Acordei com seu cheiro. Estou com seu gosto na boca.
Sensação de que dormes, ainda, ao meu lado: corpo desnudo. Inerte. Sou feliz, presumo confiante.
Desejei acordá-la. Não. Melhor não.
O sublime silêncio, agora, é outra forma de prazer. É o lado "B" de nossos gritos, gemidos e sussurros rodriguianos em comunhão com a placidez lírica de Mário Quintana.
A respiração lenta atrai-me. Comove-me. Petrifica-me novamente. Mesmo assim, contenho-me.
Sou bicho em estado contemplativo. Sou companhia ausente, virtual até. Mesmo assim estou aqui, paradoxalmente próximo.
Confesso-lhe e, que não me ouças: tenho a sensação de onipresença. Onipotência também.
Sobre o criado-mudo um copo guarda pouca água. Não é-nos mais útil. É matéria subalterna, nesse cenário de suposta desordem. Tudo está em seu lugar.
Nossos corpos, líquidos, agora frios e paralisados, provam que somos animais ardentes. Em erupção, cuspindo e jorrando magma.
O lençol amarrotado forma sulcos e vincos, trilhas que me levam ao seu encontro. Os travesseiros, soltos, são nossas barricadas. Protegem-nos do mundo lá embaixo, onde chinelos e roupas espalhadas formam um teatro de guerra napoleônico. O "Guerra e Paz" de Tolstoi.
Batalha sem vencidos ou vencedores. Somos sobreviventes. Que bom!
Meu olfato de perdigueiro campesino sente tudo no ar. Levita-me. Entretanto a física é inquestionável: "Tudo que sobe, desce".
– Desculpaê, véi! – Exumo sua frase provocativa, solta em nossa madrugada, desdenhando meu poeta gaúcho. "Quintana não é velho, não", retorqui.
Apesar da afronta, aceitei o reparo.
Gostamos desse gaúcho imortal. Gaúcho de Alegrete, tchê! Nasceu lá. Só poderia ser Alegrete: "Pequeno vaso para plantas e flores", informa o Aurélio.
Guilherme Arantes reconcilia-nos. "O tal casal", de Vanessa da Matta, tem participação especial. "É a minha cara?" Pergunto. Pode ser. "Xá pra lá!", desconverso.
No fundo, continuo vivendo a metáfora do mineiro chileno: prestes a ser "salvo", alimento ansiedade, não o descontrole. Sei que chego já à superfície da minha vida.
Preciso ir.
Há tempo ainda de ver minha caixa de mensagens no celular, largado ao chão por tantas horas ensurdecedoras ou não. O netbook continua ligado. A tela é minha natureza morta, inanimada. Deixo-o lá.
Torpedo: "Abuso. Por que você não aparece? Saudades."
Teclo furtivamente e respondo pra quem ainda dorme ao meu lado:
– Chego já. Cuide-se!
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