• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 02/10/2022 - 15:38h

Maranhão – Capítulo VIII

Por Inácio Augusto de Almeida

Vargem Grande poderia ter, no máximo, dois mil habitantes. O único hotel da cidade era a pensão da Dona Luzia, uma mulher bastante robusta, de cabelos aloirados e olhos esverdeados. Os quartos eram delimitados por tabiques.

Na verdade, um grande salão tinha sido dividido em vários cubículos pela Dona Luzia. Sandoval já estava na pensão há uns dois dias, tempo que dedicara a conhecer a filha de Luzia, uma mocinha linda que começava a desabrochar para a vida. Muita gente em Vargem Grande falava que a pensão vivia quase sempre cheia mais pela menina-moça do que pelo conforto ou pela comida. Talvez falaços de uma cidadezinha do interior maranhense nos anos 50 deste último século do II milênio.

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Diariamente tinha que caminhar mais de vinte quilômetros carregando um teodolito e o respectivo tripé. Coisa de uns trinta quilos, pois a madeira do tripé era de maçaranduba-do-pará. Mas nem mesmo este esforço que deixaria extenuado um homem comum conseguia cansar Sandoval. Acostumado que estava, desde garoto, à prática de esportes, principalmente o halterofilismo, para ele, aquilo representava um esforço normal. Além do mais, a perspectiva do ganho que iria lhe possibilitar alimentar-se pelos próximos dois meses…

O vento batia um pouco forte e levantava alguns redemoinhos aqui e ali. A areia seca do verão chegava a tocar os olhos de Sandoval. Olhos que estavam umedecidos pela saudade do tempo em que galopava pelas grandes campinas, montado num fogoso alazão.

Sandoval estava sentado na borda de uma cacimba. Um pé a balançar e o outro colocado em cima do anel que circundava o poço. Brincava de balançar a corda da lata, talvez imaginando-se a laçar algum touro bravio. A tarde de domingo apenas começava.

– Sandoval. Sandoval.

– Hein.

Levantou os olhos e viu aquele garoto de cabelos que lembrava uma escova de sapato.

– Você, por aqui? O Lopes também arranjou alguma coisa para você?

 – Não, não. Eu apenas tenho que apanhar uns papéis, umas cadernetas de anotações. Mas foi seu Lopes que arranjou para mim esta viagem.

 – Já sei. São as cadernetas de anotações das leituras do teodolito. Estão lá no hotel, no quarto do Ribamar.

Quando Sandoval começava a ficar de pé, percebeu a aproximação de uma senhora de idade bastante avançada. Magra, de olhos fundos, maltrapilha. Tentou desviar os olhos daquela velha que parecia ser fantasmagórica, mas não conseguiu. Estava como que cristalizado por aquela imagem. Notou nos olhos da velha uma profunda ternura, uma simpatia irradiava do semblante da velhinha. Olhou para o garoto e viu que ele também estava embevecido.

– Sente, meu filho, sente.

– Eu?

– Sim, você. E você, menino, fique também.

Izaías, que já pensava em começar a sair, meio a contragosto, ficou.

– Dê-me a sua mão, eu leio mão.

Sandoval relaxou. Abriu o sorriso e com os olhos brilhando:

– Eu não tenho dinheiro. Nem eu, nem este garoto. Nós somos dois lascados.

– Eu estou pedindo sua mão para ler. Eu não estou lhe pedindo dinheiro.

– Tudo bem, mas estou lhe avisando que não tenho dinheiro.

– Eu estou pedindo a sua mão para ler. Eu não estou lhe pedindo dinheiro.

A velha começou a olhar a mão de Sandoval. Ficou muito séria. Olhou para cima como se buscasse, nas nuvens que passavam, explicação para o que acabara de ver nas linhas da mão daquele moço. Coçou a cabeça, fechou a mão do Sandoval, dobrando os dedos fortemente. Uns dois minutos se passaram, tempo em que pareceu mergulhar num profundo transe. Por fim, abriu os olhos e, bruscamente, voltou a espalmar a mão dele. Sandoval já não sorria. O ar de gracejo tinha desaparecido do seu rosto.

– Você vai viver para sempre no Maranhão. Você já viveu outras vezes aqui no Maranhão. Esta não é a primeira vez que você vive aqui. Você vai ser uma autoridade muito grande. Não vai ser maior porque uma mulher vai lhe prejudicar muito.

Nesse momento, Sandoval lembrou-se da história de que toda cigana sempre fala que uma loura ou uma morena…

A velha voltou a falar:

– Não é isto que você está pensando. Eu falo de uma mulher que devia lhe proteger, lhe ajudar. E que tudo fará para lhe destruir. Não, não me pergunte quem é esta mulher. Quando for o tempo de saber, você saberá. Eu só posso lhe dizer isto.

 –  Diga-me, diga-me quem é esta mulher.

 – Não posso.

 – Se ela me fizer tanto mal, assim como você está me dizendo, eu mato a cachorra.

 Quando Sandoval falou em matar a mulher que iria prejudicá-lo, pela primeira vez a velha sorriu.

 – Esta mulher que vai prejudicar muito a sua vida, esta mulher você não poderá matar.

 – Por quê?!

 – Quando o tempo chegar você saberá porque.

 O garoto Izaías estava meio assustado.

 – E quanto a minha vida? Perguntou Sandoval?

 – Você vai se casar e terá filhos.

 – Casar, ter filhos?

 – E conhecerá seus netos. E passeará com seus bisnetos.

 – Então eu vou viver muito?

 – Isto eu já lhe respondi. Desta vez você veio para se demorar mais.

 Izaías estava meio tonto. A velhinha já lhe era até simpática. Quase sem voz, estirou a mão e pediu que ela também lhe dissesse alguma coisa.

 – Você, meu garoto, não vai ficar aqui no Maranhão.

 A velhinha levantou a vista e meio séria falou:

 – Você vai virar o mundo. Sua vida é sem muitas novidades. Talvez por isso você termine escrevendo livros.

 -Ele, este garoto, vai ser um escritor? Há, há, há, esta eu vou contar para o Lopes.

– Fale nada para o Lopes não. Ajude o Lopes nos anos que virão. Lembre-se sempre destes anos de agora. E agora eu já me vou. Nós ainda nos veremos, no dia que você voltar a Vargem Grande como autoridade.

– Quando a velhinha ia saindo, Izaías tirou do bolso a única moeda que tinha e deu àquela que acabara de predizer o futuro dele e o de Sandoval.

Ao ver Izaías dar a moeda, Sandoval riu.

Então, garoto, você acreditou?

ACOMPANHE

Leia tambémMaranhão – Capítulo I;

Leia tambémMaranhão – Capítulo II;

Leia tambémMaranhão – Capítulo III;

Leia tambémMaranhão – Capítulo IV;

Leia tambémMaranhão – Capítulo V;

Leia tambémMaranhão – Capitulo VI;

Leia também: Maranhão – Capítulo VII.

Inácio Augusto de Almeida – Boêmio/Sonhador

(Continua no próximo domingo)

Compartilhe:
Categoria(s): Conto/Romance

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.