dos morros das areias coloridas, navegavam pela costa entre Grossos e Areia Branca, até chegar próximo ao Porto Ilha que abastece vários navios cargueiros no transporte do sal.

Quando se estar há vários dias em alto-mar, os momentos são entrecortados por uma dose de pinga, muitas conversas e uma imaginação fértil.

Às vezes iam em busca da praia da ponta do mel, navegando pelos mares próximos à praia de baixa grande, morro pintado, redonda e Cristovão, tudo no intuito de fisgar uma maior quantidade de peixes.

Ultimamente, a pesca já não era como nos tempos de seu pai. Não se sabe se por causa das mudanças climáticas ou pelo castigo de Deus, que se irritara com as atitudes humanas.

O fato é que a quantidade que pescavam não dava, muitas vezes, nem mesmo para as despesas da embarcação.

Mas era o ofício que aprendera.

Quando criança, acompanhando seu pai na pescaria, ouvia seu genitor contar estórias de peixes grandes, tubarões e enormes baleias. Barcos que apareciam e desapareciam em um passe de mágica.

Até uma estória que lhe contara Luiz Fausto de Medeiros, lá das areias brancas, sobre um pescador que lutou com um tubarão, bravamente, e conseguiu matá-lo.

Zé Pequeno ouvia fascinado. Contudo, não acreditava nessas conversas. Eram estórias de pescador.

Tinha um pouco de estudo e apenas sorria com esses devaneios. As estórias, sem dúvida, eram para passar o tempo e tornar a viagem menos cansativa e enfadonha.

Certa feita, já adulto, lá pelas bandas da praia do Cristovão, Zé Pequeno estava no barco, acordado à noite, pensando na vida. Os companheiros estavam dormindo, vencidos pelo cansaço.

De repente, viu, próximo a embarcação, algo se mexer na escuridão. Levantou-se e focou com uma lanterna. Aquilo emergia e submergia com enorme rapidez. Será um peixe grande? Pensou.

Visualizou, entretanto, uma mulher. Os cabelos eram compridos, como naquele livro de um escritor das terras alencarinas que, apesar de não ser afeito à leitura, lera na escola: “Tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira”.

Uma sereia? A cachaça, certamente, tinha subido à cabeça.

Contudo, o vulto não parava. Deslizava na água igual a um peixe. O espectro o olhava e o encantava. Ouvia-se um canto suave. Por pouco não caiu em tentação e mergulhou em busca do desconhecido.

Após alguns minutos o mar serenou e aquilo, fosse o que fosse, desaparecera.

Pela manhã, contou aos amigos o que tinha visto. Ninguém acreditou, decerto. Riram e afirmaram que era melhor jogar a cachaça no mar, pois devia estar “batizada”, ante o que acabara de relatar.

A vida e a pescaria continuaram.

Por muitos e muitos anos sempre voltava ao mesmo local na vã esperança de reviver aquele momento. Nunca mais viu ou ouviu o canto que o fascinou.

Com o tempo, Zé Pequeno ensinou o ofício ao filho e contou-lhe várias vezes o ocorrido. O menino ficava com os olhos fixos e brilhando, igual ficava em sua infância.

Até o último dos seus dias jurava que a sereia do Cristovão não era estória de pescador.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 22/09/2019 - 08:48h

Candidaturas laranjas no ambiente partidário-eleitoral do país

Por Odemirton Filho

A Lei n. 9.504/97 – Lei das eleições – prevê que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Com efeito, é uma ação afirmativa que tem como escopo valorizar, sobretudo, a participação da mulher no processo político-eleitoral.

Não é novidade que os partidos políticos, para atender a determinação da Lei, preencham o percentual exigido com mulheres que, na prática, não irão às ruas em busca de votos. São, no mais das vezes, formalmente candidatas, laranjas, que se diga.Diante desse quadro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu um precedente interessante que deverá ter plena aplicabilidade nas eleições de 2020.

Assim, no último dia 17, “por maioria de votos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu manter a cassação de seis vereadores eleitos em 2016 na cidade de Valença do Piauí (PI). Eles foram acusados de se beneficiar de candidaturas fictícias de mulheres que não chegaram sequer a fazer campanha eleitoral”. (Fonte TSE).

Para fundamentar o seu voto, o ministro Barroso asseverou “que o se identifica aqui é um claro descompromisso dos partidos políticos quanto à recomendação que vigora desde 1997”.

Com isso, por clara ofensa aos ditames da Lei, os eleitos tiveram seus mandatos cassados por, segundo o TSE, terem participado de uma coligação fictícia, já que as mulheres que compunha a chapa não fizeram campanha eleitoral, isto é, foi uma verdadeira fraude eleitoral.

No mesmo sentido, foi o voto da ministra Rosa Weber, presidente do Colendo TSE:

“Este Tribunal Superior tem protagonizado a implementação de práticas que garantam o incremento da voz ativa da mulher na política brasileira, mediante a sinalização de posicionamento rigoroso quanto ao cumprimento das normas que disciplinam ações afirmativas sobre o tema”.

Desse modo, para as eleições municipais do próximo ano, é mister que os partidos políticos apresentem candidatas que, de fato, queiram conquistar o voto do eleitor, sob pena de ver os eleitos pela agremiação partidária perderem o mandato que conquistaram.

Em verdadeiro respeito ao objetivo das cotas de gênero.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 15/09/2019 - 08:28h

A celeuma em torno de uma lei que diz muito ao brasileiro

Por Odemirton Filho

O abuso de autoridade acontece quando o agente público, exercendo as suas funções, desborda do razoável que deve pautar a conduta de um representante do Estado.

Nesse sentido, depois de muita celeuma, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou a nova Lei do abuso de autoridade (Lei n.13.869/19), com 36 (trinta e seis) vetos ao texto aprovado pelo Congresso Nacional. A Lei entrará em vigor 120 (cento e vinte) dias após a publicação, que ocorreu no último dia 05.Referida legislação define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. (Art. 1º).

Diz a mencionada norma que as condutas descritas constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. (Art. 1º, § 1º).

Será sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território.

Reputa-se agente público, para os efeitos da Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo artigo segundo.

Em relação aos crimes destacam-se as seguintes condutas ilícitas:

O agente público que decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo passará a ser sancionado.

Nesse aspecto, é bom lembrar o fato ocorrido com o ex-presidente Lula (PT) quando foi conduzido, coercitivamente, pela Policia Federal para prestar depoimento, a mando do ex-juiz Sergio Moro, gerando enorme controvérsia no meio político e jurídico à época do fato.

No mesmo sentido, constitui crime, o agente público prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

Além disso, constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo e, ainda, submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações, são, também, tipificações penais da nova lei.

Sanciona-se, de igual modo, quem mantiver, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Ou mantiver, também, presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:

Tem-se, ainda, que invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei também será passível de punição.

Nos crimes de corrupção é comum que se proceda o bloqueio de valores em poder dos criminosos ou de terceiras pessoas.

Assim, decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigir, configurará crime, de acordo com a Lei.

Uma inovação interessante é a que sanciona àqueles que pedem vista em processos judiciais e passam uma eternidade para devolvê-los.

Agora, demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento é crime.

Constitui crime, também, realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Para a apuração dos crimes previsto na citada Lei aplica-se, no que couber, o rito do Código de Processo Penal e da Lei dos Juizados Especiais.

Os efeitos da condenação pelo crime de abuso de autoridade serão tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos, a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos e a perda do cargo, do mandato ou da função pública, independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.

Cabe destacar que algumas Associações de Magistrados, do Ministério Público e da Polícia se manifestaram contra a norma, por entenderem que há um enfraquecimento em suas atividades institucionais, sobretudo, no combate aos crimes de corrupção.

Por outro lado, os defensores da lei a reputam imprescindível, pois assegura os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, vez que, notadamente, existem excessos por parte de alguns agentes públicos.

O fato é que o Congresso Nacional poderá derrubar os vetos do presidente, fazendo a Lei viger nos moldes que foi aprovada. Há quem entenda que, ao vetar alguns pontos, o presidente comprou briga com o Parlamento. É esperar para ver.

Destaque-se que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configurará abuso de autoridade, isto é, não teremos o chamado crime de hermenêutica, garantindo-se o livre convencimento dos julgadores.

Por fim, ressalte-se, que a Lei poderá ser questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), podendo ser declarado inconstitucional todo o texto – o que é improvável – ou apenas alguns de seus artigos, o que me parece crível.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 08/09/2019 - 08:18h

A moça da praça

Por Odemirton Filho

Passos apressados. Precisava chegar ao trabalho no horário do expediente, pois tinha se atrasado algumas vezes e o patrão já reclamara.

O caminho que percorria sempre passava pelo mesmo lugar: a praça Vigário Antônio Joaquim, defronte à Catedral de Santa Luzia, em Mossoró.

Uma cena, todavia, chamava a sua atenção: havia sempre uma moça sentada no banco da praça, folheando um livro.

Como tinha pressa, não a observava de forma mais acurada, apenas de soslaio. Porém, como a cena era recorrente, começou a se interessar pela presença da jovem. Ela vestia roupas simples, mas possuía um belo semblante.

Algumas vezes, apesar do pouco dinheiro, comprava um jornal na banca do saudoso “Zé Maria”, a fim de ter um motivo para vislumbrar aquela moça.

Nos dias seguintes começou a acordar mais cedo, sempre com o intuito de chegar a praça e ver a desconhecida que tanto o encantava e o intrigava.

Certo dia, arriscou cumprimenta-la e, de forma educada, a jovem respondeu com um sorriso.

Em uma ocasião, tomou coragem, parou e puxou um dedo de prosa. Disse-lhe que estava curioso, pois sempre a via sentada no banco, quase no mesmo horário.

Ela, de forma gentil e com a voz suave, respondeu-lhe que sempre assistia à missa das 06h na Catedral e depois gostava de ficar sentada no banco, lendo e, de quando em vez, acompanhando o voo dos pombos que faziam morada nos arredores da praça.

Como dizia ela: apreciando o simples da vida.

Com o passar dos dias, ele sempre chegava cedo para que pudesse conversar com sua nova amiga, que tinha um “papo” agradável.

A jovem, pedindo reservas, disse-lhe que estava doente e o médico tinha lhe dado pouco tempo de vida.

Quem passasse pela praça acharia que se tratava de um casal enamorados, mas, na verdade, ali estava uma bela amizade. Com o tempo, ambos confidenciavam seus segredos e medos.

Ela o encorajava a buscar um novo emprego e continuar os estudos. Ele, por outro lado, dizia-lhe que tivesse fé, pois ainda viveria muitos anos.

Completavam-se.

Um dia, como de costume, saiu cedo de casa para conversar com sua jovem amiga, contudo, não a encontrou.

Outros dias sucederam e não a encontrava. Começou a ficar aflito.  Entretanto, depois de muito procurar, soube que sua amiga tinha falecido há alguns dias.

A vida continuou, decerto. Porém, ao fazer seu caminho diário e atravessar a praça os olhos marejavam e vinham à mente as mais doces lembranças.

Alegre somente o sobrevoo dos pombos na praça Vigário Antônio Joaquim, no Teatro Lauro Monte Filho e na Catedral de Santa Luzia.

O simples da vida.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 01/09/2019 - 10:00h

‘Fake News’ eleitoral terá sempre um adversário à espreita

Por Odemirton Filho

Quando um projeto de lei é votado no Congresso Nacional, após provação pelos parlamentares de acordo com o quórum exigido, é enviado à Presidência da República a fim de que o chefe do Executivo sancione ou apresente vetos, seja a artigos específicos ou ao texto em sua inteireza.

Entretanto, caso o Congresso Nacional discorde dos vetos apresentados pelo presidente, poderá derrubá-lo. Foi o que ocorreu no último dia 28 em relação à lei 13.834/19.Destarte, o Parlamento derrubou o veto do Presidente da República que punia quem replicasse notícias falsas, “fake news”, com manifesta finalidade eleitoral, de acordo com o parágrafo terceiro da mencionada lei, que acrescenta o art. 326-A ao Código Eleitoral.

Na Câmara dos deputados foram 326 votos pela derrubada do veto e 84 pela manutenção. Já no Senado Federal foram 48 votos contra o veto e 06 a favor.

Com isso, a pena para quem divulga ou compartilha notícias falsas com objetivo eleitoral será de dois a oito anos de reclusão.

O texto do artigo 326-A do Código Eleitoral ficará com o seguinte teor:

“Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º  A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto.

§ 2º  A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

§ 3º  Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído”.

Ressalte-se que a pena só será aplicada quando for comprovado que o acusado sabia da inocência do candidato em relação à notícia que divulgou ou replicou, com manifesta finalidade eleitoral.

É de se imaginar quantos inquéritos policiais serão instaurados e quantas ações penais eleitorais serão ajuizadas perante o Poder Judiciário.

No próximo ano, quando teremos eleições municipais, os ânimos ficarão mais exaltados. Sabe-se que quanto menor a cidade, maior a polarização entre os contendores.

No mundo virtual, palco de discussões intermináveis e ácidas, não será fácil para a Justiça Eleitoral usar mecanismos que impeçam, ou minimizem, a propagação de fake news eleitoral.

Nesse contexto, as assessorias jurídica e de marketing dos candidatos terão que redobrar a atenção para que o candidato e seus partidários não incorram no tipo penal eleitoral ora explicado.

Desse modo, o cidadão/eleitor que navega sem parar nas redes sociais e defende de modo ferrenho seus candidatos terá que ser comedido, certificando-se que a notícia que divulga ou compartilha no tocante ao candidato opositor não é falsa, sob pena de ser processado e julgado.

É bom lembrar que o adversário sempre estará à espreita.

Odemirton Filho é bacharel em direito e oficial de Justiça

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domingo - 25/08/2019 - 07:38h

Um filme queimado e o cabo de guerra à brasileira

Por Odemirton Filho

No Brasil contemporâneo não é fácil filtrar as informações que chegam pelas redes sociais e outros veículos de comunicação.

A sociedade é bombardeada, diuturnamente, com notícias de todos os tipos, violência, carência de serviços públicos, o fraco desempenho da economia, o desemprego, a política do país e os fatos do cotidiano.

O ambiente político, sobretudo, é useiro e vezeiro em produzir notícias, muitas vezes destituídas de verdade, as chamadas fake news.

O que se almeja, na maioria dos casos, é construir ou destruir reputações de algumas pessoas ou esconder a realidade. Tudo para defender ou achacar esse ou aquele político.

Assim, a sociedade fica à mercê de notícias infundadas, que escondem a verossimilhança dos fatos.

Desde a campanha passada, ou, talvez, desde sempre, o brasileiro se ver em uma guerra de informações de todo o tipo.

Atualmente, na era da internet, muitos compartilham notícias falsas, não se dando ao trabalho de verificar a sua autenticidade.

No Brasil existem notícias para todos os gostos e desgostos. Se há um alinhamento à direita, defende-se, com fervor, as ações do seu político de estimação.

Ao contrário, se o viés é à esquerda, de igual modo, incensa-se as atitudes dos seus ídolos.

Nesse fogo cruzado, se o cidadão não coaduna com nenhuma tendência político-partidária fica órfão da verdade.

É certo que não se pode cobrar isenção de quem escreve ou ler algum texto, pois, como dizia o filósofo, “não há fatos, apenas interpretações”, haja vista todos terem o seu ponto de vista ou tendência ideológica.

Todavia, é imprescindível que o cidadão comprove a veracidade da informação fazendo consulta a várias mídias, além de analisar o contexto dos fatos.

Nos últimos dias as informações sobre o que está acontecendo na Amazônia viraram um cabo de guerra.

Dados, estatísticas, fotos de animais, da devastação, das queimadas, enfim, tudo que possa subsidiar a opinião daqueles que vivem a se digladiar nas redes sociais.

Para agravar, o presidente da República insiste em colocar lenha na fogueira, no intuito de tornar o ambiente político-eleitoral cada vez mais beligerante e polarizado.

E, o pior, seja verdade ou não a extensão dos danos causados à floresta o mundo inteiro presencia esse espetáculo deprimente.

Por fim, não é novidade, o filme do Brasil, junto com a fauna e a flora, anda queimado há tempos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 18/08/2019 - 07:38h

Igualdade de gênero no parlamento

Por Odemirton Filho

Com o objetivo de tornar isonômico a representatividade, recentemente o Governo da Argentina regulamentou uma lei que garante a igualdade de cadeiras entre os gêneros no Parlamento.

Em razão disso, nas eleições que se realizarão em outubro deste ano, haverá paridade no Congresso Nacional do país vizinho.

No Brasil, ao contrário, apenas 15% das mulheres tem assento no Congresso Nacional. Nas eleições de 2018 somente uma mulher, Fátima Bezerra, foi eleita para governar o estado do Rio Grande do Norte. Em 2016, apenas 11,57% de mulheres foram eleitas para o cargo de prefeito.Dos inúmeros acima se infere como é desigual a representatividade no âmbito dos cargos eletivos da política brasileira.

Desse modo, para mudar esse quadro tão díspar, o Brasil deveria seguir o exemplo dos “hermanos”, contemplando a igualdade de gênero nos vários cargos públicos que compõem a nossa estrutura de representação popular.

Para bem entender o tema, cabe destacar que “Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”. Scott, 1995.

Esclareça-se, por oportuno, que “identidade de gênero é a maneira como uma pessoa se identifica na sociedade, levando em consideração que sexo e gênero são conceitos distintos”.

Entretanto, a despeito da relevância o tema, o Brasil está debruçado, atualmente, sobre uma única pauta: a reforma da Previdência.

Assim, com a aprovação da reforma da Previdência pelo Senado, o Governo Federal deverá enveredar em busca da reforma tributária, além de redesenhar um novo pacto federativo entre a União, os estados e os municípios.

Com isso, a reforma política, de igual modo importante, fica engavetada nos intramuros do Congresso Nacional.

Aliás, reformular o modo de se fazer política neste país nunca teve a importância devida, haja vista o desinteresse daqueles que estão no vértice da pirâmide em manter o status quo.

Pontos cruciais deveriam ser postos à mesa, como a igualdade de representação de gênero nos Parlamentos (federal, estadual e municipal), o fim da reeleição, a unificação das eleições, o voto facultativo, o voto distrital, o voto em lista fechada, o fim do suplente de senador, entre outros.

Sobreleve-se, ainda, que há quem entenda que a igualdade da representatividade de gênero deveria ser observada em todos os quadrantes da sociedade, o que mostra a amplitude e relevância do presente assunto.

Nesse contexto, assevera o advogado e professor, Fernandes Neto, em seu livro Partidos Políticos – Desafios Contemporâneos:

“É importantíssima a extensão das cotas de gênero, pelo menos na mesma proporção da imposta aos partidos, à cúpula dos poderes Executivo e Judiciário; a reserva das cotas em todos os tribunais superiores, Tribunal de Justiça Federal, Justiça do Trabalho e Justiça Estadual, bem como o primeiro escalão do Poder Executivo, em todas as suas esferas”.

Observa-se, todavia, que o tema ainda é pouco explorado nas discussões sobre a reforma política, sendo desconhecido de parcela significativa da sociedade brasileira. É imprescindível, destarte, jogar luz sobre o assunto.

Portanto, é preciso incentivar e instituir meios legais que assegurem a igualdade de gênero em um maior número de cargos públicos, eletivos ou não, ocupando-se um espaço que sempre foi eminentemente desigual.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Artigo
domingo - 11/08/2019 - 04:08h

Simplesmente pai

Por Odemirton Filho

Pai herói? Não, não sou.

Em minha fragilidade humana procuro desbastar a pedra bruta que sou, em um constante talhar daquilo que pretendo ser.

Imperfeições, sentimentos diversos, risos e lágrimas. Encantos e desencantos. Sonhos e frustrações.

Talvez não tenha despendido a atenção devida aos meus filhos. Tentei e tento, sempre.

Nos meus braços embalei o seu sono. Desajeitado, é certo, mas com um carinho que dediquei a poucos.

Talvez nem seja um bom filho, mas, diuturnamente, procuro ser um bom pai.

Entre os meus inúmeros erros, quiçá, um acerto. A minha paga é a gratidão daquele sorriso sincero.

As ausências cotidianas, as poucas palavras e, às vezes, uma certa rispidez não condizem com a serenidade do amor. Foram, apenas, consequência do humano que sou.

Não me interessam os presentes caros, mas somente a presença daqueles que me fazem bem. Me fazem sorrir. Me fazem ser melhor.

Não me importa se a data foi criada para movimentar o comércio. O que vale é a presença ou, simplesmente, uma ligação. A lembrança.

Quantas vezes neguei um presente ou mesmo um afago. Quem sabe absorto em meus pensamentos para ser melhor ou dar-lhes o melhor.  Ofertar o imaterial, aquilo que não se compra, que não tem preço.

Em um mundo no qual a falta de solidariedade, a disputa e a inveja são recorrentes, um pouco de amor nos faz bem.

Por fim, desculpe-me, errei mais do que acertei.

Sou, simplesmente, pai.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 04/08/2019 - 08:48h

Denunciação caluniosa eleitoral

Por Odemirton Filho

O processo eleitoral brasileiro se caracteriza, no mais das vezes, pela ausência de equilíbrio e boa-fé entre os candidatos e seus correligionários.

Troca de acusações, palavras de baixo calão e outros métodos nada republicanos informaram, ao longo do tempo, os nossos pleitos eleitorais.

Assim, não é incomum que, em decorrência desse comportamento, se instaurem inquéritos policiais e sejam ajuizadas ações perante o Poder Judiciário para se apurar os fatos narrados e reparar, eventualmente, os danos.

Como a disputa é desleal alguns candidatos e, sobretudo, seus partidários usam dos mais diversos expedientes para desqualificar o oponente e tentar ganhar a eleição.Não se exaltam as próprias qualidades, ao contrário, procura-se caluniar o adversário, atribuindo-lhe fatos que possam desabonar sua conduta.

“A calúnia, segundo Sócrates, é uma meia verdade, um sofisma de construção muito inteligente que induz ao erro a quem é dirigido”.

Segundo Péricles “é uma afirmação falsa, desonrosa e desconexa a respeito de alguém ou algo, inclusive mortos ou acabados no tempo, que se soma a uma verdadeira ação, criando um dilema”.

Às vezes, os fatos imputados ao oponente não condizem com a verdade, todavia o dano à imagem do adversário já ocorreu.

Atualmente, em razão das redes sociais, as notícias circulam de forma instantânea e, dificilmente, se consegue reverter o que está circulando no ambiente virtual.

O Código Penal prevê o crime de calúnia no art. 138 quando diz que caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime é sancionado com uma pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.

Nesse sentido, tentando coibir essas atitudes, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou a lei 13.834/19 que altera a Lei nº 4.737/65- Código Eleitoral – para tipificar o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral.

Assim, dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral, terá pena de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. (Art. 326-A).

A nova tipificação penal eleitoral prevê, como se observa, que atribuir também a prática de ato infracional, isto é, aquele análogo a crime, praticado por adolescente, passará a ser sancionado.

Note-se que o criminoso sabe que o acusado é inocente, mas no intuito de desqualificá-lo dá azo para que se instaure uma investigação policial ou uma demanda judicial.

Ademais, com a atribuição de fato sabidamente inverídico, com manifesta finalidade eleitoral, tem-se um desequilíbrio na disputa eleitoral, com clara ofensa aos princípios democrático e republicano.

Vale destacar que é corriqueiro que se atribua ao adversário a prática de atos de improbidade administrativa, a fim de desestabilizar a sua pretensão ao cargo eletivo ou a higidez de seu mandato.

Desse modo, acusar o oponente de corrupto ou de ímprobo é atitude de praxe.

Ressalte-se que são três os atos que podem configuram improbidade administrativa, quais sejam, atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento Ilícito, atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Essa multiplicidade de atos que caracterizam improbidade administrativa, além de outros que podem constituir abuso de poder econômico e/ou político, formam um verdadeiro arsenal para aqueles que querem minar a candidatura do adversário, mesmo que tais atos ilícitos sejam inexistentes.

Portanto, com a entrada em vigor da mencionada lei, espera-se que se possa inibir ou, pelo menos, minimizar a prática dessas denunciações caluniosas, punindo aqueles que ofendem a honra dos contendores e desmerecem o processo eleitoral.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 28/07/2019 - 08:02h

Discurso de ódio e honra em xeque

Por Odemirton Filho

Não bastassem as fake news que se tornaram corriqueiras nas redes sociais, divulgando notícias falsas que desinformam e destroem a honra subjetiva e objetiva das pessoas, temos, ainda, o que se chama de hate speech (discurso de ódio).

Tal comportamento revela a face odiosa de pessoas que agridem o semelhante da forma mais vil. Comportamentos misóginos, racistas, homofóbicos, machista, entre outros, são a tônica do mundo virtual.

Conforme João Trindade Cavalcante Filho, “o discurso do ódio pode ser entendido como uma forma de exercício da liberdade de expressão como prerrogativa para o insulto de pessoas ou grupos de pessoas, propagando o ódio baseado em motivos como raça, religião, cor, origem, gênero, orientação sexual”.Assim, alguns agem como se as redes sociais fossem um território sem lei, de forma desmedida, sem o menor pudor ou respeito por seu semelhante.

Nos últimos tempos os partidários, na verdade convertidos, de políticos dos mais variados espectros, agridem-se.

Não existe diálogo baseado em argumentos para refutar o interlocutor, apenas emitem   opinião sem um embasamento crítico-reflexivo.

Ou seja, a opinião não muda os fatos, mas os fatos deveriam mudar a opinião. Discordar faz parte de qualquer diálogo, sobretudo, na democracia, agredir, não.

As redes sociais, é certo, aproximaram as pessoas e socializaram o conhecimento, mas revelaram, até de pessoas do nosso círculo familiar e social, pensamentos e atitudes inimagináveis.

Quem profere discurso de ódio poderá responder criminalmente. Além, é claro, da devida indenização por dano moral.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já teve a oportunidade de se pronunciar sobre os discursos de ódio (hate speech) no HC 82.424 (caso Ellwanger), julgado em 17.9.2003, ocasião em que denegou ordem pleiteada por um escritor de livro com conteúdo racista e antissemita, por entender caracterizado o tipo do art. 20 da Lei 7.716/89.

O STF concluiu que a liberdade de expressão não alcança a intolerância racial e o estímulo à violência, sob pena de sacrificar inúmeros outros bens jurídicos de estatura constitucional.

O Brasil vem há algum tempo dividido politicamente, sendo que os próprios líderes alimentam essa cisão.

À guisa de exemplo, para aumentar o fosso, o presidente da República apontou sua “arminha” verbal contra os nordestinos, quando, de forma deselegante, para não dizer xenofóbica, fez referência aos “governadores de Paraíba”.

Há quem afirme que o presidente incorreu em ilícito, pois serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Art. 1. da Lei 7.716/89).

O fato é que Bolsonaro tem sido recorrente em atitudes dessa natureza, denotando destempero e despreparo, como parte de sua idiossincrasia.

Por outro lado, os seguidores do ex-presidente Lula também jogam lenha na fogueira da discórdia, ajudando a desconstruir um debate que deveria ser plural.

Isto é, não há razoabilidade nos extremos, seja de qualquer viés ideológico.

Cumpre destacar, ainda, o uso de robôs para impulsionar notícias falsas e discursos de ódio, bem como as milícias virtuais, tornando as redes sociais, muitas vezes, um ambiente inóspito.

É de se indagar: diante do que estamos vendo no mundo virtual, ainda cabe afirmar que o povo brasileiro é tolerante e que não existem preconceitos?

Desse modo, enquanto ficamos nos digladiando no vazio das notícias falsas e do discurso de ódio para defender e incensar pessoas que se deleitam em privilégios, o país segue firme em sua interminável crise social e econômica e, talvez, moral.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 21/07/2019 - 11:16h

Nepotismo – o poder para defender ‘primeiro os meus’

Por Odemirton Filho

Não é de hoje que querem transformar o Brasil em um feudo. Políticos dos mais variados matizes procuram lotear o poder, distribuindo cargos e benesses aos seus familiares e amigos.

O concurso, regra para investidura em cargos públicos, é visto de soslaio, pois dificulta a indicação de parentes e dos mais chegados para as diversas funções na Administração Pública.

É comum que governadores e prefeitos indiquem seus familiares e filhos para fazer parte do secretariado, mesmo que não tenham conhecimento técnico em relação à Pasta.

Nessa toada, parece que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) quer manter a tradição. Não bastassem os seus arroubos, agora colocou na cabeça que indicará o seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL), para ser Embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Qual o problema? Indagam alguns.

Não se pode duvidar, é certo, da capacidade intelectual do indicado, do seu inglês e de seus dotes culinários para fritar hambúrgueres.

Todavia, ser Embaixador exige outros predicados. A função requer experiência no trato das relações internacionais, conhecimento dos Tratados e Convenções dos quais o Brasil é signatário, além, é claro, de expertise para exercer tão nobre mister.

Sobre a questão, o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Ricupero, considerou que a nomeação de Eduardo Bolsonaro, sem carreira diplomática ou estudos de Relações Internacionais, seria um ato “sem nenhum precedente, nem na nossa história, nem na de nenhum país civilizado democrático”.

E acrescenta: “só um monarca absoluto, como os reis árabes do Golfo, pode fazer uma coisa desse tipo. Em países modernos, eu não conheço nenhum exemplo”.

Destaque-se, ainda, a Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal (STF) que diz:

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Ou seja, proíbe o nepotismo nos casos que especifica.

Entretanto, o próprio STF entende que a nomeação para cargo político (ministro de Estado, secretário de Governo ou de Município) não viola o comando da mencionada Súmula.

Vejamos:

“Direito Administrativo. Agravo interno em reclamação. Nepotismo. O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 a cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral. Precedentes. Não há nos autos qualquer elemento que demonstre a ausência de razoabilidade da nomeação. (Rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 29-5-2018, DJE 125 de 25-6-2018).

Desse modo, se a nomeação do filho do presidente for questionada perante a Corte Maior, e essa afirmar que o cargo de Embaixador tem natureza política, será afastada qualquer pecha de nepotismo, salvo se o STF considerar que o indicado não tem qualificação técnica ou idoneidade moral para assumir o encargo.

Contudo, se não for nepotismo, é moral a indicação do filho do presidente?

A Constituição Federal aduz que são princípios da Administração Pública a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

Ensina o professor Hely Lopes Meirelles que “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto”.

Com isso, de acordo com o princípio da moralidade, o gestor deve pautar sua conduta com retidão, não se deixando levar pelos encantos do poder que levam a atos que desbordam da ética.

Destarte, para um presidente que pavimentou sua vitória alardeando que faria “uma nova forma de fazer política”, mostrou-se mais do mesmo.

Portanto, a indicação do filho do presidente à Embaixada dos EUA poderá não ser considerada nepotismo, no entendimento do STF, mas ferirá, no mínimo, o princípio da moralidade administrativa.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 14/07/2019 - 07:22h

Os fins justificam os meios?

Por Odemirton Filho

Nicolau Maquiavel (1469-1527) engendrou em sua obra O Príncipe os contornos da ciência política, ensinando aos governantes princípios que deveriam adotar para conduzir as sociedades nas quais estavam à frente.

Em razão disso, é lugar-comum que se atribua a Maquiavel a frase “os fins justificam os meios”. Entretanto, há vozes dissonantes, negando que o filósofo tem dito tal assertiva.

Deixando ao lado essa discussão e contextualizando a frase em relação às conversas entre o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, e o Procurador da República, Deltan Dallagnol, na condução da Operação Lava-Jato, passo a discorrer sobre os últimos acontecimentos a esse respeito.Nas supostas conversas divulgadas pelo site The intercept Brasil, em parceria com meios de comunicação como a revista Veja e a Folha de S. Paulo, aparecem diálogos, digamos, nada recomendáveis entre um magistrado e as partes de um processo.

A princípio, vale ressaltar, que não se estar a afirmar que as conversas sejam verossímeis, porquanto ainda não houve uma perícia para constatar a autenticidade dos diálogos.

Doutro lado, não se entrará no mérito da condenação do ex-presidente, mesmo porque já corroborada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mas somente a título de argumentação, para suscitar o bom debate, é de se indagar: e se forem comprovadas a autenticidade das conversas?

O ministro, é certo, já rebateu, ora dizendo que não confia na autenticidade, ora afirmando que, se forem verdadeiras, não ver nada demais, pois era penas um diálogo corriqueiro entre um juiz e uma parte processual.

Entre as muitas conversas divulgadas pelas reportagens algumas afirmam que Moro indicou provas a serem apresentadas.

O juiz pode produzir provas para instruir o processo e formar o seu convencimento?

Inicialmente, cumpre destacar, que o processo nasce com a propositura da ação pela pessoa que teve um direito violado ou está na iminência de ser.

Ou seja, a parte autora ajuíza uma ação perante o Poder Judiciário, pois o magistrado não pode iniciar o processo (princípio da inércia da Jurisdição).

Entretanto, após a propositura da ação, o juiz deve dar andamento à lide (processo), despachando requerimentos das partes, marcando audiências de conciliação ou de instrução, enfim, impulsionando-a até a prolação da sentença. (princípio do impulso oficial).

O Código de Processo Civil (CPC) diz que caberá ao juiz, de ofício (iniciativa própria) ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. (Art. 370).

No mesmo diapasão, o Código de Processo Penal (CPP) reza que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de oficio: ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. (Art. 156).

Desse modo, o juiz pode ordenar a produção de provas para formar o seu convencimento e prolatar a decisão.

Porém, a meu ver, indicar uma prova específica, como fez o ex-juiz, não parece ser uma conduta que denota imparcialidade.

Ademais, nos diálogos apresentados, até o momento, observam-se outros tipos de conversas, entre elas, aconselhamentos sugerindo medidas, o momento ideal para realizar operações e a conveniência ou não da interposição de recursos.

É bom ressaltar que há uma relação no processo entre a forma e o conteúdo. De um lado a forma que deve ser observada pelo juiz, isto é, assegurando às partes o devido processo legal.

Por outro lado, o conteúdo, ou seja, o mérito da questão, se houve ou não, no caso específico de Lula, a prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo o TRF-4 e o STJ, sim, pois confirmaram a sentença de Moro.

Mas se a forma foi inobservada, pois o magistrado que sentenciou o ex-presidente agiu, conforme alguns, em conluio com o Procurador da República, o processo é nulo?

Há um aspecto a ser destacado. A nossa Carta Maior diz que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Com isso, no vazamento dos diálogos, a ilicitude é manifesta, ante a quebra do sigilo.

No caso, para alguns, diante da autoria e materialidade dos crimes e da condenação em três instâncias, o que vale é que Lula cometeu os ilícitos e deve continuar preso, mesmo com clara ofensa à forma, ou seja, ao devido processo legal, prevalecendo-se o conteúdo.

Para outros, todavia, o processo deve ser nulo, mesmo que Lula tenha cometido os crimes, pois em um Estado de Direito não se pode transacionar com princípios e garantias fundamentais. Se hoje foi Lula, amanhã poderá ser qualquer um de nós.

Assim, diante da celeuma, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição da República, julgar um Habeas Corpus que alega a suspeição do então juiz Moro, talvez levando- se em conta as conversas e áudios até o momento divulgados.

Por fim, pergunta-se:

Para você, caro leitor, se comprovada a veracidade dos diálogos e áudios, mesmo assim os fins justificam os meios?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 07/07/2019 - 07:38h

A social democracia ruiu?

Por Odemirton Filho

A social democracia surgiu da cisão do socialismo marxista. Enquanto no socialismo proposto por Marx os meios de produção seriam socializados, na social democracia há uma intervenção do Estado, promovendo justiça social dentro de um sistema capitalista.

Porém, se a economia vai mal, o Estado não consegue fazer frente as suas despesas, necessitando socorrer-se de empréstimos para financiar seus gastos.Assim, emite Títulos do Tesouro Nacional a fim de conseguir dinheiro para cobrir suas despesas correntes (gastos com administração e serviços públicos, como salários de servidores, benefícios sociais etc). Para isso necessita de autorização expressa do Congresso Nacional, como recentemente requereu o governo Bolsonaro para conseguir R$ 248 bilhões.

Com efeito, é inegável que o Estado do bem-estar social necessita de uma economia pujante para que possa garantir o mínimo de assistência à sociedade, seja em saúde, educação ou segurança pública.

Não há segredo, dizem aqueles que defendem o liberalismo democrático. O Estado não pode financiar tudo e todos, é preciso que o mercado se autorregule e possa deixar a livre iniciativa conduzir a economia.

No Brasil, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (Art. 170 da CF).

Ou seja, a livre iniciativa e a justiça social devem caminhar juntas.

NÃO HÁ DÚVIDA que o Produto Interno Bruto (PIB) necessita crescer, sendo imprescindível que haja investimentos em vários setores da economia, com na indústria, no comércio e no setor de serviços, gerando emprego e renda e, consequentemente, impostos, a fim de o Estado conseguir arrecadar dinheiro para arcar com seus compromissos.

Como sabemos a economia do Brasil vem combalida, com baixo ou nenhum crescimento do PIB e com sucessivos déficits nominais.

Em 2018 o déficit nominal, formado pelo resultado primário e os gastos com juros, atingiu R$ 487,442 bilhões, o que corresponde a 7,09% do PIB. (Agência Brasil).

Para reverter esse desequilíbrio fiscal a reforma da Previdência é somente uma das medidas para o ajuste fiscal das contas públicas, garantindo ao mercado financeiro um panorama favorável para aportar seus investimentos.

Aliás, a reforma da Previdência deverá ser votada na Câmara dos Deputados nos próximos dias e, se mantido o texto da Comissão Especial, espera-se uma economia de um trilhão de reais em dez anos.

Todavia, diga-se, é preciso ir além com a reforma tributária e um novo pacto federativo, desvinculando-se receitas da União, estados e municípios.

A rigor, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem levantado a bandeira dessa descentralização de recursos. Esperamos que assim o seja, evitando-se a barganha política da União com os demais entes federativos.

Portanto, se o Estado não pode ser grande, também não pode ser mínimo, a ponto de fechar os olhos para milhões de pessoas que estão à margem da sociedade, seja por incompetência administrativa ou pela malversação de recursos por parte de alguns agentes públicos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 30/06/2019 - 10:30h

Faz somente seis meses, “taokey”?

Por Odemirton Filho

O governo do presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL) chegou aos seis meses. Com sua linguagem coloquial e costumeiros arroubos, o presidente vem se notabilizando por dizer aquilo que lhe vem à cabeça, sem receio de ofender quem quer que seja.

É nítida a sua incapacidade para articular ideias e proferir um discurso coeso, não muito diferente, nesse particular, da ex-presidente Dilma Rousseff.

Com efeito, todo início de mandato traz a inexperiência daqueles que ainda não estão afeitos à máquina administrativa, sobretudo, porque o presidente nunca esteve à frente de qualquer Poder Executivo.

A equipe que formou, tem como expoentes os ministros Paulo Guedes, conduzindo a Pasta da Economia, e o ministro Sérgio Moro, capitaneando o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

É precipitado, a meu ver, creditar fracasso ao governo. Ainda há um longo caminho para concluir seu mandato (se concluir). Porém, já se pode antever qual seu será o seu estilo de governar.

A pauta conservadora dos costumes será uma constante, além de se imiscuir em debates nas redes sociais que somente inflamam o já politicamente dividido país.

O presidente, como se diz, ainda não desceu do palanque e insiste em travar disputas ideológicas que nada acrescentam ao seu governo, como o combate ao tal marxismo cultural e a ideologia de gênero.

Com o Congresso Nacional a relação do governo é feita de altos e baixos, não sendo tão harmoniosa como prevê a Constituição Federal, a despeito do presente ter estado no Parlamento por quase trinta anos.

Na seara econômica o ministro Paulo Guedes tem envidado esforços com o escopo de aprovar a Reforma da Previdência, como crucial para equilibrar as contas públicas e atrair investimentos.

Entrementes, é interessante notar, que os especialistas na área econômica asseveram que somente a reforma previdenciária não é suficiente para retirar o país da crise e fazer o Produto Interno Bruto (PIB) voltar a crescer de forma significativa.

Uma das principais promessas de campanha do então candidato à Presidência era a ampliação do porte e posse de armas o que, de fato, cumpriu, expedindo Decreto nesse sentido.

Contudo, posteriormente, ante a resistência do Congresso Nacional, revogou o Decreto e expediu três novos, além de projeto de lei sobre o tema.

Nessa mesma linha, o ministro Moro encaminhou seu pacote anticrime ao Parlamento, todavia, a tramitação do projeto caminha a passos lentos.

No aspecto político, a primeira baixa se deu com o ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria Geral da Presidência, envolto no escândalo das candidaturas laranjas do PSL. Com a prisão de assessores do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no caso do laranjal, poderá ser o próximo a cair.

Posteriormente, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, foi à lona, por manifesta incapacidade administrativa, além de frases infelizes, como a que os brasileiros se comportam como “canibais” quando no estrangeiro, bem como querer recontar o golpe de 64 por outro viés, minimizando aquele período negro.

Houve, de igual modo, uma baixa na equipe econômica do até então intocável ministro Paulo Guedes, quando o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy, pediu exoneração, após declarações do presidente.

O ministro Sérgio Moro está no meio do fogo cruzado em razão do vazamento de conversas pelo site The Intercept Brasil entre ele e o Procurador da República, Deltan Dallagnol, na operação Lava Jato.

Entretanto, o ex-juiz ainda goza de credibilidade perante o governo e a opinião pública, mas se forem comprovadas a autenticidade dos diálogos sua permanência ficará, sem dúvida, insustentável.

Não se pode esquecer, ainda, as “pérolas” da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, do atual ministro da Educação, Abraham Weintraub e dos filhos do presidente (um deles sob suspeita de práticas nada republicanas). Tudo sob o olhar vigilante e mal-educado do guru ideológico dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho.

Cabe ressaltar que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, mostra-se, até o momento, o mais proativo, adotando medidas para “destravar os projetos de melhoria da logística do País, remover entraves burocráticos e reduzir exigências para a participação do setor privado em novos empreendimentos”.

Houve, é certo, uma baixa significativa no número de homicídios no país, mas não se pode aferir se existe uma relação direta com ações do governo federal ou se os estados-membros estão mais firmes no combate à violência.

Por outro lado, o desemprego continua em alta, na casa de 13 milhões de pessoas, e o consumo das famílias ainda não atingiu níveis que possam fomentar o crescimento da economia.

Faltam investimentos do setor produtivo, sem esses não há criação de postos de trabalho, aumento da renda e arrecadação de impostos.

Para o ministro Paulo Guedes a aprovação da Reforma da Previdência é uma verdadeira panaceia. Contudo, vale lembrar, que a Reforma Trabalhista iria criar milhões de empregos e, o que vemos, até o momento, foi mera retórica.

Cabe, ainda, menção ao relacionamento do governo com a comunidade internacional.

De início, a pretensão da mudança da Embaixada de Tel Aviv para Jerusalém causou mal-estar com os países árabes, tendo o presidente, de forma prudente, recuado. Aliás, não se entende a subserviência de Bolsonaro ao governo norte-americano. A vassalagem a Trump não condiz com o nacionalismo apregoado pelo presidente.

Ademais, recentemente, a Chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que é “dramática” a situação do Brasil em questões ambientais e de direitos humanos sob o atual governo e que ver com preocupação as ações do governo brasileiro em relação ao desmatamento.

Destaque-se, porém, que um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia está iminência de ser celebrado o que é um alento para a economia da nossa região.

Eis, em linhas gerais, os seis primeiros meses do governo Bolsonaro.

Por fim, é de se esperar que o governo pare de promover “um show de besteiras”, conforme afirmou o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, resgatando o país da crise social e econômica vivenciada há tempos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 23/06/2019 - 08:04h

Donos da verdade

Por Odemirton Filho

O livro 1984, de George Orwell, narra a história de um tempo em que o “grande irmão” vigiava tudo e todos com o objetivo de controlar a vida em sociedade.

Winston, principal personagem da narrativa, como seus pares, vivia preso à mão controladora do estado que observava os passos de cada um.

Entre os vários órgãos de controle estatal um merecia destaque: o ministério da verdade, que tinha por escopo recontar a história para ser se amoldar aos caprichos do grande líder.

“A história não passava de um palimpsesto, raspado e reescrito tantas vezes quantas fosse necessário”.

Com efeito, diante da quadra atual, presenciamos o recontar da história, através daqueles que se arvoram donos da verdade.

Ou seja, negar os fatos que ocorreram outrora parece ser a tônica do momento, tudo no afã de legitimar condutas e ideologias.

Ora, como sabemos, não se pode apagar o passado. Mas, para alguns, o que ficou para trás precisa ser esquecido ou, melhor, recontado, de acordo com o que pensa e apregoa, em um verdadeiro contorcionismo interpretativo.

Sobre o tema, em recente entrevista, o escritor Ignácio de Loyola Brandão reverberou: “A censura é o braço direito do governo totalitário. Querem, por exemplo, mudar os livros de história, mudar a história do Brasil”.

Entretanto, parece-me que o objetivo é, tão somente, redirecionar a nau ideológica à estibordo.

Esquecem, todavia, que fatos pretéritos devem ser sopesados, e não reescritos. É lição comezinha que erros e acertos ocorreram em todas as hostes políticas, seja à esquerda ou à direita.

Os fatos aconteceram e não podem ser recontados para atender aos interesses obtusos de alguns.

Assim, aos que querem ser donos da verdade, tomo por empréstimo a assertiva do douto professor Aécio Cândido, transformando-a em interrogação: “mas, enfim, o controle da verdade é o desejo de consumo de todo governo com tendências totalitárias”?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 16/06/2019 - 07:34h

Pressupostos, nulidade e imparcialidade do juiz

Por Odemirton Filho

A relação jurídica processual nasce com a propositura da ação por parte do autor e se torna completa com a citação do réu para responder ao pedido.

A jurisdição, a ação, a defesa e o processo formam a teoria geral do processo.

Todavia, para que a relação jurídica processual possa existir e ter validade é imprescindível que atenda a alguns requisitos, chamados pressupostos processuais.

Temos, assim, os pressupostos processuais de existência e de validade.

Conquanto exista divergência doutrinária acerca de quais seriam os pressupostos processuais, pode-se afirmar que para o processo existir é necessário a investidura do magistrado e que os demais sujeitos do processo – autor e réu – tenha capacidade de ser parte.

Para que o processo seja válido é fundamental que se tenha um juiz imparcial, a capacidade de estar em juízo e a capacidade postulatória (em regra do advogado).

Por outro lado, o nosso sistema processual é o acusatório, no qual existe o órgão acusador, o réu que apresenta sua defesa e o magistrado que julga. Há, desse modo, uma distinção em relação a função que cada um exerce no processo.

Com isso, PARA QUE SE TENHA UM DEVIDO PROCESSO LEGAL, é necessário que cada um se atenha às suas funções e o magistrado, sobretudo, fique equidistante das partes, a fim de que essas possam produzir as provas que entenderem pertinentes.

Entre os pressupostos processuais de validade ressalte-se o da imparcialidade do juiz. O magistrado imparcial é aquele que, em relação ao processo, somente “fala nos autos”, como forma de garantir ao jurisdicionado sua total isenção.

É certo que não se pode exigir que no silogismo jurídico, ao sentenciar, o magistrado não empreste sua carga de subjetividade à decisão.

Porém, o devido processo legal somente é garantido quando o magistrado, no seu livre(?) convencimento motivado, apresenta as razões de fato e de direito que embasaram o seu julgamento, sob pena de nulidade.

Dessa forma, “o princípio da imparcialidade do juiz se apresenta tanto no processo penal quanto no processo civil, justificando-se pela própria essência da função jurisdicional, que é a de dar a cada um, o que é seu, o que estaria profundamente prejudicado se exercido por um órgão estatal parcial”.

Por conseguinte, toda vez que o magistrado não fica distante das partes, e passa a aconselhar ou mesmo sugerir medidas judiciais fragiliza a sua imparcialidade.

O próprio Código de Ética da Magistratura estatui:

“Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil assinala:

Art. 145. Há suspeição do juiz:

IV – Interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

O Código de Processo Penal segue a mesma linha:

Art. 254.  O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

IV – Se tiver aconselhado qualquer das partes;

De se ressaltar que esses casos de suspeição devem ser devidamente analisados, a fim de se constatar a veracidade das alegações da parte que suscitou o incidente de suspeição.

Em consequência da suspeição é possível se declarar nulos os atos processuais praticados pelo juiz?

O Código de Processo Penal assevera que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. (Art.563).

É o princípio processual penal “pas de nullité sans grief” (não há nulidade sem prejuízo).

Portanto, não é um efeito automático, somente após a análise do caso concreto é que se pode aferir a extensão do prejuízo às partes, declarando-se nulo os atos processuais praticados.

Odemirton Filho é professor e oficial de Justiça

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domingo - 09/06/2019 - 09:42h

Elite do atraso

Por Odemirton Filho

A leitura do livro de Jessé Souza, que tem o título deste artigo, leva-nos a refletir sobre uma nova abordagem que autor faz sobre temas recorrentes no meio intelectual e acadêmico.

Temas como patrimonialismo, populismo, homem cordial e jeitinho brasileiro são abordados noutra perspectiva, fazendo-nos sair do quadrado que estamos acostumados a ficar.

Segundo o autor, o patrimonialismo tem em Marx Weber o seu expoente, tendo bebido na fonte Weberiana alguns de nossos intelectuais, a exemplo de Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda.

Conforme discorre, Weber pensou a dinâmica interna às esferas sociais, ou seja, a esfera social responsável pela política que se articula e define enquanto tal a partir do peso relativo da relação triádica entre o líder, o quadro administrativo e os dominados.Por outro lado, para Faoro, o patrimonialismo é engendrado em um estamento incrustado no Estado – a tal elite, como se ela estivesse até hoje no Estado, e não no mercado, o qual se apropria do aparelho de Estado e usa o poder deste de modo a assegurar a perpetuação de seus privilégios.

O populismo, tema caro nos debates acadêmicos, segundo o autor, se disfarça de leitura crítica da manipulação das massas, aparentemente em favor de uma organização consciente delas, assumindo o controle do próprio destino.

Para Jessé Souza o termo populismo é usado de forma a obscurecer quem, efetivamente, luta pelas demandas legítimas da classe social menos favorecida, com o objetivo de diminuir a desigualdade social que há muito grassa em nossa sociedade.

Em relação ao homem cordial, abordado por alguns de nossos intelectuais, seria típico de nossa sociedade, porquanto forjada na herança cultural lusitana.

Em razão desse legado estaríamos fadados a ser um povo com base em relações de afetividade, paixão ou sentimento, nascendo daí o jeitinho brasileiro.

Há, entretanto, outros aspectos abordados na mencionada obra.

O autor considera a classe média como o capataz moderno da elite ou uma verdadeira tropa de choque, sendo usada pela elite para legitimar os interesses dessa.

Enquanto a elite detém o capital econômico, a classe média possui o capital cultural, destilando ódio e preconceito contra a “ralé de novos escravos”, ou seja, as classes menos abastadas.

Todavia, sem adentrar em algumas questões suscitadas, é inegável a segregação econômica e social vivenciada pela maioria da população brasileira ao longo do tempo.

O Brasil tem sua linha social delimitada pela Casa Grande e Senzala, sobrados e mucambos e, atualmente, pelos condomínios e favelas.

Não se nega que há corrupção nos diversos níveis de poder do Estado, vicejando privilégios para poucos.

Contudo, a corrupção não é praticada somente por alguns políticos, como ressalta o autor. Há uma corrupção que se encontra invisível, que coordena e manipula a opinião pública em seu favor: o mercado de capital.

Vale acrescentar, um verdadeiro “mecanismo” que age de forma articulada, conforme uma série apresentada por uma provedora global de filmes.

Essa elite, que talvez represente 1% por cento da sociedade brasileira, usufrui do capital, vivendo à custa de rentismo e juros extorsivos.

Se é certo que não se pode criminalizar a elite do capital econômico que produz riqueza, gerando empregos e renda, não se pode fechar os olhos, por exemplo, para os dividendos exorbitantes de acionistas de grandes empresas que, sequer, são taxados.

É de se indagar: somente existe corrupção na classe política? Quando o presidente da República compartilhou um texto nas redes sociais sobre ser o país ingovernável, em face dos interesses corporativistas e em razão dos conchavos, a quem estava se referindo? Somente aos políticos?

Portanto, para o citado autor, “o patrimonialismo aponta o dedo acusador apenas às elites aparentes, ligadas ao Estado, mas que no fundo só fazem o trabalho sujo da verdadeira elite do dinheiro, que manda no mercado e permanece invisível”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 02/06/2019 - 08:04h

Lugar de fala como direito fundamental

Por Odemirton Filho

Em tempos de discussões acerca dos direitos das minorias e da proteção aos seus valores, impende explicitar o que se denomina lugar de fala.

O termo foi abordado pela filósofa Djamila Ribeiro, especialmente no contexto de discussões sobre direitos, reivindicações e percepções de grupos sociais historicamente marginalizados – como mulheres, negros e pessoas LGBTQ ou LGBTI.Nesse sentido, a autora pretende promover um amplo e plural debate no tocante a essas minorias no seio da sociedade. Como se sabe, não é de hoje que esses grupos veem seus direitos fundamentais violados por uma maioria que apregoa um modelo de vida que entendem correto.

Com efeito, o que se percebe atualmente, sobretudo nas redes sociais, é uma agressão constante a essas pessoas que, no mais das vezes, são caladas e violentadas por um sistema opressor de viés eminentemente misógino, LGBTQfóbico, racista e excludente.

A guinada à direita que experimenta boa parte do mundo, inclusive o Brasil, tem na pauta conservadora um expediente para minimizar a discussão do lugar desses grupos perante à sociedade.

Assim, nada melhor que as pessoas que sofrem essa discriminação tenham o direito fundamental de expor suas ideias, com conhecimento de causa, e que mostrem a violência a qual estão diariamente expostas.

Os direitos fundamentais, em um Estado Democrático de Direito, pertencem à toda coletividade – maioria e minoria – pois são direitos que ultrapassam um único indivíduo. São, destarte, direitos inalienáveis e que não admitem qualquer sorte de transação.

Em artigo que abordou o tema, no Congresso Científico realizado na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), as discentes Lorena Maria e Diana Maria escreveram:

“A convivência em sociedade impõe a necessidade de criação de normas que visem garantir a boa convivência entre os indivíduos. O lugar de fala, abordado neste artigo, busca restituir o espaço dos indivíduos culturalmente silenciados, independentemente do motivo. Além disso, visa garantir a pluralidade de pensamento, fatores admitidos na Carta Magna”.

E continuam:

“Os direitos fundamentais, vinculam-se a esse contexto quando se relacionam com o direito à liberdade, à democracia e à informação, já que têm por objetivo assegurar a dignidade da pessoa humana”.

Nesse contexto, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou a homofobia e a transfobia, equiparando à prática de racismo, embora ainda falte concluir o julgamento.

Portanto, o entendimento e o debate sobre o conceito de lugar de fala revelam-se da maior importância nos dias que correm, assegurando-se a esses grupos minoritários os seus inalienáveis direitos fundamentais, com voz e vez.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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