Por Marcos Ferreira
Então, como um pássaro cativo, eis que a gente se vê entre as grades de uma gaiola chamada vida em sociedade. Nessa gaiola, que também podemos chamar de tempo, somos prisioneiros de uma série de rigores e ditames. Temos que obedecer a isso e àquilo. Do contrário, se nos rebelarmos, cortarão o alpiste do final do dia ao começo da manhã. Talvez até por período mais longo. Não duvidem.
Alheios ao cativeiro, os notáveis cidadãos de bem vivem nas suas bolhas prisionais, crédulos de que têm algum poder sobre terceiros e que mandam em suas próprias existências. Não. Todos estão numa só clausura. É verdade, todavia, que uns dispõem de melhores casas de detenção. Esses possuem tornozeleiras eletrônicas e têm especial liberdade para deixarem suas penitenciárias residenciais e curtirem a noite sem serem incomodados por nenhuma autoridade policial ou judiciária. A esses é imposto apenas o dever de retornarem para suas casas no final da noite.
De tal modo, mesmo que a liberdade lhes pareça uma vitória inconteste, percorremos os limites dos nossos recintos prisionais a supor que usufruímos de plena liberdade. Isto porque, entre outros prazeres e sensações, cremos piamente que dispomos do direito de ir e vir para fazermos o que bem nos der na telha. A isto, com a licença de Saramago, poderíamos chamar de ensaio sobre a cegueira.
Por deleite ou imposição, temos o dever de frequentar determinados ambientes, sobretudo noturnos, escolher uma mesa requintada, ser de pronto atendidos por um garçom educadíssimo, e aí exibirmos nossa sociabilidade ante um copo de uísque com gelo (às vezes em harmonia com um cigarro) ou diante de um prato naturalmente de elevado custo. É o que estou dizendo. As casas de pasto, os restaurantes chiques, graças a Deus, estão repletos dessas pessoas sintonizadas com os padrões sociais. Os casais, as famílias, põem à mostra seu bom gosto e poder aquisitivo.
— Boa-noite. Traz um Old Par, por favor.
Aquele sapato em ótimas condições se torna feio aos olhos do dono e este resolve que seus pés carecem de outro mocassim. A esposa do homem julga que seu guarda-roupa está ultrapassado e vai a uma loja grã-fina, lança mão do seu poderoso cartão de crédito e, de uma só tacada, adquire quatro peças de fino corte e excelente tecido. Os filhos do casal também não ficam de fora do upgrade.
Estamos o tempo inteiro, além da reclusão das gaiolas metafóricas, sujeitos às vontades e humores do capital. Indivíduos de menor alcance monetário se endividam com frequência para se exibirem à altura de outros elementos de seu ciclo de amizades. Põem a corda no pescoço, gastam o que não podem e o que não têm para não fazer feio no aniversário da filha do patrão, ou no casamento do filho do gerente da empresa bancária. Não acreditam? Não estou contando nenhuma história da carochinha. Há pessoas que se enforcam até para comprar uma gravata chique.
Por que não vivermos segundo as nossas posses? Assim não haveria essas gaiolas. Ser natural, autêntico, não é apenas um indício de bom caráter. É ter zelo e respeito consigo próprio. Abandonemos as cadeias da pose e da aparência. No fundo, bem no fundo, todos nós somos seres alados. Uns com ambições maiores, outros com ambições menores. E eis que o céu permanece tão azul e o voo é livre.
Basta, enfim, de tantos grilos e grilhões.
Marcos Ferreira é escritor